6. Selvagens
— Dragões? — Falei assombrada, fazendo Kiram rir.
— Nunca viu um? Na capital da madeira eles estão por todas as partes, são parte da academia.
Absorvi aquelas informações. Eu sempre me considerei corajosa, mas nunca tinha me imaginado de frente com uma dessas criaturas.
— Quantos deles vocês tem? — Perguntei.
— No reino da madeira? Algumas dezenas. — Ele respondeu.
— Se existem tantos lá, por que você veio até aqui para buscar mais? Não existem dragões por essas bandas.
— Eu também pensava assim até alguns meses atrás, quando ouvi boatos sobre um dragão prateado sendo avistado por aqui. — Ele contou. — E para responder sua pergunta, posso ter que dar uma longa explicação, se não se importar de ouvir.
— Vá em frente. — respondi, me surpreendendo com sua educação.
— Há centenas de anos os dragões e homens se uniram, contudo, ao passo em que nosso tempo de vida é curto, os dragões são milenares. — Kiram explicou. — Por conta disso, os dragões podem ter vários cavaleiros durante a vida. Estes que já viviam aliados a humanos são chamados de domados. Ainda existem aqueles poucos que nunca tiveram um cavaleiro, os selvagens, que por serem os únicos que conseguiram resistir aos que tentaram domá-los são os mais fortes, os mais vorazes. São apenas os mais fortes deles que ainda restam livres mesmo depois de centenas de anos de rastreamento. São eles que busco, é de um selvagem que vou ser cavaleiro.
— E você já viu algum selvagem? — Tornei a perguntar. — Quanto tempo está atrás deles?
— Faz quatro anos que parti da capital, e nunca encontrei nem rastros de um. — Kiram riu. — Alguns rastreadores passam a vida sem encontrar nenhum.
Parei um tempo para pensar em suas palavras. Se era assim, então por que ainda procuravam, já não era o suficiente os dragões que tinham?
— Só conheci um rastreador que conseguiu encontrar e domar um dragão selvagem. — Ele falou adivinhando minha próxima pergunta.
— Quem?
— Meu pai.
Assenti, sentindo meu corpo começar a sucumbir para o sono.
— Sem jantar hoje, pelo que parece. — Escutei antes de adormecer.
Acordei no dia seguinte assustada, a luz do sol começou a aparecer pela janela e eu tinha apagado durante a noite inteira.
Eu sempre tinha me curado rapidamente, mas aqueles ferimentos ainda precisariam de mais um bom tempo para cicatrizarem completamente.
Um barulho alto do lado de fora anunciou o que estava por vir. Ouvi o barulho das correntes de Kiram e olhei em sua direção. Ele ainda estava deitado no chão duro, mas seus olhos estavam abertos e olhavam para mim.
— Lembre-se que não vão matá-lo até saberem o que querem. — Kiram sussurrou para mim minutos antes de a porta se abrir.
— Aldor está muito ocupado para lidar com você hoje, mas não se preocupe, sou um especialista em fazer as pessoas abrirem o bico. — Um homem ossudo e baixinho falou assim que entrou seguido de mais alguns contrabandistas corpulentos.
— Levem-no para a sala de tortura.
Merda. Pensei, meu plano tinha acabado de falhar. Tudo parecia se encaixar quando Aldor tinha dito que viria pessoalmente. Era a oportunidade perfeita para completar o trabalho e escapar, agora meu plano teria que esperar.
Um contrabandista desprendeu minhas correntes da parede, e puxou, tropecei para levantar quando ele continuou puxando os grilhões, senti minha carne puxar por baixo das argolas de metal, aquilo ia deixar hematomas.
Andei aos tropeços até conseguir acompanhar o ritmo do homem. Ele me levou mais para fundo no porão que usavam como celas, o corredor, se não fosse pelas raras velas presas a parede seria um completo breu.
Eu me sentia desprotegida, o peito de couro de minha armadura estava solto, e com certeza seria tirado por aqueles homens. Minha maior preocupação naquele momento era não ser descoberta.
Quando o homem finalmente parou de puxar as correntes e abriu uma porta parecida com a da cela que estava, eu soube que tínhamos chegado.
O baixinho já estava dentro, rodeado de homens e mexendo em vários instrumentos grandes e enferrujados.
No centro de tudo uma cadeira de madeira me esperava, e então dei o primeiro passo, e mais outro, e mais um, me sentando na cadeira confortavelmente, sem que ninguém me obrigasse a isso, me diverti com o silêncio que se seguiu.
— Vamos acabar com isso logo? — Falei com uma sobrancelha erguida. — Eu não sei.
O baixinho riu, e se aproximou de mim lentamente, depois de dar um sinal para um dos homens me amarrar firmemente na cadeira. Dei um meio sorriso quando encarei meu torturador.
— Meu...
— Eu não sei. — Eu o interrompi.
— O que eu ia dizer era que...
— Eu definitivamente não sei. — Interrompi novamente, apenas para sentir minha cabeça voar com um soco de um dos fortões, a dor aguda que se seguiu foi inesperada, e faria minha mão massagear minha mandíbula se não estivesse amarrada.
Aquilo quase me fez rir. Tinham escolhido o método errado de tortura, eu já tinha levado muitas surras.
— Eu não sei. — Falei entre fôlegos, lançando um olhar desafiante.
— Quero ver se vai continuar assim depois que eu acabar com você.
Minha mente imediatamente começou a trabalhar, tinha que pensar em uma maneira de lutar mesmo amarrada, se as coisas chegassem a um ponto perigoso. Um soco na barriga me fez arquear.
— Eu não sei. — Falei, levando outro soco.
— Vocês são estúpidos? — O homem baixinho falou. — Por quanto tempo vão ficar dando socos por cima da armadura.
Xinguei, e imediatamente tinham tirado minha proteção de couro. Aqueles caras não eram muito inteligentes. Testei minhas contenções, meus braços e pés estavam tão bem amarrados que estavam prendendo minha circulação.
— Me chamo Golam. — O baixinho anunciou. — É esse nome que deve chamar quando me implorar para morrer rápido.
— Deve escutar muito isso de suas mulheres na cama. — Retruquei.
Quando Golam fechou a cara, os homens a sua volta deram risadinhas.
— Já chega. — Golam gritou consternado. — Quem o mandou aqui?
Assisti o maior dos homens vestir anéis de ferro feito para fazer ainda mais estrago em um soco.
— Não sei. — Falei, quando imediatamente levando um soco. Senti a pele de minha bochecha rasgar com o impacto dos anéis, e guardei um grunhido de dor.
Isso continuou por mais algum tempo, a cada resposta negativa um golpe. Meu corpo todo doia, e ja não fazia força para conter os gemidos de dor. Eu estava começando a ficar zonza quando finalmente tudo parou.
— Eu não sei, porra. — Falei mais um vez.
— Você é um dos difíceis. — Golam elogiou.
Minha visão estava embaçada, e não podia abrir o olho totalmente por conta do inchaço em meu rosto, mas mesmo assim levantei a cabeça para encará-lo.
— Olha só que sujeira que você está, que tal um banho?
O gosto de sangue em minha boca estava cada vez mais forte. E podia dizer que pelo menos meu rosto estava coberto de sangue seco.
Foi então que entendi o que ele queria dizer, uma grande bacia com agua foi trazida para perto de mim. E quando chegou perto o suficiente Golam agarrou meus cabelos e mergulhou minha cabeça na água gelada. Soltei um pouco de ar assim que entrei com a cabeça na bacia, impedindo que a agua entrasse em meu nariz, e segurei a respiração. Graças a meu pai eu podia prender a respiração por muito tempo.
Lutei contra a vontade de abrir os olhos, e esperei. Meu corpo começou a tremer pela temperatura fria da agua, e depois de alguns minutos começei a sufocar, meus pulmões lutavam por ar, mesmo que tentasse manter minha respiração presa.
Quando não consegui mais aguentar, dei um tranco para frente, tentando me livrar do aperto das correntes, e lutei para levantar a cabeça, quando percebi que mais mãos se esforçavam para mantê-la debaixo d'água.
A agua entrou pelo meu nariz e boca diretamente para meus pulmões, senti todo o caminho que ela percorreu arder em brasa, me debati furiosamente, quando eles finalmente me permitiram subir.
Assim que minha cabeça saiu da agua eu trabalhei para me recuperar, um ataque de tosse tirou um pouco da agua de dentro, me permitindo tomar um longo fôlego. A sensação de afogar era desesperadora.
— Quem foi que o mandou para matar Aldor? — Golam perguntou. — Acha que isso vai ficar mais fácil garoto? Eu estou só começando.
— Eu também. — Respondi. — Ainda nem matei minha sede.
Minha cabeça estava novamente na bacia. Golam colocava e tirava, me deixando afogar me recuperar, apenas para repetir o processo.
Eu estava exausta, minha mente tinha entrado em um estado de torpor, nem ao menos me preocupava em responder, não sei. Eu já estava ali por horas, e sentia que poderia desmaiar a qualquer momento.
— Já chega. — Golam interrompeu, ja irritado. — Vamos tentar com o chicote, tire a camisa dele.
Meus olhos se abriram imediatamente, e minha mente se despertou com aquelas palavras. Se fizessem isso, eles iriam descobrir.
Comecei a rir, sarcástica.
— Tudo bem. Tudo bem. — Manejei falar. — Eu juro que estava tentando ser um cara legal, sabe como é, não matar vocês, mas isso aqui já foi longe demais.
Testei novamente as amarras, e ouvi os quatro homens rirem de minhas tentativas falhas de me soltar. Bufei, eu estava tão machucada que provavelmente aquilo iria doer como um inferno.
Assim que Golam veio novamente em minha direção eu agi. Usei a força que tinha restante para me jogar duramente no chão, e quase gritei quando senti a dor, contudo o barulho que se seguiu anunciou o que eu esperava, a cadeira tinha se quebrado.
Mesmo com os pés amarrados, eu usei a corrente em meus braços para derrubar Golam, e adorei ver sua feição assustada, e seu grito agudo quando pisei em seus testículos, com força. Demorou um segundo para os brutamontes entenderem o que tinha acontecido, mas eu já estava com as mãos para frente, me rendendo. Ainda não era a hora de sair dali.
— Levem-no para cela. — Golam gritou depois de gastar algum tempo para se recuperar. — Vou acertar as contas com você depois.
Eu ri da maneira em que o homem baixinho cambaleou para fora do lugar com as mãos protegendo suas partes. E quando olhei para cima, eu não era a única a rir. Os contrabandistas se dobraram em gargalhadas assim que Golam estava distante o suficiente para não ouvir.
Senti meus joelhos cederem, quando um deles deu o primeiro puxão em minhas correntes.
— Você parece uma merda. — Kiram falou assim que fecharam a porta da cela atrás de mim. — Não te reconheceria com o que fizeram com seu rosto.
Deixei meu corpo cair perto da parede onde tinham prendido minhas correntes, e respirei fundo.
— Vai ficar com belas cicatrizes para contar a história. — Ele continuou.
Não seriam as primeiras, meu corpo era coberto delas, mas tinha dado a sorte de ter apenas duas no rosto, uma próxima a orelha, e uma pequena cortando a parte final de minha sobrancelha direita.
Eram apenas o símbolo de minhas vitórias.
— Você foi bem...
— Ailin. — Contei, com uma voz fraca.
— Como?
— Meu nome é Ailin. — Repeti. — Fale-me sobre os dragões.
Olá!! Mais um capítulo de a cavaleira de dragões e veio adiantado, já que amanhã vou estar viajando, o que estão achando da história? E dos personagens? Alguma teoria?
Agora já sabemos mais um pouquinho sobre os dragões.
Muito obrigada por lerem, não se esqueçam de clicar na estrelinha, por favor!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top