034 | There was Silence

034 | Houve o Silêncio
RAYNA KOM SKAIKRU

Quando retornei a sala compactuada para o trabalho, Roan estava aplicando um golpe em Luna para a neutralizar, o que não exigiu muita força de sua parte, considerando que a mulher já estava em seus piores dias com aquele quadril.

Antes de eu chegar nessa Ilha, só tinha ela de Sangue Escuro aqui, então só ela podia doar o sangue. E contando que eu cheguei ontem aqui, não tivemos muito tempo para trocar de lugar.

Mas ao menos, achei que iríamos fazer isso em algum momento.

— Eu posso ir no lugar dela — sugeri, compadecendo com a sua causa. — Vocês não podem prendê-la e pegar sua medula óssea a força.

— Agora está preocupada com o que a gente pode ou não fazer? — Perguntou Aspen, com sarcasmo.

— Estou preocupada com o que estamos parecendo — corrigi, virando completamente para ele. — E você também deveria. Ou sua consideração por Benjamin acabou tão rápido assim?

— Não o mencione agora, Rayna.

— Senhoras e senhores — soltei, com algo entalado em minha garganta —, sejam bem-vindos a Monte Weather.

Fiz questão de fixar meu olhar em Clarke nessa última parte. Mas como ela poderia sentir o que eu sinto nesse momento, vendo as cenas se repetirem como um replay? Ela nunca deitou naquela maca e nunca sentiu aquela dor. Ela jamais entenderia.

Jamais entenderia o frio daquela jaula que me jogaram, a fome, a necessidade de sanidade ou o desespero de ser pegada a força, amarrada e cortada por dentro, repetidas e repetidas vezes.

Apenas para saciar o desejo próprio.

Abby citou mais tarde que o importante agora era sobreviver e que depois recuperaríamos a nossa humanidade. Eu, sentada ao pé da maca em que Luna estava repousando, aguardando minha hora de estar em seu lugar chegar, discordei.

Essa é uma frase bonita e pesada, mas é apenas isso. Não é a verdadeira realidade.

Não importa se você está sacrificando um para salvar milhões. A sua humanidade nunca mais será a mesma e jamais será curada.

Sei disso desde o momento em que me fantasiei de terrestre pela primeira vez, mal conseguindo segurar aquela espada, usando-a apenas para cortar seus movimentos e acabar tudo com um simples tiro no meio dos olhos.

Ou em Monte Weather, quando olhei no fundo dos olhos daquela médica e esperei ela morrer, apreciei aquele momento e seus gritos não causaram incômodo em mim. Quando persegui Cage por aqueles níveis, com o quadril pior do que de Luna, cansada por não beber e nem comer há dias.

Naquele momento, quando enfiei aquela estaca nele e depois descarreguei todo o pente da arma em seu corpo, foi uma das ações que você poderia encaixar nessa frase de Abby Griffin.

Ou quando matei a sangue frio aquela mulher apenas porquê meu pai, controlado por uma Inteligência Artificial, me ordenou. Quando torturei Aspen. Quando matei Benjamin.

Eu posso não ter apertado aquele gatilho.

Mas a partir do momento em que aceitei sua ajuda em Monte Weather, quando deixei ele se rebelar contra a própria família e depois o levei para Arkadia, ignorando-o por dias, para depois beija-lo secamente naquele quarto. Ali... Ali foi a sentença de morte dele.

Eu escrevi sua sentença e ele assinou.

Tudo isso porque se deixou se apaixonar por mim. De quanto mais eu preciso para entender que eu não faço bem as pessoas?

E tudo isso por quê? A humanidade.

Você não pode ignora-lá para depois correr atrás dela. Ela é uma parte de você, que você carrega dia e noite e quando faz alguma coisa que a machuca, é igual areia ao vento. Quando vê, há apenas vestígios dela. Você quase não sente.

— Você está bem? — Questionou uma voz nova na sala.

Encaro Roan, percebendo que devo ter divagado muito se deu tempo dele sair do segundo andar, onde estava falando com Clarke, para vir aqui, sem eu perceber.

Mal consigo encara-lo agora.

E tudo o que eu quero fazer é respondê-lo que sim, sim estou bem, mas a única coisa que eu faço é abaixar o queixo para encarar Luna deitada sem nenhuma consciência naquela maca.

Ela era a única com a humanidade intacta daqui e estávamos a destruindo.

— Falta quanto pra eu ser ela? — Sussurrei, sem desviar os olhos dela por um tempinho. Mas eu faço quando realizo a próxima pergunta: — Quanto tempo vai levar para eu ser um alvo a ser combatido?

— Do que você tá falando? Eles são sua família.

— Eles tem medo de mim — disse eu, no mesmo tom de voz, encarando com pesar e receio seus olhos. — O medo destrói qualquer outro sentimento.

— Eu jamais deixarei que você se torne novamente uma vítima dessa maca, Rayna.

É impossível controlar o riso que eu deixo soltar pelo nariz. Mas eu não acho graça. Nenhum pouquinho.

— Você a atacou, Roan — contrabati, dando um passo em sua direção, lembrando exatamente da cena. — Por que eu devo confiar que daqui há cinco dias, no ápice da ansiedade para a nossa morte, você não faça o mesmo? Você não deixe eles fazerem o mesmo?

E ele responde tão rápido, com tanta certeza, sem nenhum pingo de hesitação que eu confesso ter sido pega de surpresa.

— Porque você é minha Rainha e a única pessoa que tem, de fato, minha lealdade nesse lugar — proferiu Roan, falando tão certo quanto parecia estar. — Você pode achar que nosso casamento é uma farsa, Rayna kom Skaikru. Mas no momento em que você subiu naquele palco, vestida de noiva e com o símbolo dos Azgeda cravado em sua pele, você se tornou a minha igual. E não há nada acima de você.

Foi quando me lembrei de seus toques recentes. Da forma como ele me tomou em seus braços, me reivindicou como se sonhasse com isso.

Meu coração acelera com as lembranças de seus lábios, pois Roan me mostrou o seu e o meu lado mais selvagem naquela mesa e por incrível que pareça, ele foi o único que nunca julgou minhas atitudes como Comandante.

Pelo contrário, ele me ajudou com isso.

E ele está certo.

De uma forma estranha e sem graça, eu sinto mesmo um tipo de desejo por ele.

Mas... não é amor.

Não é... Bellamy.

E esse silêncio que recai sobre a gente — sobre mim — me faz encarar ao nosso redor, aquela solitude. Então olho para cima e também não há ninguém.

— Bora testar, então — disse, maliciosamente.

Então cortei seus ombros ao passar por ele e segui até a sala do Foguete, onde Emori e Murphy haviam sido presos. Quando abri a porta com o acesso manual, eles viraram subitamente para mim, assustados e presos.

— Rayna? — Murphy chamou-me, desviando os olhos para algo atrás de mim. Eu sabia que esse algo era um certo rei de quase dois metros de altura. — O que está fazendo aqui?

— Eu vim tirá-los — respondi, não demorando para ir à procura de algo cortante para cortar aquelas amarras.

— Rayna — Roan me chamou com a voz falha. Joguei os ombros para trás, pronta para arcar com a cena dele dando para trás, escolhendo a sua sobrevivência. Mas quando viro-me para ele, o mesmo está estendendo uma faca. — Aqui, corte com isso.

Quase consegui evitar o sorriso, mas não consegui. Peguei a faca, virando para seguir o caminho dos dois, mas novas pessoas entrando me impedem.

— Rayna — Clarke me chama, visando me impedir. — Não faça isso.

Roan se mexe ao meu lado, mas para quando Nate mira a arma em sua cabeça, em uma distância segura o bastante para que o Rei não o atacasse. Encarei Clarke, pronta para desobedecê-la e seguir em frente.

Mas não é ela que se coloca em minha frente.

É Aspen.

Mas ele não está armado. Eu estou. Mas é como se não. Eu até aperto o cabo da faca, mas é como se eu voltasse a ser aquela garotinha do primeiro acampamento, que mal consegue erguer uma espada.

É quando abaixo meus ombros, soltando a adaga.

Eu jamais poderia erguer isso pra ele.
Jamais.

Vai funcionar desta vez — Clarke tentou dar certeza. Roan olha mortalmente para Nate antes de bater na boca da sua arma para que ele pudesse parar de mira-lo.

— Então por que não paramos com isso e esquecemos o teste? — Sugeriu Emori, com lágrimas nos olhos, amedrontada pela possível morte.

Clarke não tem resposta para isso.

Então Nate agarra a injeção e aplica em Emori, mesmo com Murphy murmurando ameaças, no puro ódio, tentando avançar. É quando Aspen abaixa para pegar aquela adaga e ameaça Murphy.

Não posso deixar de ficar surpresa com isso.

E é como ver a mim mesma se tornando um monstro. De repente, sei exatamente o que ele ou Raven sentiu ao descobrir que eu sabia que aquele cara não era quem dizia ser.

Ele se afasta quando não há mais perigos e apenas sai, com o olhar fulminante de Roan em seu corpo.

— Quem diabos você pensa que é? — Grita Murphy, desesperado.

Suspiro com força quando ouço Clarke dizendo que está tentando nos salvar e decido que não aguento. Não aguento porque eu acredito nela, mas não quero concordar.

Não quando ainda ouço a voz de Murphy, de um jeito que eu pensei que jamais poderia viver para ouvir. Ou por ainda lembrar de seus olhos avermelhados. Ou quando ele grita:

— Estou implorando. Eu a amo. Não faça isso.

E ainda estou ouvindo o suficiente quando ele grita e apesar das paredes fechadas, grossas, ainda da pra ouvir com uma qualidade impressionante. Há dor. Há desespero. E aquele grito... se assemelha ao meu quando Benjamin morreu em meus braços.

Quando Clarke se ajeita, todos já estão parados, segurado o ar. Emori já está deitada ao lado de Luna, as duas inconscientes.

Roan e eu estamos mais afastados dos outros. Aspen nem faz questão deolhar em minha direção, mas não é raiva que eu sinto no ar entre a gente, mas também não sei explicar o que poderia ser. É como se entre a gente estivesse uma bolha com os nossos problemas e nenhum dos dois tem coragem o suficiente para estoura-lá e se aproximar.

Abby se aproxima de Emori com a seringa com a medula óssea de Luna, mas com as mãos trêmulas e olhos borrados, ela não consegue seguir em frente.

É quando Clarke pega a responsabilidade das mãos de sua mãe.

Sempre admirei isso nela. Essa compaixão sem fim, pronta para se sacrificar, pronta para lutar para que outros não precisem. Era isso que a tornava uma líder muito melhor do que eu poderia chegar a ser. Essa força que jamais altera a sua empatia e coragem.

E, apesar das dúvidas ao redor, da minha raiva pelo nosso último episódio juntas, ela não agiu diferente agora.

Quando Clarke mudou a direção da agulha para o seu próprio braço, meu coração acelerou com um sentimento conhecido o suficiente. Deixei meus braços se soltarem ao lado do corpo e tive que me segurar para não avançar com horror, assim como sua mãe fez.

— Testaremos em mim — ela declarou, me levando a perceber só agora o quanto ela me encarava.

Eu também a encarava.

Em toda a ação de pegar a agulha e levá-la para o seu braço, eu encarei seus olhos, mas minha raiva me cegou e não pude impedi-la de continuar. Mas ela... reconhecendo essa raiva, se alimentou com coragem o suficiente para fazer.

Duas horas depois, ela não sentia nenhum sintomas anormal. Estava pronta — em suas palavras — para entrar na cápsula.

Murphy já estava aqui, liberto e até aliviado por ver Emori viva e bem. Os dois se juntaram ao meu lado e ao lado de Roan para observar a cena da mãe de Clarke tentando impedi-la de fazer aquilo.

Mas em um ápice de preocupação maternal, ela simplesmente destruiu toda a cápsula com um pedaço enorme de ferro. Ninguém teve tempo de avançar para impedir.

Ela escorregou até o chão após o ato agressivo.

— Não se preocupe — Luna disse, sentando-se na maca para sair dela. — Tudo acabará em breve.

(...)

Quando todos começaram a cogitar que Luna estava certa, uma última chama de esperança nos cercou quando Marcus acionou Abby em seu walkie-talkie, falando que Jaha encontrou um bunker e que ele estava sob proteção dos Azgeda.

O conflito de interesses estava explícito, então não nos restava nada além de voltar a subir naquele barco, atravessar o rio e pegar o Jeep para chegar em Polis.

Apenas Jackson, Nate, Abby, Clarke, Roan e eu voltamos. Raven, Murphy, Emori e Aspen ficaram para que eles pudesse descarregar todos os suprimentos daquele Bunker para a gente, quando eles fossem buscados mais tarde.

Tínhamos acabado de chegar nas montanhas, onde sempre guardavámos os Jeep para poder continuar a viagem para Polis a pé.

Roan me ajuda a descer até o solo, ajeitando meu manto sobre os ombros no processo. Envio-lhe um singelo e verdadeiro sorriso, pois com toda aquela neve, estava mesmo muito frio.

Afim de entregar uma aliança forte e sólida para não somente os Azgeda, como também para os outros clãs, trajamos as últimas roupas que usamos para caminhar por Polis. Ele, com toda aquela armação de um rei. Eu já estava esquecendo como ele era muito mais sério sem todas aquelas armas em sua cintura e todo o couro agarrado em sua pele.

Eu não estava muito diferente, coberta pelos mantos dos Azgeda, trajada de couro e com o cinto de armas que Lexa mandou fazerem para mim.

— O que pretende fazer primeiro quando chegarmos? — Segredou Roan com sua mão apoiada no cabo de sua espada.

— Achei que a realeza fosse mais ocupada — entrei na sua brincadeira. Mesmo que eu tivesse algo em mente, jamais teríamos um tempo. — Mas sendo assim, que tal um dia de massagem?

— Vou mandar que preparem suas mãos.

Soltei um riso sincero e só então percebi o quanto tempo eu não soltava um desses.

— Senhores — ouvi adiante. Quando olhei, era meu pai cumprimentando Miller e Jackson. — É bom vê-los.

— Oi, pai — disse um pouco mais alto, pronta para chegar até ele.

Mas eu cortei meus passos quando ele pediu para que Nate e Jackson esperasse. Por um momento, achei que pudesse ser algo da minha cabeça, mas Marcus não se aproximou da gente.

— Querida — em vez disso, ele me olhou, parecendo acuado —, vem aqui.

— Onde estão os guardas? — Perguntou Roan, com o tom simbolizando que ele também estava estranhando.

— Nosso pessoal não voltou de Arkadia ainda — ele respondeu.

— Kane, não — viramos para trás ao mesmo tempo, vizualizando Clarke correndo em nossa direção, mas sendo impedida por Abby. — Roan.

Roan foi o primeiro a sacar sua espada, eu tentei entender o que estava acontecendo primeiro. Mas eu confiei no meu instinto ao pegar a minha própria espada ao ver um terrestre saindo da floresta e correndo em nossa direção.

— Trikru? — Roan se surpreendeu, se preparando para a luta que parecia inevitável. — O que é isso?

— Não tem de ter violência — gritou meu pai.

Mas Roan e eu já estávamos de costas um para o outro, em posição de ataque. Ele pareceu surpreso quando me viu fazendo o mesmo que ele, mas não deixou isso dominá-lo.

— Rayna, não lute com eles!

Eu não iria lutar com eles, debochei em minha mente, olhando no olho de um deles. Eles que iam morrer.

Mas então, quando estava prestes a acertar um que mesmo me vizualizando ali, não recuou — diferentemente dos outros que pareceram hesitantes —, outros fizeram por mim. Flechas foram disparadas em cada um dos Trikru que estava prestes a lutar contra mim e Roan e os Skaikru foram presos.

Só entendi ligeiramente o que estava acontecendo quando todos já estavam imobilizados no chão e aquela voz rompeu meus tímpanos:

— Bem-vindos de volta a Polis, Vossas Altezas.

Encarei Echo, ainda assustada com toda essa reviravolta.

Logos estavámos marchando para Polis, os caminhos sendo abertos conformes passavámos e gritos como:

Abram caminho para o rei e sua Comandante — eram constantemente ouvidos em suas línguas nativas.

Quando chegamos a sala mais perto daquele enorme prédio, sendo a Sala de Guerra, Roan abriu as duas portas para que eu pudesse pasar, logo então, ele. Seguido logo depois de Echo e os guardas que nos acompanhavam.

— Certo, estamos seguros — Roan afirmou, parecendo no limite da sua raiva, falando em sua língua nativa. Ele parou na mesa de concreto que tinha ali, ao meu lado e se virou para Echo, do outro lado. — Explique.

— Enjaule os prisoneiros — ordenou Echo para os guardas. — Dez homens na porta.

— Tragam Clarke para mim — ordenei, ganhando a atenção dos guardas que assentiram imediatamente.

Diferente de Echo que me encarou com uma cara feia.

— Eu disse para explicar — Roan exclamou, retirando sua atenção de mim.

— Os Skaikrus se aliaram com Trikru para tomar o templo — ela o fez, desviando os olhos de mim com uma certa relutância. Mas isso não me abala, até fico surpresa por ela não ter mandado me acorrentarem também. — Eles abandonaram a torre para fazer isso. Estrategicamente, não fez sentido, então eu coloquei nosso pessoal nas portas do templo.

— Você fez bem, Echo — elogiou Roan, mais calmo.

Desencostei da mesa ao ver Clarke sendo acompanhada pelos meus guardas de antes, amordaçada e com as mãos presas por cordas. Minha mente pensou em escapatórias para sua situação atual — mesmo depois de nossos últimos episódios —, mas tudo estava contra ela.

— Mova o restante do nosso exército para as portas do templo — ele ordenou enquanto eu me mexia para ficar de frente com ela. — Ninguém entra ou sai.

— Deixem-nos a sós — foi a minha vez de lançar a ordem para os guardas.

Em segundos, os dois guardas e Echo estavam fora da sala, deixando Roan, Clarke e eu sozinhos. Fui por trás dela, retirando aquela amordaça de sua boca, vendo Roan se aproximando para encará-la nos olhos.

— Há quanto tempo você sabia disso?

— Acabei de descobrir — ela respondeu, parecendo sincera.

Estava pensando em formas de convencer Roan de que podíamos confiar nela quando ele pegou sua faca e retirou as cordas dos pulsos dela.

— Obrigada por tentar nos alertar.

— Não tem que virar uma guerra — ela disse, ficando entre Roan e eu, intercalando seus olhos.

— Já é uma guerra.

— Só se você lutar.

— Seu povo me traiu, Clarke — ele balbucia, dando-nos as costas. — O que quer que eu faça?

— Viver. A radiação estará aqui em seis dias — ela avança. — Estava disposto a dividir o bunker com a gente. Por que não dividi-lo com os Trikru também?

— Suponho que Kane tentou fazer Indra aceitar isso antes de concordar em deixá-los me assassinarem.

— Acredite ou não, Kane estava tentando salvar a sua vida.

— A da Rayna talvez — ele contrapõe, virando para a gente novamente —, mas a do nosso povo não.

— Isso foi antes de você cercar o templo — ela rebateu. — Agora ninguém pode entrar a menos que vocês deixem. Indra não terá escolha além de conversar.

— Rayna? — Sem mexer sua cabeça, ele levanta o olhar para me encarar. — Estou te achando muito quieta.

— Concordo com a Clarke — ela pareceu suspirar quando eu disse isso. — Mas você quase foi atacado. Vou ficar ao seu lado em qualquer decisão.

Eu não estava muito perto dele, mas ainda assim pude ver a forma como seus olhos brilharam ao ouvir aquilo.

— Está bem — ele cospe —, vamos conversar. Mas vou segurar o seu povo.

— Meu chanceler precisa estar nessa reunião.

— Seu chanceler só esta vivo por ser pai da Rayna — ele devolve com a mesma astucidade. — Ele deveria agradecer. Além disso, se alguém pode convencer inimigos mortais a morarem juntos, é somente ela.

Os dois viraram a cabeça em minha direção e eu puxei o ar, aceitando o peso.

Clarke acenou, aceitando também.

— Está dispensada, Clarke.

Ela voltou a acenar, lançando um último olhar em minha direção antes de recuar até a saída. Quando a porta voltou a se bater, Roan se virou para mim.

— Estava falando sério? — Ele questionou, se aproximando para ficar em minha frente. Levantei o rosto para observá-lo com confusão, então ele explicou: — Estava falando sério quando disse que ia ficar ao meu lado, independente da escolha?

Mergulhei nos seus olhos, querendo perguntar como era que ele ainda tinha dúvidas? Não foi de uma forma ligeira e delicada, mas ele ganhou o meu respeito e a minha amizade.

E agora suas camadas estão completamente descascadas e só consigo enxergar o verdadeiro Roan, aquele que ele foi antes de ser obrigado a se tornar o próximo do Trono dos Azgeda, ser caçado pela própria mãe e depois se tornar um verdadeiro rei.

Consigo ver o Roan que quer que todos vivam, mas que não foge de uma luta.

E eu estava falando sério quando respondi:

— Sim, eu estava sendo sincera. Apesar que ficarei redundante se essa escolha envolver matar a minha família.

— Não envolve — ele descartou, compartilhando o meu sorriso leve. — Mas... você não pode convencê-los nessa conversa.

— Como é? — Franzi as sobrancelhas, não entendendo seu argumento. — Achei que o objetivo era tomar o bunker.

— E é. Mas os Trikru não vão querer conversar.

— Sou a Comandante deles — zombei —, eles não tem lá muitas escolhas.

— Você não conhece esse povo como eu — descartou a minha lábia. — Eles vão te ouvir porque acreditam nos Comandantes, mas a partir do momento em que nos trancarmos naquele lugar por tantos anos, eles virarão monstros insaciáveis.

— E qual é exatamente o seu plano? Ficar com o bunker só pra você?

— Não — negou. — Meu plano é dividir com todos. Mas nenhum outro clã ouvirá o que eu tenho para dizer e se você falar, haverá uma revolta entre a Nação do Gelo comandado por Echo. Isso precisa ser mostrado à eles.

— A gente pode obrigá-los.

— Eles são guerreiros, Rayna. Se eles puderem morrer lutando, eles irão. Sem falar que metade dos clãs ficaram tão infelizes com a nossa aliança que eles estariam dispostos a declarar guerra contra você.

— E como quer colocar todos no bunker?

Ele me encarou, o canto de seus lábios se erguendo.

— Com uma última luta. Mas isso precisa ser anunciado pela Comandante.

Então ele me explicou a ideia de um Conclave. Geralmente, esse Conclave é feito entre os Natblidas, para ver qual deles subirá ao Trono. Lexa já me explicou isso, junto com seu antigo Guardião da Chama, Titus.

Mas esse Conclave seria diferente. Um guerreiro de cada clã seria anunciado, com a falsa argumentação de que o último a sobreviver, seria o clã que ficaria com o bunker. Mas a ideia era Roan vencer e dividir com todos.

— Eu ainda não entendo. Por que eu não posso apenas subir lá e dar essa ideia?

— Porque eles precisam ter um último gosto do sangue antes de serem trancados no subterrâneo.

A sensação que eu tive foi que Roan estava se incluindo nessa ideia.

— Pessoas irão morrer por isso — disse, usando os meus últimos argumentos.

— Pessoas irão morrer do mesmo jeito.

Os Skaikru é o 13º clã, Roan — indaguei, remoendo a ideia que surgiu. — Não posso submeter nenhum deles para a morte apenas para saciar o desejo de sangue.

— Eu não vou deixar nada acontecer com o guerreiro dos Skaikru — ele disse, parecendo prometer. Se aproximou mais, tocando em meu rosto com uma de suas mãos. — Eu prometo, Rayna. Darei minha vida se for preciso.

— Não pode prometer isso — sussurrei, querendo rir com sarcasmo. — Nem mesmo estará na luta — mas seu olhar me dizia outra coisa. — Não pode estar pensando o contrário.

— Eu preciso.

— Não!

— Eu só posso entrar nessa sem você liberar — segredou, calmo. — São as regras. Nenhum guerreiro passa antes de você libera-ló.

— Eu terei que escolher?

— Não — ele riu. — Eles vão implorar para que vocês deixem eles participarem. Você escolhe quem. Nem todos precisam morrer, Rayna. Só alguns.

— Estou farta de matar sem necessidade — desabafei, sendo sincera, esperando que ele desistisse dessa ideia.

— Se não escolher agora — seus olhos procuraram os meus, sua mão ainda no meu rosto, inclinando minha cabeça para olhá-lo —, temo que precise no bunker.

E foi assim que horas depois, estávamos lado a lado, entrando na Sala do Guardião, onde Clarke já estava sendo revistada pelos guardas Trikru. Roan não se livrou da vistoria, mas não relutou. Diferente de quando um deles veio em minha direção.

— Se tocar em minha Rainha, mandarei que arranquem seus dedos e façam um sanduíche para eu comer.

O guarda encarou ele feio, mas não quis saber se essa ameaça era mesmo real. Passei direto, seguindo para a direção da garota de dreads branco e vermelho que estava ajoelhada diante às paredes com desenhos da Chama e do que parecia ser a Ascensão.

— Olá, Gaia — cumprimentei a velha amiga. — Lembra de mim, né?

— Azheda — ela cuspiu, deixando claro a junção do Azgeda com o Heda.

— Soube que ajudou os Skaikru a achar o bunker. Acho que deveria agradecer.

— E você se entregou ao rei indigno — ela encarou Roan que se colocou ao meu lado. — Não estou tão grata assim.

Roan encarou Gaia com o maxilar travado, sua rixa contra ela ficando clara desde o momento em que ela me sequestrou. Sua mão repousou na minha lombar e me conduziu até o buraco no chão.

— Depois de você, amor.

Desci as escadas, analisando o lugar enorme que sempre esteve aqui e nunca nem percebemos.

Encontramos com os Trikru em uma sala enorme no andar de baixo. Indra me encarou, depois, a distância entre mim e o rei Roan. Ela pareceu engolir aquela imagem a seco, mas foi certeira em avançar para ficar cara a cara com Roan.

— Então o que há, Heda? — Ela se virou para mim
no meio da troca de farpas. — Escolherá seu império ou seu verdadeiro povo?

Clarke encarou-me com esperança, esperando acabar com tudo aquilo tão fácil quanto é respirar.

Encarei Roan, que já me encarava. Apesar de não parecer para os outros, encontrei dúvidas em seu rosto. Dúvidas se eu iria fazer mesmo isso. Se eu estava mesmo com ele e, apesar de não entender muito este lado dos terrestres, eu sabia — eu já presenciei — que ele tinha razão.

Então, por fim, declarei que iria reunir os líder de cada clã para fazer um anúncio no amanhecer.

Indra não ficou feliz com a espera, mas não rebateu.

Horas depois, eu estava sendo completamente limpa pelas mulheres que já fizeram isso comigo antes. Depois, fui vestida com a mesma peça de traje que Lexa mandou fazerem para mim na minha apresentação à sociedade, mas as armaduras pareciam ser mais pesadas. Então, meu cabelo foi preso em tranças teleguiadas para trás e meu rosto manchado com o mesmo símbolo que Lexa manchava o seu.

Aquele utensílio de sol foi posto entre minhas sobrancelhas e, de repente, estava pronta. Encarei-me no espelho, tentando absorver a imagem.

As duas mulheres que me ajudaram com tudo pediram licença depois do meu agradecimento e abriram a porta do quarto da Comandante — do meu —, fazendo uma reverência para Roan que estava na porta e deixando ele adentrar antes de saírem e fecharem a porta.

Encarei ele através do espelho, apenas para ver que seus olhos me percorrem por inteira.

— O que está pensando? — Perguntei quando enfim ele parou há centímetros de mim.

Ele achou o meu olhar pelo espelho e deu um meio sorriso. Aquilo, junto com a luz do sol que adentrava as janelas, só serviu para ressaltar seus olhos e aquelas marcas feitas por ferro quente em seu rosto.

— Que se eu pudesse, trancaria-nos nesse quarto — ele confidenciou, pegando-me completamente de surpresa.

— Roan...

— Tudo bem, amor — ele voltou a mesma pose de antes. Me virei para ele, que estendeu a mão para mim. — Eu sei que não tenho o seu coração. Mas, por enquanto, sua lealdade e confiança é o suficiente para mim.

Sorri com pesar e deixei que ele nos direcionasse até a Sala do Trono, onde todos já estavam nos esperando. Após as portas serem abertas pelos guardas que estavam a posto, o meio foi liberado para que eu passasse.

Roan apertou minha mão uma última vez antes de se juntar aos outros, deixando-me sozinha nessa passarela até o Trono. Subo os degraus, tentando não me desconcertar no meio do caminho.

Fico de frente para o Trono, selando os olhos uma última vez antes de erguer os ombros e virar-me para toda aquela multidão. Eles abaixaram a cabeça imediatamente e depois, dobraram os joelhos.

Liberei eles depois de passado dez segundos e sentei no Trono, liberando a deixa para que quem quisesse vir reclamar, viesse rápido.

Fiquei com medo deles não me entenderem, mas logo, um por um, estavam tomando a frente voltando a se ajoelhar até que eu desse a deixa para eles voltaram a ficar de pé. Alguns falavam que confiava no meu julgamento, outros, deixavam claro apenas com o tom da voz que não estava nada feliz com o meu Comando.

Teve até alguns que tentaram me balancear, pensando que seria eu a fazer aquela lista de 1200 pessoas.

Mas os que ficaram em minha cabeça foi aqueles que totalmente contra vontade, se aproximaram de mim. Sua boca soltava Heda, mas seus olhos diziam traidora, eu mataria você, se pudesse.

Encontrei o olhar de Roan no meio tempo em que mais um que tinha esses olhos sanguinários chegou até mim. Ele estava a posto, esperando meu anúncio, minha decisão.

E soube que não era apenas eu que estava ao seu lado de qualquer forma. Ele também estava ao meu, diante de qualquer escolha que eu faça agora.

Ele tinha razão quando disse que nosso casamento não era uma farsa. Pode não ter começado do jeito convencional ou pode não haver amor, mas ele já citou as coisas mais poderosas de um relacionamento; lealdade e confiança.

Sei agora que há muito isso entre a gente.

Não sei a partir de que. Se foi desde o momento em que eu descobri suas camadas ou quando ele ficou ao meu lado, disposto a lutar contra Clarke — contra a aliança de ter um abrigo para o fogo Praimfaya — para ajudar-me a fazer o que eu achava ser o certo.

Ele confiou em mim naquele momento.

E eu estava disposta a confiar nele.

— Sei que estão curiosos para saber o motivo dessa reunião — disse de maneira alta, dançando meus olhos em cada um daquele recinto. — Quero que saibam que ouvi atentamente cada palavra que disseram aqui. Mas a decisão já foi tomada.

Encontrei o olhar de Indra.

Eu jamais saberia dizer se ela poderia estar orgulhosa ou com raiva.

— Um último Conclave será feito — anunciei, enfim. Houve exclamações, suspiros e olhares, mas ninguém me refutou. — Será diferente daqueles que são utilizados para escolher entre os Natblidas. Cada clãs poderá escolher um guerreiro para representa-ló nesse Conclave. O vencedor... ficará com o bunker.

Houve o silêncio.

Aquele silêncio que resgata qualquer resquício de ansiedade e suspiros.

Mas não por muito tempo.

Logo, clã por clã, prestou os serviços e deixou claro que estava dentro do Jogo. Mas Clarke me olhou com terror.

Desci os degraus, sentindo a tensão toda em meus ombros, ela não diminuiu até eu ter chegado aos aposentos do Comandante. Ofegante por ter segurado a respiração, desmanchei a ombreira de metal e deixei que ela caísse no chão.

Depois, retirei aquele sol da minha testa, me sentindo indigna por ter usado-o.

Você fez o certo — Roan disse, passando pela porta que eu deixei aberta. — Você viu o olhar deles. Eles queriam pagar o sangue com sangue. Se o Conclave não acontecesse, seu sangue seria cobrado.

Ele diz tudo isso sem perceber a minha falta de ar, mas não demora muito tempo para ele se silenciar e me chamar. Levanto da cama que eu havia sentado, sentindo cada partícula do meu corpo tremer enquanto minha respiração falha.

Roan pede a minha atenção, pede para que eu fale com ele e eu tento, mas sempre que entreabro meus lábios para respondê-lo, é como se estivesse engolindo água e depois, me afogando.

Seguro meu peito, sentindo que meu coração vai saltar da caixa torácica.

E ele pergunta o que está acontecendo enquanto segura meus olhos, mas meu corpo inteiro está tremendo agora e há lágrimas novas e fugitivas ardendo nos meus olhos. E eu também não sei o que está acontecendo.

Está tudo rodando e tudo no mesmo lugar. Tudo se desencaixando, encaixado. E sinto que estou ficando sem ar e que eu vou morrer.

É quando sinto meu rosto grudar-se ao seu peito, depois suas mãos rodeiam-me. A direita faz um singelo carinho por dentro da minha blusa, para cima e para baixo e a esquerda afaga meus cabelos.

— Concentre-se em mim — ele pede.

E eu o faço.

Me concentro em sua respiração soando em meu ouvido, em seu coração acelerado no meu rosto, em sua mão quente passando por todas as minhas costas, arrepiando-me pelo excesso de toque, principalmente naquela área que estava cicatrizando a tatuagem e marca dos Azgeda.

Quando eu menos esperei, já estava mais calma e completamente agarrada a ele.

Roan não fez questão de me soltar até eu estar pronta. Mas eu não fiquei pronta tão cedo e só soltei ele quando ouvi um ofego vindo da direção da porta.

— Rayna?

Sua voz fez com que eu sentisse o chão sumindo sob os meus pés e Roan endureceu na minha frente. Sua mão parou no contato em minha pele e ele pareceu querer rosnar quando eu me afastei para olhar a nossa companhia.

A primeira coisa que Bellamy encarou foi a mão de Roan que continuou por dentro da minha blusa.

E mais uma vez naquele dia, houve o silêncio.

Espero que estejam gostando.

DEIXEM-ME EXPLICAR uma coisa, gente. Foi escolha minha, autora, continuar com o Conclave, apesar de todos nós sabermos que Rayna poderia acabar com ele se quisesse. Para mim, foi um grande marco do que Octávia se tornou para os terrestres, como ela se tornou a Blodreina.

Pra mim, se eu tirasse esse conclave da história agora, seria meio impossível interligar os fatos de quão poderosa Octávia se tornou com relação aos terrestres no futuro.

Então... é isso.

Não esqueçam de ir visitar meu perfil do tiktok, onde eu posto bastante edit sobre essa e minhas outras histórias.

"_FICSWTP"

Incluindo, eu queria divulgar a fanfic de uma leitora minha. O perfil dela é LadyNixz e a fanfic dela é um multi-universo entre TDVU e Crepúsculo. Acho que vocês vão gostar, se chama "BLOOD MOON". Se você gosta dessas séries e filmes, vão dar uma olhadinha. Super recomendo!!!!

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