036 | Sacrifice
036 | Sacrifício
BELLAMY BLAKE
Quando recobro com a minha consciência, fico sem entender o que estava acontecendo. A última coisa de que me lembrava era de Rayna virando suas costas para mim e correndo para longe e segundos depois, alguém atacando-me por trás.
Abro os olhos com rapidez ao se lembrar dessa cena em específico e fico sem entender quando percebo que não estou preso.
Meu corpo estava jogado sobre uma poltrona e quando me levantei, minha mente ainda processando em uma discagem lenta, reparei no espaço ao meu redor.
Clarke e Jaha estavam me encarando, apoiados a uma mesa. Parecíamos estar em um escritório. Um escritório arrumado demais para ser no prédio principal de Polis e sem janelas.
— Que diabos você fez? — Questionei, com medo da resposta que estava bem na minha frente.
Mas foi Jaha, curvado sobre a mesa com uma lupa para conseguir ver o mapa do lugar que estávamos — A cripta de Bekka Pranheda —, que me respondeu:
— Se só um clã pode sobreviver — ele diz, dando uma pausa dramática —, é melhor que seja o nosso.
Mas eu não estava nem aí para ele. Virei para Clarke, que deveria ser a pessoa com consciência o bastante nesse lugar.
— Clarke, você concordou com isto?
— Foi ideia dela — Jaha afirmou no lugar dela que mal conseguia me encarar nos olhos.
— Nós fizemos o que tínhamos que fazer — disse, mas ela estava tentando se convencer.
Ela estava errada. Completamente errada.
Mas ela, com os braços cruzados, os olhos trêmulos e postura sólida, parecia não estar vendo a realidade nesse momento. Tal realidade cruel demais para ela suportar. Para ela pensar em suportar.
— Como pôde fazer isso? — Gritei, avançando para ficar na frente dos dois. — Só restavam quatro guerreiros. Octavia era um deles. Ela pode ter vencido.
— Talvez não tenha vencido — fuzilei Jaha, a voz indesejada nesse recinto.
E presença.
— Bellamy, tem razão — Clarke chama a minha atenção antes que eu pudesse avançar no ex chanceler. — Ela tinha uma chance. Mas Luna também era uma das quatro finalistas. O que significava que havia mais chance de ninguém entrar neste bunker. De ninguém sobreviver. O fim da humanidade. Consegue entender isso?
— Sim — aceno, grosseiramente —, entendo que você fez o que achava que tinha que fazer, como sempre — apontei, julgador. Mas eu não estava me importando em medir minhas palavras. — Mas não pode... Não pode esperar que eu fique aqui sem saber o que aconteceu com a minha irmã.
— Não vamos abrir aquela porta — anunciou Jaha.
— Devo ter perdido a eleição em que foi eleito o chanceler de novo — metralhei, deixando claro que ele não tinha nenhuma voz nesse momento.
Nenhum pingo de autoridade.
Não depois de ter trazido Alie e sua guerra com ele.
A porta abriu, interrompendo-nos. Era Abby Griffin, a mãe da Clarke.
— Estava montando a enfermaria quando ouvi pessoas no corredor — explicou, fechando a porta atrás dela. — Acabou? Nós ganhamos?
— Não sabemos — respondi, abrindo os braços.
— Onde está Marcus? — Abby perguntou para a filha, nervosa com a resposta.
Mas ele deve estar aqui. Se conseguiram me pegar, certeza que pegaram os outros também do nosso povo. Apenas não... Octavia, que estava em sua luta. Mas ela venceu. Eu sei que sim e quando Rayna passar por essa porta, ela vai estar ao meu lado e vamos subir para encontrar minha irmã.
Vejo Clarke e Jaha trocando um olhar antes dele começar a responder Abby:
— Ele estava na torre. Mandamos algumas pessoas procurarem por ele, Bellamy, Octavia e Rayna — encarei ele, minhas sobrancelhas se juntando em falta de compreensão. — Bellamy foi o único que conseguiu entrar em tempo. Sinto muito.
Foi quando o meu coração parou.
Minhas mãos gelaram e em um ápice onde minha visão ficou escura pela baixa de pressão, eu me pressionei na mesa, a cabeça baixa, lábios entreabertos para conseguir respirar adequadamente.
Mas o pensamento de respirar se foi. A fórmula de como leva ar aos pulmões sem prejudicá-los fugiu da minha verdadeira compreensão e tudo, absolutamente tudo, parou ao meu redor. Eu senti meu coração voltar a bater, só que agora, muito rápido, em meus ouvidos, depois em minha garganta.
E tudo o que eu podia ouvir e entender era que como Octavia, Rayna não estava aqui.
Rayna não estava protegida nesse bunker, junto com os outros. Ela estava lá em cima e eles não pareciam dispostos a abrir o bunker.
— Dê um rádio — exigiu Abby. — Marcus está com o dele.
— Os rádios não funcionam aqui — mas Clarke o interrompeu ao apertar um botão na mesa a minha frente e abrir uma passagem que ascendeu três computadores. Eu me afastei. — Clarke.
— Estou deixando que se despeçam.
Atravesso para ficar atrás da mesa, mas quando Abby menciona fazer o mesmo, Jaha se coloca em sua frente.
— Eu entendo que precisa saber. Mas eu juro, só tem sofrimento do outro lado do rádio. Os níveis de radiação ficaram críticos — tudo o que ele falava, estava na tela de um dos computadores, mostrando-nos que era real. — As pessoas lá fora já estão sentindo os efeitos. Quando perceberem que tomamos este bunker, vai ser um caos. E, se abrirmos a porta, vamos deixar o caos entrar aqui.
— Rayna pode controla-los — rebati, apoiado a mesa com a cara nos computadores. — Pode controlar o caos.
— Se engana, garoto — Jaha pareceu estar me avisando. — Aquela garota não pode controlar o caos porque ela é o Caos. Se fosse para escolher alguém para ficar lá fora acima de todos, seria ela.
— Rayna fez muito mais por nós do que você — praguejei, querendo atingi-lo apenas por pensar em dizer tais coisas sobre ela. Ele não tinha o direito e nem a ficha limpa pra isso. — Não se esqueça que você só está vivo porque ela permitiu, Jaha. Eu teria te matado junto com Alie se pudesse.
Ele sabe do que estou falando.
Daquele momento que ficou escondido nas sombras logo depois que todos se ajoelharam perante a ela. Ele foi o único que não o fez. E foi muito mais do que uma raiva controlada que passou por mim.
Foi animalesca. Desejei ter tido mira certa e acertado bem em sua testa o tiro e quando estava prestes a resolver esse problema, Rayna me impediu. Porque ela sim é alguém melhor do que qualquer um de nós.
Ela se cansou de mortes e até mesmo para alguém como Jaha, ela concedeu o perdão.
Ele deveria lavar a boca dele com lâminas antes de mencionar o nome dela para algo ruim. Todos deveriam.
Abby tocou gentilmente em meu peito para chamar a minha atenção e eu pisquei, engolindo toda a força de vontade que eu estava tendo para matar ele e guardando em um lugar bem fundo para se inclinar pro computador.
— Nossos rádios estão em 21,5 mega-hertz — informei, ajeitando para que estivesse na frequência certa para que ouvíssemos do outro lado.
A resposta foi imediata.
— Estão me ouvindo? — Abby e eu nos encaramos imediatamente. Era minha irmã. — Alguém está me ouvindo? Aqui é Octavia. Tem alguém me ouvindo, droga?
— Oc — peguei o rádio no desespero e alívio —, sou eu. Você está bem?
— Eu estou viva — ela respondeu. — Eu venci. Bell, o que você fez?
— Não fui eu, mas vou resolver. Rayna está com você? — Não pude me impedir de perguntar. — Da última vez que eu a vi ela estava correndo na direção da batalha.
Ouve um silêncio cruel do outro lado da linha. Um tipo de silêncio que corroeu todos os meus ossos e revelou todos os meus maiores medos. Tal silêncio que foi abandonado para longe quando houve a interferência e eu ouvi a voz dela.
— Oi, Bellamy — selei os olhos, abaixando a cabeça para soltar o ar. — Estou bem também — havia algo de errado em sua voz. Algo... frio. — Ouça, você precisa saber que quando Octavia venceu, decidimos compartilhar o bunker com todos. 100 pessoas de cada clã. Meu pai está tentando ganhar tempo, ajudando a selecionar as pessoas. Se alguém descobrir que Skaikru roubou o bunker, todos estaremos mortos.
— Como assim? — Perguntei, encarando Jaha que pareceu nervoso. — Do que você está falando?
— Estou falando que... — ela pausou, parecendo suspirar. Então ela fungou e se sua voz estava estranha antes, agora apenas aumentou. — Estou falando que o tempo de vocês está se esgotando. Se os outros clãs descobrirem sobre a traição dos Skaikrus e quiserem guerrear... Não vou impedi-los.
— Guerrear? Estamos embaixo do solo.
A sua próxima resposta demorou para vir, mas quando aconteceu, ela cortou qualquer resquício de dúvidas em nosso ar.
— Temos bombas aqui, Bell — segredou, com um ar gélido que deu pra sentir daqui. — Se não resolver isso logo e fazer do nosso jeito, mandarei que bombardeiem o Bunker até que não reste espaço para ninguém usufruir dele.
A ligação se cortou, deixando o silêncio mortal entre a gente.
— Ouviram ela — intercalei meu olhar entre todos do recinto. — Não podemos correr o risco de perder tudo.
— Como eu disse — Jaha começou após um curto tempo de pensamentos e então os seus novos guardas entraram na sala, deixando a ameaça explícita —, uma garotinha que não sabe o que está falando. Esse lugar foi construído para sobreviver a algo mais pesado do que bombas. Agora... desligue o rádio.
— Thelonious, podemos salvá-los — afirmou Abby.
Jaha cortou a conexão com o outro lado ao puxar os fios e desconectar tudo.
— Ouviu o que ela disse? Estamos falando de uma guerra dentro da escassez de tempo — gritei com raiva. — Não podemos correr o risco. Eu vou abrir aquela porta.
— Sinto muito — respondeu em seu tom formal, a que ele se acostumou a usar como chanceler. — Mas agora o nosso povo está a salvo. Não podemos arriscar.
— Para me deter de abrir aquela porta, vai ter que me matar.
Um dos guardas se aproxima por trás de mim e Nate até tenta resolver tudo na conversa, mas acho que ele não estava entendendo o que — ou quem — estava em jogo para mim.
Avancei para lutar e até consegui derrubar dois guardas, mas minhas forças se extinguiram quando levei um choque nas minhas costas, fazendo-me cair no chão e perder a consciência.
(...)
Rayna não era um caos e, porra, muito menos uma garotinha que não sabia onde estava se metendo. Ela era... Rayna era...
Como explicar o inexplicável?
Para mim, tentar explicá-la era como tentar explicar o motivo da nossa existência ou a vida depois da morte, ou a existência de um Deus que entercede por todos nós. Não tinha desvaneios coerentes o suficiente que chegasse a uma resposta conclusiva.
Não importa quanto você fique sentado como estou, sozinho, acorrentado a uma sala escura, cujo a ação de pensar é sua única escapatória. Você pode parar um dia inteiro para pensar nela.
E se puder, pare mesmo. Por experiência própria, pensar nela era incrível, a melhor parte do meu dia.
Lembrar daquele sorriso me fazia querer sorrir e acreditar que o mundo ainda tinha salvação. Mesmo agora, há dois dias do Fogo Primordial. Rayna tinha alguma coisa que fazia muito mais do que chamar a minha atenção para si.
Era como se minhas células reconhecessem as dela. Como se meus pensamentos se mesclassem aos dela sempre que nossos olhos se fixavam um no outro e aquela sensação de que o mundo parava — até mesmo por um segundo — era uma das melhores já sentida por mim.
E ela sempre teve isso.
Desde muito antes de descermos para a Terra, eu só nunca tive coragem para parar e reparar. Mas as vezes meus olhos passam por ela na Arca. Sempre sozinha ou com Aspen O'Connor, seu melhor amigo.
E então, quando descemos para a Terra, fiquei impressionado por reconhecer a mesma coisa brilhando no seu olhar. Eu jamais conseguiria explicar o que era. Dar um nome àquilo, mas era lindo.
Mais do que lindo, hipnotizante de um tipo que você parava para observá-los. Essa... chama aumentava sempre que eu a provocava. Talvez seja esse o grande motivo por eu ter feito tanto isso no primeiro acampamento.
Rayna não era o caos, era a paz. Aquela que vinha silenciosa, mas deixava uma marca forte o suficiente para lembrar dela e sentir falta no momento em que faltar. Rayna tinha mais conhecimentos que muitos daqui e não estou falando apenas de sua inteligência. Estou falando de suas experiências.
Rayna chegou à Terra enjaulada, confusa e com um único exemplo de interação por dois anos; minha irmã.
Mas ela não mudou quando ganhou essa Chama — como ela parece pensar — ou quando descobriu que tinha Sangue Escuro. Ela sequer mudou. Em vez disso, deixou-se florecer naquele primeiro campo de batalha onde se mesclou com as roupas sujas dos terrestres e manchou sua cara inteira até estar irreconhecível.
Então ela pegou aquela espada e foi ajudando de um por um. Todas aquelas pessoas que a deixaria para trás na primeira oportunidade que a vida desse.
Rayna olhou para eles e disse apenas um vá, eu cuido disso, mesmo sem saber por onde começar. Ainda assim, ela salvou muitos e tenho certeza que teria conseguido me salvar em outras circunstâncias.
Mas eu não podia deixá-la correr tal risco por mim.
Não por mim.
Mas em vez disso, eu a perdi. Para aqueles montanheses que ferraram com a sua vida e saúde mental. Apesar de todo o desentendimento que eu tinha com Benjamin Wallace, eu jamais teria formas ou palavras para agradecê-lo pela forma como ele a ajudou.
De uma forma que nenhum de nós conseguimos fazer.
Benjamin era bom para Rayna — admito, em um espaço quieto da minha mente, deixando um riso nasal cortar o silêncio. Ele não era ferrado como eu e, mais uma vez, diferente de mim, seu primeiro instinto foi protegá-la mesmo sem conhecê-la enquanto o meu foi colocá-la em uma prisão.
Lembrar disso é como se eu tivesse matado uma das versões de Rayna Kane. A primeira versão que gostava de ler em seu lugar, mal colocava a cara pra fora do seu cubículo, mas que parecia ser uma ótima amiga — ela é.
E ter essa sensação era ruim porque é como se tudo fosse uma peça do tabuleiro da vida entrelaçada na outra e eu fui a mão que estapeou a primeira peça para que as outras caíssem.
Mas se estamos falando de versões...
A segunda versão dela se foi com Benjamin. Eu consegui ver explicitamente naquele momento em que ela, ajoelhada com ele, soltou aquele grito.
Foi um grito de dentro pra fora, que estraçalhou todo o seu peito. A forma que ela lidou com tudo, derrotando Alie e livrando todos nós de uma morte, menos ela.
Porque apesar de Rayna estar respirando, foram poucas as vezes que eu a vi com vida.
Se eu pudesse desejar algo pro mundo cumprir, seria para que ele consertasse todas as merdas que ele fez com ela. Para que ele lhe desse paz, mesmo que sem mim. Eu até aceitaria que fosse com aquele rei — apesar de ter certeza que não é.
Fecho as mãos algemadas em um punho ao lembrar do casamento.
Eu ainda não acredito que ela se casou para livrar a nossa pele. Eu só queria pegá-la em meus braços e fazê-la acreditar que não tinha nenhuma responsabilidade com a gente. Que era pelo contrário, a gente que tinha com ela.
Por tudo.
Por qualquer coisa.
No meu caso, onde a garota já se tornou insubstituível na minha vida, por apenas existir.
Eu diria para ela da próxima vez que eu a visse e dessa vez, ela não teria mais fugas. Eu já a ouvi dizendo que sentia coisas por mim na cara do Rei da Nação do Gelo e apesar de ter me sentido bem, eu sei que a sensação nem se compararia com ela dizendo as mesmas palavras olhando em meus olhos; para mim.
É por isso e muitos mais motivos que eu precisava abrir aquela porta.
Não tem nenhuma chance de eu conseguir viver aqui sem ela e sem Octavia. Eu preciso das duas comigo. E eu sinto que é muito mais do que emocionalmente falando. Pensar em perdê-las doía fisicamente.
E eu já não me importava se entre Rayna e eu parecia que estávamos revivendo uma maldição, onde nunca conseguimos ficar juntos, onde algo sempre nos atrapalhava — muitas das vezes sendo nós mesmos.
Não me importo que sejamos auto destrutivos. Temos capacidade de construir algo saudável, dentro dos eixos da normalidade, onde nenhum saia machucado constantemente. Eu sei que podemos.
Tudo o que está no nosso caminho nesse momento era aquela porcaria de porta e não seria Jaha, Clarke e nem a droga dos guardas que me impediria de tirar esse obstáculo entre a gente.
Encarei meus pulsos sem ter percebido que eu estava fazendo tanta força sobre ele e as correntes que uma gota de sangue já escorria pelo meu braço. Foi olhando para aquele líquido que o plano inicial me ocorreu.
Apesar da força de vontade, eu não podia sair por aqui sozinho. Eu precisava de ajuda. A primeira pessoa que eu pensei foi em Abby Griffin. Ela tinha mais do que motivos para me ajudar e eu havia visto seu olhar quando Octavia respondeu aquele rádio.
Era esperança e vontade de salvá-los. De salvar Marcus Kane, o homem que tinha conseguido cativar seu coração.
Urrei de dor — o mais baixo que eu pude — sentindo minha pele sendo irritada por aquelas correntes e vendo mais cortes sendo abertos, manchando meus pulsos com mais sangue. A dor incomodava, mas nesse momento, não havia nada que eu não faria para abrir aquela porta.
— O que você está fazendo? — Grita Murphy apontando para os meus pulsos. — Você está se machucando.
— Murphy — chamei ele, com a respiração ofegante. Se machucar custava muito fôlego. Mas me levantei, com esperança. — Solte-me. Por favor.
— Não posso fazer isso — decepcionado pela resposta, comecei a andar de um lado pra outro. — Olha, sinto muito pela sua irmã e pela Rayna, eu...
Algo explode no meu peito e eu sei que é a frustração por ter cogitado pensar que ele me ajudaria.
— Solte-me! — Aumento o tom de voz, avançando e sendo impedido de chegar até ele pelas correntes presas no chão.
— Ei, eu não posso. Certo? Não posso, não podemos abrir a escotilha — ignoro-o, puxando aquelas correntes do chão e chutando a parede quando não funciona —, então pare de fazer isso antes que eu chame um médico para te dar um calmante.
Parei de bater nas coisas, ele não podia saber que era exatamente isso o que eu queria. Cheguei até a sua frente, as mãos juntas em frente ao corpo.
— Você não mudou — afirmei, com veneno. — Você só se preocupa consigo mesmo.
— Você está errado.
— Ela ajudou você! — Levantei as mãos para apontar pro seu rosto. Ele perde os seus olhos pelo chão. — Rayna estava disposta a ajudar Emori, independente do que poderia resultar.
Quando ele não responde, sei que está se sentindo culpado.
— Murphy. Murphy, por favor — pedi desesperado. — Não a dê as costas. Não me deixe aqui.
— Isso só vai durar alguns dias — ele murmurou, seus olhos ainda longe dos meus.
— Elas vão estar mortas em alguns dias — rebati, alterado.
E quando eu pensei que estava o convencendo, ele sussurrou, covarde demais para bater de frente comigo:
— Sim. Sinto muito.
Ele recua para sair.
— Não faz isso — comecei sussurrando, com o olhar perdido. Mas minha voz já estava aguda quando eu repeti: — Não faz isso! Não a deixe lá! Murphy, me deixa sair! — Cansado, minhas pernas se enfraqueceram e sussurrei, em uma penúltima tentativa fraca e sem forças: — Eu a amo. Por favor...
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RAYNA KOM SKAIKRU
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O que seria perfeito para definir o sacrifício?
A morte de alguém ou suas escolhas que acabam machucando a si mesma para não machucar terceiros? Uma palavra mal dita? Um olhar?
E se não for uma ação que define o sacrifício? E se fosse uma palavra? Qual seria?
Foi a única coisa que eu consegui pensar depois de largar o corpo de Roan kom Azgeda naquele campo de batalha para acompanhar a vencedora daquele Conclave. Octavia não parecia muito para conversar, mas ela driblou seu próprio problema para rever se eu estava bem.
Foi quando eu disse tudo para ela.
Até a parte em que eu fiquei com Roan na Ilha até há pouco, como seu plano era fazer esse Conclave para diminuir o desejo de sangue quando ele decretasse que todos os clãs teriam lugar no bunker.
Mas que não deu certo.
Poderia dar, mas Luna entrou na jogada e ele morreu. O plano morreu.
Octavia tocou em minha mão encardida e sussurrou que eu estava errada, que ainda dava tempo de fazer a escolha certa. Foi quando caminhamos lado a lado até a Sala do Trono, anunciando sua vitória e a nossa decisão.
Avançamos para o lugar onde a cripta estava, o espaço resguardado apenas pelo Guardião da Chama. Pouco depois, a chuva negra recomeçou lá fora e isso foi o que atrasou todos de entrarem também e descobrirem que os Skaikrus nos prenderam aqui fora.
Aposto que foi uma decisão tomada por Clarke Griffin. É a cara dela escolher a opção que sacrifica milhares de pessoas apenas pela possibilidade de tal coisa acontecer.
Eu estava certa.
Assim que Indra se virou para mim, com notícias de que a chuva negra tinha passado e perguntando se era para tentar deter os clãs de chegarem, eu barrei.
Eu não podia ficar passando a mão na cabeça dos Skaikru para sempre. Eles precisavam arcar com a consequência dos seus atos. Eles já se desviaram muito das regras e sinto que Indra e Octavia concordam comigo.
Mas foi nesse momento que Bellamy escolheu para abrir a escotilha.
Octavia correu para abraçar o irmão que retribuiu a ação com o que parecia ser um alívio. Ele ergueu seu olhar para mim e prensou os lábios no que parecia ser um sorriso.
Engoli em seco e os clãs começaram a entrar. Coloquei-me à frente deles, com Indra de um lado e Octavia de outro. Visualizei cada um de seus rostos e tudo o que eu consegui ver era dor, perda e caos. Era como se fôssemos compostos por essas coisas, como requisitos para sobreviver na Terra.
Eles não estavam felizes em escolher apenas 100 pessoas do seus clãs para sobreviver naquela cripta, mas era um caminho chave para a sobrevivência e depois das pessoas que eles perderam hoje, não estou com nenhum saco para contrabater.
Eles só queriam sobreviver...
Mas se a sobrevivência requer sacrifício, quem vai sobrar?
Octavia percebeu o meu devaneio, pois fez o favor de tomar a frente e falar com eles, reconhecendo-nos como apenas um clã a partir de agora e para outros anos, fazendo jus ao nome de Lincoln kom Trikru e ao de Roan quando impediu a entrada de Echo após ela ser banida do próprio clã.
Por culpa minha.
Se eu não a pedisse para ir atrás de Roan, ela jamais teria sido expulsa do clã, jamais estaria assim tão... desolada. Mas quando eu a olho, percebo que ela nunca havia me olhando daquele jeito.
Espontâneo, verdadeiro e... leal.
Eu ainda estava pensando sobre isso quando nos reunimos na sala do controle da cripta.
— Esta instalação não funciona sozinha — informa Marcus, encarando o mapa na mesa.
— Precisamos priorizar os médicos e os engenheiros — adiciona Abby.
— E a Raven e o garoto? — Questiona Jaha, de costas para todos.
— Ele se chama Aspen — cuspi com ignorância.
— Claro que vamos atrás dos dois — afirma Marcus.
— Chama isso de justiça?
— Eu acho que isso é fazer a coisa certa — responde Octavia, ainda coberta de sangue —, graças ao meu irmão.
Jaha intercala os seus olhos entre a gente.
— Você deixou isso acontecer. Quantos de nós têm que morrer?
— Quantas de nós você deixaria morrer? — Rebato, de braços cruzados, recebendo o seu olhar cortante o suficiente para saber que sua simpatia por mim tinha diminuído.
— Temos 100 lugares — diz meu pai, ao meu lado atrás da mesa, deixando claro sua própria birra com Jaha. — Os outros clãs já... Já escolheram seus sobreviventes. Temos que fazer a mesma coisa.
— Cem? — Repete Jaha. — Temos mais que quatro vezes isso.
— Uma dor que todos os clãs sentem — afirma Octavia, sem emoção, mas levando consigo a razão.
— Era isso que você queria? — Jaha virou para Clarke que negou.
Octavia interrompeu pela última vez.
— Querer não tem nada a ver com isso. Skaikru ganha 100 camas, a mesma coisa que os outros. Duas delas é do Bellamy e da Rayna. As outras vocês escolhem — ela caminha até a saída e meus olhos, minha mente, se perde em sua posição. — A onda da morte chega em 24 horas. Vocês tem 12 horas para decidir.
As pessoas foram deixando a sala, Jaha sendo o portador da raiva. Mas eu estava pouco me importando com o que ele pensa, ele só está com medo de não ser um dos escolhidos pra sobreviver.
Ele sabe que não terá a liderança daqui.
E eu também sei.
— Pai... — murmuro cinquenta minutos depois da reunião, entrando na sala de controle onde ele e Abby continuavam intactos. — Quero fazer parte da expedição para buscar Raven e Aspen.
Eu acho que seu primeiro instinto é abrir a boca e dizer não, você é minha filha e já correu perigo o suficiente por três décadas, é a mensagem que seus olhos passam para mim. Desesperados pela possibilidade de não conseguir. Mas ele sabe que:
— Não adianta eu dizer não, né? — Tentou sorrir e eu dei de ombros. Foi quando ele rodeou a mesa e se aproximou de mim. — Só... tenha cuidado.
— Eu irei.
— Clarke e Bellamy também vão — Abby informou, atrás dos computadores. — Eles estão indo colocar seus trajes na sala da escotilha.
Acenei, sem muita coragem.
Levantei meus olhos para encarar Marcus e imediatamente senti eles lacrimejarem. Eu sabia o motivo e com medo de me arrepender, apenas puxei ele para um abraço firme.
Ele ficou surpreso, mas senti suas mãos tocando meus ombros e depois fazendo um leve carinho em meu cabelo.
— Eu te amo — sussurrei e foi algo tão novo saindo dos meus lábios, com a minha voz, que eu até estranhei.
Ele, com certeza.
Marcus nos separou do abraço, segurando meus bíceps e encaixando nossos olhos parecidos.
— Esta tudo bem mesmo, querida? — Deu para ver que ele estava sendo cuidadoso pra não perguntar o que tinha dado em mim. — Tem certeza que não é melhor se você ficasse?
Neguei com a cabeça, minha visão ficando distorcida pelas lágrimas que encheram meu globo ocular. Segurei, sabendo que se chorasse agora, ele jamais me deixaria ir.
— Sim, papai. Eu só queria dizer que te amo.
— Eu também te amo, querida — ele disse, a voz gentil. Então ele me puxou para outro abraço e meu rosto se enterrou no seu peito. — Muito mesmo — então ele separa o abraço. Rápido demais. Tento não voltar para o contato. — A gente se encontra daqui umas horas?
Evitei contato visual.
— Claro.
Dei as costas rápido demais para parecer normal, mas agradeci por ele não ter me seguido.
Agora... só faltava...
— Oc! Oc, espera.
Eu a vi parar e se virar para mim, os guardas que a seguiam por vontade própria fazendo o mesmo processo. Eles abaixaram os olhos quando me viram e deu dois passos para trás.
— Rayna? Tudo bem?
— Sim, está — garanto que a distância está propicia para começar a falar. — Estou indo com seu irmão e Clarke para buscar Aspen e a Raven. Você pode cuidar das coisas por aqui enquanto eu tô fora? Eu jamais confiaria em mais ninguém.
— Tá, claro — ela encolheu os ombros e sorriu minimamente para mim. Seu rosto já estava limpo de todo aquele sangue.
Puxo minha mão para trás para pegar o pingente que eu carrego no meu bolso. Quando estico para ela, posso perceber seu olhar confuso — assim como os do guarda — ao reconhecer o pingente da Comandante; o sol para se colocar no meio da testa.
— Pode guardar para mim?
— Rayna...
Pego sua mão e coloco o pingente, fechando-a em seguida. Faço um carinho em sua pele com o meu polegar e sorrio, mas parece que estou prestes a chorar.
Com as sobrancelhas franzidas e querendo confirmar alguma coisa, Octavia diz:
— A gente se vê.
— É — concordei, dando um curto abraço nela antes de virar as costas e praticamente correr.
Mas eu menti.
Porque o único sacrifício que eu conheço é a morte. E eu sei que não morrerei no Fogo Praimfaya, então o mínimo que eu posso fazer é liberar espaço para alguém que realmente precisa viver.
E se for pra morrer sozinha no mundo, lembrando que salvei pelo menos uma pessoa naquele bunker, será a melhor morte de todas.
Sacrifício...
Ele é ardil, mas entendo agora.
Jamais teríamos sobrevivido sem ele.
Espero que estejam gostando.
O que acharam do mini POV do Bellamy? E sobre a escolha da Rayna de se sacrificar? Acham que Bellamy vai permitir quando descobrir?
MUITO OBRIGADA pelos 37,2K de vizualizações. Isso me deixa tão feliz. Estou adorando passar essa experiência com vocês.
E se tiver alguém aqui que gosta de JOGOS VORAZES e está procurando uma fanfic do Finnick, vão dar uma olhadinha no meu perfil. ;)
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