026 | Body, Head and Heart
026 | Corpo, Cabeça e Coração
RAYNA KANE
"— O que eu estou fazendo aqui?" — Rodei o lugar com os meus olhos, não reconhecendo nada.
Era uma floresta, árvores enormes se erguiam por cima da minha cabeça, impossibilitando até mesmo que eu veja o resquício do sol. Mas então, eu pisquei meus olhos ao retornar no meu lugar de início e já não era uma simples floresta.
Uma clareira se abria à minha frente, as árvores recuavam para longe, como se desse espaço para que eu siga o caminho traçado, que no final, se revelaria uma enorme e linda nogueira. O sol estava se pondo logo atrás, deixando um filtro mais alaranjado ao nosso redor.
"— Rayna" — levanto meus olhos para Becca que saia de trás da árvore e se aproximava. "— Seu tempo está acabando."
"— O que eu devo fazer?" — Pergunto no desespero, desejando mais do que nunca que ela me desse uma solução.
Becca chega bem na minha frente, ela é exatamente da minha altura. Nossos cabelos castanhos estão presos igualmente, seus olhos de chocolate refletem o meu e quando ela ergue a sua mão para mim, vejo-me pegando o gesto antes que pudesse pensar.
Então ela começa a me direcionar para adentrar a floresta que revela uma cidade. Polis.
Tudo estava acinzentado, como se tivessem explodido uma bomba e havia construções caídas, pessoas mortas ao chão, esquecidas. O único prédio restante era aquele enorme, de mais de cinquenta andares. O prédio da Comandante.
Abro a boca para refutar, mas nada sai dela quando o cenário muda ao passar de Becca e agora, dentro daquele enorme prédio, presenciamos uma cena juntas. Dentro da Sala do Trono, estava acontecendo um tipo de ritual. Pessoas vestidas por um manto branco fazia uma meia lua, deixando os principais bem no centro.
Um homem, cujo peito estava descoberto — revelando uma tatuagem parecida com a que Lexa tinha nas costas — estava ajoelhado no chão, mas aos poucos, depois de ter recebido a benção de um deles, ele se levantou.
Seus olhos vieram em minha direção e eu me assustei, mas eu não era o alvo dos seus olhos negros, amedrontados e decididos.
Becca era. Mas não a que estava ao meu lado e sim a que agora que tinha seus cabelos desdenhados, presa com os braços estirados na madeira que formava uma cruz atrás dela.
Desviei minha atenção para a Becca do meu sonho, mas ela nem piscou para mim. Seus olhos estavam presos no desenrolar daquilo e me senti incapaz de conseguir fazer uma coisa diferente.
O homem caminha até a Becca da ilustração, a qual tem seus olhos inchados e os lábios vermelhos de tanto tremer. Ela estava com... medo.
"— Por favor" — a Becca da ilusão implorou, forçando o seu corpo a se encolher, seus olhos vidrados no homem musculoso a sua frente. "— Você pode lutar contra isso. Não precisamos passar por isso."
"— Eu queria que fosse verdade" — ele indagou, parecendo querer mesmo.
Viro-me para perguntar do que aquilo se tratava, mas o grito da Becca que estava presa irradia o lugar e prende minha total atenção. Ela havia sido esfaqueada pelo homem. Esse que torcia a adaga dentro do corpo dela, cabeça inclinada para baixo, para ninguém ver suas lágrimas, o que ele pensava ser a sua fraqueza.
O que ela representava para ele.
Os dois se amavam.
"— Você sabe o que deve fazer."
Ela tinha razão. Eu sabia.
Malachi kom Sangedakru era o nome daquele homem que fez cenário em meu sonho, com Bekka Pramheda ou, para mim, Becca Franko. Ela o tornou seu igual no sangue e quando não teve estômago para ilustrar a maldade do mundo, ele tomou o seu lugar.
Ele se tornou o único Sangue Escuro ao matar a sua amada para ascender, para que a sua dor ligasse a Chama.
Quando eu acordei naquela manhã dentro do Rover, informações de Comandantes passados invadiram-me. Lexa sendo o rosto de um deles.
A ligação estava se formando, mas não era forte o suficiente para que a Chama queimasse dentro de mim. Eu precisava sentir dor e eu sinto-me egoísta demais para deixar. Nenhum deles aqui sabia sobre a mini conversa que Luna teve comigo quando eles caíram desacordados. E eu estava com medo de contar.
Se a minha tradução estava certa e eu tinha certeza que estava, isso abrange muito mais do que dor. É arrependimento, revelações, decisões.
— Rayna, podemos conversar? — Encarei Clarke e ela acenou com a cabeça para fora do conversível.
Lentamente, tirei a mão de Benji em volta dos meus ombros e a acompanhei para fora. Tínhamos parado para fazer uma pausa na viagem até Arkadia, para conferir nossos amigos.
Deixando o Rover para trás com os meninos e Octavia, adentramos a floresta. Ela me guiou até um tronco caído e depois, quando parou e virou lentamente para mim, sabia que tinha algo acontecendo.
— Clarke, você está me assustando.
— Eu sei que Luna falou algo para você quando desmaiamos — ela foi direta. Abri a boca para refutar, mas eu não queria mentir. Clarke, ao conferir que ela estava certa, se aproximou para pegar minhas mãos. — Não quero que me diga o que foi se não se sentir à vontade, mas preciso que me prometa algo.
Olhei em seus olhos azuis, seus detalhes sendo escondidos pelos hematomas de várias e várias brigas diárias. Eu não estava muito diferente. Meu rosto, sujo de areia, escondia características proporcionais.
— Preciso que me prometa que fará tudo ao seu alcance para salvar o nosso povo — indagou e nervosa, desviei meu olhar. — O seu povo.
O meu povo?
Quem é o meu povo? Bom, nesse momento? Acho que todos.
Incluindo o Rei da Nação do Gelo, que nos encurralou após nos salvar de um dos homens de Alie. Depois, recolheu a caixa que aguardava a Chama falsa na cintura de Clarke.
Nos encaramos e fomos atrás dele. Arrumamos intriga e se não fosse por Bellamy que apareceu armado, provavelmente seríamos refém.
— Precisava mesmo atirar nele? — Benjamin questionou quando foi ordenado a entrar no Rover enquanto enfaixávamos o braço ferido de Roan.
— Sei que não tem muita experiência com terrestre, montanhês — levantei o olhar para Bellamy que se incomodou com o questionamento —, mas quer um conselho? Nunca confie em um.
— Esse foi o seu argumento para executar 300 pessoas desarmadas, não foi? — Sorriu, sabendo que tinha acertado na ferida quando Bellamy travou o maxilar. — E eu não sou um montanhês.
— Ah, e o que você é? — Troquei um olhar rápido com Clarke, confusa sobre a intriga dos dois. — Porque sinceramente, até agora, é um estorvo para mim.
— Bellamy!
— Ta incomodado porque eu fiquei com a garota, Bellamy? — Benjamin provocou, se aproximando de Bellamy para ficar cara a cara. — Talvez se você não tivesse se tornado... isso-
— Já chega! — Interrompi sem a menor paciência. — Vocês tem quantos anos? Doze?
— Se deixasse seu cachorrinho na coleira — Bellamy me atacou com suas palavras, enraivado por pensar que eu estava defendendo um lado que não era o dele da história —, coisas assim seriam evitadas.
— Você queria estar nessa coleira — murmurou Benjamin atrás de mim, enquanto coçava seu nariz inocentemente.
Foi a minha vez de murmurar um meu Deus e me atribuir para o trabalho de dirigir, desejando ter outra coisa na cabeça. Eu não sei o que eles resolvem lá atrás, mas sei que é rápido, considerando que em menos de cinco minutos todos já estão dentro do carro e eu começo a dirigir.
Mas dessa vez, eu estava errada quanto a dirigir. Prestar atenção no caminho não dispersou a minha mente, apenas a fez trabalhar ainda mais.
Clarke estava certa.
Era maior do que qualquer um de nós. Muito mais do que meu medo do que pode vir à acontecer. Não recebi essa Chama para ser fraca e egoísta, recebi ela para que fosse a pessoa que levaria salvação a todos. Porque, se eu não conseguisse, isso queria dizer que eu não merecia estar com ela.
A Chama não é para uma covarde, é para uma líder. Em um momento de fraqueza, pensei que Clarke saberia lidar muito melhor com isso. Nem teria trabalho, na verdade, se há alguém que conhece a dor, é aquela garota.
Mas não. Em vez disso, o universo me escolheu e fez muito errado. Eu não sou uma guerreira. Eu só sou uma adolescente enraivada, sem controle algum das emoções. Eu sou o pior erro da humanidade.
Pelo retrovisor, encaro os outros.
Clarke apontava uma arma diretamente para Roan, o qual me encarava com as sobrancelhas crispadas. Roan, o Rei da Nação de Gelo, o idiota que acertou a minha coxa com uma adaga e também, que revelou quem eu era para Lexa, era um homem charmoso.
Isso se você considerar a letalidade dele uma coisa para se admirar.
Octavia, sentada no banco ao lado de Benjamin, portava a sua tão fiel espada, cabelos negros caindo na cara, olhos fatais. Acabei me perdendo um pouco mais nela. Seria aquilo que eu viraria caso salvasse a todos? Seria aquele olhar que eu veria no espelho? Seria aquele sentimento que eu sentiria?
De relance, passo meus olhos por Benjamin, mas eu não demoro ali. A vergonha do que minha própria mente pensa para resolver o meu problema futuro, preenchendo-me completamente.
Jasper estava ao meu lado, olhos focados no caminho que trilhamos para Arkadia. Ele também era uma vítima daquilo. Perder Maya destruiu ele, o tornou essa casca vazia que culpa os amigos e os destrata facilmente. Mas eu ainda me lembro do seu olhar inocente no primeiro acampamento.
— Ei, Jasper — ele vira a cabeça para me encarar. — O que acha de um encontro quando tudo isso se resolver? — Sorri, fazendo menção a nossa conversa no dia em que Murphy se revelou um cretino e nos ameaçou com uma arma. — Estou te devendo.
— Não acha que já tem muitos pretendentes? — Recolhida no meu lugar, essa brincadeira acerta meu peito diretamente. Ele tenta consertar com: — O que acha de um karaokê?
Acenei em concordância, desejando mais do que nunca que tudo isso passe e que todos fiquem bem. Mas isso é irreal.
Logo chegamos a Arkadia e somos recebidos diretamente por todos os outros. Raven vem animada para me abraçar, mas acaba perdendo toda a alegria ao ver nossas caras. Ela chutou sobre Luna não ter ajudado e sentindo-me mal por mentir, abaixei meus olhos.
Decidimos no meio da viagem que Roan seria a nossa passagem direta para Polis. Depois que Bellamy leva o prisioneiro para a área de confinamento, explicamos rapidamente o plano.
Tínhamos que lembrar que a Chama também era uma Inteligência Artificial e que pode ter várias maneiras de conecta-lá ao meu cérebro.
Ela já está sendo conectada, então talvez... se entrarmos em contato com a Alie diretamente, ela possa conectar inocentemente a Chama à mim. Mas não podíamos apenas bater na porta, então o plano era usar aquela Chama falsa para "chegar" em Ontari e, consequentemente, em Alie.
Escondido sobre a superfície, o segredo que estou escondendo dos outros. Eu precisava ligar a Chama. A qualquer custo.
Roan era uma grande parte disso.
— O tiro não era necessário — afirmei, quando estávamos andando até o lugar onde Roan foi preso. Ele me olha de rabo de olhos. — Não estou defendendo Benjamin, só estou perguntando sobre a sua motivação.
Ele para no momento em que chegamos na porta que dá para a sala onde Roan estava preso.
Bellamy não faz questão de me responder antes de abrir a porta e passar por ela e eu não faço questão de segura-lo, principalmente com a atenção de Roan em nós dois.
— O que querem comigo? — Ele perguntou diretamente, acorrentado no banco. — Se acham que vou ajudá-los em qualquer que seja que suas mentes estejam pensando, podem esquecer.
Bellamy me encara com resquício de tensão. Sem Roan, não há um plano.
— Será algo benéfico para os dois — afirmo, terminando de dar os passos para ficar em sua frente.
— Acho difícil. Eu quero um Comandante da Nação do Gelo.
— Estou disposta a te dar isso — sua expressão muda com o blefe. Roan nunca seria leal à mim, mas ele seria a Ontari. Pego a caixinha no meu bolso de trás e estico para a sua vista. — Com isso.
— E por que faria isso se Ontari jurou acabar com vocês?
— Não temos escolha. Alie precisa ser derrotada e se acha mesmo que perderei tempo com quem vai ficar com a Chama, está enganado — tentei ser o mais firme possível. Eu não me importava em mentir para ele, mas me importava se ele acreditava ou não. — Você quer uma Comandante da Nação do Gelo e eu quero que me leve para Polis.
Deu certo.
Roan concordou em nos levar para Polis e, com isso, ter a sua tão preciosa Comandante. Eu deixaria Ontari viver, mas ela jamais colocaria a mão nessa Chama em minha nuca; minha.
Era isso que ela era. Sempre foi e nesse momento, não importa se eu a mereço, se sou covarde demais para fazer o que ela pede. Eu faria da minha forma e ninguém morreria.
— Então, vai me apresentar a sua futura cidade? — Benjamin chegou animado quando eu o captei no canto, se arrumando para ir.
Eu sorri para ele, prevendo sua severa recusa do que eu iria falar.
— Você não vai.
Como eu imaginava, seu sorriso se fechou aos poucos.
— Você precisa ficar aqui com os outros. Se tudo der errado lá, preciso confiar que você achará seu caminho para longe de todos — argumentei antes que ele pudesse reagir em forma de palavras. — Eu sei que deve ser difícil, mas eu tenho um plano e ele não...
— Me envolve? — Seu tom seco me acertou em cheio. — Tudo bem, eu entendo. Não se deve confiar em alguém que não é do seu povo.
— O que... Ei! — Puxei sua mão e hesitantemente, ele volta a ficar em minha frente. — Você é o meu povo. Eu só quero te proteger. As coisas vão ficar feias.
— Eu sei reagir.
— Mas eu não — entrelaço nossos olhos e ele respira fundo. — Por favor, confie em mim sobre eu dizer que estou fazendo o melhor que eu posso.
— Eu confio — afirmou e eu sorri em concordância. — Me sinto mal só em pensar que algo pode acontecer com você e eu estarei aqui. Sem acesso.
— Nada acontecerá comigo.
Não tenho essa confiança verdadeiramente. Na verdade, eu esperava que algo acontecesse comigo. Algo tão grande que aniquilasse tudo e todos sobrevivessem. Mas eu não podia exercer esses pensamentos e nem dizê-los, não estava querendo que ninguém ligasse uma buzina em minha cabeça gritando:
"Garota suicida passando!"
Mas o que importa é que Benjamin acreditou o suficiente para acenar. Então ele limpou algo em minha bochecha e se aproximou para selar nossos lábios quando alguém disse que estávamos prestes a sair.
Quando nos afastamos, gravei aquela vista para sempre em minha mente. Seus cabelos desgrenhados, lábios molhados, sobrancelha crispada em preocupação. Benjamin era lindo.
Eu queria ter conhecido ele primeiro. Queria que meu coração tivesse livre para entregá-lo. Não apenas pela sua beleza, mas pela sua personalidade, preocupação e devoção. Céus, não à mim, à tudo que ele acredita.
É lindo de se ver.
— Acredite em você mesma — ele sussurra me encarando bem de perto. — Todos nós acreditamos. Você nasceu para ser grande, Rayna. E eu... — seu peito pesa com a respiração ofegante — eu amo você. Acho que amei desde o momento em que apontou a sua arma para mim.
Surpresa e perdida pela declaração, fico sem palavras. Sei que eu deveria ter dito que também o amava, mas... eu não sabia. Quero dizer, é claro que eu o adorava por tudo o que passamos juntos. Ele é a minha família. Uma parte fundamental do que eu me tornei.
Me ajudou em Monte Weather, foi contra a sua própria família. Eu vejo isso, acredito, confio e gosto dele. Mas amar como ele quer que eu o ame, não posso mentir quanto à isso.
Ele sabe.
Por isso que ele me abraça daquele jeito.
— E é sua arma — corrigi sua última fala, retirando a arma 9mm da minha cintura e estendendo para ele. — Obrigada por ter emprestado.
Ao olhar para ele, notei sua confusão ao olhar para a arma que era estendida para ele. Até algo perto de compreensão passar por seus olhos e ele balançar a cabeça, coçando os olhos e voltando a empurrar minha mão com a arma para mim.
— Não, eu quis dizer sua mesmo. Essa arma foi sua desde o início, Rayna — revelou, como se tivesse me pedindo desculpa por esquecer de explicar esse detalhe. — Achei com você quando você chegou com seus outros amigos em Monte Weather, desacordada. O decreto era que nenhuma arma entrasse, mas... eu quis guarda-la.
— Era por isso que estava com ela no seu cos no primeiro dia? — Questionei, querendo rir de toda a minha desconfiança sobre isso naquela época.
A arma em minhas mãos de 9mm era a mesma que Octavia havia me entregado na primeira luta contra os terrestres, quando eu me camuflei com aquela roupa e aquele barro. Lembro como aquela arma foi importante para mim, que estava desesperada para fazer algo, ser... importante.
De repente, sua importância pesa muito mais.
— Está na hora de ir — gritou Bellamy, pegando sua arma do chão e entrando no banco do motorista do Rover.
É isso.
(...)
Paramos o Rover em um morro afastado de Polis. A partir dali, a viagem seria a pé. Quando percebo que Roan está se preparando para pegar o seu caminho lá para baixo, percebo que é o momento ideal para revelar o meu plano.
— Vou com você.
— De jeito nenhum — Bellamy é rápido em rebater-me. — Esse não era o plano.
— Esse sempre foi o plano — revelei, encarando meus amigos de uma forma que eles entendessem que não tinha jeito nenhum de me fazer recuar.
— Eu vou junto, então — decidiu Clarke, entregando aquela caixa com uma Chama falsa. — Sou a única que sabe a frase de acesso. Sem mim, Ontari não ascende.
— E qual é a sua desculpa? — Disse Roan, acenando com a cabeça para mim.
— Tenho contas a tratar com Alie. Ela não vai recusar me ver, pode ter certeza.
— Precisam parecer minhas prisioneiras — concordou, depois de pensar um pouco na probabilidade.
— Sem problemas.
— Espera um pouco — interrompeu Bellamy, pedindo um tempo para Roan que se afasta. — Não podem pensar em confiar suas vidas nas mãos desse cara.
— Não — respondeu Clarke, com um olhar decidido. — Você vai nos dar cobertura o tempo todo. E eu confio em você.
— Rayna? — Seus olhos captaram os meus, querendo, mais do que nunca, que eu não confiasse nele.
— É uma decisão tomada, Blake — ergo meu queixo, decidida. — Não vou voltar atrás.
E com isso, começamos as despedidas. Eu sabia o motivo para Clarke não ter interrompido meu plano de aparecer sem nenhuma utilidade para Alie. Ela sabia, mesmo sem consciência de qual seja meu plano, que eu estava prestes a fazer todo o possível para salvar o nosso povo.
Ou como ela disse e não sai da minha cabeça de jeito nenhum, meu povo.
— Boa sorte lá — Octavia apareceu quando eu estava escondendo minhas armas. Murmurei um obrigada sem olhá-la e para chamar minha atenção, empurrou levemente meu ombro. — Não está indo para uma missão suicida, está? Porque se sim, pode esquecer.
— Octavia...
— Não foi uma pergunta, Rayna — seus olhos duros brilharam com determinação. — Se eu achar, por um momento que está prestes a ficar feio pro seu lado, eu deixo a casa cair.
— Precisa confiar em mim — sussurrei, entredentes. Não queria que os outros soubessem o assunto dessa conversa. — Sou a Comandante dos 13º clãs agora — sussurrei depois de confirmar que Roan não estava por perto —, preciso fazer o que é melhor para todos.
— Dane-se seu Sangue Escuro — rosnou, se aproximando para olhar bem de perto para mim. — Preciso que você sobreviva.
— Eu irei.
Ela acenou uma vez e se afastou com sua espada em mãos. Roan se aproximou para me prender do mesmo jeito que fez com Clarke, através de uma corda e um laço muito firme.
— Se nos trair, Majestade — comecei, olhando nos fundos dos seus olhos azuis —, se considere um homem morto.
Ele sorriu com a ameaça, parecendo em êxtase pela movimentação. Quando ele se afastou para recolher suas armas com Octavia, foi a vez de Bellamy Blake se aproximar. Diante a realidade sem filtros, ele parecia sem palavras para se despedir.
— Não vou conseguir convencê-la a ficar, certo? — Perguntou, fazendo-me negar. — Certo. Só... não morra, acha que pode fazer isso?
— Posso.
Sorrimos sem os dentes, estabelecendo a paz entre nós dois.
— Escute, Bellamy — limpo o suor em cima de meus lábios enquanto ele troca o peso de perna. — Se precisarem atirar, eu entendo, mas tentaremos uma forma sem retaliação. Alie é a única culpada disso tudo e a única que verdadeiramente merece a morte.
Bellamy assente, desviando os olhos. Sei que suas escolhas passadas, enquanto seguia Pike, o assombram, mas ele precisa saber, desde já que:
— Eles são o meu povo agora, Bellamy. Preciso salvar a todos.
Suas íris brilham em minha direção e não consigo desvendar o motivo, mas não tenho tempo para descobrir. Estava na hora.
Roan pega as cordas que prende Clarke e eu e nos guia para descer o morro e logo depois, adentrar a cidade que estava muito diferente da última vez que estive por aqui. Pelas ruas, comércios enchiam de pessoas gritando e conversando sobre o assunto do mês, cheio de vida.
Agora, tudo o que eu vejo, são cruzes de madeira erguidas no ar, ensanguentadas, poças de sangue vermelho, resquícios de tortura por tudo que é lado.
E os seguidores de Alie.
Com um curto olhar sobre nossos ombros, Clarke e eu ficamos mais tranquilas ao confirmar que Bellamy e os outros já estavam nos túneis. Roan nos prepara enquanto viravamos a esquina para parar em frente ao enorme e único prédio daqui. Pessoas ajoelhadas estavam a nossa volta, provavelmente adorando Alie.
— Eu sou o Roan, Rei de Azgeda. E tenho o que a Comandante procura.
As pessoas ajoelhadas se levantam quando ele estende no ar aquela falsa Chama. Dentre todas as pessoas que nos arrodeia, a que está abrindo caminho pela multidão para se aproximar chama a minha atenção.
Jaha. O homem que trouxe toda essa loucura pra cá.
— Olá, meninas — ele cumprimenta sem expressão. — Abby e Marcus vão adorar ver vocês.
O pensamento de que Marcus está vivo me deixa feliz, em contra partida, não me agrada em nada que ele possa estar como os outros por aqui. Aspen, lembro de forma rápida, passando meus olhos pelo local.
Ele não está aqui.
— Quem é você? — Pergunta Roan. — Onde está Ontari?
— Ela não virá — respondeu Jaha, esticando sua mão. — Mas pode me entregar a Chama e Rayna — vejo Clarke encarando a direção do túnel. — Seus amigos no túnel não podem ajudar vocês. Agora, me dê o que estou pedindo.
Entendendo que estamos no meio de uma batalha perdida e que sou bastante interessante para Jaha, Roan pega sua adaga e soltando Clarke, se coloca atrás de mim, a faca há um passo de rasgar a minha pele.
— Parem de fingir — Jaha se manteve inalterado. — Sabemos que estão juntos. Sabemos de tudo.
Sem aguarde do que fazer, Roan sussurra para mim puxar Clarke e correr, depois me solta.
Estou prestes a obedecer, mas assim que ele começa a correr para ser a distração e é incurralado, meus pés ficam presos ao chão. Marcus aparece em frente de Roan e atira nele.
Clarke e eu somos pegas. Tentamos lutar contra, mas é em vão e somos arrastadas para dentro do prédio. No mesmo andar, somos separadas. Gritamos uma pela outra, mas enquanto ela é levada para a Sala do Trono, sou escoltada para a sala ao lado.
Lutar contra é inevitável, mas dada as armas que foram retiradas de mim logo no ínicio, estou sem nenhuma força para combater o presente sufoco desses guardas que me jogam em uma sala inicialmente gelada.
O lugar é presenteado com a luz natural do sol pelas janelas sem cortidas que cada sala desse prédio tem, mas com isso, vem a enorme distância até a base do chão.
Há apenas duas saídas nesse local; a porta que me empurraram para entrar e mais uma espreitada que eu ouso chutar dar para uma outra sala.
Eu não fiquei sozinha por muito tempo.
— Filha.
Marcus estava bem na minha frente, rosto inexpressivo, barba para fazer, cabelos compridos como nunca estiveram antes. Ele era bem vaidoso lá na Arca, permitia que todos só vissem perfeições nos detalhes de seu rosto, mas agora... acho que não dá para cuidar de todos e de si ao mesmo tempo.
— Onde está Clarke? — Questionei firme, sabendo que ele tinha a resposta porque a partir do momento em que ele pisou em Polis, ele se tornou Alie.
— Clarke está se resolvendo com Abby — respondeu sem alteração no tom. — Precisamos da frase de acesso — levantei o queixo em riste e quando ele terminou de entrar, abriu caminho para que outros entrassem. — Mas sabe, para retirar a Chama de você. Não pensou que podia nos enganar tão facilmente, certo?
Eu estava parada bem no centro da sala feita de pedras, uma coloração mais rochosa. Marcus estava inabalável em minha frente, olhando bem nos meus olhos, deixando claro que Alie sabia de tudo.
— Pode esquecer — rui, pontuadamente.
Mas ele, junto de Alie, queria me mostrar que as escolhas não seriam fáceis e nem selecionadas por mim.
Acompanhados por 4 guardas, quatro pessoas entraram presas, sem mobilidade para se soltar. Soube disso pelos murmúrios de desgosto, mas minha atenção estava inteiramente em Marcus.
Doía vê-lo controlado, mas a raiva por saber que Alie quem estava me olhando naquele momento era muito maior.
Ele desliza o corpo para sair da minha frente no momento exato onde os quatro prisioneiros são posicionados em seus receptivos lugares. Confusa, encarei Aspen sendo preso a uma cadeira, a mulher há menos de cinco passos de mim, os outros dois ajoelhados ao canto, dois homens guardando-os.
Desejando que fosse apenas um delírio, sugo o ar com aspereza.
— Soltem-nos! — Ordenei, enraivada, querendo que aquilo não tivesse acontecendo.
— Isso só dependerá de você — diz Marcus para mim, parando ao meu lado, observando as quatro pessoas que levantaram seus olhos em nossa direção.
Perco todo o meu ar.
Os cabelos de Aspen estavam maior do que da última vez que eu o vi, escondia suas orelhas e a barba rala, todavia, a vista para qualquer um com os bons olhos, me dizia como estava sendo o seu tratamento nesse local. Isso e o corte na lateral de sua sobrancelha esquerda.
O sentimento transmitido pelos seus olhos me fizeram sentir uma avalanche. Ele não estava chipado. Aspen ainda era ele mesmo, mas diante a minha situação, pergunto-me se isso quer dizer algo bom.
Em minha frente, uma mulher de pele clara, cabelos trançados e com uma coloração escura. Seus olhos amedrontados me encaravam e me reconheciam. Ela foi a mulher designada por Lexa para me ajudar a se arrumar no dia da Ascensão.
Os outros dois ajoelhados eu não precisei analisar muito. Não fazia muito tempo que eu já tinha os visto.
Benjamin Wallace e Bellamy Blake. Presos.
Marcus agarrou os meus braços de uma vez e os trouxe para frente com aspereza, retirando aquela corda presa com um único gesto de uma adaga.
Meus olhos voaram para um dos garotos ajoelhados, amordaçado e com os braços presos nas costas. Bellamy me encarou com seus olhos escuros, cabelos caídos no rosto, olhos amedrontados.
Não por ele, percebi quando Marcus entregou a adaga para mim logo depois. Por mim.
— O que está acontecendo? — Desviei os olhos, querendo uma resposta que envolvesse todos libertos.
Não achei que seria fácil enganar eles e a partir do momento em que Jaha deixou claro que sabia dos nossos amigos nos túneis, eu já podia entender que as coisas não seriam do jeito que traçamos os caminhos.
Mas também ser separada de Clarke e ter esses 4 à minha frente como se fossem... meios para um fim não era algo que eu estava esperando. Mas era um plano exclusivo de Alie para mim, posso confirmar quando Marcus volta a sair da minha frente, segurando meus ombros por trás, os olhos fixos na mulher.
— Um jogo esta sendo colocado à sua escolha — sua voz fria chegou em meu ouvido. — O mestre mandou.
Um jogo?
— E quais são as regras? — Questionei, meu peito se revirando por uma possível resposta.
— Obedecer — disse simplista, suas mãos saindo dos meus ombros e me permitindo olhá-lo. — A única regra. Claro que, caso seja infligida, pessoas pagarão um preço alto. Essas pessoas.
Encarei Marcus desacreditada sobre o que ele estava propondo naquele momento, como se fosse a coisa mais banal do mundo propor uma brincadeira de criança que ameaça vida de pessoas inocentes.
— Isso não vai acontecer.
— Posso considerar que é uma desobediência? — Inclinou a cabeça para baixo e eu trinquei meus dentes, preocupada com o que ele podia fazer se eu não aceitasse, mas amedrontada com o que aconteceria caso eu entrasse no jogo. — Ótimo. Coloque a adaga no peito dela.
Esbugalhei os olhos, meu coração ameaçando parar com a fala.
Não! Eu jamais faria isso. Matar em meio a guerra, quando é você ou o outro, é uma coisa. Você não tem muitas opções. É matar ou morrer. Mas agora... se eu fizer isso agora é cruel.
Eu não farei.
— Eu quero falar com o computadorzinho que está te controlando — decidi ir por esse caminho, virando para o meu próprio pai e o ameaçando com a arma que ele me deu. — Agora.
Com o pescoço inclinado para trás e os olhos caídos para baixo, para mim, seus olhos negaram em desaprovação.
— Você não vai me matar. Eu ainda sou seu pai e a menos que você não se importe com nenhum dos quatro — indicou os terceiros —, assim que terminar de cortar o meu pescoço, eles mataram todos.
Agarrei a jaqueta em seu corpo e forcei mais a adaga em sua garganta, apenas para recuar o olhar para aqueles corpos atrás de mim. Aspen estava me olhando, cabeça inclinada para o encosto da cadeira, uma arma de fogo colada ao seu crânio.
Seus olhos ardiam em lágrimas, mas ele não recuou do desafio em sua frente.
Tudo bem, seus olhos trasmitiram para os meus e eu neguei, sem conseguir me aguentar. Quando eu menos esperei, já tinha soltado Marcus e tinha meus braços jogados ao lado do corpo, cansados de um exercício que eu mal fiz. Não estava tudo bem.
Nenhum deles deveriam se ferir por uma intriga que a Inteligência Artificial tem comigo.
Mas, apesar de eu ter a Chama em meu pescoço, Clarke era a única pessoa que ela precisava para conseguir retirar a IA 2.0 de mim. Isso aqui... isso aqui é só ela querendo brincar comigo. Esmagando-me, pois sabe que sou a única que pode destruir todo esse império que ela criou.
— Vai aceitar o desafio?
— Não.
A arma na cabeça de Aspen foi engatilhada, quase como se tivesse um demônio sussurrando nos ouvidos daquele guarda. Demônio esse com altura, um vestido vermelho, cabelos castanhos e olhos robóticos.
A voz de Becca chega aos meus ouvidos em forma de lembrança: "Você sabe o que fazer."
Mas e se eu não soubesse mais? Tudo estava bem quando o plano era se aproximar de Alie para ligar a Chama e destruir ela de dentro para fora, tudo estava incrivelmente bem quando o plano não envolvia a morte de ninguém a mais.
Mas Alie queria algo meu.
Ela queria minha cabeça, meu corpo e meu coração.
— Se não entrar no jogo, vamos matar todos.
Minha respiração estava ofegante, minha pele pegajosa de tanto suor, minha cabeça latejava. Eu não queria estar por trás dessa decisão.
Eu não queria entrar, mas não podia recusar.
Meus passos vacilantes bombearam até a mulher até que ela ficasse totalmente a minha frente e eu visse seu peito subindo e descendo. Ela estava de cabeça baixa, mal me olhava. Sabia que ela tinha me reconhecido, que ela sabia quem eu era antes e agora. Mas manteve a cabeça abaixada para a minha decisão de acabar ou não com a sua vida.
Atrás dela, ajoelhado, Benjamin mordia a mordaça com força, desejando avançar para a minha direção. Quem inferno o trouxe aqui? Ele foi sequestrado ou nos seguiu? Diabos, nem isso importa nesse momento.
A adaga formigou na minha mão e desejei arrancar minhas cordas vocais, mas nada disso iria ajudá-los nesse momento. Nada além de mim. Nada além da minha escolha.
Desmanchei meus ombros em frente a garota de cabelos escuros, meu coração doendo tanto que parece que eu que vou ser esfaqueada. Eu não posso matar essa garota. Ela é jovem e gentil, servia bem Lexa, sinto-me como se estivesse traindo-a pessoalmente.
— Tudo bem — sua voz chegou até mim, fazendo meus olhos tremerem até seu rosto. Ela sorria forçadamente, seus olhos cheios de lágrimas. — Apenas me prometa que depois... q-que nada assim acontecerá novamente. Prometa para mim que dará um jeito para ver o meu povo como o seu povo.
E me perguntei se ela estava errada. Se eu reagiria da mesma forma se fosse Aspen em seu lugar ou qualquer um que fez parte da minha vida. Perguntei-me se eu estava decidindo isso como a Comandante, mas eu já sabia que não. Estava disposta a dar esse passo através da garota dentro de mim.
A garota que faria de tudo por Aspen, que jamais poderia trair Benjamin desse jeito depois de tudo o que ele fez por mim. Uma garota que é, admitindo ou não, loucamente apaixonada por Bellamy Blake.
— Eu prometo — murmurei, me aproximando dela com as mãos tremendo.
Benjamin atrás abaixou o rosto, desistindo de lutar, decidindo que não queria ver aquela cena.
Seus olhos claros travaram-se nos meus com uma força que eu jamais teria. As fendas dos olhos dão diretamente para a alma de uma pessoa e eu não queria matá-la, não queria apagar com o seu brilho, não queria destruir a sua alma.
— Então faça, Heda.
Heda.
Como ela ainda pode me considerar sua Comandante quando estou com a ponta da adaga encima do seu coração, a outra mão segurando seu ombro? Seus olhos cheios de lágrimas transbordam tanto que chega até mim. Até os meus.
— May the light of other commanders illuminate it — ela sussurrou, fechando os olhos e inclinando a cabeça para cima. — God bless the Command...-
Corto sua pele antes que ela termine. Seu corpo avança em mim, sua boca se abre para resmungar, seus olhos me encaram pela última vez antes de ir se fechando aos poucos. Até que ela falece em meus braços, minha mão agarrando ainda no cabo da lâmina dentro do seu peito.
Não queria que suas últimas fossem palavras para me iluminar. Eu não merecia.
Com delicadeza, deixo seu corpo cair no chão, junto com minhas lágrimas geladas. Uma vítima. Não da Guerra. Não de Alie. Uma vítima minha.
Só voltei à realidade quando os guardas agarram os dois garotos ajoelhados, levantando-os. Decidida, peguei a adaga fincada no corpo da mulher que eu vingaria e coloquei-me de pé.
Benjamin e Bellamy foram arrastados para o lado da cadeira em que Aspen foi colocado.
— O que está acontecendo? — Virei-me para Marcus, que permaneceu inalterado com tudo o que tinha acontecido. — Você disse que ia liberta-lós!
— Eu não disse nada disso — rebateu pontualmente, me levando a se aproximar. — Alie quer que você saiba que estamos apenas começando. E, ah, não largue a faca. Você precisará dela.
Com os olhos esbugalhados, estudei o movimento que Marcus fez para se aproximar de Aspen que o observava com os olhos queimando de raiva e lágrimas. Então, sua camisa foi rasgada e pendurada para trás, mostrando todo o seu peitoral para mim.
Suas mãos, amarradas em cada braço da cadeira, foram colocadas a vistas enquanto outro dos guardas transportava um carrinho para perto. Um carrinho com... Oh, Deus!
— Marcus... — murmurei, meu rosto sem cor alguma, meu tom sem esperança. — Marcus, não! — Seus olhos encaram a minha perseverança para negar e então ele acena para um guarda. Benjamin grita. — Por favor!
— Venha até aqui se não quiser que seu amigo tenha seu pescoço arrancado — obrigatoriamente, fui até ele. Sua mão recolheu um alicate nesse meio tempo. — Agora pegue isto e retire a unha do dedo indicador dele.
— Não vou tortura-lo!
— Foi o mestre que mandou, querida — ou seja, Alie. O suspiro que adentrou meus pulmões queimou tudo com a raiva mergulhando em tudo. — Mas você que sabe — acenou a cabeça para algo atrás.
O cabelo de Benjamin era puxado para trás, uma faca afiada debaixo do seu queixo.
Apertei o alicate que foi posto em minha mão e respirei fundo, sentindo cada grão que me compõe tremer de raiva. Marcus apoiou minha mão e a deixou posicionada na frente da de Benjamin, o alicate encaixando bem na ponta da sua unha.
Eu ainda negava com a cabeça, as lágrimas saindo com mais peso, culpa e dor.
— Tire logo, Ray — urrou Aspen, apertando os olhos e abaixando a cabeça, a mão tremendo na minha. — Tire!
— Não. N-Não posso fazer isso com você.
Então meu pescoço começou a queimar e tive que forçar minha perna para continuar de pé. Algo estava se acionando em minha nuca. A Chama.
Mas não tem como se...
As palavras de Luna voltam para mim.
"Corpo, cabeça e coração. Perca essas três coisas e a Chama será sua." Essas foram suas exatas palavras sussurradas em meu ouvido antes que eu voltasse à praia. Era disso que eu estava pensando por todo esse tempo. Corpo, cabeça e coração. Preciso perder todos.
Sabia que não era no sentido literal, mas isso não deixava de ser ruim.
"Quer saber como ligar a Chama, Rayna? Dor."
As lembranças do recente sonho atravessa a minha cabeça. Aquele recém Comandante matando Becca, a primeira. E se fosse o processo? Corpo, cabeça e coração. E se for esse processo que Becca se recusou a passar e por isso foi morta. E se for por isso que Luna fugiu?
O irmão dela.
Ela foi obrigada a lutar contra o próprio irmão. Eram as etapas.
É claro que Alie não sabia de nada disso, se soubesse, jamais iria fazer questão que eu sentisse tamanha dor capaz de ligar a Chama e arruinar com todo o seu plano. Isso só significava uma coisa.
Tinha que continuar.
A Chama tinha que arder até o topo. Eu tinha que perder o corpo, a cabeça e o coração. E se era isso aqui que estava me fazendo perder, então...
Não. Eu não podia. Não podia torturar Aspen.
"Apenas me prometa que depois... q-que nada assim acontecerá novamente. Prometa para mim que dará um jeito para ver o meu povo como o seu povo." As recentes palavras me atacam forte. Não deixando isso continuar, só estou pensando nos meus sentimentos e... neles. Eu não estaria cumprindo a promessa.
Eu não estaria sendo uma Comandante.
— Me desculpa — chorei, sem forças, segurando o alicate com a duas mãos. — Me desculpa.
E ele sussurrou que estava tudo bem, que ele entendia, que isso já iria acabar e... foi interrompido pelo próprio grito quando puxei sua unha. Seu grito me atravessou, fez com que minha mão fraquejasse, mas, sendo muito mais forte do que eu, Aspen puxou a mão dele e como o alicate ainda estava preso a unha quase solta, a unha saiu.
"Não fraqueje agora."
Em minha mente, comecei a entender tudo. O que era esse processo, o que ele significou para cada Comandante que veio antes de mim. Foi por isso que enviaram a cabeça do antigo amor de Lexa para ela, para início de conversa.
Queriam retirar seu coração, queriam que ela fosse a melhor das Comandantes. Ela foi até a segunda etapa, que resultou em matar seu conclave, mas nunca foi pro terceiro.
Com ela, aconteceu o mesmo que estava acontecendo comigo aos poucos agora. A Chama se ligou no seu pescoço, lhe deu sabedoria sob os Comandantes, mas nunca ligou por inteiro.
Eu precisava que ela ligasse por inteiro.
Uma adaga foi colocada no lugar do alicate então eu tive que furar o braço de meu melhor amigo, depois sua perna e de repente, seu sangue manchava a pele exposta e eu ficava murmurando desculpas, sem forças pelas lágrimas e ele já não tinha mais liberdade para desculpar, ele urrava de dor, se contorcia na cadeira.
E eu já não tinha suspiros para derramar, eu já não tinha músculos para erguer, mas Marcus pegava a minha mão e fazia o trabalho. E eu implorava, eu o implorava para parar, que não era justo.
Que Aspen não tinha culpa de nada.
Para que fizesse aquilo comigo.
O inferno assolou-me quando tudo o que eu podia sentir era dor física e mental. Tudo o que eu queria era parar, dar um basta, como se eu pudesse ou... conseguisse. Mas eu não podia me rebelar e também não podia explicar para nenhum dos três ali o porquê de eu não ter lutado mais contra.
— C-Chega — gaguejei sem forças, meu rosto molhado pelas lágrimas, me sentindo imunda pelo sangue. Aspen tinha a cabeça jogada para frente e ele respirava com dificuldade, seu braço cheio de sangue. — Por favor — implorei.
— Não.
Mas então minha visão tremeu e eu juro que podia ver um relance de uma mulher vestida de vermelho, postura tão confiante, mãos juntas em frente ao peito, olhos robóticos em mim tão desesperada.
Era Alie.
A visão foi embora tão rápido quanto veio, mas aquilo era um tipo de mal contato, a Chama estava ascendendo o suficiente para eu ter acesso a mente de Alie.
Então a escolha a seguir era simples. Olhar diretamente a sua mente e a destruir ou...
— O peitoral. Quero que escreva "Alie" — seu pedido pausado fez com que o efeito se prolongasse e fosse mais torturante.
E eu queria gritar.
Queria destruir essas pedras de dentro para fora, acabar com toda essa aspereza dentro de todos, essa frieza, queria que Marcus me encarasse e fosse o suficiente para ele voltar. Mas não era. Ele havia sido pego nessa teia de aranha e ao menos que eu seguisse as regras, não o conseguiria de volta.
Pela visão periférica, eu podia ver o pescoço de Benjamin ainda a mostra, sua respiração tentando sair calma diante a situação nada assustadora daquela lâmina raspando em sua pele sensível.
Era isso, então? Torturar um amigo ou matar outro.
Minhas mãos trêmulas e suadas afastaram os destroços de camisa do meu melhor amigo, que deixou a cabeça pender para cima. Seus olhos castanhos conectaram-se aos meus e tudo o que eu podia ver era medo e dor. Uma dor que eu nunca podia comparar a minha.
Aspen não merecia aquilo.
Ele não merecia ser o preço para me consertar.
A questão agora era: Eu estaria mesmo disposta a deixá-lo sentir dor? Eu deveria pegar essa lâmina e escrever o nome da mulher que está por trás disto tudo em sua pele? Gravando para sempre uma mensagem?
A resposta era não. Estava disposta a me auto destruir para acontecer o mesmo com Alie, mas nenhum dos meus amigos precisavam estar na reta. Eles não precisam passar por isso para que eu vença.
O punhal em volta do meu punho foi apertado e em um rápido movimento, perfurei o guarda atrás de Aspen na altura de seu umbigo, rasgando toda a sua pele verticalmente e sem esperar para ver suas tripas, mas sabendo bem que ele estava as segurando, peguei a nuca do que estava se aproximando e bati a sua cabeça na ponta das costas da cadeira.
Ele gritou e segurou o olho, recuando sem conseguir ver. Avancei na direção de Benjamin bem na hora em que Bellamy jogou seu corpo para impedir o guarda de rasgar a garganta do garoto.
Uma arma é destravada atrás de mim, mas eu não consigo parar antes que o tiro soe pelo ar, parando qualquer movimento.
O mundo parou, meu corpo paralisou e primeiro, encarei o meu próprio corpo, em busca — de verdade — de uma mancha recém coberta de sangue. Mas não havia nada em mim. Arrastei meus olhos pela sala.
Aspen, apesar de todo o sangue, estava intacto e também procurava a vítima do tiro.
— Rayna...?
Não. Não!
Lá estava o receptor do tiro.
E foi como se tudo tivesse parado, virado uma substância de vida que me cercava em busca de morte e destruição. Era como se algo piscasse um alerta por trás do meu cérebro, apenas para que eu não tivesse que viver esse próximo momento angustiante.
Mas havia outra partícula dentro de mim nesse momento e ela lutava com fervor com essa minha parte que queria me proteger de sentir, de viver e sofrer. Ela parava diante ao inimigo e sorria, enquanto proclamava que eu havia buscado por isso, que a culpa fora minha e agora, eu tinha que arcar com as consequências.
Que eu tinha que ser estilhaçada vendo outra pessoa ser destruída por algo que eu fiz, que eu busquei.
Esse algo lutando para me deixar sofrer é meu cérebro.
O corpo caiu nos meus braços, meus joelhos falharam no mesmo segundo e eu cai sobre meus tornozelos com o seu corpo cobrindo o meu, sua cabeça pendendo para se apoiar em algo.
E exatamente tudo voltava a escorrer até mim. Desespero, medo, culpa, dor. Tudo o que eu havia sentido por este tempo, por uma situação igual à essa, mas onde eu tinha muito mais controle.
Desejei abrir os olhos e acordar, mas quando eu voltei a abrir meus olhos, seu sangue já me manchava toda e ele agonizava no chão enquanto a imagem certa e sem defeitos da mulher robotizada aparecia para mim.
— Aguente firme — sussurrei desesperada, minhas mãos por toda a sua face, seus olhos buscando e nunca encontrando os meus. — Aguente firme, vou te tirar daqui. Eu vou...-
— Está tudo bem — ele disse e eu neguei, meus lábios começando a tremer. — Vai ficar tudo bem — ele me disse. — Você está bem.
Tentei pensar em algo, menor que fosse, mas nada vinha a minha cabeça. Nada além da queimação em minha nuca, da dor excruciante do meu peito. Levei minha mão ao meu peito, inclinando o meu corpo de leve, arfando de dor, achando que eu teria um infarto de tanto que meu peito doía.
Mas tudo o que eu fiz foi me manchar ainda mais, minhas mãos trêmulas estavam manchadas de sangue. Do sangue dele.
— Por favor — implorei ao virar-me parcialmente para Marcus que observava tudo aquilo no mesmo lugar, a arma na mão. — Ajude-o — continuei, minhas mãos agora agarradas na camiseta alheia. — Por favor, por favor. Estou implorando.
— Ele não pode — a mulher disse, chamando somente a minha atenção. Seu olhar, junto a cabeça levemente inclinada para a direta, era frio; vazio. — Você não pode ajudá-lo.
— Vou matar você — ela soltou um sopro de riso, debochando. — Eu vou — garanti, minha voz obscura, se esquecendo por um segundo do garoto em meus braços. — Não está se perguntando como estou te vendo agora? — seus lábios vermelhos desmancharam o sorriso. — É isso aí, vadia. Estou perto.
Seu olhar frio enlaçou o meu e vi quando ela trincou a mandíbula com raiva, mas sem a mínima ideia do que fazer.
Ela sabia.
A Chama estava ligada. Ela era minha e eu destruiria...-
— Castanhas... — suspirou e me trouxe de volta a nossa realidade sem escrúpulos onde meu queixo tremia só de olhar sua situação. — Você precisa ir. Precisa deter Alie.
— Não vou largar você — disse a ele, tendo mais do que certeza sobre isso.
— Você p-precisa.
Benjamin levou a bala. De novo. Mas agora não tínhamos médicos e nem métodos para eu transportar meu sangue para ele que estava inclinado no chão, a mão sobre o lugar certeiro onde levou o tiro.
Ia ficar tudo bem. Eu sei. Eu sei, repeti respirando fundo. Olhei ao meu redor, tentando reconhecer uma pequena fração boa de onde nos encontrávamos.
Bellamy, ainda amarrado, havia dado um jeito de quebrar o pescoço do último guarda. Marcus tinha fugido para os elevadores, mas Alie... Alie ainda estava ali no canto daquela sala, encarando com curiosidade o que tinha mudado em mim, o porquê de eu enxerga-la, mas sabia que como ela estava aqui, ela poderia estar em qualquer lugar, comandando qualquer doidice.
— Não posso deixá-lo — praticamente cravei essas palavras no ar para Bellamy que agora estava totalmente solto, o braço de um Aspen fraco ao redor de seus ombros. — Não posso.
— T-Ta... tudo bem — Benjamin me disse.
— Não está.
— Está perdendo tempo comigo — ele afirmou, fechando os olhos por um segundo para desfocar a dor. Então ele os abriu e seguiu a direção dos meninos. — Levem-na daqui.
— Não! — Cai sobre o seu corpo, deixando meu rosto bem em cima do seu. Ele pareceu remoer minha atitude. — Você vem comigo. Você vai ficar bem. Todos ficaremos bem — sorri, olhando para Aspen que estava tentando se recuperar.
Ele ia conseguir.
Todos nós iríamos conseguir, certo?
Os olhos esbugalhados de Bellamy me diziam o quão errada eu estava. Mas eu não podia abaixar meus braços e simplesmente sair por essa porta, deixando-o aqui. É desumano.
Eu não sou desumana. Eu sou melhor que Alie. Sou melhor que os Comandantes passados. Não vou ser cruel. Não vou ser... Meus olhos escorregaram para o corpo sem vida daquela mulher. Que eu matei.
— Eu vejo luz em você — ele sussurrou embaixo de mim, parecendo ler meus pensamentos. — Acredita que meu maior sonho nesse momento é vê-la verdadeiramente feliz e leve enquanto como castanhas? — Sem conseguir aguentar, solto um leve riso e ele tenta me acompanhar. — Mas tudo bem — Seus olhos saem de mim e assente para alguém. — Com certeza em outra vida, Castanhas.
Percebi tarde demais que era uma despedida e uma chave para que alguém me segurasse por trás e me arrastasse para longe dali.
Tentei me debater e até consegui me desfazer do toque de Bellamy que agarrou meus braços e depois a minha cintura, talvez até sussurrando coisas que me fariam cair na real, que não está na hora de sofrer pelas pessoas que deixamos para trás, ainda assim, minha mente estava em branco.
Tudo só abria caminho para aquilo; para Benjamin com a cabeça inclinada para mim, um sorriso mínimo, lágrimas deslizando pelo rosto porque... porque ele não queria morrer.
Meu peito começa a doer tanto que eu simplesmente perco a direção, as forças e caio de joelho e tento me libertar através das lágrimas, mas ainda sinto como se eu pudesse explodir a qualquer momento e eu abro a boca para ofegar, para implorar, mas a única coisa que sai é um
grito.
O grito rasga o meu peito, incendeia a minha mente e me faz desvanecer no chão.
O grito rasga a minha dor no meio apenas para liberta-lá ao mundo e lá está... ela.
Alie me encara, mas sei que está vendo muito mais do que eu nesse momento. Está vendo muito mais do que uma garotinha sem noção do mundo, que veio do espaço. Quando seu sorriso horripilante escorrega dos lábios, sei que ela está vendo tudo, menos eu.
Ela está vendo o espírito dos Comandantes passados.
Está vendo Bekka Pramheda.
E mais do que isso; eu sinto. Sinto todos eles se revirando dentro da minha alma, fundindo-se à mim. Eu me sinto com mais clareza do que antes.
Assim, a dor vira ódio.
Eu espero que estejam
gostando!
Eu sei que os planos eram para eu entregar esse capítulo ontem, mas aconteceu várias coisas bombásticas comigo ontem. Por exemplo... fui chamada para um encontro. É o meu primeiro encontro, então... vocês tem algum conselho do que eu deveria OU NÃO fazer?
P.S: É amanhã, então se apressem para me aconselhar!!!
SOBRE O CAPÍTULO, o que acharam?
Vou sentir muita a falta de Benjamin. Mesmo. Retirando o casal principal, ele era o meu preferido de verdade.
E sobre Rayna... A coitada não tem UM MINUTO de paz, né?
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