032 | Conseils inattendus
032 | Conselhos Inesperados
RAYNA KOM SKAIKRU
Depois de ser revelado que tínhamos perdido um dos barris, não tinha nada para fazer além de avançar o mais rápido o possível para encontramos uma solução.
Quando chegamos na Ilha de Alie, perto do laboratório, ajudo Roan a descarregar os combustíveis, liberando Clarke que estava louca para ver sua mãe.
— Aqui — Roan indagou, suavemente. — Deixa eu te ajudar.
— Eu posso...-
Mas eu não demoro para agradecer internamente por ter sido liberada da função quando ouço um chamado:
— Ray?
Viro-me para reconhecer Raven que estava com a sua velha e funcional mecânica na perna ruim. Ela sorriu para mim e eu me vi repetindo o gesto enquanto descia do caminhão e corria para abraçá-la.
As idas e vindas, no final, nos separaram muito. A última vez que eu a vi foi quando eu estava saindo de Arkadia para atacar Polis. E apesar de não ter muito tempo disso, ela parecia estar muito mais cansada.
Repreendo a vontade de perguntar se estava tudo bem e volto-me para dar atenção a pessoa que acabou de cortar a frente de Raven.
Era Aspen.
Ele tinha raspado a barba que curvava o seu rosto da última vez que nos vimos e raspado o cabelo, estilo militar. Aspen estava diferente de quando nos conhecemos e, certamente, de quando pisou no solo pela primeira vez. Seus olhos já não cantavam para alegrar o dia.
Com o novo corte, ele parecia muito mais maduro e com muita mais bagagem.
— Oi — balbuciei, as mãos limpando o suor de cima dos meus lábios antes de ser enterradas no bolso de trás da calça. — Você cortou o cabelo.
Não sabia como ele poderia reagir até que seus ombros pareceram relaxar e ele disse:
— E você fez uma tatuagem — franziu as sobrancelhas, achando um absurdo. — Você tem medo de agulhas.
— E você tem medo de corujas!
Ouço alguém abafando o riso atrás de mim e quando me viro, dou a oportunidade para Aspen contemplar o rei de Azgeda segurando o riso enquando repousa um barril no chão.
— Aí! — Apontou Aspen, passando por mim. — Como esposo da minha melhor amiga, tenha a decência de não zombar de mim. Eu posso fazê-la ficar com todas as suas coisas — então ele se vira para a nossa direção e cochica: — O que um rei pode ter de valor?
Soltei um riso, enquanto Raven girava seus olhos e rodeava meus ombros com um dos seus braços, me guiando para a parte de dentro daquela instalação.
Era tudo muito claro e tecnológico. O centro tinha vários computadores, uma capsula de vidro e o astro principal que não sera mais possível usá-lo; o foguete.
Além da escada que dá para um segundo andar.
— Então... você e o Aspen...
— Ah, não! — Dispensa Raven rapidamente. — Não entraremos nisso agora. Vou buscar Luna para que ela saiba que você chegou.
Estreito meus olhos em sua direção, mas permito que ela fuja. Por hora.
— Rayna — cumprimentou Abby, estendendo seus braços para me abraçar. — Que bom te ver, querida.
— Digo o mesmo — devolvi a forma. — Marcus enviou suas lembranças. Ele está meio fora de cena sem você, mas o velho vai ficar bem.
Abby abre a boca, exaltada, mas ela acaba por corar e abaixar o queixo para rir. Eu encaro Clarke mais para trás, com um sorriso que nós duas compartilhamos.
— Vem — Abby me arrastou até a mesa com coisas químicas. — Eu estava começando a falar para Clarke sobre uma teoria que Jackson e eu concordamos que não deve ser testada. Mas eu queria que vocês duas soubessem.
— Que teoria? — Perguntou Clarke, me levando a acreditar que Abby estava me esperando para terminar de explicar.
— Não podemos criar Sangue Escuro, a menos que fôssemos para o espaço — ela deu a volta na mesa e seu olhar hesitante piscou em minha direção. — Mas você e a Luna podem.
Ela não precisou dizer mais nada. Benjamin está recente em minha mente o suficiente para que eu fosse rápida em codificar a teoria.
— Médula óssea — murmurei, ganhando um aceno fraco para mostrar que eu estava certa.
— Funcionou com Benjamin — afirmou Clarke.
Não era mais nenhum segredo que minha médula óssea foi injetada nele, curando-o da alta radiação e a partir daquele momento, tornando-o um Sangue Escuro.
— Funcionaria com a gente?
— Eu acho que sim — respondeu Abby.
Clarke e eu trocamos um rápido olhar antes dela perguntar para a mãe:
— Então, por que desconsiderá-la?
— Porque o único jeito de saber se funciona é testando. E isso significaria...
— Expor alguém à radiação — completou a loira. — Podemos fazer isso aqui?
Deixei minhas íris cair para baixo de toda aquela conversa. Pensar aquilo era errado. Podia não funcionar, mas também estávamos sem opções e nosso tempo está passando.
— Sim. Becca estava tentando encontrar uma cura para o câncer — começou a explicar e eu voltei a erguer a cabeça — usando essa câmara de radiação.
O aparelho estava bem atrás da médica. Era um tubo enorme, com botões e de vidro transparente.
— Meninas... — ela voltou a rodear a mesa para parar em nossas frentes. — Teríamos de expor um ser humano a uma quantidade de radiação que destruiria cada célula no corpo. Isso é o que vai acontecer conosco.
Respirei fundo, sabendo que dizer isso era mais um passo para deixar de ser quem eu queria.
— Não parece que temos outra escolha — Clarke crispou as sobracelhas, sentindo muito por concordar.
— Não — negou Abby. — Temos que fazer uma escolha.
— Quem nós testamos? — Citou Clarke, o peso abaixando seus ombros e transformando sua face.
— Emori, ei — viro junto com as outras para ver Jackson chegando perto de uma garota desconhecida.
Ela vira-se para ficar ao topo da escada. Meus olhos se estreitam para enxergá-la melhor. Sua pele era bronzeada e tinha um lenço cobrindo a parte de cima do seu cabelo, destacando a tatuagem de um lado de sua face.
— Estou indo até a casa — ela exclamou um pouco mais alto para que ouvissemos. Desceu alguns degraus. — Alguém quer alguma coisa enquanto estiver lá em cima?
— Não, estamos bem — respondeu Abby. — Obrigada, Emori — ela começou a subir. — Espere. Vocês duas deveriam ir com ela — comentou para mim e Clarke que tenta refutar. — Não há nada que possam ajudar aqui agora. Serão cinco horas até as amostras estarem prontas para testes.
— Sua mãe está certa, Clarke — incentivo. — As coisas não serão tão fáceis depois. Deveríamos aproveitar para tomar um banho.
Ela acabou por concordar e eu virei-me para seguir até a escada, com a tal de Emori que desviou os olhos rápido demais para dar as costas e ditar a saída.
O caminho até a casa foi meio estranho com ela.
Clarke e eu percebemos que ela estava nervosa, só não sabíamos se acreditávamos nela sobre o motivo ser essa Ilha, que aterrorizava todo mundo e a chuva negra que nos alcançaria daqui uns dias ou se era alguma outra coisa.
Deixei que elas duas conversassem o quanto quisesse, a loira parecia ter diversas perguntas para ela. Mas eu estava muito interessada naquela casa há alguns metros de distância.
Mais alguns passos e eu estava passando pela entrada, admirada com a piscina, a escadaria que dava até a porta principal que era feita de vidro e já nos dava uma parcela de como a sala de estar com divisória para a cozinha era.
Incrível.
Aqui dentro, era tudo muito claro e confortável. Como... uma casa.
Uma música soava e atrás do balcão, John Murphy fazia alguns passos antigos.
— Você sabe cozinhar? — Questionou Clarke a ele, surpreendida. Após dar uma volta de 360° graus completos, parei em frente a bancada onde Murphy estava apoiado, lendo um livro.
— Você sabe ler?
Arqueei uma sobrancelha com a cena.
— Sim, eu sei o que vocês estão pensando — ele exclamou, erguendo a cabeça para me olhar. — Por que os bons se vão primeiro, não é?
— Estava pensando que há um tempo atrás sua tarefa preferida era mijar nas pessoas — corrigi, vendo ele parecendo quase desconsertado. — E sequestra-las também.
— Rayna — ele reconhece, curvando a cabeça. — Ainda com ressentimentos?
Sorri, sem achar nenhuma graça da memória dele me amarrando na nave do primeiro acampamento e quase matando Bellamy enforcado.
— Um bom randzi é raro — disse Emori, cortando o clima com uma faca. — John seria exaltado por qualquer clã.
Murphy me da as costas para ver a panela no fogão.
— É — concordou Clarke, risonha —, ele é puro charme.
Ele volta com uma colher cheia do que quer que seja aquela comida, estendendo para a minha boca. Ri com o pensamento de ele achar mesmo que eu aceitaria algo que veio da sua índole.
Murphy revira os olhos e passa para Clarke que decide provar.
— Meu Deus — ela arregala os olhos e me encara.
— O que foi? — Estreitei os olhos para ela.
Mas nada ela disse enquanto ficou observando a interação de Murphy e Emori. Eu também não pude fugir por muito tempo, tendo em vista suas risadinhas. Impedi que um sorriso debochado saísse ao morder o meu lábio inferior com força.
— Acho melhor a gente sair daqui — sussurrei para ela que concordou imediatamente.
— Licença, acho que vamos nos limpar.
— Sim, vou mostrar pra vocês.
— Andar de cima — interrompeu Emori, segurando a investida de Murphy. — Pelo corredor.
Soprei um sorriso pelo nariz e dei-lhe as costas, ouvindo Clarke agradecer e me seguir.
Tudo aqui era impressionante. O andar de cima não ficava para trás, cheio de portas. Desacostumadas com tamanho luxo, Clarke e eu entramos juntas no mesmo quarto, ligando as luzes e engolindo em seco ao perceber uma tela de fogueira tecnológica se ligando.
A cama era enorme, com vários travesseiros e lençóis, acompanhado de um sofá de três lugares mais à frente.
Nossos passos lentos foram sicronizados até a cama, tocando o lençol em busca da maciez dele. Mas algo chama a minha atenção antes disso. A parede.
De espelhos.
Estou vendo meu reflexo.
Não era um dos melhores. Meu cabelo preso no rabo de cavalo estava meio caído, cheio de friz. Haviam cortes pelo meu rosto, alguns avermelhados, já outros cicatrizados. Meus olhos tinham uma bolsa grande embaixo e apesar deles serem castanhos, estavam tão sem cor.
Clarke nota o que eu noto segundos depois, ficando um tempo se vendo no espelho.
— Vou tomar banho primeiro — pisquei em sua direção, correndo para não dar chance de uma refutação.
Peguei minha mochila e fui direto para o banheiro, tentando não demorar muito admirindo o local. Retirei minhas roupas, soltei meu cabelo e liguei o chuveiro com um pouco de dificuldade ao perceber que não tinha uma valvúla.
Demorei um pouco para descobrir que tinha que apertar um botão em uma tela que tinha na parede ao lado.
A água desceu, molhando-me. Encarei os meus pés, enxergando toda aquela sujeira escorregar do meu corpo. A frieza da água me causa arrepios pela minha espinha. A tatuagem e o arco gravado com fogo não estavam completamente cicatrizados.
Terminei o meu banho o mais rápido possível, sabendo que Clarke precisava aproveitar isso aqui também. Coloquei as mesmas roupas e enxuguei o cabelo, saindo do banheiro para vê-la, separando as coisas e nossas armas.
— Sua vez.
Ela quase voou até a porta, mas eu não poderia culpá-la.
Sentei na ponta da cama, sem saber o que fazer no momento seguinte. Eu não tinha muitas opções. Queria dormir, estava cansada o suficiente para tal, mas meu corpo ainda estava ligado o suficiente para me fazer sair do quarto e descer até a cozinha.
Certo, a fome era maior que o sono.
Eu não me lembrava qual foi a última vez que eu comi bem.
De pés descalços, sentindo o gelado do piso brilhante, abri a geladeira e meus olhos brilharam com tantas opções. Sem saber o que escolher — ou o que fazer com elas —, fui pegando os potes e os ingredientes, colocando espalhado no balcão. Eu encarei tudo ali e fiquei sem saber qual seria o meu próximo passo.
Cozinhar não estava dentro das minhas velhas habilidades. Com as rações da Arca, eu nunca precisei aprender.
Mas agora, sem saber o que fazer com um pedaço de proteína e massa, sinto a falta dessa habilidade que eu poderia muito bem aprender.
— Com dificuldade? — Uma voz perguntou, mas não me assustou.
— Eu estou bem — refutei, escolhendo um pote com pedras brancas para guardar de volta na geladeira. — Pode aproveitar sua lua de mel, Murphy.
Ele entra na minha frente no meio do seu gesto de revirar os olhos para mim, impedindo-me de guardar aquele pote.
— Se vai mesmo fazer aquela carne, sabe que precisa temperar, certo? — Ele tombou com a cabeça. Eu sentia que ele estava se segurado para não zombar da minha cara. — Com isso aí. O sal.
— Vai se ferrar.
Ele riu, segurando a porta da geladeira para não fechar e pegando o pote novamente. Voltei para a bancada, mas ele me empurrou com o seu corpo para que eu saísse daquela parte específica.
— Deixa eu te ajudar.
— Não, obrigada.
— O que há? A grande Heda — debocha — não aceita uma ajudinha?
— De um aspirante a traidor? — Devolvi, mas ele ergueu seus lábios em um sorriso.
— Sou o melhor cozinheiro nesse momento — se vangloriou, voltando-se para frente, demostrando o que sabe fazer ao pegar a carne e uma faca para corta-la. — E então?
— Não vou desviar os olhos — disse, como uma condição. — Tudo vai ter que passar por mim antes que você coloque na minha comida — ele acenou com a cabeça, fazendo pouco caso, pronto para cortar a carne. — Lave essa faca!
— Isso é serio? Eu acabei de pega-la.
Mantive o contato visual, deixando claro o quão séria eu estava sendo. Ele bufou, mas lavou.
Então ele começou a tratar da carne, com água e mais produtos de cozinha que eu não saberia numerar. Sinceramente, se ele quisesse me matar, seria um jogo rápido, considerando que no minuto em que tudo ficou em silêncio, minha cabeça viajou para muito longe.
Para o passado recente, mais especificamente.
Depois que Bellamy falou todas aquelas... coisas, eu fiquei sem palavras. Não acho que seja minha culpa. Ele me pegou de surpresa.
Todas aquelas coisas que ele disse... Me fazia entender que eu não estava sozinha nos meus pensamentos depois de Monte Weather. E então, eu comecei a lembrar de cada segundo que eu passei ao seu lado, pensando sobre o motivo de ele estar me evitando.
Depois da nossa cena dele tentando me impedir de me casar com Roan, sei que ficou explícito os nossos sentimentos. Os dele.
Mas pensar com muito mais do que ações, com suas palavras, sobre o passado... é cruel.
Pensar que ele esteve lá sempre. Que mesmo quando eu pensava que ele estava me evitando e que ele me odiava, se eu olhasse com mais intensidade para qualquer lugar coberto pela sombra, eu o veria.
E se ele nunca tivesse ficado com Gina? E se ele tivesse batido em minha porta na madrugada? Eu o atenderia? Com certeza. Nos acertaríamos? Estaríamos juntos agora?
Mas Bellamy sempre foi uma discussão aberta para outros caminhos. Nunca era tão simples como devia ser. Se tivéssemos ficado mesmo juntos naquela época, como eu reagiria a sua parceria com Pike? Como eu me tornaria a Comandante?
Benjamin confessaria seus sentimentos por mim da mesma forma ao saber que Bellamy e eu estávamos juntos? Eu pensaria que com ele era mais fácil tendo a noção de como é se sentir ao lado de Bellamy?
Benjamin teria morrido se eu não tivesse ido de encontro à suas investidas?
Como eu disse, as estradas apenas se abrem quando eu começo a pensar em Bellamy. Deve ser por isso que eu evitei tanto até esse momento, na cozinha de uma casa enorme, com uma pessoa que eu nunca imaginaria preparando comida para mim.
É como se Bellamy fosse uma válvula. Quando eu me deixava pensar nele, era questão de tempo até que meus piores pesadelos voltassem a me perseguir.
Monte Weather; a sensação de estar sozinha lá, sem saber se meus amigos estavam mesmo mortos, desejando que não estivessem. As extrações de medula óssea que acabou comigo, todas aquelas mortes sangrentas que eu causei.
Então há Alie e a maldição da Chama, da dor que ela requer para ser ligada. Eu matei uma mulher naquele dia, sem saber seu nome, se tinha filhos ou um marido. Eu a matei e ela continuou rezando para seus Comandantes. Para mim.
Torturei Aspen naquele dia. Arranquei metade de suas unhas e cortei sua carne como um maldito açougueiro. Como poderia enxerga-ló depois disso? Depois que suas risadas e brincadeiras foram estripadas pelos seus gritos naquele dia?
E... Benjamin.
Ele morreu.
De alguma forma, eu o matei e logo em seguida me casei com um rei para que pudéssemos salvar o mundo da radiação.
Como isso pode ser certo? Como eu posso viver e ele não? O que da o direito ao universo de tirá-lo de mim e me deixar com essa maldita culpa que corrói meus ossos sempre que eu me lembro da cena, sempre que eu penso em prosseguir com Bellamy?
Eu não tenho direito de ser feliz. Não carregada de tanto sangue.
Eu não mereço os sentimentos de Bellamy em relação à mim.
Dou um sobressalto no banco que eu tinha sentado em frente ao balcão quando um prato de mármore é colocado de forma bruta e repentina na minha frente.
— Que diabos, Murphy? — Rosno, sentindo algo quente passar pelo meu braço, apenas para cair no chão.
— Eu te chamei mais de cinco vezes! — Ele exclamou, apoiado atrás do balcão. — Você que estava no mundo da lua, anarquia.
— Não me chame assim — ronronei, deixando uma lufada de ar sair ao jogar meu cabelo para trás.
Foi quando eu senti o cheiro.
Vinha do prato a minha frente, que não estava totalmente arrumado pelo simples motivo de Murphy ter jogado ele pra mim, fazendo com que o conteúdo caia um
pouco pela bancada e no chão.
Ainda assim, tinha o suficiente no prato.
Era uma massa meio amarelada e cumprida, que parecia estar sendo corrompida pelos pedaços de carne que soltava um líquido vermelho.
— Massa temperada com pedaços de carne com molho vermelho — ele mencionou o que parecia ser o conteúdo. — Bon appétit.
Arqueei minhas sobrancelhas, olhando-o. Ele ficou um pouco confuso, mas revirou os olhos quando percebeu o que passava em minha cabeça. Então ele pegou um talher, colocou um pouco de tudo que tinha naquele prato e levou até a boca.
— Tranquila, agora? — Deixei claro que a resposta era sim quando peguei meu próprio talher. — Nossa, isso tá muito bom... Ei!
Impedi que ele tirasse mais conteúdo do meu prato ao jogar seu talher longe com um golpe do meu.
— Coloque o seu!
Murphy não pareceu de todo bravo quando deixou que o canto de seus lábios se erguessem.
— Então — ele murmurou, como quem não queria nada enquanto pegava seu próprio prato. —, vai me dizer no que você tanto pensava? — Encarei o fundo dos seus olhos, querendo saber mesmo se ele estava em dúvida. — Ah, qual é. Pode ser nossos últimos dias na Terra. Acho que você pode confiar em mim.
— Assim como daquela vez que você apontou uma arma na minha cabeça?
— Não foi nada pessoal — ele apontou o seu dedo, como se melhorasse algo. — Ah, vai. Você pode acabar explodindo se não falar nada.
Apesar de eu achar que eu sempre vou ter um pé atrás em relação a ele, não acho que seja isso que esteja me impedindo nesse momento.
Se eu transferir tudo o que estou pensando em voz alta, então eu estarei admitindo o meu problema e o próximo passo seria resolvê-lo. Como eu posso resolver isso? E, acima de tudo, estou pronta?
Mas, ele estava certo — Deus me mate antes que Murphy sequer imaginasse que eu admiti isso.
O fim de tudo estava prestes a bater em nossa porta e eu já estive sentada nesse mesmo lugar, remoendo a morte e tudo o que deixei para trás.
Eu não estava disposta a continuar a ser uma covarde.
— Bellamy admitiu que sente... alguma coisa por mim — soltei de uma vez só, disfarçando com a comida para não precisar encara-ló. Mas ele ficou em silêncio por tempo demais, então eu tive que erguer a cabeça. — O que?
— É só isso? — Ele se derreteu no lugar, apenas para se reerguer novamente. — Não me leva a mal, mas não estava meio óbvio desde, sei lá, sempre?
— Estava?
— É claro. Ou você esqueceu que ele se ofereceu como refém no seu lugar sem pensar duas vezes?
Abaixei o queixo, remexendo a comida.
— Bellamy teria feito isso por qualquer um.
— É, pode ser — deu de ombros. — Mas ele não olha para você como olha para os outros. Pode acreditar, eu já fui amigo daquele cara.
— Certo — cantarolei.
— Mas e então?
— E então o quê?
Murphy arqueou as sobrancelhas com insinuação.
— O que você achou da comida? — Apontou, mas ele parecia estar sendo sarcástico. — É claro que é o que você falou para ele.
— Não falei nada.
— Nada? Tipo, ele se declarou pra você e você, tipo, ficou em silêncio?
Encolhi os ombros, sem saber que tipo de resposta ele queria de mim. Murphy voltou a ficar em silêncio por umas frações de segundos, visualizando algo em cima dos meus ombros.
— Você sente algo por ele?
— Não — soo automática, mas me desmancho no banco. — Talvez. Às vezes, eu tenho certeza que sim, sabe? Mas então, há outras vezes em que eu sinto medo de que seja apenas desejo. Eu não quero machuca-lo.
— Você deveria testar.
— Não vou usá-lo desse jeito, Murphy!
Ele revira os olhos.
— Não precisa ser ele — cochichou, como em um segredo. — Não há mais ninguém que você sinta algum pingo de desejo? Aspen?
— Não! — Me ofendi, jogando os ombros para trás. — Ele é como um irmão para mim.
— Mhm — ele zombou, mas pareceu pensar. — E aquele cara que você se casou? — Ele pergunta, me surpreendendo tanto que eu fico calada. — Há, peguei você!
— N-Não. O Roan... ele...
— Escuta, não há nenhum mal em tentar — Murphy me interrompeu. — Você está com dúvidas, isso é normal. Mas porque não tenta diferenciar o desejo do amor? Só assim você poderá saber o que realmente sente pelo Bellamy.
Ele falou tudo tão normalmente que quase me fez sentir como se fosse tudo fácil. Mas não era.
— Temos problemas demais, Murphy. Não posso fazer isso.
— Você quem sabe — jogou em meus ombros, se levantando. — Mas lembre-se que você tem apenas dez dias para morrer em paz.
Não sabia que além de ler e cozinhar, ele também sabia dar conselhos. Mas ele podia estar certo. Em muitas coisas.
— Olha, Murphy... Eu nunca... — Mordi os lábios, sem saber como continuar, mas sabendo de certeza que deveria. — Acho que nunca te agradeci por ter nos ajudado na época de Alie, né?
Ele dispensa o agradecimento cortando o vento com a palma de sua mão e depois apontando um único dedo para mim. Indiretamente, eu sabia que ele estava me falando para resolver as coisas.
Ele estava certo.
Eu precisava resolver meus problemas.
Espero que estejam gostando!
Eu só tenho a agradecer pelos 20K de vizualizações recentemente batidos. Vocês realmente são inacreditáveis e espero que estejam adorando os momentos que Rayna proporciona a vocês.
Claro que as vezes da uma raivinha, mas é saudável.
Dêem uma visitada no meu tiktok, onde eu posto bastante edit sobre essa fanfic e outras que eu já postei e estou PENSANDO em postar.
"_FICSWTP"
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top