041| Compulsion to Pain
041| Compulsão a Dor
RAYNA
Não sou um problema.
Não há nada de errado comigo. Estou apenas respondendo ao universo, que sempre pegou tão pesado comigo. Estou apenas respirando da única maneira que aprendi para conviver comigo mesma. Estou apenas liberando-me para parar de sentir.
Não aguento mais sentir. E viver. Não aguento mais sobreviver. Estou passando pelos dias incontáveis e não sei se essas vozes em minha mente são minhas ou das minhas dores que já criaram vida própria.
Estou no chão.
Desolada.
E não é que ninguém me entenda. Eu sei que Clarke me entenderia. Ela mais do que ninguém me entenderia e talvez pudesse estar por mim. Mas eu não conseguia mais vê-lá.
Não conseguia mais estar em minha pele. Era uma sessão de tortura como nunca havia sido antes. Era como se eu fosse uma máquina de compulsão a dor e tudo o que sinto, tudo o que eu me faço sentir, é ardente, inflamável, não palpável.
Não é que eu não consiga sobreviver, eu não consigo viver mais. Estou farta de ser eu, de ter que conviver com minhas dores e meus demônios.
Fiz isso durante os 6 anos na Terra, praticamente sozinha. Ficar ao lado de Clarke era dolorosamente insuportável. Tudo o que eu via quando olhava pra ela era um saco de pena e condolências, eu já não sabia onde havia terminado aquela nossa amizade de anos atrás, onde tudo o que éramos era jovens rindo.
Mas nunca fomos apenas isso.
O mundo sempre quis sugar mais da gente.
Ela foi forte o suficiente para lutar contra, mas estou me rendendo. Tentei lutar contra no começo, mas eu percebi que só estava atrasando o inevitável. Não se da pra lutar contra o mundo.
Ou você desiste ou você acaba como eu, sem expectativa de vida, sem metas a serem cumpridas, apenas um saco vazio ambulante. Depois que você abre seus olhos para tudo, todos passam a ser um saco vazio, frio e desconexo. Apenas um grupo de pessoas que lutam pra sobreviver, sem saber pelo o que vivem.
Penso que não sei quando nos tornamos isso, mas a verdade é que eu não sei quando não fomos isso algum dia.
— Ah, querida — meu pai choramingou, ainda agarrado à mim. — Estou tão feliz. Não houve um dia sequer que eu não pensei em você.
— Tudo bem — sussurrou Clarke, parando de nos conduzir para um dos becos ocos perto da Cripta destruída. — Estamos seguros aqui. Vamos tirar essas algemas.
Marcus se afasta de mim e vira para Clarke.
O dia já se tornou noite e agora estávamos em uma curta missão de esconder Marcus e Abby, que pareciam correr da nova lei de Octavia. Eu não sabia o que tinha acontecido dentro daquela Cripta por 6 anos, mas creio que não é o momento certo pra histórias.
— Se estiverem certas e aquele vale for o único lugar habitável — Marcus começou a dizer enquanto Abby retirava suas algemas —, onde Abby e eu vamos?
— Podemos falar com Octavia — sugeriu Clarke, com um rápido olhar pra mim que bufei. — Ver se podemos argumentar com ela.
— Com todo respeito, vocês não vão conseguir — nega Abby.
— De qualquer modo, esse é um problema para amanhã. Hoje, temos que mantê-la escondida, até que todos estejam seguros...
Sua fala foi interrompida por um barulho bem familiar. Imediatamente, me afastei dos dois e fui para a praça onde estavam os outros. Como eu bem pensei... aquilo era o tiro daquela arma explosiva que os prisioneiros da Coronel Diyoza tinham.
— Desculpem por sua linda fonte — ela dizia —, mas isso foi apenas metade da força. Sei que a maioria de vocês estão armados. Se alguém tocar em uma arma, vocês verão o que a força total faz à carne humana. Não é nada bonito.
Trinquei meus dentes e flexionei meus dedos, tentando não pegar minha espada e enfiar nos olhos do McCreary que estava segurando aquela arma.
— Ei — Bellamy gritou, se aproximando. Ele parou ao meu lado, junto com Octavia e seus seguidores. Seu olhar manchado de sangue cruzou ao meu. Ela queria me matar. — Que diabos está fazendo? Uma chamada minha...
— Faça sua chamada.
Meu olhar triscou para Bellamy a tempo de vê-lo pegando o rádio, mas logo desviei para atacar McCreary com o olhar. Se eu tivesse uma chance, eu mesma mataria ele. Ele sorriu quando notou aquela ameaça nos meus olhos. Sádico do caralho.
Bellamy tentou fazer sua chamada, mas não foi respondido.
— O acordo está desfeito — disse Diyoza —, mas ninguém precisa se machucar.
— Alguém está vindo! — Gritaram.
Virei, vendo Clarke correndo até a gente. Ela deveria estar se despedindo de sua mãe.
— Onde está sua mãe? — Perguntou Diyoza.
— Ela é a nossa médica — Octavia deu um passo à frente. — Não pode ficar com ela.
— Ela fez uma pergunta — indagou o atirador, McCreary, apontando aquela arma para Octavia, bem em minha frente. — Onde está a médica?
— Isso mesmo — gritou outro homem, com a mesma arma, apontando pra Octavia. — Você não é tão durona agora, não é?
Retirei uma das minhas espadas das minhas costas, tomando o lado de Octavia e encarando os dois que a ameaçavam. Diyoza interrompeu o ataque do seu lado, mas eu precisei respirar fundo e diversas vezes para não atacá-los agora mesmo. Eu estava com raiva, mas não era estúpida.
— Estou aqui.
Abby saiu da escuridão do beco, com Marcus em seu encalço de mãos levantadas. Eles dois passaram por nós, o homem sorriu em minha direção, acalmando minhas mãos pronta pra um ataque.
— Não atirem — Griffin pediu. — Nós vamos sem lutar.
— Aposto que vai, traidora — latiu Octavia.
— Você expulsou eles — contrabati, obtendo sua atenção. — Isso que acontece quando prende seu próprio povo,Oc.
— E quanto a ameaçar seus próprios seguidores? — Rebateu-me, se segurando para não começar uma briga novamente. — Você é uma vergonha pros Comandantes. Nem deveria portar a Chama.
— Eu concordo — aceno, ouvindo que Abby estava fazendo um acordo para salvar Marcus. — Por isso que a retirei de mim.
O olhar de Octavia mudou por um segundo. Senti Bellamy me encarando de canto também. Aquela Chama era tudo para mim. Eu sei que eles devem ter ficado surpresos, mas o que eles esperavam?
— Certo — gritou Diyoza, chamando a nossa atenção. — Esses são os meus termos. O Vale é nosso. Qualquer tentativa de chegar lá será recebida por força esmagadora. Contando que fiquem aqui, não teremos problemas. Tem algum problema?
— E quanto a Aspen, Raven e Murphy? — Perguntou Bellamy, do meu lado.
— Por ora, é uma garantia. Vamos. Sigam-me.
Eles começaram a recuar. Menos o homem que estava com uma das armas, cabelo grande e olhos assassinos mirado em Octávia que respondia da mesma forma. Szybunka era o nome dele.
Quando percebi que ele não ia recuar, apontei uma arma em sua direção.
— Recue — ameacei.
— Recue você — McCreary se aproximou, mas não apontou nenhuma arma. — Antes que eu mude de ideia e decida trazê-la comigo.
— Seus ossos não suportariam — rosnei, minha espada firme na direção de seu amigo.
Então Diyoza esclareceu sua ordem e ele começou a recuar. Mas então algo mudou e ele voltou, mirando diretamente em Octavia.
Esbugalhei os olhos e avancei para tirá-la da frente, mas outro corpo avançou contra mim, jogando-me no chão. Respirei pesadamente, minha espada caiu longe e levantei sem notar quem era a pessoa que me interrompeu, vendo outra pessoa entrando na frente de Octavia e virando poeira.
Indra correu até ela, certificando-se a mesma estava bem e ainda sentada no chão, com as mãos apoiando meu corpo, virei pra ver o corpo ao meu lado.
Minha expressão fechou quando reconheci ele. Seus olhos acudiram os meu imediatamente, mas eu desviei antes que fosse profundo demais.
Eu não aguentava olhar pra ele.
— Não faça mais isso.
— O quê? — Ele se questionou enquanto eu me levantava. — Salvar a sua vida?
— Me tocar — corrigi. Bellamy se calou. — Se você me tocar novamente, Blake, eu prometo pra você que suas mãos amanheceram cortadas.
— Certo — ele riu, sem achar mesmo graça. — Voltamos a estaca zero então? Suas ameaças veladas por o que sabemos bem?!
— Não sou mais a menina do primeiro acampamento. Minhas ameaças não são mais vazias e, certamente, não vou me acovardar se você decidir contra-atacar.
— O que aconteceu com você? — Perguntou quando eu virei as costas. — Por que removeu a Chama?
— Não é da sua conta.
— E Aspen? — Congelei. — Ele é da sua conta? Se preocupa se ele está bem ou não? Seis anos se passaram. Pensou nele?
Virei-me para ele, conectando nossos olhos.
— Eu pensei em tudo.
— Rayna...
— Seis anos se passaram, você mesmo disse. Não nos conhecemos mais, Bellamy. Então aqui vai um último conselho — dei um passo à frente —, honre suas últimas palavras pra mim e se afaste. Antes que eu te machuque.
— Você não...
Revirei os olhos e agarrei a faca em meu sinto, avançando em sua direção. Ele inclinou o pescoço para trás, evitando contato com a minha lâmina. Em uma tentativa de controle total, seus braços agarraram o meu corpo e me imprensou no dele.
— Me solta!
— A única maneira de você sair daqui é me matando — ele confiou, apertando o contato. — Então vamos lá. Me mate.
Algo ligou dentro de mim, mas eu empurrei esse sentimento até que eu não pudesse ver nenhum resquício de sua existência. Encarei seus olhos decididos a me desafiar.
Olhei para minha mão segurando a faca em sua jugular, eu não estava tremendo por fora, mas por motivos estúpidos, isso estava acontecendo por dentro.
Quando ele percebeu que eu não iria avançar, ele não sorriu, mas suas palavras cortaram o ar com a mesma substância que um sorriso nesse momento causaria em mim.
— Não importa se seis anos se passaram, Rayna. Eu nunca vou deixar de entendê-la.
Ri, amarga. Retirei a adaga de sua garganta e coloquei no meu cinto de armas. Sua mão recuou do meu corpo e eu dei uns passos para trás.
— Você não entende, acredite.
— Então me faça entender.
Por um segundo, aquela pressão dolorosa em meu peito caiu por terra. Era como se fosse uma capa pesando meu coração e no simples mencionar de soltar pra fora, ela caiu. Talvez apenas pela chance que eu tinha de falar ou por ser Bellamy ali.
Minha mente que sempre foi a minha maior traidora, lembrou da época em que falar com ele era bom, que eu delirava em desabafar com ele, sabendo que ele entenderia.
Bellamy percebe o meu momento de fraqueza, pois deu um passo em minha direção e tocou em minhas mãos.
— Rayna... Me desculpa por aquilo que eu te falei há seis anos atrás. Acho que depois daquele nosso momento, eu meio que esperava — ele pausou, procurando a palavra — que alguma coisa acontecesse e quando realmente aconteceu, eu apenas estava...
— Farto — conclui por ele, que abaixou o queixo em culpa.
Eu não queria entendê-lo, mas eu conseguia realizar tal ação. Eu nunca fui totalmente justa com ele. Seis anos se passaram. São dois mil, cento e noventa e um dias ao total.
Tive tempo para lamentar, para gritar e chorar com tudo aquilo que nos aconteceu. Tive tempo para xingá-lo aos gritos nos bosques que eu achava longe da Vila, a fim de liberar tudo sem que Clarke ou Maddie ouvisse. Tive tempo para liberar toda aquela raiva, culpá-lo por cada um dos minutos por conta do que me aconteceu naquele primeiro ano...
Do que eu perdi.
Mas também tive tempo de ver o lado dele, de sonhar com o que nos aconteceria caso eu tivesse sido menos covarde em procurá-lo em outros corpos.
Em minha visão, Bellamy sempre foi perfeito para mim. Mesmo quando ele se virou contra a gente e foi a favor de Pike. Mesmo no primeiro acampamento. Bellamy completava uma parte minha que nem eu sabia que faltava até eu mesma completa-la, sozinha.
Então eu tinha medo.
Quando aparecia uma pessoa que não conseguia me completar, como Benjamin ou Roan, eu caia de cabeça, esquecendo e não esquecendo ao mesmo tempo o Blake. Benjamin era bom demais pra mim, por isso que ele não conseguia me completar.
Roan me entendia no quesito escuridão, ter que fazer certas... coisas para salvar o nosso povo. Mas ele também não me completava.
Eu não queria alguém que me completasse, mas também ninguém chegava aos pés dele.
— Bellamy — suspirei, abaixando a guarda pela primeira vez desde seis anos e, novamente, com ele. Que poder esse homem tem sobre mim? — Você precisa saber de uma coisa.
Confuso, mas me apoiando, ele balançou a cabeça de forma rápida e não afastou nosso toque.
— No primeiro ano, eu...
— Rayna.
Afasto-me dele, assustada. Clarke nos observa com um rastro de culpa nos olhos. Não sei o que ela acha que interrompeu, mas não se afastou.
— Precisamos falar sobre Maddie.
Acenei e segui ela caminho a dentro de Polis, sem olhar pra trás. Enquanto ela comandava um caminho para sentarmos e conversarmos em silêncio, eu seguia calada, pensando se eu teria mesmo coragem em contar para ele.
Chegamos até um beco escuro e paramos ali, vendo a movimentação lá fora. As pessoas que passavam por ali, passavam nos olhando. Me olhando.
Não sei o que eles pensavam sobre mim depois que eu fiz aquela demonstração com Kallas, o guarda que permaneceu fiel a mim mesmo depois de todos aqueles anos, um Azgeda que foi o primeiro a tomar-me como Comandante.
Eu o trai pessoalmente quando o ataquei, mas foi necessário. O reinado de Octavia poderia estar sendo tóxico, mas ela manteve eles vivos por seis malditos anos, enquanto eu os abandonei.
Eu não os trai porque queria, fiz isso porque não saberia como comanda-los.
Nunca fui uma Heda de verdade.
Lexa e Becca estavam erradas.
— Bellamy disse que Maddie está com os outros na Vila, afastados dos homens da Diyoza — suspiramos em conjunto. — Rayna... Sei que você não queria que ela soubesse quem você era todo esse tempo, mas...
— Eu sei.
Para resgata-la, minha identidade teria que ser revelada.
Sempre evitei que Rayna kom Skaikru ou Azheda viesse à tona nas histórias que Clarke contava para Maddie criança. Eu queria que elas desaparecessem da minha vida e a única forma de fazer isso naquele momento, era deixar de falar dela. Se não tem ninguém que fale ou que lembre, ela deixa de existir.
Mas se para resgata-lá, eu precisava ser aquela Rayna, estávamos todos fodidos. Sei que Clarke pensa que Rayna kom Skaikru é capaz de salvar à todos, mas ela está enganada.
Rayna kom Skaikru não queria manchar suas mãos de sangue, isso a enojava, sendo capaz até de deixar algumas pessoas ser machucadas pra não ser culpada de alguma morte.
Eu não.
Mas não tem como agir, sem que a outra versão apareça para me assombrar. Infelizmente, ela reapareceu e terei que lidar com ela.
De uma forma... ou de outra.
(...)
Clarke tentou avisar a Octavia que aquele caminho era perigoso por conta das tempestades de areia que continham substâncias de vidros. Não íamos ter chance de atravessar o rio seco nessas circunstâncias, mas todos seguiam ela cegamente e a mesma decidiu ignorar a opinião das duas pessoas que viveram sobre a terra por seis malditos anos.
Quando Bellamy tentou colocar juízo em sua irmã, ele foi impedido por guardas que pareciam dispostos a matá-lo a qualquer ordem.
Analisei muito aquela cena naquele momento e ela continua em minha cabeça mesmo agora, sentada encostada em um tronco ao redor de uma fogueira, afastada de Bloodreina e seu clã de seguidores cegos, acompanhada por Clarke e Bellamy.
Como nos velhos tempos.
Mas dessa vez, não éramos mais adolescentes com o peso do mundo. Éramos adultos, com cicatrizes emocionais, com um peso particular para se carregar.
Encarei Bellamy — talvez não tão particular assim.
— "Tudo de mim para todos nós" — repetiu Clarke a frase que eles entoaram a distância, dividindo o alimento. — É bonito.
Faço um barulhinho com a garganta e me levanto para andar até a minha bolsa com suprimentos, que guardava algumas armas que estavam faltando em meu cinto.
— Pra onde vai? — Questionou Bellamy vendo eu completando o armamento. — Está escuro.
— Exatamente. Momento perfeito pra sermos atacados, não acha?
— E você e suas armas brancas nos salvarão? — Debochou, com um sorrisinho.
— Você agradecerá depois.
Troco um pequeno aceno de reconhecimento com Clarke e avanço pra me afastar de todos. A escuridão me engole para dentro, deixando os sussurros de conversas pra trás e os olhares.
Há apenas eu e a solidão.
Eu não gostava de ficar sozinha antes, mas soube aprender a gostar nesses anos. Minha própria companhia era pesada demais. Eu não sabia mais aguentar outras pessoas.
— Rayna?
Paro de andar aos poucos, reconhecendo Kallas um pouco à frente. Ele largou seu galão de água no chão e avançou em minha direção. Minha mão tremeu para pegar uma arma e afasta-lo de mim.
Sua testa ainda estava rachada, coberta por seu sangue seco. Seus ralados não foram tratados nesse meio tempo, mas acho que isso não o incomoda.
— Não estou aqui como o seu súdito — ele se apressa a dizer, mantendo uma distância segura de mim. Estou parada aqui, sem saber o que fazer com as minhas mãos, então eu a apoio no cabo da espada. — Eu só queria...
— Entender?
— Te dizer que você tem o direito de sofrer.
— Não estou sofrendo — levanto o queixo.
— Tudo bem — ele levanta as mãos em rendição e eu afrouxo o aperto no cabo da espada em minha cintura. — Mas caso você esteja, quero que saiba que eu não te julgo. Sinto muito pelo rei Roan.
— Isso foi há muito tempo.
Kallas se cala e acena com os olhos abaixados.
— E seu coração sabe disso?
Quem se cala agora sou eu. Ele vira as costas para mim e volta pra o seu lugar bem na hora em que Nate Miller, junto com o seu parceiro, volta gritando de sua expedição em busca de algum perigo.
Clarke, a mais próxima de uma médica que tínhamos, foi analisar o amigo de Nate que estava se contorcendo de dor no chão.
— O que aconteceu lá fora? — Octavia quis saber, assustada com a probabilidade de estarmos sendo atacados.
— Nos separamos para cobrir mais terreno — explicou Nate, apressado. — Então o ouvi gritando que estavam em todo lugar. Quando cheguei não havia nada. Só mais gritos e...
Saquei minha adaga com o susto que levei quando algo se mexeu dentro do estômago daquele cara. Clarke se afastou também e todos ficaram em silêncio até ela afirmar:
— Tem algo dentro dele.
Arrastamos o corpo do homem para dentro da tenda médica, deixando-o deitado na única maca do lugar. Bellamy e Nate seguravam ele, enquanto Octavia discutia com Clarke sobre o que deveria fazer.
Octavia queria marchar ao amanhecer, mas com aqueles bichos, poderia representar um perigo para essa noite que não estávamos dispostos a pagar.
Clarke me encarou com pesar, ela e eu sabíamos bem o que aquilo era. Minha mão começou a suar e quando Octavia declarou que mataria o homem caso ele não melhorasse até lá, sai rapidamente daquela tenda, sendo seguida imediatamente por Clarke.
— Podemos salvar ele.
— Não, não podemos — respondi sem parar de andar.
— Rayna! — Ela agarrou o meu pulso e me virei para ela. Meus olhos dispararam pra Bellamy que nos seguia e que parou há alguns passos, ouvindo. — Você já venceu isso.
— Venci mesmo?
Nossos olhos se manterão firmes um no outro, mas não havia nenhuma batalha a ser travada. Ela sabia que eu não havia vencido de verdade aqueles bichos da areia amaldiçoados.
Então ela me deixou ir e sem nenhuma interrupção dessa vez, sumi pelo deserto, deixando aquele acampamento para trás.
Mas uma possível tempestade de areia nos esperava e agora, estávamos presos entre ela e aqueles insetos parasitas. Sinceramente, eu preferia enfrentar a tempestade de areia.
Essa era a minha escolha e estava voltando pro acampamento pra pegar minhas coisas quando vi uma agitação. Clarke gritava por mim enquanto segurava Octavia no chão.
Larguei minha mochila e corri até eles, sem precisar de muita explicação pra saber que aqueles bichos saiu do corpo do homem e entrou no de Octavia.
— Merda — rosnei, ajudando eles a colocar ela para dentro da tenda.
— Não sinto minhas pernas — ela reclamou.
— É o veneno — respondi entredentes, deixando que Clarke e Bellamy a carregassem. — Coloque apenas o braço dela na mesa.
— Não podemos deixar chegar no peito — disse Clarke, tentando pensar com clareza na confusão que estava essa barraca. — Rayna! — Só com o seu grito consegui perceber que estava me afastando, suando, meu peito subindo e descendo com força. — Não fuja. Por favor, preciso da sua ajuda.
Abaixei os olhos para Octavia que me encarava enquanto ofegava de dor e agonia. Bellamy, em sua frente, tentando passar alguma confiança, também me encarou com um pedido explícito.
Lamentei enquanto retirava meu cinto e jogava todas as armas brancas nele no chão, avançando para fazer um torniquete na altura do braço de Octavia. Então abaixei, pegando uma das minhas facas no chão e imprensando o braço dela na mesa com uma mão enquanto a outra segurava a faca que tocava com delicadeza a pele dela.
— Isso vai doer — avisei, olhando nos olhos de Octavia.
— Tira isso de mim, Rayna!
Minhas mãos tremeram com as lembranças de cinco anos atrás, comigo na mesma situação que a dela, implorando para que todos aqueles insetos saíssem de mim. Forcei a mandíbula, tirando as lembranças da minha mente para furar o braço dela.
— Segurem ela!
Coloquei meus dedos dentro do corte, melando-me de sangue enquanto eu explorava suas profundezas para agarrar o rabo daquele inseto parasita. Até que consegui e puxei.
A voz de Monty soou no rádio na cintura de Clarke e Bellamy o agarrou pra responder o amigo. Ainda estava na luta pra puxar o bicho que se debatia dentro da pele dela quando Monty começou falar alguma coisa sobre um drone bem acima da gente.
— Os prisioneiros têm um olho no céu com a nave-mãe, e um sistema de mísseis na nave aqui.
Ergui minha cabeça quando ouvi o tipo de armamento que estava vindo em nossa direção.
— Eles estão indo até vocês. Saiam daí. Escondam-se. Achem abrigo.
Deixei essa conversa de segundo plano em minha mente enquanto continuava trabalhando no braço de Octavia, que parecia estar entre os dois mundos. Quando enfim consegui, coloquei aquele idiota em um pote e peguei um pano para limpar aquele sangue todo da minha mão.
Ouvi de longe a discussão em que Octavia não queria recuar mesmo depois de saber que tínhamos um míssel em nossa direção. Eu não sabia o que ela tinha naquela cabeça dela, mas eu não ficaria aqui para morrer tão facilmente.
Estava terminado de arrumar minhas coisas quando Kallas se aproximou, uma mochila nas costas. Olhei de canto para ele, mas não dei muita atenção.
— Achei que você não era mais meu súdito.
— Não sou.
Puxei minha mochila e coloquei em meus ombros. Meu cinto já estava firme em minha cintura, com um pouco do sangue de Octavia, mas com todas as minhas armas brancas, menos com as espadas que eu coloquei no estojo das minhas costas.
— Mas eu confio em você.
Comecei a marchar até a tempestade de areia, sem me importar se estava sendo seguida por ele.
— Eu tentei te matar.
— E você teria conseguido — ele pausou e virei para ele, que passou por mim, mas meus olhos estavam naquela multidão que também me seguiam. Com Octavia na liderança, seus olhos focados e mortais em mim. — Se quisesse.
Ignorei o que ele disse e continuei a andar até a tempestade.
A madrugada foi carregada de injúrias. Todos se viraram para proteger Octavia dentro de um círculo em que ela não seria acertada por nenhum estilhaço. Eu me recusei a fazer parte daquilo.
Então como sempre fiz, sentei com os joelhos no peito sobre a terra e escondi minha cabeça. Os cortes começaram, rasgando as partes da minha roupa que não estavam rasgadas, mas a dor não era grande demais. Não quando o costume já estava enraizado.
Encarei o chão embaixo de mim, sentindo meus braços que protegiam minha cabeça sendo atingidos rapidamente por vários estilhaços de vidro. Mas em alguma hora daquela noite, alguém me abraçou entre os vidros e eu já não estava sendo cortada como antes.
Nem de fora e nem de dentro.
O cheiro dizia quem era que estava me protegendo, mas eu não levantei a cabeça pra confirmar. Senti sua cabeça se escondendo com a minha pra deixar de fora o risco de morrermos.
E dentro de uma tempestade, estávamos juntos.
Quando amanheceu e a tempestade de vidro acabou, todos estavam deitados, sem forças, cortados. Onze pessoas morreram e haviam feridos demais para contarmos ou, como queria Octavia. para marcharmos.
Bellamy saiu do meu lado há pouco tempo. Depois que acabou, nossos corpos pararam de se tocar, mas lado a lado, aproveitamos a presença um do outro. Até que ele se levantou para ver como sua irmã estava e eu me levantei para sair logo.
Eu precisava de um banho para retirar esses pedaços de vidros que há por todo o meu corpo. O sangue já secou, mas ainda incomoda. Agarrei minha mochila e a arrastei, querendo ir embora mas pensando em outra coisa.
Depois dos insetos reaparecerem em nossas vidas, acho que não há escapatória.
Bellamy precisa saber sobre o primeiro ano. Não é algo que eu posso deixar de comentar com ele. O envolve tanto como me envolve e, sinceramente, quero retirar isso dos meus ombros.
Eu posso confiar nele.
Não estamos curados da nossa última conversa, mas podemos fazer isso. Não para ficarmos juntos, mas para superar o que estava prestes a vir juntos.
O Rover disparou em nossa direção e parou, com muitas armas apontadas em sua direção. Mas então alguém saiu correndo dele e sorri quando reconheci Maddie que foi direto abraçar Clarke, que estava mais próxima.
Comecei a avançar para Maddie me ver, mas parei quando Bellamy passou por mim correndo. Olhei sobre os meus ombros para onde ele estava olhando e lá estava.
Echo kom Azgeda.
Os dois se aproximaram muito mais do que o normal. Virei de frente para eles e estreitei os olhos. Minha cabeça pendeu um segundo antes deles se beijarem. Recuei, a areia deixando o processo difícil.
Ele me sentiu, pois virou a cabeça para mim. Echo fez a mesma coisa.
Os dois me encararam.
E então tudo voltou a minha mente.
Eu não sou um problema, pensei. Não há nada de errado comigo. Estou apenas respondendo ao universo que nunca pegou leve. Estou apenas respirando...
Mas não estou respirando.
Estou me sufocando.
Espero que estejam gostando!
DEIXANDO CLARO QUE o relacionamento deles não vai voltar a estaca zero. Pode parecer que sim, mas não vai.
Confiem em mim, ok? Essa temporada é deles dois.
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