10. Entrelaçados

Se não fizer nada errado, não tem o que se preocupar.

Eu senti a presença do dragão em minha mente, analisando minhas memórias. Ele viu coisas que nem ao menos me lembrava, o rosto de minha mãe, e o momento em que ouvi alguém falar de sua morte, quando ninguém havia se dado o trabalho de me informar. Viu meu treinamento exaustivo logo após isso. E as aulas de letras apenas suficientes para que eu soubesse distinguir um livro do outro caso viesse a roubá-los. Ele viu Urei, viu Julion e sua mãe. Viu Racon e Kareno. E também viu como eu era boa em matar, observando cada morte que eu tinha sido a causa.

Escutei um leve rosnado, que me fez arrepiar, meu corpo já não doía, e minha mente ficou clara como jamais esteve. Meus olhos estavam fechados quando escutei sua voz em minha mente.

Não. Por mil e duzentos anos o equilíbrio não conseguiu me forçar, garota ignorante.

Sua voz era extremamente grave e rouca, e seu sotaque forte anunciava que ele não praticava com frequência o idioma dos cinco reinos. Eu olhei para ele confusa, e pude sentir todo ódio que ele direcionava a mim. Dei um passo para trás, assistindo o dourado abrir a boca novamente. A pressão do vento em nosso redor ficou mais forte, fazendo a poeira se levantar do chão, e Estupidez zunir.

Vou lhe matar antes que seja tarde demais.

Um brilho vermelho surgiu no interior da boca do dragão, e a temperatura aumentou. Tentei movimentar meu corpo, e correr, mas algo invisível me prendia no lugar. O dourado tornou a fechar a boca, e um rugido ensurdecedor reverberou pelas paredes da caverna. Eu podia sentir a imensidão de sua frustração. Ele estava travando um batalha contra algo que eu não podia ver. Quando mais ele lutava mais a pressão entorno de nós aumentava.

Não.

E escutei um som vir de sua garganta que eu podia jurar parecer uma risada.

Maldição. Isso vai ser interessante, ao menos.

O dragão esticou o pescoço e soltou mais uma baforada de ar quente, impaciente. Uma onda de energia me atingiu, se chocando contra mim, e tecendo linhas que trazia minha consciência ainda mais para perto de sua mente.

Suspirei, quando outra onda de ar quente apertou ainda mais minha consciência. A pressão em torno de mim começou a ficar ainda mais forte, e a temperatura era tão quente que mal podia aguentar, aumentando mais e mais, até o ponto que se tornou dolorosa.

Está na hora.

Eu gritei, e o dragão rugiu, com a súbita dor que atingiu minha cabeça.

O equilíbrio precisa que terminemos a magia.

Magia? Perguntei.

Você deve me dar um nome, e eu farei o mesmo.

Meus olhos se fecharam lentamente quando a nossa conexão se estreitou ainda mais. Eu tinha certeza de que aquele dragão sabia tudo sobre mim, cada detalhe de quem eu era, do que tinha passado, e não tinha ideia do que aquilo significava, eu teria que viver com ele pelo resto da vida? E quanto ao meu plano de fugir de Racon e viver uma vida de liberdade? Um dragão não era algo que passasse despercebido facilmente.

A energia se expandiu e contraiu novamente a minha volta, criando uma pressão difícil de resistir. O ar ficou quente quando senti mais um sopro. Algumas palavras aparecerem em minha mente, e quase saíram pela minha boca, antes que eu tivesse a chance de segurá-las.

Não temos escolha. O equilíbrio já agiu, acabe com isso de uma vez, fale as palavras.

Engoli seco, e fechei meu lábios com força, mas outra onda de energia apaziguou minha vontade, e antes que pude me conter estava falando em voz alta.

— Você é Modesh. Meu dragão, tanto quanto sou sua cavaleira. Nossos equilíbrios estarão entrelaçados, até um de nós perecer.

O dragão soltou mais uma baforada quente, seguida de um grunhido de aprovação.

Você é Lorilae. Minha cavaleira, tanto quanto sou seu dragão. Nossos equilíbrios estarão entrelaçados, até um de nós perecer.

Me peguei soltando um rosnado baixo de aprovação. Lorilae, a forma com que o nome enrolava a língua de quem o pronunciasse era engraçada, e de alguma forma aprecia certa.

Da mesma forma que tinha chegado a energia que nos cercava foi embora, me deixando com a gravidade do que tinha acabado de acontecer. Eu não era a única, podia sentir em meus ossos o desagrado do dragão a cada vez que ele me olhava. Então seus olhos foram do meu rosto, até um ponto atrás de mim.

Pelo menos alguém vai morrer hoje.

Quando olhei para trás Kiram e o mago encaravam a mim e a Modesh com assombro.

Saia da frente, Lorilae. Tenho alguns ratinhos para tostar.

A caverna era estreita demais para que Modesh passasse por mim sem me machucar, por causa de seu tamanho, e eu sabia que por mais que ele quisesse com tudo o que ele era, me matar e acabar aquilo ali mesmo, ele não podia, algo mais forte do que eu ou ele, o impedia.

Estou bem aqui.

SAIA DA FRENTE!

A força de sua voz ressoou em minha mente, mas eu não recuei.

— Ailin! — Ouvi a voz de Kiram chamar. —Diga a ele: Eu comando que não machuque Kiram e Lino.

Franzi o cenho quando pareceu errado dizer tal coisa. Modesh era uma força da natureza, a realeza dos dragões.

Garoto insolente.

Modesh soprou, e eu senti o ar a nossa volta se manifestar, ganhando força. O dourado nunca precisou passar por mim para matar, daquela forma era apenas mais divertido.

— Modesh, eu comando que não mate Lino e Kiram.

O dragão rugiu, e levantou a cabeça, abrindo sua boca e cuspindo um enorme jato de fogo no teto, com raiva.

Você não quer ir por esse lado, Lorilae.

O dourado soprou, e o vento recomeçou, dessa vez mais forte, jogando o mago e o rastreador contra a parede dura da caverna. Eu arregalei os olhos e me apressei em direção a eles.

Não estão mortos.

E de fato não estavam. Kiram abriu os olhos, e Lino levou a mão até suas costelas, gemendo.

— Por que fez isso? — Perguntei, já sabendo a resposta.

Porque eu posso.



— Você precisa ir comigo até a academia. — Kiram tornou a falar.

Desde que eu tinha deixado a caverna, há algumas horas atrás, Modesh não era o único que me acompanhava. O rastreador se recusava a tomar seu caminho em uma tentativa inútil de me fazer ir com ele.

— Tenho meus próprios planos. E se não parar de conversar, vou te mostrar que o dragão ali não é o único que pode fazer um estrago.

Kiram suspirou. E escutei um grunhido de aprovação em minha mente. Modesh, mesmo voando além das nuvens, escutava tudo.

— Ailin, você não entende, controlar um dragão selvagem é praticamente impossível, mesmo com o comando ao nosso lado. Ainda mais um dourado, que não passou pela doma.

Desembainhei parte da espada, e me virei para trás, fazendo Lino soltar um gritinho exasperado. Aquela altura a malha estava firmemente presa ao redor de meus seios, eu estava indo para o acampamento, iria recuperar minha recompensa e ai então Kareno saberia o que fazer.

—Já disse o que tinha para falar.

Kiram suspirou, e não falou mais.

Os dois continuaram me seguindo pelo resto do caminho.

— Por que se veste como homem? —O rastreador voltou a falar depois de mais algumas horas em silêncio.

Suspirei.

— Você fala muito, rastreador.

Kiram sorriu e coçou a cabeça, levantando parte de minhas defesas.

— Porque era necessário. — Respondi somente.

— Era? Não é mais?

— Eu não sei.

Quando a visão do acampamento chegou até meus olhos, endureci novamente.

— Fiquem fora de vista. — Disse tanto para os dois quanto para Modesh. — Esperem por aqui, tenho assuntos a tratar.

— Se Modesh perceber seu medo através de seus pensamentos, ele irá interferir. — Kiram contou.

Eu dei um meio sorriso antes de me virar para o acampamento. Eu não sentia medo, não ali, não deles.



O primeiro que vi ao entrar foi Urei. Fiz minha feição mais entediada quando percebi a surpresa em me ver. A essa altura já deviam ter ficado sabendo da morte de Aldor, mas quando não cheguei no dia seguinte, provavelmente deviam estar pensando que não resisti aos ferimentos.

— Chame todos para o salão. — Ordenei.

— Não pense que pode me ordenar dessa forma. — Urei retrucou.— Racon me fez seu sucessor, quando você não voltou.

Eu ri.

— Bom, agora estou aqui. — Debochei. — Chame todos para o salão. Racon não vai gostar se não for informado da minha volta.

Deixei Urei falando sozinho e me apressei para minha tenda. Eu precisava de algumas coisas antes de deixar aquele lugar para sempre. Eu não tinha nada de valor, ninguém ali tinha, com exceção de Racon.

Assim que entrei na tenda percebi que tudo já havia sido revirado, ninguém ousava mexer nas minhas coisas quando eu estava fora, além do roubo no acampamento ser duramente reprimido por meu pai, minha reputação afastava todos aqueles que ainda pensavam em fazê-lo, mas a notícia de minha morte já devia ter se espalhado. Fui primeiro até o baú que tinham arrombado, ali era onde eu guardava o pouco tolis que conseguia juntar, além de alguma adagas.

Tudo que tinha restado no baú tinha sido duas de minhas adagas, as mais velhas e com sinais de desgaste. Continuei explorando para perceber que todas as minhas roupas também tinham sido levadas. Não tinha nada ali para mim. Já estava a ponto de sair quando pelo canto do olho eu vi algo debaixo de minha cama. Me aproximei para investigar. Um peitoral de armadura de couro repousava naquele local, e eu me lembrei de quando tinha o deixado lá, por desleixo depois de voltar de um trabalho. Ele era mais velho do que o que eu costumava usar, por isso não o procurei novamente.

Vesti rapidamente peitoral da armadura, sentindo mal estar pela minha camisa completamente suja. Tudo o que mais queria agora eram roupas limpas e um banho. Mas isso teria que ficar para depois, primeiro vinha Racon. Peguei a menor das adagas e escondi em minha bota, antes de sair em direção ao salão do acampamento.

Quando entrei não foi surpresa ver dezenas de pessoas me olhando.

— Estava começando a me preocupar com você, filho. — Racon falou, me fazendo bufar em desdém.

Claramente ele não esperava que eu voltasse, pela feição irritada que estava estampada em seu rosto. Eu dei um sorriso sarcástico e me aproximei, sentido o olhar atento das pessoas que nos assistiam.

— Onde está a prova da morte? — Ele pediu.

Mexi nos bolsos de minha caça até encontrar o dedo enrolado em um pedaço de tecido tinido de vermelho.

— Um dedo não é a prova que Aldor morreu. — Ele decidiu.

— Não é? Não pareceu ser um problema como prova todas as vezes que trouxe um para você.

Amaldiçoei, pelo visto ele faria de tudo para não pagar a recompensa que tinha prometido.

—Deve saber que as circunstâncias mudam. —Ele continuou.

Dei um passo em sua direção e o vi se empertigar.

— Todos ficaram sabendo da morte de Aldor. — Falei, e depois acrescentei baixo o suficiente para apenas ele ouvir. — Vai perder totalmente a sua moral, papai, se recusar-se, na frente de todos esses mercenários, a pagar a recompensa depois de um trabalho feito. Como vai ter a confiança deles?

Racon sorriu, e me abraçou.

— Pequena cobra. Você vai ter o que merece em breve. — Sussurrou de volta.

— Vou ficar esperando papai.

Racon finalmente me soltou e se voltou para os mercenários que ouviam.

— Meu filho voltou de mais um trabalho bem feito! Paguem a ele a recompensa.

Verme. Escutei a voz de Modesh em minha cabeça. Eu sorri.

Pelo menos em algo nós concordávamos.

oláaaaaaa pessoas lindas do meu coração. O que estão achando do livro? Eu prestei muuuuita atenção nos comentários de vocês e vou mudar uma coisinha mais pra frente, já contando o que vai ser para não ficarem confusos quando aparecer novamente, sabe aquela parte onde Kiram explica os dragões dourados? então vou tirar, vou mudar, Kiram não vai explicar os dourados, por que são tão raros que ele nem pensa em mencionar, vai ter outra explicação dos dourados no prox capítulo, então não estranhem, ok?

Me digam o que acharam do capítulo, e não deixem de clicar na estrelinha por favorrr!

Obrigada por lerem!

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