16. Aprendiz
O lado de dentro da academia era ainda mais impressionante que seu exterior, por todos os lados pessoas andavam com as mais diferentes vestimentas, cores que nunca tinha visto até agora, o enorme e alto saguão poderia ter facilmente muitas vezes o tamanho da maior tenda de Racon, e uma escada enorme de madeira forrada com um tapete vermelho e dourado o ligava aos andares superiores. Estatuas, e quadros deixavam a decoração ainda mais complexa e rebuscada.
— Achei que aqui era um local onde apenas cavaleiros treinavam. — Sussurrei para Kiram ao ver um homem gorducho vestido com uma túnica verde berrante observando atentamente uma pena mudar de branca para azul.
— Foi assim durante muito tempo, mas o avó do atual rei resolveu instalar uma escola de magia no reino, que antes, só existia no reino de ouro e rubi, a academia parecia o lugar perfeito. — Ele explicou.
Assenti, tentado absorver tudo a minha volta. Aquelas palavras me lembravam sobre a real identidade de Kiram, príncipe do reino de madeira. Contive minha necessidade de perguntar, todos nós guardávamos segredos, eu sabia aquilo melhor do que ninguém.
O reitor nos levou por um longo caminho, cheio de escadas e passagens, que não consegui decorar. Até que chegamos a uma porta enorme e alta adornada com arabescos e escritos dourados. Ele a empurrou com força e nos guiou para dentro.
— Meu nome é Junol. — O reitor se apresentou com um sorriso, estendendo a mão. — Sou o segundo príncipe do reino de madeira, e reitor da academia dragões. É sempre uma honra receber um dragão tão forte como o seu, Ailin... não é?
Eu confirmei.
— Mas não posso dizer que não estou intrigado com as circunstâncias que levaram a isso. — Ele continuou. — Como alguém sem treinamento pode ter domado um dragão dourado? Ou estou errado? Teve algum treinamento anterior? Como é possível que tenha achado um selvagem dourado dentre todos os...
— Se em algum momento você interromper seu discurso para me deixar falar, pode ser que tenha alguma dessas perguntas respondidas. — Cortei.
O sorriso falso no rosto do reitor logo deu lugar a uma expressão dura, e eu podia jurar ter visto um rápido sorriso passar pelo rosto de Kiram. Junol limpou a garganta, e fez um sinal com a cabeça para mim.
— Não domei Modesh. Kiram e eu estávamos fugindo de um anevoado, quando o encontramos, foi quando o sopro aconteceu.
— Anevoado? Kiram...
— Esse foi um dos motivos que me fez voltar. Uma das vilas na fronteira, o lugar conhecido como abaixadão foi tomado pela névoa. Foi um massacre. — O rastreador relatou. — E quanto a doma, Ailin falou a verdade, não ocorreu, o sopro foi espontâneo.
O reitor levantou uma das sobrancelhas e se virou para me encarar por uns instantes antes de tornar a falar:
— Tenho que reportar isso o mais rápido possível para o rei. Kiram vai te ajudar a se instalar. Se me dão licença.
— Primeiro uma mulher, agora um forasteiro sem reino. — O velho que cuidava do registro dos estudantes resmungou baixinho quando disse que não tinha sobrenome. — Esse lugar está esquecendo de todos os princípios.
— E você está esquecendo de como não se meter onde não é chamado. — Rebati, fazendo o velho soltar uma exclamação chocada.
Me afastei do velho o mais rapidamente que pude.
— Uma mulher? — Perguntei a Kiram.
— Eu também não sei. — Respondeu. — Mas posso dizer que vou me divertir imensamente com você por aqui.
Eu ri, e me virei para Kiram que me olhava intensamente com um sorriso calmo. Quando nos olhares se encontraram meu senso de humor imediatamente desapareceu, prendi a respiração, e rapidamente desviei o olhar. Ele era atraente sem dúvida, mas eu não podia deixar-me apegar, iria embora daqui tão rápido quanto fosse possível.
— Como se sente sendo a nova aprendiz desse lugar? — Ele me perguntou quanto retomamos o caminho difícil.
— Aprendiz? Pensei que o nome que usaram era discípulo.
— Discípulo é quem segue o caminho dos magos, aprendiz é aquele que segue o caminho dos cavaleiros. Na realidade, você já seria uma... desculpe, um cavaleiro. Aqui aprendizes se tornam cavaleiros quando domam um dragão, mas com você as coisas aconteceram as avessas.
Kiram parou de andar quando chegou a outra enorme porta de madeira, dessa vez ela não estava fechada, era possível ver o enorme fluxo de pessoas entrando e saindo do lugar.
— Essa é a biblioteca. — Ele indicou. — Como você é bem mais velha do que os aprendizes nesse lugar terá que ter aulas individuais, e é aqui que passará a maior parte de seu tempo. Venha.
Respirei fundo e cocei a cabeça. Aquilo realmente seria um empecilho. Eu não sabia ler. Na verdade sabia, mas apenas o suficiente para distinguir a coisa certa que deveria roubar. Acompanhei Kiram para dentro do salão imenso com várias escadas verticais para alcançarem as partes mais altas das estantes que tinham quase a metade do tamanho de Modesh.
O rastreador passeou por entre elas com destreza, parando vez ou outra para pegar um livro ou dois, e juntar a pilha dos que já tinha pegado. Quando ele não conseguiu mais carregar, começou a amontoar livros em meus braços.
— Não sou seu burro de carga. — Resmunguei.
— São para você. — Ele falou sem tirar os olhos da estante que analisava.
Ótimo.
Depois de pegar tudo o que achava prudente e registrar os empréstimos com um dos aprendizes responsáveis, ele me guiou para uma sala no fundo da biblioteca, onde um homem remexia em varios papeis em sua mesa.
— Esse é o mestre Polan. — Kiram sussurrou para mim.
O mestre que não podia ter mais que trinta anos, era muito mais magro do que Kiram, tinha cabelo comprido, vestia calças folgadas e uma camiseta branca simples. Um óculos grosso e esquisito tampava seus grandes olhos escuros.
O rastreador limpou a garganta, fazendo o homem se virar para nós.
— Príncipe Kiram! — Ele saudou, com mais sinceridade do que tinha visto o dia todo. — Bom retorno!
— Bom retorno de fato, mestre, estou ansioso para voltar com nossos debates sobre as diferenças gramaticais nos cinco reinos.
— Será um prazer, eu andei lendo mais alguns livros sobre o assunto...
— Hoje eu trouxe um amigo para receber os horários de suas lições. — Kiram o interrompeu educadamente.
O mestre arrumou os óculos que escorregavam em seu nariz antes de se virar para mim, e então para um grande livro marrom com as páginas amareladas.
— Já foi inscrito?
— Já sim. — Kiram respondeu.
— Nome?
— Ailin. — Foi minha vez de responder.
— Sobrenome?
Bufei. Toda essa história de sobrenome estava começando a me irritar.
— Sem sobrenome. — Falei, fazendo o mestre se virar novamente para mim.
— Não é dos reinos? —Perguntou interessado.
— Não.
— Das terras sem lei?
— De onde mais poderia ser?
— Incrível! — Ele exclamou. — Ouvi diversas coisas sobre os costumes das pessoas que vivem sem um governo, ficaria muito feliz se pudesse tirar um tempo para que...
— Achou a inscrição mestre? — Kiram o interrompeu novamente.
— Ah. — O homem falou antes de voltar a consultar o livro. — Claro, aqui está.
Ele pegou um pedaço de papel duro e uma pena e se pôs a escrever.
— Acabamos de sair da inscrição, como meu nome já está aqui? —Perguntei com uma voz baixa a Kiram antes que pudesse me conter.
O rastreador riu timidamente, e apontou para os escritos que desenhavam as margens e a capa do livro.
— É um tipo de magia escrita. — Ele explicou. — O livro do inscritor está conectado ao do mestre Polan. O que um escreve é replicado para o outro.
Arregalei os olhos encarando o livro que o mestre Polan agora tornava a fechar.
— Aqui está. — Ele falou me entregando um pedaço de papel. — Seu caso não é muito comum, e como já deve ser sido informado terá que ter lições individuais. Já escolheu um ular?
— Ular? — Perguntei.
— Sim. — Ele respondeu aguardando minha resposta com a pena pronta no papel.
— Um aluno mais experiente, que vai ser o responsável por seus estudos e por te ensinar a lidar com dragões. — Kiram explicou.
— Isso é mesmo necessário? Eu ainda não conheço...
— Conhece a mim.
O olhar o mestre foi do rastreador para mim, e então para o papel.
— Muito bem então, está decidido. Será uma grande honra para você ter alguém como o príncipe Kiram como ular, a universidade não viu aluno mais brilhante do que ele em todos os anos que estive aqui.
— Bom está quase tudo acertado. — Kiram falou.
Nas ultimas horas tínhamos andado por todo o castelo, pegando papéis, e acertando formalidades. Mesmo meus braços acostumados com grandes esforços já estavam cansados do peso de tantos livros grossos. E eu ainda estava cem tolis mais pobre para pagar os seis meses de lições.
— A única coisa que falta tratar é onde vai dormir. Aqui temos dormitórios compartilhados, mas se não se importar com tanto conforto posso arrumar um quarto de despensa para ficar, é onde costumavam colocar os alunos bolsistas quando ainda os aceitavam, vai ter um quarto todo para você, e mais privacidade. — Ele ofereceu. — A escolha é sua.
— Prefiro o quarto individual.
— Foi o que pensei. Por aqui.
Kiram me guiou para um lado afastado do castelo, o que me agradou bastante. Ficar longe de todo aquele movimento parecia ser uma ótima ideia.
— É aqui. — Ele falou. — Indicando a porta baixa demais para que eu pudesse passar sem me abaixar. Não é muita coisa, mas pode ser que fique mais confortável do que nos compartilhados.
— É o suficiente.
— Vai encontrar a chave em uma das cômodas, provavelmente. E deve ter algo parecido com uma tina se resolver tomar banho, sem precisar ir para os banhos compartilhados. Temos aquedutos para trazer agua dos rios próximos então, é só puxar a alavanca que terá agua. — Ele explicou. — Já perdemos o horário do jantar mas vou pedir aos meus yurais que tragam algo para você comer.
— Yurais?
— É... São os servos da família real. — Ele explicou embaraçado. — Você viu os de meu pai hoje, com as túnicas marrons.
Assenti, me lembrando da cena hilária protagonizada pelos dois.
— Esses livros são para você, pode aprender muito com eles sobre os dragões e sobre magia.
— Não sei ler. — Falei rapidamente.
Ao contrario do que imaginava, o rastreador não demonstrou nenhuma reação, apenas deu um meio sorriso paciente e emendou:
— Amanhã temos que mudar isso, então. Vou deixar que descanse. Bom sono, Ailin.
Kiram se afastou e eu entrei no quarto. Era melhor do que tinha imaginado, para minha surpresa não estava empoeirado e a cama apensar de pequena parecia bastante confortável.
Uma mesa pequena de mesa madeira e uma cômoda dividiam espaço com a tina para banhos. Empilhei os livros sobre a mesa e descarreguei a bolsa de viagem na cômoda, tomando cuidado para esconder os tolis que restavam. Pendurei minha capa em um dos ganchos e me sentei na cama esperando pela refeição. Não demorou para que eu ouvisse as batidas na porta.
Abri, na soleira um homem baixo e magro, vestido em uma túnica marrom olhava para baixo, enquanto equilibrava uma bandeja em uma mão e trazia um saco em outra.
— O príncipe Kiram pediu para que eu trouxesse seu jantar e mais algumas roupas. — Ele anunciou com o ar formal.
Peguei o saco e a bandeja de sua mão, estava quase fechando a porta novamente quando o homem tornou a falar:
— O quarto estava de seu agrado?
— Como?
— O príncipe ordenou que eu limpasse e arrumasse o quarto enquanto estavam cuidado das inscrições. Precisa de mais alguma coisa?
— Não. — Respondi somente, assistindo o homem se virar, e sumir pelo corredor.
Kiram tinha mandado arrumar aquele quarto para mim?
Modesh. Chamei antes de fechar a porta atrás de mim. Como estão as coisas por ai?
Não está acontecendo nada que pudesse lhe interessar, Lorilae.
Grosso.
Como se você fosse diferente. Agora pare de interromper meu sono.
Oláaa mais um capítulo essa semana e de madrugada hahaahahaha, o que estão achando da academia?
Deixem um comentário e a estrelinha!
Obrigadaaa <3
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