022 | Traced Path
022 | Caminho Traçado
RAYNA KANE
Um memorial.
Essa foi a grande ideia que atribuíram aos 49 mortos naquela explosão. Era uma boa ideia para os que perderam alguém, mas Jasper parecia enraivado com o atraso da ideia e eu não podia mais deixar Benjamin trancado.
Então se eu fosse, teria que levá-lo. E eu não podia deixar de ir.
— Acha que a falta de uma gravata permitirá que eles gostem um pouco mais de mim? — Benjamin jogou o verde quando eu fui buscá-lo naquela manhã. — Talvez eu ganhe alguma simpatia?
— Vista-se como quiser.
— Sim, tem razão — pontuou, jogando uma gravata preta em umas das caixas proporcionada para ele como armário. — Disse que íamos a um funeral?
— Memorial.
— Sinto muito por mais do seu povo ter morrido naquela montanha — sua voz se abaixou mais e eu desviei meus olhos para ele pela primeira vez desde que cheguei aqui. — Sinto mesmo.
— Sua casa foi explodida.
— Pessoas morreram, Castanhas — ele se senta na ponta da sua cama. Era apenas um colchão, sem nenhuma armação. — Acha que eu me importo com uma construção?
— Era a sua vida.
— Não a que eu queria. Hey... — chama a minha atenção. — Onde sua cabeça está? Aconteceu algo? É por eu estar indo? Posso ficar.
— Não, não — neguei, selando os olhos ao me repreender por deixá-lo pensar isso. — Só uma coisa com Bellamy.
Benjamin acenou em compreensão, mas ele não tinha a mínima ideia. Ninguém tinha. Depois que Bellamy implorou que eu o deixasse sozinho, atendi ao seu pedido, mas fofoquei com Octavia sobre onde ele estava antes de escorregar até aqui.
Era madrugada, achei que Benjamin estava dormindo, mas quando eu bati na porta, lá estava ele, me recepcionando como se me esperasse.
Contei a ele sobre o que aconteceu em Monte Weather. A chegada de Echo, a saída de Pike, Bellamy e Octavia, depois a explosão. Sua casa ter virado ruínas.
E sabe a primeira coisa que ele me disse?
"— Você se machucou?"
Ele estava sendo compreensivo demais. Eu destruí cada canto de seu conforto e ele se preocupava com a minha saúde, se eu estava comendo bem, se meu quadril estava melhor.
Era inacreditável.
Na tentativa de extrair alguma reação sobre tudo o que aconteceu há alguns meses, mostrei o mapa que trouxe comigo, das nogueiras. Expliquei o que elas eram, o que elas carregavam.
— A que eu consegui visitar parecia ser nova, não mais de 17 anos — sussurrei, observando cada detalhe da sua expressão vendo aquele papel. — Acho que Cage plantou aquela e as outras. Para você.
Benjamim acenou com a sua cabeça, maxilar trincado, olhos encharcados. Mas ele não deixou nenhuma lágrima cair quando dobrou o papel e o escondeu no fundo do seu bolso.
Me agradeceu e simplesmente se levantou para calçar os sapatos, me perguntando depois se deveria ajeitar o cabelo ou deixá-los assim mesmo.
— Benjamin.
— Meus cachos me valorizam, ok — decretou como se tivesse aceitando uma opinião minha. — Pode ser uma boa ideia. Espontaneidade.
— Benjamin, pare.
Ele parou de costas para mim, de frente a sua porta. Ele tinha que parar de fechar os olhos, ouvidos e sentidos. O meu povo deu um colchão duro para ele dormir, deixou ele com caixas em decadência para guardar suas coisas, ele não comia como os outros. Mal via uma proteína há semanas.
Não estou ignorando o que o povo dele fez. Mas Benjamin me ajudou, ajudou aos outros a acharem a sala de Controle, tomou um tiro por mim logo depois de ver o pai e o avô morrer, liberou radiação em um nível inteiro para me ajudar.
Ele era um dos nossos e estava sendo tratado como um cachorro, e o pior, parecia disposto a ignorar como estava fazendo com tudo.
Benjamin precisava entender que:
— Todos do seu povo morreram. Clarke matou Dante — em pé de frente as suas costas, despejei. — Eu matei Cage.
— Você não precisa me dizer isso.
— Ah, não preciso? — Surpreendo-me. — Então me diz qual será a vez que trataremos disso?
— Nunca.
— Como?
— Nunca — repetiu, mais firme ao virar-se para mim. — Não quero falar sobre isso nunca. Todas aquelas pessoas, adultos e crianças, morreram. Fiquei com raiva sim do seu povo, de você, mas o que queria que eu fizesse além de lamentar? Tentar guerrear?
— Não, eu...-
— Clarke matou o meu avô em minha frente enquanto seu melhor amigo me segurava a força — continuou e começo a achar que foi uma má ideia começar com isso. — Não permitiu que eu ficasse com ele no leito de morte. Quis matá-lo por isso.
Sabia de quem ele estava falando. Aspen tinha desabafado sobre esse dia para mim, a forma como que ele se arrependeu de ter impedido que Benjamin avançasse para se despedir do seu avô, tudo isso por ter me visto naquela maca, tendo o sangue extraído.
Acho que de todos, esse era o pecado que mais assombrava Aspen O'Connor.
— E você... — sua mão caiu após apontar sutilmente para mim. — Como eu poderia culpá-la por ter matado aquele monstro? Era meu pai, Rayna, mas eu não me orgulhava de nada que ele estava disposto a fazer.
— Eu sei.
— Então pare de me tratar como uma bomba relógio. Eu não vou acordar um dia e decretar vingança pro seu povo. Acabou. Sofro pelos inocentes, os culpados tiveram o que mereceram.
— Mas...
— Vou sobreviver e viver por todas aquelas crianças que procuravam um futuro aqui na terra e vou amaldiçoar a minha genética de monstros — definiu por si próprio. — Ser alguém melhor.
Neguei com a cabeça, dando-me por vencida. Depois, aproximei-me um passo para olhar em seus olhos.
Ele estava certo e de qualquer forma, ele não era dono da minha fúria. Ninguém era. Nem mesmo Bellamy que tinha explodido toda aquela merda para cima de mim.
— Você já é.
Sorri para ele que fez o mesmo pra mim.
Depois dele terminar com a sessão de moda para se apresentar aos outros e ver a terra quase pela primeira vez — depois de muito tempo —, decreto que seria bom se fossémos logo e ele acata isso na ponta da letra, me puxando para fora do seu quarto.
Até que ele se lembra que estamos no meu território e que depois do primeiro corredor, ele não sabe mais para onde ir. Acabo soltando uma risada por isso e o guio até o lugar onde seria o memorial.
Descubro mais rápido do que eu imaginava que não foi uma boa ideia esse ser o seu primeiro evento formal. A maioria das pessoas ali era da Estação Agrícola ou parentes de quem morreu e olhando pelo lado de Benjamin, era bom porque eles não tinha ódio no coração pela história dos montanheses.
Mas ali também tinha pessoas da nossa Estação, que foi presa por Cage e quase morta. Conversei com os meus amigos antes, eles estavam disposto a não destratar de Benjamin, visando que ele não era e nunca foi o inimigo.
Mas eu entendo que possa ser difícil.
Benjamin não me faz lembrar daqueles momentos torturantes na montanha porque, na maioria das vezes, ele foi a minha salvação. Mas eu não posso dizer que entendo Harper, que teve sua medula osséa retirada brutalmente e sem nenhuma interrupção.
Acho que agora é só uma questão de tempo para saber se Benjamin serve mesmo para ser um dos nossos ou se ele prefere sair em uma expedição.
Aspen que me viu assim que eu entrei, abriu um sorrisinho, mas sua expressão caiu ao ver Benjamin ao meu lado. Eu sabia que de todos, Aspen era o que menos tinha ressentimento pelo garoto; aquilo nos seus olhos era culpa.
Eu entendi quando ele voltou a se sentar em sua cadeira, ao lado de Bellamy que tinha o livro que Gina o presenteou há pouco tempo, um olhar perdido.
Minha vontade era de puxar uma cadeira e se sentar do lado livre dele, mas eu não queria complicar as coisas para o seu lado, então me mantive longe de todos, ao lado de Lincoln.
— Lincoln, este é Benjamin — apresentei os dois. Meu amigo encarou o garoto com uma expressão séria. — Ben, esse é Lincoln kom Trikru.
— Um terrestre? — Quis saber. Não tinha nada de ofensa em sua voz, apenas... curiosidade.
Ele sabia da situação de Guerra Fria que ficamos depois que a Comandante traiu a gente.
— Ele...-
Fui interrompida por Pike que se colocou à frente, fazendo o silêncio arrebater pelas paredes. Seu rosto estava horrível, cheio de olheiras. Eu nem conseguia imaginar o que ele estava sentindo agora que seu filho morreu.
Não era uma surpresa a minha aversão a Luke Pike, mas eu não desejava a sua morte literal e muito menos que Charles Pike passasse por tudo isso. No meio do seu discurso sobre o filho e as outras pessoas que perdemos, noto um toque sútil de ódio.
É normal, claro, ele perdeu o filho e pessoas que contavam com ele. Eu só esperava que ele não levasse isso ao pé da letra e declarasse vingança a todos os terrestres. Nem todos tinham culpa; apenas a Nação do Gelo.
Foi a vez de Bellamy falar por Gina e eu não consegui lidar com seus olhos perdidos enquanto falava dela. Não soube se agradecia ou não a confusão que interrompeu a dor nos olhos de Bellamy.
Pike foi falar com Marcus e Abby sobre o que aqueles homens — que tinham acabado de interromper o memorial — foram falar para ele. Mas as coisas pareciam prestes a sair do controle quando as pessoas ouviram "terrestres" e "exército" na mesma frase.
As pessoas começaram a ficar nervosas, querendo saber se estavam sobre ataque, se estavam seguros. Lincoln, que tinha saído do meu lado para ouvir direito, trocou um olhar significativo demais comigo do outro lado da sala.
Marcus tentou explicar que não estávamos sobre ataque, que o exército acampando lá fora foi ideia da Comandante para nos proteger.
Como eu imaginei, Pike levou as coisas em outro nível ao subir em uma cadeira e começar a discursar sobre... guerra.
— Você — um deles apontou na direção de Lincoln, agora ao meu lado. — Aqui não é seu lugar.
As pessoas começaram a concordar com a fala e o nível de excitação cresceu o suficiente para que jogassem uma pedra em nossa direção, bem na cabeça de Lincoln. Minha raiva falou primeiro do que a minha consciência.
Soltei-me de Benjamin que estava tentando me levar pra longe do ódio dos outros e avancei na primeira pessoa que teve o culhão de se aproximar para bater mais em Lincoln.
Eu nem sabia o nome dele e não me importava com o seu tamanho, apenas soquei a sua cara e o empurrei para que recuasse.
Uma confusão enorme começou, onde eu já não sabia quem estava defendendo ou quem estava tentando atacar.
Só sei que recebi um tapa enorme e estralado na cara do homem que tinha sido o meu alvo principal e Aspen, que brigava com um outro homem ao meu lado, escapuliu da briga para pular em cima do homem que me deu um tapa.
Ameaçei avancar no outro homem, o qual estava visando acabar com Aspen, mas todos fomos interrompidos por Pike e seu discursinho de que não brigamos um com os outros. Foda-se ele!
O homem avançou em mim, eu avancei nele, mas alguém entrou em nosso meio, tocando em nossos braços para nos separarmos. Era Marcus e ele fuzilava o homem com o olhar.
— Se tocar em minha filha, vou condená-lo pelo resto da sua vida há tratamentos de choques — a ameaça foi feita e o homem não teve culhão de bater de frente com o próximo Chanceler. — Você está bem?
Recuei do toque de Marcus. O que ele queria? Que eu o agradecesse por comprar a minha briga?
Afastando-se de todos, percebo que já tinha perdido Lincoln e Benjamin no meio da confusão. Deixo um suspiro pesado escorregar dos meus lábios e saio daquele lugar para tomar um ar.
As explosões de raiva estão ficando cada vez mais incontrotraveis. Só é... mais forte do que eu. Sei que dessa vez tive um motivo muito plausível, mas isso não são todas as vezes. Meu sangue esquenta, minhas mãos tremem e sobe uma raiva inexplicável em mim.
Meu desejo é de socar a primeira pessoa que se encontra em minha frente e isso não é saudável. Não posso ser uma maluca prestes a explodir. Isso é perigoso para as pessoas próximas a mim.
Depois de me acalmar e diminuir o nível de estresse em meu sangue, decidi que iria procurar Aspen. Talvez essa noite ainda pudesse ser salva se eu o fizesse ficar de frente com Benjamin e... não sei, amigar.
A vontade de fazer essa reunião diminui 80% quando meus olhos acabam vendo Bellamy conversando com Pike sentados em uma mesa, bebendo juntos. Pike não parecia estar falando sobre a dor de ter perdido um filho, ele parecia estar falando sobre vingança.
E não é bom colocar isso na mente fraca de Bellamy Blake nesse momento.
Decidida a não deixá-lo ser manipulado, rompo o ar e paro em frente a mesa deles. Pike me encara dos pés a cabeça e murmura algo para Bellamy pensar sobre o que ele disse, antes de sair e nos deixar sozinhos.
— Não caia nesse papinho dele.
— Você não sabe o que ele quer — rebateu imediatamente, sem me olhar nos olhos, o copo cheio de bebida novamente.
— Bellamy... — sento-me em sua frente, mas ele mal ameaça desviar sua atenção para mim. — Sei que está sofrendo, mas se seguir Pike, vai se perder.
Vejo ele levantar agressivamente da sua cadeira e realmente não sei o que Pike queria, mas sabia naquele momento que ele tinha conseguido arrastar Bellamy para ir com ele.
— Ou me encontrar.
(...)
Tinha muitas coisas que eu podia dizer que eu não era. Não sou boa de cozinhar, mas gosto. Não sou boa com espadas, mas estou aprendendo. Sou apaixonada por chocolate e acho que prefiro doces do que salgados.
Sou apaixonada pelo pôr do sol ou pelo nascer dele. Não importa realmente, o sol é lindo e admirável, gosto de exercer a minha tarefa.
Mas há algo... algo que pode não ser muito saudável, mas que eu tenho orgulho de dizer que eu faço muito bem e isso é pensar. Eu penso tanto que teorias escorregam até mim sozinhas, nem preciso de esforço.
Alguns chamam de paranóia.
Bem, não importa. Mais uma vez, foi ela que me fez acertar em chamar, Monroe, Lincoln e Harper para fazer a ronda à noite. Eu não sei o que esperava encontrar, não sei mesmo, mas não demorei para descobrir onde Bellamy estava envolvido.
Eu teria chamado Aspen também, mas descobri a pouco por Raven, que esse tinha ido levar Benjamin para beber enquanto conversava. Eu queria estar lá para testemunhar, mas acho que é uma coisa dos dois e isso é mais importante para mim.
Acompanhados de homens armados e Pike, Bellamy liderava o caminho e se pôs para ficar de frente para mim e Lincoln. Monroe e Harper estavam atrás.
Bellamy encarou a gente impassível, um colete no corpo e arma posicionada muito bem. Armas roubadas.
— Precisam se afastar agora — pediu, mas nada gentilmente.
— Eu acho que não, Bell — ergui meu queixo, deixando claro que ele não iria para lugar nenhum com aqueles idiotas armados.
— Para que são as armas? — Harper quis saber, tão acanhada quanto eu.
— Tem um exército lá fora — respondeu como se fosse uma coisa simples. — Precisamos atacá-los antes que nos ataquem.
— Esse exército foi mandado para nos proteger — Lincoln disse entredentes e eu não tiraria o direito dele de matar Bellamy, nesse momento, se assim desejasse.
— Temos um problema? — Pike questionou, se posicionando quase ao lado de Bellamy.
Torci meu maxilar e conectei minhas íris com as dele. Nesse momento, eu não me importava nenhum pouco se ele era um homem que tinha acabado de perder um filho. Se ele estava mesmo disposto a executar aquelas pessoas, ele era pior que os Azgeda.
— Depende — respondi.
— Não — Bellamy me atropelou e eu estreitei os olhos em sua direção.
O que era? Ele estava com medo do que Pike poderia fazer comigo e ainda assim achava que estava do lado certo?
Bellamy já foi mais esperto.
— Sempre fiz o melhor para nós — declarou ele, tentando amolecer nossos corações. — Preciso que confiem que estou fazendo isso agora. Monroe. Harper — engoli a minha raiva quando as duas saíram com os rabinhos entre as pernas. — Rayna.
— Ah, não — neguei, dando um passo na direção de Bellamy para encara-ló de perto. — Eu não saio daqui.
Uma discussão começou entre Lincoln e Pike, mas eu estava focada demais nos olhos inexpressivos de Bellamy. Ele me encarava, mas tinha algo faltando. Algo que ele expressava em outras vezes, mas que agora, simplesmente havia sumido.
Não demorei para entender que o que mudou foi que ele parou de esconder o monstro dentro de si. A escuridão deixou de se fazer presente e o monstro estava solto.
Agora, não tínhamos mais nada semelhante. Bellamy estava pronto para virar um monstro, mas algo dentro dele me dizia que ele não sabia que era esse caminho que ele estava seguindo.
Acordei para a vida ao nosso redor quando Lincoln desarmou o cara que havia erguido a arma para ele e agora segurava uma faca em sua garganta. Os outros atrás de Bellamy ergueu suas armas e se ele tinha um time, tudo bem, foda-se, eu tinha escolhido o meu lado e não iria amarelar.
Retirei a arma do meu cos e após destrava-la, fui intercalando os meus alvos. Agora, todos tinham armas apontadas para alguém, menos Bellamy e Pike.
Eles tentam se controlar, controlar o povo deles. Mas ninguém está disposto a abaixar a arma aqui.
— Rayna — ele me chama, tomando ciência do quão sério estou levando isso aqui. — Abaixe essa arma. Por favor, abaixe.
Observo as pessoas atrás dele abaixando suas armas com uma ordem direta de Pike, mas não. Isso não vai acontecer. Se Bellamy está disposto mesmo a seguir esse caminho para executar 300 pessoas, então ele precisa acordar pra vida.
Ele precisa saber que não estaremos do mesmo lado e que, se ele ficar no meu caminho, as coisas não vão ficar boas.
Bellamy precisa entender que eu não vou deixar ele executar pessoas e depois olhar em meus olhos, exigindo que eu abaixe a minha arma, que eu recue, que ninguém vai atirar.
Não.
Alguém vai atirar sim e eu prefiro que seja eu.
Não abaixei a minha arma, apenas fiz com que ela fosse mais precisa ao ser travada em uma só direção. No rosto de Bellamy Blake.
— Quem vocês estão defendendo? — Perguntou Pike para nós dois.
Eu não abandonaria Lincoln. Eu não abandonaria essa estrada e se Bellamy quisesse passar por mim, bom, ele teria que me desarmar e depois, me matar. Porque nem se eu tivesse com duas pernas quebradas e sem minhas duas mãos que eu deixaria de correr até ele e impedi-lo nesse caminho.
— Abaixe essa arma, Rayna — pediu Bellamy, olhando em meus olhos por trás daquela arma. — Você não vai atirar. Ninguém tem que se ferir. Lincoln, largue a faca.
Bellamy foi se contorcer para ver Lincoln atrás de mim, mas eu não permiti e conecto a boca da arma no meio dos seus olhos. Minha mão estava firme. Ele estava certo, nunca seria capaz de matá-lo.
Mas eu conhecia lugares que eu podia atirar e impossibilita-lo de usar uma arma pelo resto da sua vida.
Uma sirene começou a tocar e não demorou muito para todos estarem aqui. Octavia foi a primeira a chegar. Ela encarou Lincoln segurando o homem com a faca e depois a mim apontando uma arma para o seu irmão desacreditada.
Marcus liderou a multidão de guardas e se apressou ao ver que sua filha estava no meio daquilo.
Observei com ironia eles deixando as armas no chão. Descolei a arma da testa de Bellamy, mas não parei de apontá-la enquanto ele soltava a arma e recuava. Sem desviar o seu olhar.
— Lincoln, está tudo bem. Solte-o — gritou Marcus, terminando de se aproximar. Eu ao menos desviei os olhos. — Rayna, você também. Trave a arma e guarde.
Demorei uns segundos para obedecer, mas quando o fiz, encarei Bellamy dos pés a cabeça com repulsa do que ele teria coragem de fazer caso Marcus e os outros não chegassem. Depois, me afastei para perto de Octavia e Lincoln.
— Você armou essas pessoas? — Questionou Marcus, encarando Bellamy com decepção.
Abby ordenou que os guardas levassem os culpados para a área de confinamento, mas Pike não aceitou o decreto.
— Estamos cercados por guerreiros que nos querem mortos.
— Já chega! — Ordena Marcus, parando à frente de Pike.
— Não, não chega. Nem de longe. Por que não mostra o que deixou os terrestres fazerem a você ontem? Vamos, Kane — incentivou e eu soltei o ar pelo nariz, querendo quebrar a cara de Pike. — Acho que as pessoas que estão para votar em você têm o direito de saber.
Depois de murmúrios descontentes, Marcus revelou. Era uma marca feita por ferro quente, simbolizando que éramos o 13° clã da colisão da Comandante. Marcus tentou recuperar o que havia perdido, mas Pike estava impassível e os outros, perdidos nessa reviravolta.
"Pike para chanceler." Começaram a gritar, pesando o ar. "Ele tem razão." "Estamos com você, Pike." "Voto em Pike."
O meu ódio estava subindo e não melhorou quando Bellamy, olhando nos meus olhos, começou a gritar ao ser levado para a prisão:
— Pike! Pike! Pike!
E os outros o seguiram.
(...)
O dia amanheceu, a eleição começou e... Charles Pike venceu como Chanceler. Eu não era a maior fã de Marcus Kane para ocupar esse cargo, achava ele inapto para isso, mas Pike era mais ainda.
E eu sabia que estava certa quando no outro dia, assim que eu acordei, fui agraciada pela visão de 10 guerreiros cobertos de sangue voltando para o acampamento.
Foram 300 terrestres contra 10 pessoas. Era uma guerra perdida para o nosso lado e todos voltaram inteiros, sem nenhum arranhão, nenhum corte. Apenas sangue cobrindo seus corpos, sangue que não eram deles.
Talvez eles pensem que foi um tipo de rendição, talvez Octavia queria acreditar no garotinho por baixo do monstro, mas eu sabia bem o que aquilo significava. Havia sido uma chacina.
Jaha voltou e acompanhado de religião. Aquele acampamento estava virando uma bagunça e soube assim que ele se aproximou de mim.
— Olá, Rayna — cumprimentou com uma paciência invejável. O fitei de cima a baixo, desejando saber o que ele queria comigo. — Não nos vemos há muito tempo. Já tinha partido quando voltou de Monte Weather.
— Hm, legal.
Dei um impulso em minhas pernas para que eu entrasse na Arca, mas ele me interrompeu, com a sua mão em meu braço. Observei aquela ação com as sobrancelhas levantadas.
Marcus podia ter sido o melhor amigo de Jaha em algum momento da vida, mas eu nunca escondi a minha aversão aos dois.
— Reserve um tempo para mim — pediu, educadamente. — Tem alguém que quer muito conhecer você.
Com as sobrancelhas franzidas, o achando mais louco do que nunca, murmurei em concordância e dei-lhe as costas. Ele ficou lá, falando sozinho. Pois é... acho que o fim do mundo não é uma coisa boa para todos.
Algumas horas depois, eu estava partindo para a área médica com Lincoln e um amigo de Abby. Marcus pediu para que Octavia saísse e encontrasse com Indra lá fora, tal mulher que se comunicou com ele através do rádio que Marcus deixou para trás. Octavia saiu escondida por uma passagem que tinha dentro de Arca.
Eu estava tentando aparar os dramas com Lincoln. Concordávamos que Bellamy estava fora de si e que ele precisava acordar antes que um de nós matasse ele.
Era para ser uma conversa de tarde, carregada pelo o que aconteceu de manhã, mas leve. Mas aí o amigo de Abby veio nos dizer o que Pike e seus cãos de guarda estavam fazendo na enfermaria.
— Nós lhe pedimos para vir aqui — apontou Lincoln, para o povo dele que estavam doentes e sendo expulsos da área hospitalar.
— Não podemos ceder os suprimentos — informou Pike, de braços cruzados para a situação.
Eu não precisava de um segundo olhar na direção de Abby para saber que ela era totalmente contra ao que estava acontecendo.
Lincoln avançou para ajudar uma mulher do seu povo, mas foi barrado por um dos guardas de Pike. Os dois tiveram uma mini discussão, interrompida por Bellamy, que no meio daquilo, tentava ficar em cima do muro.
Mas nada para pra ficar ali para sempre e quando Lincoln tentou ajudar a mulher mais uma vez e mais uma vez foi impedido, ele atacou. Bellamy tentou dispersa-lo, mas eu não deixaria aquilo acontecer. Então eu o empurrei de cima do muro e nada metaforicamente falando, de cima de Lincoln.
Um dos guardas quiseram vir me prender imediatamente, mas Bellamy se recuperou e circulou meu corpo no dele, virando suas costas na direção dos dois guardas que estavam prontos para ter uma amostra da minha raiva.
— Eu cuido disso — ele decretou, jogando-os para longe, apenas para depois trazer sua atenção para mim, seu braço ainda em volta da minha cintura, meu peito colado ao seu. — Pare de lutar.
— Vai ter que me prender para isso.
— Estou tentando te manter longe disso, Rayna — diz entredentes, o rosto me encarando de cima, meus olhos intercalando entre suas íris. — Pare de dificultar.
— Ah, está tentando me proteger? — Fui sarcástica, mas meu sorriso morreu quando eu percebi que estavam levando Lincoln para a prisão junto aos outros. — Ei! — Bellamy aumentou o aperto e não me deixou se contorcer. — Me solta, cretino!
— Se afaste de confusões. Eu não vou estar aqui sempre.
— Que se foda você e o seu chefe — esmurrei seu peitoral com minhas duas mãos. — Quer me proteger, Blake? Então saiba que eu vou dificultar muito o processo para você. Me solta!
(...)
Clarke estava aqui dentro. Octavia veio me falar só depois que ela colocou Clarke e Bellamy no mesmo lugar, sozinhos.
Eu não sabia em que mundo ela achava que o irmão dela estava, mas eu não apostaria todas as minhas fichas em Bellamy amolecer após olhar nos lindos olhos azuis de Clarke. Acabei convencendo Octavia disso também e fomos juntos ao encontro deles.
Como se o universo tivesse me ouvido, Clarke estava presa e junto a um guarda, Bellamy estava levando ela para Charles Pike.
Octavia chegou atacando o guarda intruso, não dando-o chances de ficar acordado. Já eu, fiquei mole e dei uma chance para que Bellamy escolhesse o lado certo.
— Solte-a.
— Não posso fazer isso.
Encarei Octavia que tinha as sobrancelhas arqueadas. Ok, ele escolheu. Não posso fazer nada contra isso.
Visando que estávamos sem tempo por ter mais guardas vindo, peguei o bastão de choque do guarda caído e o forcei no estômago de Bellamy. Ele se contorceu, gritou e... desmaiou.
Clarke abaixou-se para pegar as chaves no bolso dele e depois corremos, sendo lideradas por Octavia que nos levou até uma sala escondida, onde Marcus e Abby estavam nos esperando. Clarke abraçou a mãe, Marcus veio até mim para conferir se estava tudo bem.
Depois, ele abriu a passagem secreta e Octavia entrou nela, esperando por Clarke.
— Você deve ir — Marcus decidiu, ele não parecia feliz com a sua opinião, mas parecia... obstinado. — Vai ficar mais segura com elas, lá fora. Pike me tirou do meu posto, não posso proteger você.
— Não preciso que me proteja — discuti, mas não apenas para ser teimosa. Ele estava aqui, Aspen e Benjamin também. — Posso fazer isso sozinha e não vou abandonar meus amigos.
Marcus respirou fundo e Clarke entrou no esconderijo. Ele me deu alguns segundos para tomar a verdadeira decisão, mas ela já havia sido tomada e eu ficaria. Não iria fugir por medo.
— Sei que pode — ele sussurrou, chegando mais perto, seus olhos brilhando em emoção. Eu nunca o vi daquele jeito. — Mas essa será a minha luta e eu não posso deixar que Pike use você contra mim.
— Posso te ajudar — dei a ideia, que estava perfeita em minha mente. Foi quando eu percebi que eu não queria deixá-lo. Meus olhos assemelharam-se ao deles. — Não me faça deixá-lo de novo.
Ele puxo o ar com força, colocando sua mão em minha nuca por cima de todos aqueles fios e me puxando para um abraço. Eu não chorei, não permiti, mas também não recuei como as outras vezes. Meus braços não souberam o caminho para retribuir, mas Marcus fez por nós dois.
Tínhamos acabado de nos reencontrar, não na situação mais privilegiada do mundo, mas conseguimos. Eu não queria, mesmo com tudo entre a gente, tirá-lo da minha vista.
Eu não queria admitir, mas eu amava Marcus Kane. Eu não podia perdê-lo.
— Você vai ficar bem — ele me disse e de todos que repetiram isso em meu ouvido, sua voz fez o que ninguém conseguiu; me acalmar. — Nós iremos ficar bem. Mas está na hora de ir — se afastou, inclinando-se para baixo para me olhar. — Vamos nos reencontrar novamente, filha. Eu prometo.
Decidi naquele momento que confiaria em Marcus. Que confiaria em meu pai.
Olhei nos seus olhos, pronta para eternizar isso em palavras, mas nada saiu. Tudo deu um branco. Fiquei por tanto tempo odiando, buscando o passado para condená-lo, que simplesmente não consegui mais olhar nos seus olhos para dizer coisas que não sejam acusações e estupidez.
Mas, como eu disse, ele sempre sabia.
— Eu sei — sorriu, os olhos ainda brilhando. — Eu também. Agora vá.
Octavia liderou o caminho para a saída e eu fui logo atrás de Clarke. Depois que engatilhamos por uns seis metros, descemos fora do nosso acampamento, escondidas pelas sombras, subimos o morro.
A cena com que eu tive que me deparar foi a pior de toda a minha vida. Corpos e mais corpos jogados, mortos, por todo o pasto. Lanças fincadas no chão, inutilizadas perto das armas das pessoas que fizeram isso. Bellamy participou disso.
Octavia achou melhor ela ficar rondando o acampamento para caso acontecesse algo, enquanto Clarke e eu subíamos para ir até a Comandante que estava em uma barraca no topo, bem no meio daqueles mortos.
Eu nem imagino o que ela sentiu ao ver os seus homens e mulheres mortos ao chegar aqui, pronta para uma conversa carregada de paz.
Se eu, que mal conheço dois dos dele, sinto uma revolta enorme, imagina eles.
Fui obrigada a esperar fora da barraca enquanto Clarke conversava com a Comandante e Indra. Fiquei tentando não observar aqueles corpos mortos no chão, bem perto de mim, mas era impossível.
Até mesmo o guarda que estava guardando a porta da tenda estava horrorizado.
Isso foi um massacre.
— Rayna — Clarke veio me chamar um tempo depois. Eu nem tinha percebido que meus olhos tinham queimado por eles. — Lexa quer te conhecer.
— Lexa? — Confundi-me.
— A Comandante.
— Eu sei quem é, Clarke. Mas por que ela quer me conhecer?
Griffin não tinha a resposta, então eu tive que ir buscar. Clarke entrou junto comigo, mas foi dispensada pela própria Comandante. Trocamos um olhar rápido antes que ela me abandonasse aqui dentro.
Meus olhos passaram por Indra deitada, seu ombro enfaixado. Ela estava aqui quando o grupo de Pike veio. Pelo o que Octavia contou, Bellamy poupou a vida de Indra.
Mas do que adiantava? Ele matou centenas.
— É um prazer te conhecer finalmente, Rayna.
E então meus olhos chegaram nela.
Lexa era tão jovem quanto eu, talvez tínhamos a mesma idade, se eu fosse parar para perguntar. Seus cabelos eram escuros e presos atrás por tranças diferentes das de Octavia. Sua pele era branca, seus olhos verdes e ela tinha um acessório bem no meio de suas sobrancelhas.
Parecia um minúsculo sol.
— Eu sou Lexa kom Trikru, a Comandante — ela se apresentou, como se precisasse. Ela foi o maior assunto no primeiro mês após Monte Weather.
— Eu sou Rayna — fiz o mesmo. Não teve aperto de mão, apenas um gesto curto de cumprimento. — Mas você sabe quem eu sou e queria me ver. Por quê?
— Engraçado você me perguntar — indagou, trocando um olhar com Indra deitada. — Estava me perguntando quando revelaríamos a sua verdade.
— Mas qual verdade?
Ela deu um leve arquear em suas sobrancelhas e foi confiante ao dizer:
— Que você é uma Natblida, Rayna — soltei um suspiro, me lembrando vagamente de que Dante falou que isso era importante para os terrestres. Mas Lexa não perdeu a oportunidade de me surpreender mais: — E como a mais velha, é a minha Segunda no comando.
Como eu prometi, aí está mais um capítulo.
Espero que estejam gostando.
Mas e aí? O que vocês pensaram quando foi revelado que Rayna tinha Sangue Escuto? Teorizaram sobre esse momento ou foram pegos de surpresa?
Eu confesso que tenho uma raiva anormal de Bellamy nessa parte da série e vocês?
Me contem tudo!
Não se esqueçam de interagir!!!
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