019 | Shoot me!
019 | Atire em mim
RAYNA KANE
Eu estava aqui de novo.
Presa por braços mais forte que os meus, sendo ameaçada por dezenas de armas, presa a uma maca prestes a sentir a pior dor da minha vida.
Assim que eu saí por aquela porta secreta, mais de dez guardas me aguardavam, Cage bem no meio deles. Dizer que ele ficou satisfeito ao bater os olhos em mim era eufemismo.
Ele ordenou que me prendessem imediatamente no andar 5, onde eu fui descobrir que ficava aquela mesma sala que retiraram a minha primeira medula óssea. Deitada na maca, eu estava prestes a ganhar o mesmo destino das outras vezes.
— Me solta! — Me debati, braços e tornozelos amarrados.
Como eu deixei que voltasse à isso? Quis atirar em todos imediatamente, mas sei que eles só precisariam de um segundo para puxarem suas armas e circular todo o meu corpo com balas.
E eu não queria morrer, mas acho que ganharei o mesmo destino. Nesse momento, me encontro pensando se esse é o meu único destino.
— Sabe que eu não posso, Srta. Kane — disse Cage cordialmente.
Parece que o tempo não passou. Voltas e voltas depois, eu continuo aqui. Encaro o rosto de Cage com ódio. Mas não era um ódio normal. Era um ódio inflável que me fazia sentir tudo queimando. Deus, eu nunca quis matar tanto alguém como quero matá-lo.
— Onde está Benjamin? — Perguntei após uma breve olhada no local. Retirando seus médicos e guardas, estávamos sozinhos.
— Não me olhe assim — ergueu os braços. — Estou tão surpreso quanto você por não vê-lo ao seu lado. Sabe, o plano não era pega-lá naquele momento.
Estreitei os olhos em sua direção ameaçadoramente. Não precisei de muito para saber o que ele queria dizer com aquilo.
— Deixe os terrestres em paz!
— Sua preocupação me surpreende, Rayna — Cage afirma, rodeando-me como uma presa. — Principalmente porque o líder deles fez um acordo comigo pelo seu povo para salvar suas próprias pelas...— sussurrou ardilosamente.
Não quero acreditar, pois se isso for mesmo verdade, a guerra está perdida. Só posso pensar em como Clarke está se sentindo depois dessa quebra de aliança. Parecia sério e agora, estamos sozinhos.
Não tinha esperança para a gente.
A menos que Cage morra. Sua morte é inevitável há essa altura do campeonato.
— Mas quer saber de uma coisa? — Ele murmura descontraidamente, chamando alguém atrás de mim. — Se meu filho for tão esperto quanto o pai, ele já estará muito longe daqui.
Um homem branco de cabelos loiros e jaleco aparece em minha linha de visão. Ele pega a furadeira. A mesma furadeira de antes. Não queria ser fraca, mas não pude me impedir de se encolher diante a dor que eu sabia que iria sentir.
— Ele nunca faria isso — decretei, mais para contraria-lo do que por certeza. — Seu filho é muito mais do que você poderia ser, Cage.
Eu queria que ele encarasse as minhas íris, presenciasse a raiva flamejante que queima em meu peito e sentisse medo. Mesmo comigo presa e ele solto, mesmo com o médico abrindo a minha blusa para o procedimento, mesmo com o seu sorriso fraco.
Eu queria que ele soubesse, que tivesse certeza que se eu não morresse, eu iria encontrá-lo e sua morte seria tão lenta e dolorosa que até mesmo terceiros iriam sentir.
— Meu filho é fraco — ele cospe e meu olhar fraqueja para o médico que segura a furadeira. — Se apaixonou pela cor dos seus olhos e acha que está livre por isso. Pois saiba, Rayna querida — ele abaixa para ficar na altura do meu ouvido — que você matará meu filho e eu terei que matá-la.
Rosnei enraivada e carquei meus dentes no topo da sua orelha. Ele gritou e os guardas se moveram, mas não antes de eu arrancar uma boa parcela de sangue. Não era o suficiente. Ele tinha que morrer.
— Vadia! — Gritou ele, sinalizando pros guardas com grosseria para que eles não se mexessem. — Depois que deixar de ser útil, está arruinada — apontou seu dedo no meu rosto e depois, para o médico.
O loiro ligou a furadeira, Cage saiu da sala e minha tortura começou.
Tentei me encolher para longe do médico que se aproximava de mim sem ao menos encarar. Ele não se preocupou em lançar suas íris em mim, em fingir que não doeria e que no final, eu ia ficar bem. Eu não ia ficar bem e ele sabia disso.
Ele não teve o mesmo cuidado de cortar com um bisturi a região que a furadeira teria que penetrar, em vez disso, com uma tesoura cirurgia, cortou os pontos e fez o seu trabalho.
Estava desacostumada a gritar, então meio que engasguei nesse processo. Ele não parou. Ele não estava ali para amigar, não se preocupou em se apresentar com uma certa gentileza como a antiga doutora.
Lorelai Tsing.
Ela morreu, eu permiti que sim. Meus pensamentos não estavam muito organizados em meio a dor, mas eu também mataria esse médico. Eu mataria todos desta montanha!
No meio do processo, quando as lágrimas começaram a ser silenciosas e gélidas pelo meu rosto, quando o ar se tornou apenas uma passagem defeituosa pelo meu peito, o médico desligou a furadeira.
Como já tinha um buraco em meu osso pelo último episódio, ele não preciso se dar ao trabalho de criar um novo, mas pelo o que eu pude sentir, ele apenas ampliou, como um molde.
O barulho escasso da furadeira trouxe novas observações. Como a minha respiração desregular, o sangue que agora ultrapassava todo aquele metal embaixo de mim. Meu sangue verdadeiro.
O loiro começou sua extração com a seringa. A maior parte da dor não estava mas aqui, mas o incômodo dele mexendo dentro do meu corpo ainda era intenso o suficiente para eu gemer de dor uma hora ou outra e chorar.
Teve uma hora, que o choro foi tão compulsivo que eu já não sabia se estava chorando pela dor ou de exaustão. Era a primeira vez que eu chorava desse jeito desde que cheguei à Terra. Desde que fui aprisionada e passei meus dias sozinhas.
Não se enganem, a tristeza e os motivos para chorar sempre estiveram aqui. Eu conseguia ignorar, uma vez ou outra descia umas lágrimas, eu me controlava. Esquecia, começava a murmurar coisas que me fariam esquecer do real motivo.
Dava certo. Até agora.
Não estava esperneando, mas as lágrimas me sufocavam e me faziam soluçar. Eu nunca me senti tão impotente, sozinha e... fraca.
Um suspiro saiu dos meus lábios trêmulos quando o médico tirou a seringa em forma de injeção do meu osso e deu as costas para mim, visando guardar a minha medula óssea ou o que deu tempo de se restaurar dela.
— Parece que teremos platéia — ele murmura uma hora despojadamente, limpando ao redor do corte.
Nada fazia mais sentido. Eu pensava, mas tentar formular uma frase parecia ser de outro mundo. Me sentia como uma criança aprendendo a falar.
Ouvi a porta de ferro se abrindo, resmungos insistentes, pés se firmando no chão em busca de atrasar o seu fim. Mas minha visão está turva, eu devo ter desmaiado umas duas para três vezes nesse processo, mal conseguia ouvir minha própria voz pedindo um tempo ou talvez a morte.
— Tire-a dessa maca. As algemas acabaram, prendam-a naquela cadeira com cordas.
A voz chegou ao meu ouvido distorcida, mas eu senti quando começaram a me desamarrar e me rolaram na maca para que eu pudesse se levantar. Mas minhas pernas não estavam no comando e nem a minha mente bem o suficiente para comandar.
Fui carregada pelo lugar até estar sentada, minhas mãos foram levadas para trás, minha cabeça pendeu para baixo.
Ouvi alguém me chamando no fundo da minha mente, uma voz que eu reconhecia, que poderia ser a minha batida crônica, mas tudo estava remoído.
Meu quadril estava queimando, minha pele parecia prestes a derreter se ficasse mais um pouco nesse lugar. Meu coração se desregulava e nem sabia se batia forte ou lento. A sensação é que eu iria morrer de qualquer jeito.
— Espero que saiba o quão especial é para mim — a voz sussurrou maldosamente, me fazendo piscar e acordar para a realidade na base do ódio. — Sobreviver a três processos em menos de 24 horas? Você é incrível.
— Eu vou matá-lo — decretei baixinho, sem forças, levantando a cabeça e piscando com dificuldade para distinguir a expressão de escárnio de Cage.
— Sim, bem — resmungou consertando a postura, fazendo pouco do meu olhar letal —, espero que se sinta em casa com nossos novos... doadores.
Cage saiu com as mãos nos bolsos, ele já tinha colocado um curativo na área da orelha que eu havia cortado e também tinha limpado os vestígios de sangue da sua pele.
— Rayna! — Franzi levemente o cenho e forçei minha cabeça a virar na direção da voz.
Lá estava ela, do outro lado da sala, amarrada como os outros na parede, atráves de algemas. Eu não acreditei de principío, pois, só podia ser um delírio. Um delírio causado pela dor e pelo tempo sem dormir, claro.
Balancei a minha cabeça enquanto apertava meus olhos. Esperava não ver mais o que eu estava vendo ao abrir os olhos, mas lá ainda estava ela.
— Raven — minha voz foi muito menos do que um sussurro, nem mesmo meus ouvidos conseguiram destinguir minha voz.
Mas ela estava ali. Raven Reyes estava mesmo ali.
A última vez que eu a vi foi no acampamento, quase morrendo pelo tiro causado pelo merdinha de John Murphy. Achei que ela tinha morrido ou ao menos, que nunca mais nos veríamos.
Ela sorri parecendo aliviada enquanto nos encaramos e é quando a nuvem se dispersa da minha cabeça e eu entendo que não é algo bom ela estar aqui. É muito, muito ruim.
Se ela e esses outros que usavam a jaqueta de guarda da Arca foram capturados, era o fim. Passei meus olhos estreitados pela sala, ignorando o doutor e os guardas que entraram naquele momento carregando mais quatro pessoas com saco na cabeça.
Procurei por Aspen, por Bellamy, Clarke e Octavia. Nenhum deles estavam ali e eu não sabia o que pensar. Ficava aliviada por Bellamy e Clarke, pois sabia que eles estavam vivos.
Mas e Aspen? Ele não estava aqui porque morreu na guerra com os terrestres? Isso está mesmo acontecendo?
Achei que estava pronta para digerir a morte do meu melhor amigo, mas ver essas pessoas da Arca aqui... saber que Bellamy e Clarke estão vivos... não sei, estava crescendo uma esperança dentro do meu peito. Mas isso acabou.
Estava tudo acabado.
Talvez eu deva parar de ser egoísta e agradecer por Aspen não estar aqui agora. Ninguém merece esse tipo de morte. Ninguém merece ser usado como rato de laborátorio.
Finn também não estava aqui e eu só podia constar que ele estava com Clarke. A ideia dele passar por aquela porta querendo conversar e chegar a um acordo vem a minha mente e me faz sentir vontade de rir ironicamente.
— Vamos — ordenou um dos guardas, o que estava livre da radiação; curado. — De joelhos.
Mas meu meio sorriso é cortado quando as quatro pessoas com sacos na cabeça são colocadas de joelhos em minha frente, enfileiradas, de perfil para mim.
Cage ultrapassou a porta mais uma vez e parou ao lado do soldado Emerson, perguntando sobre as perdas do lado do povo deles. Depois, ordena que removam os capuzes das pessoas ajoelhadas.
A primeira foi uma garota que esteve no acampamento junto com os outros lá no começo. Eu não a conhecia por conversa, mas sabia que seu nome era Monroe e que era uma atiradora. O segundo era um guarda, eu não o conhecia pessoalmente, mas não precisei de muito para saber quem exatamente ele era quando ele viu o filho; Nate Miller.
Percebi o garoto naquele momento. Ele estava diferente de antes, sem aquelas roupas rasgadas e seguindo Bellamy como um cachorrinho. Em compensação, ele parecia muito aterrorizado.
O pai de Nate foi punido por tentar chegar até o filho. Aquilo me fez abaixar os olhos e respirar fundo. E não só porque era uma cena dolorosa de se ver e não poder fazer nada, mas também porque mexia comigo ver um pai tão preocupado com o filho.
Me pergunto se Marcus pensou em mim antes de morrer. Se ele pensou que estaria deixando uma filha a mêrce do mundo terrível que vivemos. Se ele se preocupou, uma só vez, comigo da mesma forma que o pai de Nate se preocupou com ele.
Uma parte de mim — uma parte que eu não permiti chegar até o controle, mas que agora que eu estou prestes a morrer, permito que seja livre — sente muito a falta de Marcus Kane.
Eu só o queria...-
— Qual é o problema de vocês?
Meu coração acelera de uma forma assustadora e tudo dentro de mim se revira. Eu não me preocupo com a possível baixa de pressão ao levantar a cabeça tão rápido quanto eu abaixei.
Aqui, completei o meu desejo que havia acabado de ser atendido.
Era ele. Era ele mesmo.
Marcus não havia me notado na cadeira ainda, mas eu tinha apenas olhos para ele. Milhares de perguntas romperam na minha mente. Por todo esse tempo, achei que ele estava morto. Que ele havia morrido quando aquela nave caiu. Mas ele está aqui.
Ele está vivo.
Meu coração se aperta confortavelmente e há uma colisão de conflitos. Estou feliz por ele estar aqui, vivo, mas tão mal ao mesmo tempo. Nesse único momento de desespero, eu não penso em seus erros e nem acertos.
Não penso em meu ódio, só no meu amor. Não penso nos pecados e nos abandonos. Tudo que eu penso é que Marcus está aqui e que eu estava prestes a vê-lo morrer.
Abby Griffin também está aqui, está perguntando sobre a filha. Marcus abre a boca para falar algo, vizualiza Raven nesse meio tempo e meu coração sai de disparado para uma batida por minuto.
Sua cabeça é um trovão que lampeja até mim. Seus olhos esbugalhados são vidraças quebradas e tão cheias de sentimento. Mesmo de longe, consigo ver seu queixo tremer e seus olhos selarem, sua postura seder e ele abaixar os ombros junto a cabeça e o corpo.
Depois, como se não pudesse acreditar, ele me olha novamente, mas já está sendo arrastado para ser preso na parede junto aos outros. Da forma como ele é preso, ficamos um de frente para o outro, separados por todo o espaço daquela sala, presos em paredes contrárias.
Seus olhos sedentos estão em todo o meu corpo, na forma em que eu estou presa, na camisa mal abotoada em meu corpo, mostrando o meu peitoral coberto por sangue escuro e o top que me permite não sentir tanta vergonha por estar quase seminua.
Sinto o momento em que ele pondera sobre a cor do meu sangue, que ele estuda as mudanças drásticas do meu rosto e corpo. A forma como eu estou pálida faz com que ele busque machucados e os encontre.
Suas sobrancelhas se franzem até que ele entenda o que aconteceu comigo, o que foi extraído de mim. Marcus pende com a cabeça e sua expressão é como se fosse chorar, mas ele é forte e eu agradeço.
Me sentitia horrível se começasse a chorar em sua frente.
Não sou mais uma menininha. Não sou aquela garota que ele deixou para trás e porra, só Deus sabe o quanto eu não estou disposta a trazer os pecados dele nesse momento, mas ele também precisa saber o que eu me tornei nesse meio tempo; o que ele me fez tornar.
Ele precisa saber que não pode me encarar com essa sua expressão, pois eu estou prestes a romper com a minha sanidade e eu preciso muito dela.
Outra pessoa é posta na maca. Os gritos têm a mesma dor que a minha e não sei o que eu senti quando o cara que eu não conheco, mas que era do meu povo, pende a cabeça para a minha direção e olha nos meus olhos.
Sei que ele também não fazia a miníma ideia de quem eu era, mas eu fui o último rosto que ele viu antes de morrer. Foi para mim que ele olhou até suas íris não terem mais vida. Foi para mim que ele sorriu, em busca de melhorar-me.
E seria por ele que eu mataria aquele doutor e todos responsáveis por isso.
Quando o médico decretou que ele morreu, mas que conseguiu extrair a médula osséa antes, comecei a acariciar aquela corda apertada em meus pulsos.
Parecia impenetrável de fora, mas sei que não tanto quanto aquelas algemas. Eu poderia fazer uma forcinha e talvez...
— Ela é a próxima — ordenou um dos guardas quando o médico decretou que precisava de outra.
Eu segui a direção que ele apontava e encarei Raven que estava impassiva com seu olhar matador. Meus olhos intercalaram entre os guardas, Raven e o homem loiro ao lado dela que lutava contra.
Foram tratados por bastões de choques.
Toda a luta deles não adiantou, Raven foi colocada e amarrada na maca pelos enfermeiros e médico que a essa altura, estava coberto de sangue.
Isso não pode acontecer. Eu não posso ver Raven morrer.
— Espera, não!
Raven ultrapassou o meu grito ao morder o pescoço do guarda que estava terminando de amarar seu outro braço. Ela retirou um tampão de pele, mas não adiantou também. Deram-na um choque e ela desmaiou.
Encarei horrorizada quando amarraram até mesmo o seu pescoço e o médico recolheu a furadeira. Mas não pude fazer nada além de encarar.
Raven gritou da mesma forma que os outros e quis tampar meus ouvidos, pois era uma tortura comigo. Raven e eu não criamos um laço forte digno de melhores amigas, mas a garota tem o meu respeito e minha confiança. Vê-la dessa forma, depois de tudo que ela passou, dói.
Eu não sei quanto tempo passou e nem quando Cage havia saído dessa sala, mas ele voltou e algo estava muito, muito errado.
Principalmente quando ele decretou:
— Tire aquela da mesa — apontou para Raven. A perfuração tinha terminado, estava na hora de extrair. O médico tentou refutar, mas Cage foi preciso: — Agora.
Não sei o que pensar quando tiram Raven da maca, me sobe um alívio bom, que é preenchido rápido por medo quando decreta a nova cobaia.
Abby Griffin.
Marcus tenta lutar contra, gritando coisas como que eles não tem que fazer isso, que eles podiam conversar, que a gente poderia doar, que todos poderíamos viver.
Não sei em qual lugar ou momento ele se tornou tão bobo e eu não queria que Abby passasse por aquilo, mas ele estava errado. Não podemos todos viver.
Apesar de tudo, a atitude impassível de Cage naquele momento me deixou aberta a interpretar de várias e várias formas; mas apenas uma fazia sentido. Sei que eles liberaram todos os outros níveis e colocaram todo o seu povo aqui, no nível 5, pois liberaram radiação nos outros.
Ele estar nervoso, pronto para despertar seu ódio por Abby só queria dizer que uma pessoa estava o tirando do sério e essa pessoa era próxima o suficiente da médica para se preocupar.
Meus olhos escorregam até a câmera. Ela é da mesma que estava no quarto branco hospitalar quando eu acordei pela primeira vez aqui.
A que ficava apenas 60 segundos desligada, deixando uma luzinha vermelha apitando. Mas a câmera estava ligada e a luz vermelha começou a se mesclar com a verde, fazendo uma frequência.
Verde, verde, vermelho, verde, vermelho, vermelho. Mas eu contei aquela frequência até chegar aos 104. Os jovens que desceram para a Terra. Podia ser apenas mal do circuito, poderia ser nada.
Mas e se fosse algo? Estreitei os olhos naquela direção e apesar de não saber se eu estava certa, não quis arriscar. Clarke poderia estar na sala de Comando nesse momento e eu não podia deixar que ela perdesse a mãe.
— Cage! — Chamei ele por cima de toda a confusão para colocarem Abby na maca. Todos pararam de gritar quando o "Presidente" se virou para mim. — Não faça isso.
— E por que eu não faria? — Ele mandou um sinal para que amarrassem Abby na maca.
Meus olhos saíram nervosamente entre eles. Eu precisava pensar em algo; rápido.
— Posso trazer seu filho até você — abaixei a cabeça, me repreendendo por estar usando Benjamin. — É o que quer, não é? Benjamin do seu lado.
— Eu já perdi meu filho, Rayna — ele compreendeu, um sorriso manipulador enquanto dava alguns passos na minha direção.
Ergui o queixo com precisão.
— Então me use no lugar dela.
— Não! — Marcus gritou, se debatendo no lugar. Cage olhou sob o ombro para observá-lo com interesse.
Eu não podia deixá-lo focar em Marcus.
— Sabe que meu sangue é muito mais precioso e quer saber? Está certo — ele arqueou as sobrancelhas sugestivamente. — Você perdeu Benjamin... para mim. Posso devolvê-lo para você.
— Ah, você pode? — Sugeriu ele ironicamente, mas eu sabia que poderia ganhar quando ele impediu o médico de ligar a furadeira.
— Voce sabe que Benjamin não saiu dessa montanha, Cage. Ele está aqui e está com os meus amigos. Você ganha o filho e mais... cobaias.
O homem franze as sobrancelhas em minha direção, não entendendo qual é o meu jogo. Na real, se ele aceitasse, eu também não entenderia. Não saberia o que fazer além de morrer naquela maca por mais um procedimento em menos de duas horas.
Mas Clarke precisava de tempo para o que quer que ela fosse fazer e eu torcia para que se Benjamin tivesse me ouvindo, não seguisse minhas palavras.
— Me use no lugar dela.
Nossos olhares se enlaçaram, eu estava confiante. Quero dizer, o máximo que eu podia estar em base a minha futura morte.
Mas diante à tudo, eu acho que estou bem com isso. Ainda não quero morrer, mas ao notar que morrerei por qualquer caminho que seguir, precisei tomar uma decisão.
E eu escolho não morrer em vão. Se for para morrer, preciso garantir que os outros se salvem, que eles saiam vivos dessa montanha. Que Marcus viva na Terra, que Clarke se encontre com a mãe e a perdoe. Preciso que Bellamy viva e talvez, amigue com Benjamin e veja o quão parecidos são.
Preciso que todos vivam porque eu sei que não irei.
Eu não posso me dar a vantagem de antes, de virar as costas para eles e entrar na nave, entrar no meu conforto. Eu simplesmente não posso acordar mais uma vez aqui e receber a noticia de que estão todos mortos, que eu fui a única sobrevivente.
Mas sei que eles podem viver por mim. A Terra nem é tudo isso mesmo.
— Prossigam com a perfuração — ele decretou ao médico que ligou a furadeira.
— Não! Cage!
Mas nada adiantou. Eu não pude fazer nada e quando Cage encarou aquela câmera em cima de nossas cabeças, eu sabia que estava certa.
E que Clarke havia acabado de sofrer um ataque direto.
E as coisas não pararam de decair. Jasper havia acabado de entrar, mãos algemadas, um guarda segurando-no. Eu o encarei com pesar, mas ele piscou para mim e foi posto preso atrás de mim. Preso uma ova, pois no momento seguinte, ele cortou a minha corda e avançou contra Cage que estava absorto demais para notar.
Não. Ele era meu.
Mas eu só tinha que fazer uma coisa antes.
Empurrei toda a dor, toda a hesitação e me levantei daquela cadeira. Na merda do mesmo minuto as sirenes começaram a tocar e todos ficaram confusos com o que estava acontecendo. Até que os médicos e os guardas começaram a se sufocar e suas peles derreterem.
Ah, não! O médico pomposo era meu.
Pulei em sua direção, a maca se arrastando com Abby para o outro lado. Sua pele derretia embaixo de mim, mas ele já estava encurralado de todos os lados pela morte. Mas essa merda de radiação não o mataria.
Eu sim.
Estiquei meus braços para cima, apalpando sua mesa de utensílios médicos e peguei a primeira coisa metálica que eu senti, enterrando em seu pescoço e empurrando até o final, vendo-o se engasgar com o sangue e com seus gritos pelas dores.
Então eu deslizei a faca para a horizontal e o corte foi o suficiente para terminar de matá-lo.
Ofegante, larguei o bisturi e levantei, limpando minhas mãos de sangue em minhas roupas, encarando a sala ao nosso redor.
Haviam liberado radiação e Cage, que estava fugindo dali, sabia disso.
— Rayna! — Marcus me chamou quando eu recolhi a arma de um dos guardas e ameacei correr pela mesma direção que Cage.
Parei na porta, bem onde Marcus estava preso e me pedindo para libertá-lo. Ele iria ser libertado, mas não por mim. Eu não podia soltá-lo e lidar com ele nesse momento. Havia coisas mais importante e ele não vai morrer se ficar mais um pouco aí.
Com uma última troca de olhares, eu saio daquele lugar e o deixo se debatendo e gritando o meu nome. Meus ouvidos se tampam e tudo o que eu procuro enxergar, ouvir e sentir é relacionado a Cage.
Não é um começo fácil, estou mancando devido ao corte aberto no quadril, sem dizer sobre todo aquele sangue que está me cercando, me sujando. Mas eu não posso parar. Cage está com a vantagem e como um dos curados, ele pode ir para onde quiser, para qual nível for melhor para ele fugir.
Mas eu não posso deixar.
Viro o mesmo corredor que ele virou há pouco, mas como eu disse, ele tem a vantagem e já está dentro do elevador.
— Merda! — Xingo e corro para a passagem secreta que Benjamin me mostrou mais cedo.
Eu não me importo em deixar aberto ou fechado, apenas passo por ela e começo a descer os degraus com a arma em mãos. O elevador é na parede ao lado da escada, então eu posso ouvir quando ele para, apitando como todas as outras vezes.
Estamos no nível 6.
Vejo a situação do pente. Tem apenas uma bala. Busco ser silenciosa ao sair pela passagem. Aponto aquela arma pelas direções que eu procuro Cage. Não o vejo em lugar nenhum por longos minutos, até eu estar passando pelo quarto de Benjamin e ver a porta entreaberta.
A necessidade de entrar ali foi muito maior que a minha hesitação momentânea por ter lembrado de Benjamin; que aquele homem sendo caçado por mim era o progenitor dele.
Seria algo que eu tentaria acertar mais tarde. Sinceramente, depois do primeiro minuto, a ideia de parar com isso não ficou.
Cage precisava morrer de uma vez por todas.
Pisei na linha para dentro do quarto, a arma firme e apontada para as direções vazia. Dei mais um passo para ultrapassar aquela porta entreaberta, mas ela foi lançada contra mim antes e prensou minha mão entre ela e o batente.
A arma caiu e se Cage pegasse, seria o meu fim. Chutei ela mais para longe de nós dois e lancei o meu corpo na porta, fazendo ela recuar e bater no corpo do homem. Sem delongas, eu entrei e não pude impedir de que nossas íris se conectassem antes de um possível ataque.
Encaramos ao mesmo tempo a arma há alguns metros da gente e ao voltar para ele e vê-lo prestes a se mexer, me jogo na direção. Eu consigo tocar na arma, mas ele pisa em minha mão e depois a chuta.
Ainda no chão, seguro o seu tornozelo para ir até a arma. Ele balança o pé, mas eu estou impassiva contra deixá-lo sair do meu aperto. Então, puxo minha força para derrubá-lo em cima daquela mesa partida em pedaços.
Cage se contorce pela dor de alguns fiapos de madeira ter perfurado seu palitó e eu, envolta na adrenalina, me levanto em um pulo para ir até a arma.
Satisfação toma conta de mim quando eu consigo capturá-la. De pé encima de Cage que desiste de tentar se levantar ao me ver com a arma apontada para ele, nunca estive tão sedenta por sangue.
— Ok, você ganhou — ele riu falsamente e colocou as mãos onde eu possa ver. Segurei a arma com minhas duas mãos e coloquei o dedo no gatilho.
— Acabou para você, Cage — sentenciei, coberta por ódio e dor.
— Tem razão — admitiu, seus olhos cautelosos intercalando entre o meu rosto e a arma. — O que vai fazer agora, Srta. Kane? Me matar? — Levantei levemente as sobrancelhas. — Qual é, o que acha que meu filho pensará sobre isso?
— Tenho certeza que seu filho entende o monstro terrível que você se tornou — Cage tentou, mas não conseguiu esconder a engolida em seco. — Agora... se quiser deixar um recado para ele, posso pensar em passar adiante.
Engatilhei a arma, preparada para decretar o fim da sua vida.
— Acha que vai ser feliz?
Desdenhei com a garganta sobre a sua tentativa inútil de uma conversa.
— Vou estar viva, mais do que você, eu garanto.
— Isso vai corroer você, Rayna — ele levanta sua cabeça do apoio e meus olhos enlaçam nos dele. — Todas essas mortes que o seu povo causou. Havia crianças no nível cinco. Jovens que mal sabiam a situação daqui. Até mesmo a doce Maya, que tanto ajudava vocês. Isso vai grudar em você.
Minha expressão se contorceu e não sei dizer se sentia mais desprezo ou nojo.
— Clarke liberou radiação em um andar inteiro, matou meu pai na frente do meu filho — meus olhos aumentaram de tamanho ao reconhecer o significado. — E há um garoto muito... persistente o fazendo de refém.
— Dante está morto?
Eu não era a maior fã do velho. Mas eu ainda me lembro que há pouco tempo, nesse mesmo dia, foi ele quem me libertou das mãos da médica que queria continuar a me torturar.
— Meu filho também, eu aposto — percebi no momento em que as palavras sairam de sua boca, que ele estava se aproveitando do momento. — Sinceramente, nunca deveria ter deixado ele chegar perto de você.
— Benjamin vai ficar bem — afirmei, firmando mais a arma em seu rosto. — Ele não é como você.
— Não importa, você não entende? — Seu pescoço ainda está inclinado. — Por onde você passar, sempre deixará para trás uma trilha de mortos. Está no seu sangue.
Tentei evitar, sabia que aquilo era a mais pura manipulação, mas não pude impedir de recuar diante as suas palavras. Não pude deixar de sentir a adrenalina corroendo o meu corpo. E comecei a pensar que talvez ele estivesse certo.
Que talvez o problema fosse mesmo eu.
Aspen está morto e a nossa última conversa foi uma discussão ridicula. Benjamin podia estar encrencado com o meu povo por ser quem ele era.
Só Deus sabe onde o pacifico de Finn está.
Talvez eu só...-
Seja uma idiota! Cage agarra a minha arma e a recolhe para si, virando o jogo em um passo impressionante que termina comigo onde ele estava e com ele ajoelhado ao meu lado, o cano daquela arma bem no meio dos meus olhos.
— Adeus, Srta. Kane.
— Pai, não! — Grita atrás dele e o erro de Cage é virar para ver.
Não perco tempo ao pegar um estilhaço de madeira daquela mesa e atravessar o peito de Cage. Há um resmungo de dor de sua parte enquanto ele volta seus olhos surpresos para os meus, a arma cai ao meu lado.
Conforme o seu corpo vai ficando mole e caindo, saio debaixo dele e deixo que ele caia da mesma forma que estava antes, entre os pedaços que uma vez compôs uma mesa organizada.
Mas que agora formava uma linda canção chamada "caos".
Cage abriu a boca para falar algo, mas todo o meu ódio ultrapassou os limites e eu forcei mais a estaca em seu peito, ferindo alguma parte do seu pulmão e o fazendo sangrar até pela boca.
Não desvio do fundo dos seus olhos nem por um segundo. Eu precisava ver a vida esvaindo dele. Eu precisava que ele soubesse que eu...-
— Ray?
Meu corpo tremeu, meu aperto na estaca amoleceu e eu virei rapidamente para a direção, meus olhos já cheios de lágrimas com a possibilidade de ser verdade.
E era.
Seguro-me na parte da mesa que ainda estava alta, minhas sobrancelhas se franzido aos poucos. O sangue que sobrou no meu corpo se esvaiu do meu rosto.
— A-Aspen?
Com os olhos no mesmo estado que os meus, ele assente e sorri. Mal consigo pensar quando largo o corpo de Cage e ultrapasso Benjamin que era segurado por Bellamy que portava uma arma apontada para baixo. Nenhum deles ganhou a minha atenção.
Apenas Aspen. Pulei em seus braços e fui acolhida calorosamente, sua respiração em meu ouvido, seus braços em torno de mim, me apertando, me mostrando ser real.
O alívio que apossou do meu peito foi surreal. Ele estava vivo. Meu melhor amigo estava bem. Estava ali. Iria ficar tudo bem.
— É você mesmo?
— Você está horrível.
Depois que saímos do abraço, ele sorri galanteador e eu reviro os olhos com escárnio, sabendo que ele estava certo e que eu era a imagem da morte.
Morte.
Viro-me para os garotos. Tento não fazer, mas meus olhos já estão conectados em Bellamy antes que eu possa pensar em observar Benjamin. Lá estava ele, coberto por um uniforme roubado de algum guarda daqui, os cabelos tão bagunçados quanto eu lembrava, talvez um pouco maior.
E muito sujo.
Mas nenhuma sujeira seria capaz de cobrir seus olhos e suas sardinhas.
Eu só dei um único passo em sua direção antes de tudo explodir e cair sobre os nossos ombros.
— Não! Rayna!
Alguém se enlaçou em minha direção, mas tão rápido que eu mal dei conta do que estava acontecendo. Um tiro soou no ar.
Benjamin havia me salvado ao me jogar para longe da direção. Encarei com raiva o corpo de Cage. Ele não estava morto, apesar do sangue que ultrapassava aquela ferida no seu peito. Ele estava forte o suficiente para ter pego a arma ao seu lado e atirado em minha direção.
Se não fosse por Benjamin, eu... Eu não...
Cega de ódio, eu mal enxerguei quando peguei a arma antiga de Benjamin jogada pelo quarto, engatilhei e descarreguei todo o pente no corpo de Cage que pulou várias vezes antes de não ter mais nenhum espasmo.
Com o peito cheio de balas e uma estaca, ele estava morto de vez.
— C-Castanhas...
Virei em um impasse.
E lá estava.
As palavras de Cage se profetizando, mesmo depois de morto.
Benjamin me encarava em pé, no local que eu estava quando fui o alvo de Cage, sua blusa azul clareada começava a crescer uma mancha de sangue. Ele tentou impedir o jorrar com suas mãos, mas elas logo viraram uma cachoeira.
Benjamin tinha me salvado do tiro do seu pai e no meio do processo, levado por mim.
Espero que estejam gostando!
Me digam, qual é a temporada favorita de vocês?
Me: Fico entre a 3º e a 4º.
Desculpem pelos erros.
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