38. Fuga

Mate-o, por tudo o que é divido e equilibrado, mate-o, enquanto ainda restabelece seu poder.

- Palavras escritas em um diário encontrado no campo da última batalha contra o campeão da névoa.



Segui Kiram para fora da cela, para minha surpresa, ninguém nos aguardava no corredor, a mesma coisa se repetiu até que saíssemos do subsolo da academia vazia demais.

— Antes que eu esqueça. — Kiram falou tirando a sacola grande de suas costas e abrindo-a, tirando de dentro, uma espada que reconheci como sendo Estupidez.

Suspirei de alivio, tomando a espada em minhas mãos, e a amarrando rapidamente em seu lugar, na minha cintura. 

— Por que esse lugar está vazio? — Perguntei.

Kiram sorriu e coçou a cabeça.

— Cobrei um favor de meu tio, as coisas estão ficando mais complicadas com a guerra contra o reino de ouro. Tivemos sorte e ele aceitou convocar os cavaleiros de dragões para o conselho de guerra.

— Não sabia que era tão próximo do rei.

O rastreador balançou a cabeça e apertou os lábios, mas não respondeu.

— Temos que sair daqui. Alguns magos e mestres ainda estão na academia. Tente não ser vista.

Assenti e Kiram me guiou por corredores quietos da mansão. Eu reconheci aquele caminho, nós já tínhamos ido até lá uma vez. Olhei para a expressão séria do cavaleiro de Gaariel, quando a porta pequena se mostrou. Aquela era a saída que dava para o bosque dos senhores da esperança. O lugar magnífico de estrelas coloridas feitas por insetos sobreviventes. Por mais que estivesse secretamente agradecendo por isso, aquela fuga parecia fácil demais. Não sabia que o rastreador tinha influencia suficiente para mover tantas pessoas para fora da academia.

Quando meus pés finalmente deixaram a mansão, eu tentei mais uma vez fazer contato com Modesh, mas nossa conexão estava silenciosa. Um silêncio mais afiado do que Estupidez, pareceu me cortar por dentrp. Eu sabia que o Dourado estava lá, ele não tinha escolha a não ser estar, nossos destinos estavam entrelaçados pelo Equilíbrio. Mas se aquela era a vontade dele, eu não iria a força-lo, não outra vez.

— Eu assumo daqui. — Falei. — Não me siga.

Aquela era a chance pela qual eu tinha esperado. Finalmente poderia viver da forma a qual sempre quis, sem amarras, sem deveres, descobrindo todo o tipo de história dos cinco reinos.

Kiram me encarou com o cenho franzido.  Por um momento ele pareceu incomodado, mas depois um pequeno sorriso se formou em seus lábios.

— Não vai ser livrar de mim tão cedo, Lorilae. — Escutei o barulho conhecido de asas enormes, antes de minha visão reconhecer Gaariel. O enorme dragão vermelho pousou, fazendo o chão tremer. Ele era completamente diferente de Modesh. —  Todos estarão te procurando no reino da madeira, e presumo que não tenha outro meio de sair daqui tão rápido, não é?

Arregalei os olhos quando um burburinho começou a se formar do lado de dentro da academia.

— Ele vai me deixar montá-lo? — Perguntei. Com certeza isso era algo que meu dragão nunca faria.

— Não será algo muito prazeroso para ele, mas ele entende nossa situação. — Contou.— E então, o que vai escolher, Lorilae?

— Vou com você até sairmos do reino da madeira, e então vou tomar o meu próprio caminho. — Respondi.

Uma das habilidades mais importantes de um mercenário, era saber como se manter vivo.

Kiram me ajudou a subir em Gaariel, que parecia completamente desconfortável com a situação. Quando levantamos voo, tudo foi ainda mais difícil do que tinha sido com Modesh. Eu não tinha conexão e nem a magia draconica para me dar força suficiente para me manter no vermelho, e durante parte da viagem tive que suportar a humilhação de deixar o rastreador me apoiar. 



Eu estava sobre Gaariel há mais de seis horas. O sol começava a se abaixar, mas o clima continuava realmente quente, mesmo com o vento forte me empurrando para trás. Meus músculos latejavam pela força intensa que eu fazia para me manter em Gaariel, mas eu não ousava reclamar.

Gaariel deu uma guinada para baixo, e eu percebi que começávamos a descer. Não tinha comido nada o dia todo, e meu estômago reclamava pela falta de alimento. Quando o vermelho finalmente pousou, eu desci do dragão aos tropeços e me joguei sobre a grama ainda molhada de uma chuva que parecia ter caído poucas horas atrás. Cheiro de grama úmida chegou até o meu nariz e eu inspirei profundamente.  Um vento fresco começou a soprar tirando-me a impressão de calor intenso e secando as gotas de suor que tinham se acumulado em minha nuca.

Kiram começou a ajeitar pedaços de madeira em um lugar livre de árvores.

— Onde estamos? — Perguntei.

— Em algum lugar dos arredores da Vila Azul. Ainda no reino da Madeira.

Kiram começou a tirar todo o tipo de coisa de sua sacola. Alguns pedaços de carne defumada e salgada, pão, cereais e castanhas. Meu estômago roncou, e o dragão levantou voo novamente para se esconder em alguma caverna ou procurar um cervo para matar sua fome. 

— Já sabe fazer fogo? — Kiram perguntou.

Bufei.  A pergunta incitando meu orgulho.

— Quem não sabe? — Perguntei. Minha mão procurou duas pedras no chão, fazendo Kiram gargalhar.

— Com magia. — Ele explicou.

Neguei.

— Fazer fogo é uma magia material. Tudo que tem que fazer é mexer rapidamente na estrutura da madeira, esquentando-a de uma forma que pegue fogo.

Torci os lábios e fiz o movimento de desdém. Tomei duas pedras em minha mão e testei sua aspereza, movendo uma contra a outra rapidamente uma fagulha se formou.

— Por que faria algo tão complexo se duas pedras resolvem o problema?

Kiram gargalhou.

— Não sei por que tem tanta resistência em aprender magia, Lorilae.

— Não tenho resistência. —Respondi. —Apenas não perco tempo em aprender coisas que não serão úteis.

Novamente um sorriso se formou nos lábios do rastreador.

Ele me olhava intensamente, e um sentimento conhecido percorreu minha espinha. Os olhos de Kiram caíram dos meus olhos para os meus lábios, e eu prendi a respiração. Antes que percebesse, mordi meu lábio inferior, apreensiva. Uma sensação de formigamento percorreu minha pele, quente demais.

Eu vi os músculos de Kiram se enrijeceram. Ele entendia exatamente o que meu corpo parecia querer.  O fogo crepitava na fogueira que ganhava força, e o nossos olhares continuavam ligados. Dessa vez foi Kiram que se aproximou, tomando minha cintura em seus braços e puxando meu corpo contra o seu. Minhas mãos percorreram seus braços delineando os caminhos de suas veias sobressaltadas, enquanto Kiram fazia o mesmo lentamente traçando as cicatrizes de minhas costelas, arrepios tomaram meu corpo, suspirei.

Nossas bocas se chocaram em um beijo lento, e então, feroz. Kiram conhecia meu corpo e eu começava a entender o seu. Meus dedos brincaram em sua nuca, intensificando o beijo. Kiram me puxou, e eu subi em seu colo, sentindo um calor latente crescer em lugares recém descobertos de meu corpo.

Desatei os nós das armaduras do rastreador, que soltou um gemido baixo e rouco. 

Quando finalmente nenhum tecido ficava no caminho da trilha de fogo que Kiram construia com suas mãos, ele tocou a parte de mim, que pulsava, em espera. Soltei um suspiro rouco, acolhendo o rastreador, uma última vez. 




Apertei as temporas tentando controlar o sono em minha hora de guarda. Eu tinha me oferecido para ser a primeira e o céu negro era iluminado apenas pela sombra da lua e das inúmeras estrelas sob as nuvens escuras.  Os sons do bosque ao nosso redor estava constantes e comuns e a temperatura bem mais amena. Foi quando um barulho quase inexistente de um pequeno graveto se quebrando, chamou minha atenção. Não me virei em direção a onde vinha o barulho, mas minha mão, suavemente, foi até o punho de Estupidez. Quem quer que estivesse ali, ou o que quer que estivesse ali, iria receber toda a raiva e frustração acumulada nos últimos dias.

Outro barulho confirmou minhas suspeitas. A minha frente, Kiram abriu os olhos, e uma flecha voou centímetros de minha cabeça. Levantei abruptamente, quando um grupo de pessoas avançou sobre nós.

Eram seis, contei quando a minha espada ressoou ao se chocar contra a espada de um deles. Kiram já estava de pé e lutava de maneira tão feroz, que aquelas pessoas não tinham chance alguma contra seus golpes incrivelmente rápidos.

Ele era uma arma.

Movi meu corpo eficientemente, bloqueando e desviando de golpe após golpe, estudando as pessoas que nos atacavam.

Eles não pareciam homens do rei. Não pareciam soldados, guardas ou cavaleiros. Suas armaduras surradas, espadas enferrujadas e cabelos desgrenhados me lembravam muito os homens que tinham convivido comigo por toda a vida. Os mercenários das terras sem lei.

Um rugido alto ressoou na noite quieta, e minha espada atravessou o estômago de um dos atacantes. Com meio giro desviei de outro golpe, e com um movimento horizontal cortei os calcanhares daquele que lutava contra Kiram, apenas para aproveitar o movimento e parar um ataque poderoso e vertical que teria atingido minha cabeça.

O rugido se tornou mais alto e o som de asas enormes fizeram aqueles que nos atacavam hesitarem tempo o suficiente para que pudéssemos por fim a vida daqueles que restavam. O dragão pousou na clareira rugindo furioso, balançando a cabeça e batendo as asas, frustrado por não ter tido tempo de ser a razão do sangue derramado.

Contive um sorriso quando reconheci os movimentos do dragão, mas um buraco dentro de mim se tornou ainda mais profundo.

Por mais forte que era a besta. Por mais aterrorizante que eram seus rugidos. Aquele não era Modesh.

— Chegou depois da festa, Gaariel.

Engoli seco e desviei o olhar, quando o cavaleiro encostou a testa em seu dragão.

— São caçadores de recompensas. — Ele explicou. — Seu nome já deve estar em todos os livros mágicos da segurança real. Vamos ter que continuar viagem, para o único lugar que poderemos nos esconder, até tudo isso se acalmar.

Assenti.

— Vamos para o reino de Rubi. — Falei.



Oláaaa, pessoas estamos em rumo ao final do livro, o que estão achando?

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