41. Vingança

Pode ter sido apenas um sonho. Falei para Modesh, ao vasculhar todos os cantos da vila em busca de Pauline.

Dificilmente. E você sabe disso.

Eu sabia. Eu sabia com toda a certeza que tinha em meu corpo ainda fraco pelo surto de raiva que aquilo tinha sido real. Mas eu precisava ter certeza, precisava saber se era algo que eu poderia evitar se aquilo ainda iria acontecer. Abri a porta para a cabana bem mobiliada e aconchegante, apenas para ver Pauline sair de um dos quartos em roupas de dormir, com um olhar sonolento.

Do lado de fora nenhum dos guardas tinham me parado. E ninguém servia a filha da rainha.

— Eu gostaria de fazer uma pergunta.

A filha da rainha abriu a boca para protestar, e então, se calou quando viu a urgência em meu rosto.

— Claro. — Ela falou, e então se sentou em uma poltrona próxima, fazendo um sinal para que eu me sentasse.

— As visões de sua mãe. — Perguntei sem rodeios. — Como elas são.

Pauline franziu o cenho, e hesitou algum tempo antes de responder:

— Ela vê fragmentos, possibilidades do futuro. — Pauline contou. — Pelo que ela conta as visões veem de repente, são extremamente confusas mostram inúmeras possibilidades, e podem ser um tanto debilitantes, levou algum tempo até que ela conseguisse controlar o dom.

As minhas não eram assim.

A porta da frente se abriu mais uma vez, Kiram entrou afoito, soltando um suspiro quando seu olhar encontrou com o meu. Atrás dele a cavaleira de dragão arrogante que tinha conhecido mais cedo. Foi ela quem falou primeiro:

— Temos que ir para o palácio imediatamente, Pauline, uma notícia terrível foi nos encaminhada pela corte de sua mãe.

O olhar de Pauline da cavaleira para mim, e eu soube que ela tinha desconfiado de algo.

— O quê? — Perguntei, me levantando. — O que aconteceu?

— Não costumam dar detalhes pelos livros, qualquer um pode ler. — Ela respondeu. — Mas algo terrível e grave aconteceu, e um mago foi morto. A rainha ordenou o retorno imediato de todos os herdeiros, e suas cortes assim como o seu Pauline.

Então era verdade. Aquelas palavras foram como facadas em meu estômago, mas eu não me permiti desabar, não novamente. Eu tinha um novo propósito, iria descobrir como acabar com tudo aquilo, e então quebraria cada osso no corpo do morto vivo, enquanto ele ainda estivesse vivo e implorando para que eu parasse. Eu sentia minha fúria pulsar, implorando para ser libertada mais uma vez.

Vamos precisar do diário. Ouvi Modesh em minha mente.

O diário de Alintanie, que de acordo com Polan estava no reino de Rubi. Agora eu sabia exatamente como obtê-lo.

Pauline já passava pela porta com uma pequena bolsa e um sobretudo quando eu falei.

— Espere. Eu vou com vocês.

— Não nos atrase. — A cavaleira falou.

— Você é quem devia estar preocupada em não me atrasar. — Respondi somente, saindo pela porta com Kiram em meu encalço, quando Modesh e Gaariel pousaram, esperando por nós.




A capital do reino de rubi era imensa. Um mar de casas feitas de todo tipo de material perfeitamente simétricas e organizadas. Ainda mais impressionante visto de cima. Modesh começou a perder altitude, se preparando para pousar enquanto esperava a aproximação dos demais dragões, nós não poderíamos entrar no castelo sem a presença deles. E então apenas sobrevoamos a cidade e suas praças, em direção a um lago de aguas rosadas.

São as algas que vivem no fundo dele que fazem as água ser dessa cor. É extremamente tóxico, e um banho ali pode fazer derreter até seus ossos.

Arregalei os olhos.

Na beira do lado um enorme castelo que parecia brilhar a luz do sol se escondia por trás de muralhas.

São rubis.

O castelo todo está coberto por rubis?

Não todo. Mas as partes importantes.

Ficamos um tempo admirando a paisagem, a proximidade com o dragão aliviando o peso que parecia pender sobre mim. Quando finalmente o comboio se aproximou, Modesh se juntou a eles, voando uma cabeça mais a frente daquele que vinha primeiro.

Quando mais nos aproximávamos no castelo, com mais clareza eu podia ver o brilho os rubis, quase cegante à luz do sol.

Quando vim aqui pela última vez a filha de Alintanie era escorraçada do trono.

O que quer dizer?

Quando a antiga rainha morreu, Rubi era o mais próspero e sábio dos reinos. Modesh contou. Mas assim que sua filha assumiu as coisas mudaram. Elesberta era a única herdeira, e totalmente cega pela sua própria riqueza. Ela não era capaz de administrar uma simples coleta de impostos, ou controlar o contrabando de azuli de se enraizar no território, o reino faliu, pessoas morreram de fome, mas a nova rainha não movia sequer um dedo. Tudo estava bem enquanto ela tivesse tolis o suficiente para bancar seus banquetes e bailes. Os nobres a depuseram, e instauraram um sistema de merecimento, apenas aqueles que merecessem seriam nomeados herdeiros e teriam títulos de nobreza, e os descendentes dos monarcas eram proibidos de serem escolhidos herdeiros até a quinta geração.

Parece justo.

Modesh pareceu achar graça.

Nada é como parece.

O comboio pousou e seu desci de Modesh, que levantou voo logo em seguida.

— Espera. — Kiram chamou, agarrando meu braço, antes que eu pudesse seguir a todos para dentro perguntou. — Não vai me dizer o que, por todos os cinco reinos, está acontecendo aqui?

Suspirei, exasperada, não esperava que Kiram fosse me seguir até ali, essa não era sua luta.

— O mago morto, é Kareno. — Respondi, as palavras saindo mais difíceis do que eu pensava que sairíam.

Kiram arregalou os olhos e soltou meu braço.

— Como sabe? Lorilae, eu sinto muito mesmo. — Seus olhos preocupados procuraram por algum tipo de reação em minha expressão.

— Eu tenho essas visões. Não é importante. — Falei tentando engolir o bolo que tornava a se formar em minha garganta. — Eu preciso estar aqui agora e prometo que irei explicar assim que as coisas se acalmarem.

Kiram deu um sorriso triste, e levou sua mão até minha bochecha. Tentei conter o embaraço quando ele trouxe meu rosto mais para perto e depositou um beijo carinhoso em minha testa.

— Está pronta? — Perguntou.

— Sim. — Respondi, me deixando ser guiada para dentro das enormes portas do palácio.




— Deixe-nos. — A rainha pediu a Pauline assim que a jovem lhe explicou tudo o que tinha acontecido na vila.

Ela saiu do salão, deixando-me sozinha com a monarca e cinco outras pessoas que cercavam seu trono.

— Esses são minha corte. — Ela falou. — Alguns deles me acompanham desde que eu era apenas uma herdeira, os que são teimosos demais para aceitarem minhas ofertas de aposentadoria. São as pessoas que mais confio nesse lugar.

A rainha era diferente do que eu tinha imaginado, seus cabelos longos e brancos batiam quase na altura de seu quadril, e estavam enfeitados com uma coroa prateada fina, com pedras enormes de rubi. Ao seu lado, quatro homens e uma mulher me encaravam com feições sérias, e mãos prontas nas bainhas de suas espadas. Dois deles, assim como a rainha, pareciam ter em torno de sessenta anos de idade, já os demais eram mais jovens, não passando da meia idade.

— Não sei se está ciente disso. — Ela começou. — Mas histórias sobre você correm os reinos. A garota que se vestia de homem para sobreviver nas terras sem lei, e que se entrelaçou com um dragão sem a doma. Claro que várias versões de como isso aconteceu chegaram aos meus ouvidos e ficaria encantada em descobrir qual delas é verdadeira.

Franzi o cenho e bufei.

— Não sou um personagem de livros. Muito menos um contador de histórias.

Os membros da corte real se remexeram inquietos, alguns até apertaram com mais força a bainha de suas espadas.

— Vão estar mortos antes que consigam sacar a espada. — Falei mal-humorada.

Com um movimento sutil com a mão, a rainha fez cessar a agitação de sua corte.

— Claro que não é. Admiro pessoas reservadas. — Ela tornou a falar. — Pelo que Pauline disse, não só salvou minha única filha, como uma vila inteira de um ataque que obviamente não estávamos esperando.

Minha paciência para tudo aquilo estava ficando curta. Eu não tinha facilidade com diplomacia e conversas agradáveis.

— Eu estou grata por isso. E gostaria de saber como podemos recompensá-la.

Finalmente.

— O diário de Alintanie. Preciso lê-lo.

A rainha torceu os lábios, e alguns membros de sua corte soltaram risadinhas.

— Temo que não será possível. O diário é o maior tesouro do reino e está proibido para qualquer um senão... eu. — Ela retrucou usando um tom de voz um pouco mais firme.

Quase rosnei de frustração, minha cabeça pensando nas milhares alternativas e caminhos, já estava deixando o lugar quando a rainha falou as palavras que me fizeram ficar.

— A menos que...

— A menos que o quê?

Ela sorriu. 

— A menos que aceite minha proposta. E se torne minha herdeira.



— Como? — Perguntei, sem tentar esconder minha surpresa.

— A menos que se torne herdeira do reino de Rubi.  — A rainha tornou a falar, com um sorriso presunçoso. E então se virou para sua corte. — Vá buscá-los.

Precisei dos bem vindos segundos os quais o mais velho da corte demorou para sair do salão para pensar em algo para responder. 

— Isso é completamente insano. — Falei, fazendo a rainha soltar uma risadinha que apenas confirmou minhas palavras. — Não desejo ser rainha de tolos. 

— Quem disse algo sobre ser rainha? — Ela zombou. — Será nomeada herdeira, apenas como uma fachada, uma facilidade para espionar, e investigar.

Levantei as sobrancelhas e estarei o pescoço, impaciente.

— Dois de meus herdeiros morreram há menos de uma onzena. A causa tinha sido uma doença misteriosa, até meu mago mais antigo refutou essa ideia, ele não compartilhou a informação para ninguém mais a não ser eu. Segundo ele, o que matou os herdeiros foi um veneno raro, de uma planta encontrada apenas no reino de ouro. Com toda a segurança desse lugar, a única maneira de algo assim ter acontecido é o responsável ter sido alguém de dentro do castelo. Ou ao menos de muita confiança. Por isso foi nomeá-la herdeira.

Parei para pensar nas informações. A rainha deveria estar desconfiada de todos, para pedir algo assim para alguém que mal conhecia, e vários sussurros ofendidos vieram da corte da rainha.

— É impossível, majestade, com todo o respeito. — O mais alto falou. — Já nomeou os cinco herdeiros.

A rainha abanou.

— Não existe tal lei. Escolhemos cinco apenas pela tradição do número. — Ela rebateu.

— Mas majestade...

— Está decidido. Ela precisa estar dentro para conseguir realmente investigar. Lorilae será herdeira, descobrirá sobre os assassinatos, poderá ler o diário, e então estará livre para seguir seu caminho, mais rica do que jamais sonhou. — A rainha falou ainda mais autoritária. — Até lá, cavaleira, você terá todas as regalias e poder da posição, que usar como vantagem, para conseguir qualquer plano que tenha em mente para aquele diário. E então?

Não precisei pensar muito para responder. Sabia que Modesh concorda comigo quando dei minha resposta:

— Tudo bem. Vou jogar como quiser. 

— Anunciem que a rainha decidiu nomear outra herdeira. Lorilae das terras sem lei, responsável por salvar nosso povo será herdeira assim como tal terá uma corte para servi-la até o fim de suas vidas. — A rainha falou, e então se virou para mim. — A quem interessar sua mãe era uma plebeia de Rubi, assim ninguém terá coragem de contestar sua posição.

Uma batida na porta terminou a conversa.

— Entrem. — A monarca ordenou, e Kiram entrou acompanhado de outras cinco pessoas desconhecidas.

— Lorilae, conheça sua corte. —  Ela falou apontado para para as pessoas na ordem em que chegaram. — Alexis. Davos. Jadeone. Starne, e bom... acho que já conhece esse rapaz maravilhoso, príncipe Kiram.

— Só pode ser brincadeira. — O mais alto deles exclamou. — Não vou perder meu tempo protegendo essa... Quem é essa mesmo?

Um assobio de aprovação passou pelos demais membros do grupo.

Eu abri a boca para responder, mas a rainha bateu com o braço lotado de puseras no trono de prata, chamando atenção de todos nós. 

— Não aceitarei que me conteste dessa forma, cavaleiro. — Sua voz ressoou pelo salão e eu me surpreendi com o tom sombrio por trás das palavras. — Sabem muito bem a posição em que se encontram. São páreas.

— Tia, eu... — A única mulher do grupo começou.

— Nem tente Alexis. Vai fazer o que mando, sabem as consequências de desafiar as minhas ordem. Cinquenta anos na prisão e então exílio. Já é a hora de vocês tomarem alguma responsabilidade e interromper essa vida de rebeldia e bebedeira, já não são adolescentes. Você especialmente Davos, tem uma dívida a acertar.

Aquela conversa estava me deixando totalmente entediada, e não consegui segurar o bocejo. Recebi um olhar zangado de Davos, o mesmo que tinha começado toda aquela comoção.

  — Isso está se alongando demais. — Ela terminou. — Façam seus juramentos a ela. Sabem como funciona.

Aquele que ela apresentou como Starne veio primeiro. Ele não era tão alto quanto eu, mas a robustez de seu corpo provavelmente supria essa deficiência, era loiro e toda a pele de seus braços era marcada por desenhos estranhos e complexos. Ele se ajoelhou sem me olhar, juntando o polegar com o indicador na altura do peito. Assim como Kiram uma vez tinha feito. Aquilo era um juramento mágico.

— Juro minha fidelidade a Lorilae, juro minha vida a Lorilae, juro minha alma a Lorilae.

Eu senti magia tocar tanto a mim quanto a ele, que se levantou o mais rápido que pode, voltando exatamente para o lugar que tinha saído.

Em seguida foi a fez da pequena e esquia Alexis, que andou em minha direção com um olhar desafiador, ela encarava a rainha sua tia, disparando ódio com seus olhos azuis, ela jogou seu cabelo vermelho cor de chamas, trançado para o lado, quando ela fez o juramento.

O franzino Jadeone foi o próximo, e quando ele me olhou fiquei surpresa com a beleza em seu rosto magro e enormes olhos castanhos, ele fez o mesmo juramento, e sorriu com malicia.

Davos foi o próximo, e dessa vez eu apreciei a tortura que pareciam estar lhe infligindo a cada passo que dava em minha direção. Seus cabelos eram maiores que os meus, estavam displicentemente arrumados em um meio rabo. Davos se ajoelhou e me encarou com seus olhos de duas cores, o esquerdo verde, o direito castanho, jorrando todo desprezo que sentia por mim. Não pude deixar de sorrir quando ouvi as palavras saírem do maxilar tenso.

— Juro minha fidelidade a Lorilae, juro minha vida a Lorilae, juro minha alma a Lorilae. — E a magia o obrigou a mim.

Quando Davos tornou a se levantar, não desprendeu seu olhar do meu.

— Agora que terminamos..

— Espere. —  Foi a vez de Jadeone interromper, e então apontou para Kiram. — Por que ele não vai fazer o juramento.

A rainha bufou, mas respondeu.

— Kiram é um príncipe da madeira, e não está obrigado pelas minhas leis. Agora que terminamos, os nobres estão esperando para a apresentação. 

No caminho para a porta Alexis trombou em meu ombro com força, atiçando a raiva que já estava a ponto de transbordar.

— Espero que não fique no caminho dessa forma de um assassino. —  Ela falou baixo.

Antes que pudesse entender o que estava acontecendo, Alexis tinha minha faca em sua garganta. 

— Espero que não fique no meu. 

Alguns segundos de tensão se passaram, quando finalmente Jadeone interveio:

— É ótimo que todos nós estejamos nos conhecendo melhor,  mas a rainha odeia esperar.

Com um grunhido retirei minha faca de Alexis, que se afastou rapidamente com um olhar ofendido, e surpreso. 

— Já gostei dela. — Ouvi Jadeone sussurrar para Starne, enquanto seguíamos para fora do lugar. 





Oláaa! Pessoas maravilhosas, só falta mais um capítulo para o fim! O que acharam?

<3

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