014 | The monster is here

014 | O monstro está aqui
BELLAMY BLAKE

A ideia de viver na Terra nunca passou pela minha cabeça. Talvez quando eu era apenas um garotinho de quatro ou cinco anos, mas a ideia não demorou para desaparecer.

Eu tinha algo mais importante para me preocupar; minha irmã, ou como minha mãe gostava de me lembrar, minha responsabilidade. Fui um idiota em pensar que deixá-la sair para aquela festa seria uma boa ideia. Ela foi pega, eu fui rebaixado e minha mãe foi flutuada.

Perder minha mãe e minha irmã na mesma hora foi desesperador, nunca me senti tão sozinho e vulnerável. Mas acho que o pior foi me tornar tudo aquilo que minha mãe repudiava; um monstro.

Que tipo de pessoa condenaria uma jovem para a prisão?

Rayna Kane.

Acho que eu nunca pensei tanto em uma garota quanto eu pensei nela durante os últimos anos.

Começou em um dia normal, mas acabou em desgraça quando a filha de Marcus Kane descobriu sobre a minha irmãzinha sob o piso.

Eu me desesperei. Octavia se desesperou. A ideia de minha mãe ser morta passou em minha cabeça e o medo que eu senti foi maior que a minha culpa.

"Sua irmã, sua responsabilidade" as palavras de Aurora Blake gritou em meu ouvido naquele dia e eu não hesitei.

Não foi fácil plantar qualquer prova que incriminasse Rayna, algo simples como uma bota suja de lama seria o suficiente para ela ser acusada de invadir a área dos cultivos.

Mas tudo deu errado. Acharam mais algumas coisas, eu não sabia bem, ainda era um guarda de baixo calão. Só fui ordenado que levasse a garota para a prisão, onde ela ficaria no próximo ano até fazer 18 anos e ser flutuada.

Minha mente deu um giro de 360° e o desespero da garota virou o meu desespero. Não era para causar isso. Uma simples invasão, para um nome tão importante quanto o dela, não era pra ser muito coisa. Talvez fosse apenas ser monitorada e levasse uma bronca de seu pai.

Isso não aconteceu. A garota foi presa e seria flutuada.

Levei duas pessoas pra a flutuação. Para serem mortas. Um ano depois, minha irmã foi presa e tudo foi para água abaixo. Nada valeu a pena.

Aurora morreu, Octavia foi presa e eu havia estragado a vida de uma simples garota de 17 anos.

Achei que fosse o fim quando chegou o ano dela completar seus 18 anos. Dois anos se passaram, era para Rayna ter 19 anos. Para mim, ela já tinha sido flutuada. Foi nesse meio tempo que jogaram-me um acordo com informações. 100 adolescentes iriam ser levados para a Terra. Uma forma de matar todos eles, em meus olhos.

Octavia estava no meio dos 100. Tive a chance de ir junto. Não descartei. Minha irmã, minha responsabilidade.

Atirei no Jaha e ganhei a vaga na nave. Encontrei Octavia e Rayna. O alívio que eu senti quando a encontrei foi indescritível. Quase quis chorar e talvez, se ajoelhar pedindo o seu perdão. Mas a garota atacou-me e eu descobri que ela e minha irmã foram companheiras de celas.

O impulso de sentir raiva dela — agora que ela estava viva — foi maior que o meu arrependimento.

A Terra era habitável, montamos um acampamento, as pessoas começaram a me seguir. Fiz uma garota matar o filho do Jaha, ela se suicidou. Descobrimos que tinha mais gente vivendo por essa Terra, gente ruim. Entramos em uma guerra onde os adolescentes foram liderados por Clarke e eu. Perdemos muitos.

Errei muito.

O monstro dentro de mim aflorou-se até o ponto em que eu não controlava mais, até estar tão desesperado para esconder que eu faria qualquer coisa para o camuflar, como levar todos aqueles jovens em uma luta perdida.

Eu acreditava mesmo que devíamos proteger aqueles muros, foi o nosso suor que foi derramado, o nosso sangue. Devíamos derramar mil vezes mais. Tínhamos armas. Tínhamos tudo.

Então por que deu tanto errado?

— Bellamy... — o garoto suspirou, pedindo um tempo no rastreamento. Eu bufei, mas ajudei ele a se encostar em uma árvore. — Eu não vou aguentar. Eu estou te atrasando. Vai encontrar o Finn.

Observei Aspen ofegante, sua testa suada e sua pele pálida. O corte que recebeu pelas suas costas não fora fundo o bastante para acabar com a sua vida na hora, mas ele havia perdido muito sangue e não tinha adiantado nada a blusa que retiramos do seu corpo, rasgamos e amarramos em volta de seu peitoral.

O sangue não parava e ele estava perto de ter uma
hemorragia. Seu rosto não estava muito dos melhores. Seus lábios estavam cortados, seu olho esquerdo inchado e um corte de três centímetros em sua bochecha.

Ele estava todo ensanguentado e sujo. Eu não estava diferente.

Pensei em sua proposta, pois eu não sou de ferro e Finn havia sido capturado por um terrestre que tinha conseguido fugir antes da explosão. Eu precisava retirá-lo de la.

Mas apenas uma olhada para o garoto que tinha tanto a admiração de Rayna Kane, me fez ver que ele era a única coisa que separava o garoto assustado do monstro que habitava em mim. Eu não gostava de ser nenhum dos dois, mas não estava pronto para ser um monstro agora.

— Nem a pau!

Me abaixei ao seu lado e passei seu braço pelo meu pescoço, aguentando todo o nosso peso em cada passo seguido.

O terrestre não fez questão de esconder seu rastro, pensando que todos estavam naquela nave e que pensaríamos que todos os terrestres haviam morrido na explosão.

Por cima dos morros, com a estrada lá embaixo, tendo árvores e arbustos ao meu favor, tínhamos a visão de sua viagem.

Sendo arrastados por uma corda presa a um cavalo, Finn e mais um dos nossos andavam. O terrestre estava encima do animal, com suas vestes escuras e rasgadas.

— Tem um plano, pelo menos? — Perguntou Aspen, entre uma respirada e outra com dificuldade.

— Vou ter em um minuto — menti, ansiando chegar mais na frente para que Aspen pudesse descansar um pouco e não perdêssemos o terrestre.

O plano na teoria era pra ser simples. Matar o terrestre, resgatar os dois e irmos para o acampamento com os outros. Mas eu não tinha distração, eu não tenho armas e nem forças. Apenas uma lança.

Se Aspen ao menos estivesse bem o suficiente para andar sozinho, ele poderia servir como isca. Mas do jeito que ele está, o risco dele ser mais um refém era grande.

— Por que está fazendo isso? — Ele me perguntou quando eu o deixei sentado atrás do arbustos. — Por que voltou para me salvar?

A cena do garoto ajoelhado em meio a três terrestres volta a minha mente. Ele tinha acabado de levar um belo de um corte nas suas costas com uma das espadas e a verdade é que eu não pensei muito.

Enquanto Finn e aquele garoto que estava com ele naquele momento distraia os dois terrestres, eu ataca um por trás e ajudava Aspen a fugir antes que o plano fosse colocado em prática e explodíssemos pelos ares.

Foi quando eu acabei se separando de Finn e descobri que ele havia sido pego por um dos terrestres que ele tentava distrair.

Estou o seguindo há mais de dois quilômetros, arrastando Aspen pelo braço, sem nenhuma ideia do que fazer.

— Não sou um monstro, O'Connor — sussurrei baixinho, de olhos abertos para o terrestre que vinha arrastando meus amigos por cordas. — Mesmo que você queira pensar que sim.

— Condenou uma garota de 17 anos para a flutuação— ele conseguiu falar e não sei se fico feliz por ele estar acordado ou se bato forte em sua cabeça para resolver esse problema.

— Não espero que entenda meus motivos — resmunguei sobre meus ombros, espiando o terrestre.

— Como soube? — Ele continuou e eu girei meus olhos. Aspen estava à beira da morte, ele não parava de falar? — Quero dizer... como soube que ela estava envolvida?

Por instinto, virei a cabeça para encara-lo com confusão. Eu não fazia a porra da mínima ideia do que ele estava falando. Rayna estava mesmo envolvida no que acusaram ela?

Bellamy?

Assustado e com a respiração ofegante pelo susto, viro para a voz com a lança pronta para ser lançada, mas algo do meu peito diminui quando eu reconheci Monroe e seu amigo.

— Abaixem-se — ordenei, tomando a posição anterior e flexionando meus joelhos atrás do tronco enorme caído.

— Foi seguido? — A garota perguntou em voz alta.

— Quieta — dei mais uma espiada na situação lá embaixo e depois me abaixei ao lado deles. — Viu o Finn?

— Finn está vivo? — Perguntou o garoto, surpreso.

— Ele estava. Nós nos separamos — indiquei Aspen com a cabeça. — Sabíamos do fogo, então fugimos, mas um deles captou Finn — resumi e depois observei o corpo dos dois. Sem nenhum arranhão e nem marca de brigas. — Como vocês escaparam?

— Vimos a Arca cair — explicou o garoto. — Achamos que poderíamos ajudar. Parte dela caiu deste lado. Monroe acha que é Mecha, mas pessoalmente acho que...-

O barulho de cavalo começou a se aproximar consideravelmente. Era agora ou nunca.

— Sigam-me — fui até Aspen, repassando seu braço pelo meu pescoço. Viro-me para os outros dois, ainda com os joelhos flexionados. — Tentem ficar abaixados e em silêncio.

Era Finn, com o terrestre e o outro garoto que foi capturado junto à ele. Escondidos por uma árvore, Aspen mal se aguentando em pé e meus dedos estavam ficando brancos de tanto apertar a lança.

Tivemos que assistir a cena do filho da puta matando mais um de nós.

Finn tentou lutar contra, mas o fim foi o mesmo. A garganta de seu amigo foi cortada em sua frente.

Então, eles continuaram e eu também. Por mais alguns metros, corremos e engatinhamos atrás deles, o plano estava fresco em minha memória e eu estava confiante sobre o sucesso.

Aquele cara era só um. Éramos em três. Isso parecia óbvio para mim, mas para os dois que acharam uma forma de fugir quando tudo esquentou, pareceu o fim do mundo.

— Não queremos morrer — foi o que eles me disseram. — Não nos obrigue, por favor.

Eu bufei com a ignorância. Não tinha espaço para covardes e medrosos nesse mundo. Nunca teve, mas eu era um grande bunda mole, então apenas concordei e continuei seguindo, tentando articular um novo plano que não dependesse deles.

O plano era bom. Eu seria a isca, o terrestre não ia deixar passar a oportunidade para me pegar, eles só precisavam sair e atacar. Eles eram em dois!

— Me dê essa lança e eu faço — sussurrou Aspen com o peso do corpo todo em mim. Encarei a sua cara ensanguentada e soltei um riso nasalado. Estávamos fodidos. — Sou a sua única chance de salvar Finn, Bellamy.

— Então pode considerar que Finn e eu já estamos mortos — zombei, mas falando a verdade sobre. — Você nem se aguenta em pé. Precisa ser eles — indiquei com minha cabeça para o casalzinho de medrosos na minha frente.

— Então peça.

— Eu já pedi.

— Então peça de novo — se agarrou a isso, seus olhos tremendo para serem fechados. — Você estava liderando um ataque há menos de duas horas! Todos estavam seguindo você, eu estava seguindo você — o encarei surpreso. — Faça com que eles queiram seguir também.

Continuei a encara-lo, meio surpreso pela dimensão de suas palavras, mas acabei por assentir, visando ser a nossa única esperança.

Larguei ele encostado em uma árvore e me aproximei do casal que estavam abaixados rente à uma árvore, focando no terrestre e Finn.

— Sei que estão com medo, mas somos guerreiros — afirmei, abaixando-me ao lado deles, a respiração entrecortada. — Podemos fazer isso.

— Como? — O garoto perguntou, terror escorrendo pelos lábios.

— Atacamos em equipe. Quando ele vier atrás de mim, Monroe vai até o Finn. Quando ele estiver livre, serão quatro contra um.

— O que eu faço? — Ele perguntou, decidido e eu reprimi a vontade de sorrir.

— Tente não morrer. Prontos? — Quis saber, escorando na árvore para eu me levantar. — Um, dois, três!

Corri em suas frentes, agarrando a lança com as duas mãos e chamando a sua atenção. Olhei em volta, era agora para eles sairem e atacarem. Mas, em vez disso, Finn gritou para que eu o abandonasse e o terrestre começou a cavalgar em minha direção com sua espada erguida.

Em um último resquício de esperança, lancei minha arma, mas ele desviou de uma maneira habilidosa e... acertou o meu rosto com o cabo, me fazendo cair no chão.

Grunhi, frustrado e tentei me levantar, mas ele foi mais rápido em chutar o meu estômago e depois minha cara, repetidas e repetidas vezes. Até eu estar fraco demais para lutar e me render à ideia de que ninguém viria e que como Finn, estou acorrentado a um cavalo.

— Tem que se aguentar de pé — Finn me alerta no momento em que o terrestre filho de uma puta começa a se preparar para montar em seu cavalo. — Ele vai te matar se não aguentar.

Comecei a me perguntar qual seria a atitude corajosa agora. Manter-se de pé e ser torturado assim que chegar à sua casa ou se suicidar agora mesmo. Antes que alguma resposta coerente chegasse aos meus nervos, gritos são ouvidos atrás de mim.

Finn e eu nos viramos, vendo em câmera lenta aquele casal de antes correndo até a gente, armas levantadas e gritando loucamente como se estivessem decretando uma guerra.

Meus olhos escorregaram para o terrestre que posicionava sua espada deliciosamente em sua mão, parecendo gostar do que estava prestes a acontecer.

Mas então, há tiros; nele. Kane e seus guardas saem dos arbustos, armas portada em suas mãos, mirando ameaçadoramente para o homem morto no chão, com um tiro no peito e outro no rosto.

Kane abaixou sua arma ao reconhecer que não havia mais nenhum perigo e é quando sinto como se pudesse gritar de alívio.

— Estamos aqui agora. Vai ficar tudo bem.

Aos poucos, grupos foram se formando e Aspen foi colocado em nosso meio quando dei as informações necessárias para que o achassem escondido entre as árvores.

Ele estava sendo tratado pela médica, mas a médica agora estava correndo até a gente.

— Não se levante — Abby Griffin decretou quando me levantei, segurando o peito que doía feito um inferno.

— Estou bem — refutei, ensanguentado e ofegante. — Precisamos voltar para a nave — encarei Finn, sabendo que ele me entenderia.

Abby pergunta da filha e parece aceitar a ideia de nos movimentarmos quando decretamos que a levaremos até Clarke.

— Esperem. Devagar — Kane nos impede. Meus olhos se estreitam para o homem que vai atrás de um dos seus guardas. — Sinclair. Vamos nos separar. Um guarda vem comigo até a nave. Os outros vão com o líder da Estação Alfa. Têm as coordenadas. Seguiremos quando der.

Sinto que posso começar a correr quando ele me dá a "autorização" para começar a mostrar o caminho até a nave. Finn e eu seguimos lado a lado, meu coração batia em minha garganta e de alguma forma, quando eu ouvi Kane dizer:

"— Estamos quase lá, Abby. Iremos encontrar nossas filhas."

Minha dor começou a se passar em segundo plano e Rayna habitou em minha mente grande parte do percurso, seu pai logo atrás de mim.

Eu não sei o que a garota tinha, mas era quase como se ela fosse uma cola chata difícil de sair. Eu não parava de pensar nela, era irritante e me fazia ter vontade de retirar meu cérebro do lugar. Mas então, o pensamento de que meu cérebro era o mesmo que guardava algumas lembranças, era o suficiente para eu descartar a ideia.

Beija-lá foi como... enfrentar um furacão. Eu sou péssimo com palavras, mas não podia ter escolhido melhores para representar o momento ditado.

Suas provocações nunca passaram desapercebidas ou a sua língua afiada, mas o desejo que adquiri depois da nossa noite enrolados, querendo retirar o fogo da pele um do outro, foi algo novo para mim.

Nunca tive tanto tempo para me interessar por garotas. Fiquei com muitas na Arca, admito, mas conhecê-las nunca foi uma opção quando Octavia era a minha maior preocupação e depois que foi presa e minha mãe morta, pensar em relacionamentos amorosos foi a última coisa que passou pela minha cabeça.

Era cansativo e isso só foi comprovado depois do meu surpreendente interesse em Rayna. Não que eu estivesse subitamente interessado nela. Nada de bom poderia sair disso, eu sabia.

Havia a prendido em uma jaula, jogada para a flutuação. Rayna não tem nenhum motivo para me perdoar pelo o que eu fiz, apesar de querer.

Não sei se é pra aliviar minha própria culpa ou por desejar a amizade da garota, mas ter o resquício da verdade de que ela nunca seria capaz de me perdoar, era um pouco decepcionante para mim.

Chegamos rápido no acampamento e os engraçadinhos nos deixaram de fora, murmurando algo como "quando for seguro, aviso a vocês." Uma porra, isso sim!

O lado de fora estava parecendo um cemitério e estava silencioso demais do lado de dentro. Eu precisava saber o que aconteceu. Eu precisava saber se estavam todos bem.

Finn pensou o mesmo e despistar os guardas não fora o problema. O problema de verdade foi entrar no meu lar e ver todo o plantio ao redor da nave incinerado e apenas uma pessoa saindo bem do módulo.

E nem de perto, era alguém que eu queria ver.

Minhas emoções não estavam nem de longe boas e ao ver Murphy, se fazendo de coitado para Kane, esquentou o meu sangue e eu o ataquei com repetidos socos, talvez descontando meu ódio que eu não consegui por tudo o que ele fez.

Charlotte, a pobre criança que nem deveria fazer parte de tudo isso. Depois, aprisionar Rayna como um animal! E ainda tentou me matar.

Fico surpreso ao levar um choque elétrico com aqueles bastões que os guardas usavam, me levando a recuar do corpo ainda vivo de Murphy.

— Prenda-o — ordenou Kane e mesmo dizendo que Murphy fora um assassino, quem foi preso foi eu.

— Espere. Você não entende — Finn parte para a minha defesa enquanto os dois homens de Kane me erguiam e seguravam-me como um animal. — Murphy assassinou dois dos nossos. Atirou em outro. Quis enforcar Bellamy.

— Não me importo. Vocês não são animais — Kane grita para Finn que se assusta. Caminha até mim, dando ênfase em: — Existem regras. Leis. Você não está mais no controle.

Meus olhos queimaram os de Kane com ódio. Ele continuou me observando, observando toda aquela... raiva por ele enquanto Finn corria até Raven que estava viva e sendo resgatada por Abby. Ainda assim, metralhava os olhos de Kane.

Ele se lembrava de Rayna? Ele se quer estava disposto a dar o braço a torcer e me perguntar sobre ela? Kane sabe que ela me defendeu para Jaha. Ele se não se questiona sobre a própria filha?

— Murphy fez a sua filha de refém — joguei com a voz rouca de raiva, sendo acorrentado pelos guardas. Percebi a estrutura sólida de Kane se desenformando aos poucos e quis sorrir por isso. — Mas claro, deveríamos recebê-lo de braços abertos. Pronto para o abraço?

Kane deu um passo de forma ameaçadora em minha direção e senti como se ele estivesse pronto para perguntar sobre a sua filha, mas Abby se aproximou e confirmou que não tinha mais ninguém além de Raven e Murphy dentro do módulo.

Os outros haviam sumido.

E eu não sabia mais no que acreditar. Se em mim mesmo e em meu julgamento falho sobre que todos voltariam para cá alguma hora ou em Finn que apresentou um plano completo de ir pro acampamento que Marcus Kane havia montado junto aos outros, conseguir armas e procurar nossos amigos, sentenciados pelos terrestres.

O meu era mais fácil de se acreditar, mas eu sabia que a teoria de Finn estava mais certa. Sem opção, concordei e acreditei.

Eu só não podia acreditar que estavam todos mortos. Isso não.

Eles estavam vivos. Todos eles. Rayna estava viva. Eu iria a encontrar. Não falei pelo caminho inteiro e nem relutei quando os guardas me empurravam com minhas mãos presas nas costas.

Eu sabia que estava ferrado quando tudo o que podia pensar era em Rayna. Sua figura minutos antes da porta subir. A forma como ela foi esperta se mesclando aos terrestres, como foi corajosa matando cada um deles.

A imagem dela correndo até mim voltou a minha cabeça de última hora, me fazendo querer rir. Ela tentou me salvar.

Ela iria morrer, sabia disso, não tinha nenhuma adequação com qualquer arma em mãos, mas ainda assim, eu podia ver em seus olhos selvagens.

Rayna estava disposta a me salvar e eu retribuiria o favor. Não iria mais falhar com ela.

(...)

A porta automática se abriu atrás de mim e uma forte sensação de deja vu tomou conta do meu peito. Estávamos de volta à Arca.

Uma Arca mais defeituosa na aparência, mas funcionando quase igual na tecnologia. Eu estava preso, as mãos libertas, mas com mais de quatro homens para cuidar de mim.

Até as portas serem abertas e Kane passar por elas, mais uma vez. Ele havia me visitado muitas vezes desde que me colocaram aqui, interrogando-me sobre várias coisas. Mas eu sabia das suas verdadeiras intenções. O que ele queria saber de verdade sobre mim.

— Por quanto tempo você vai me manter preso aqui? — Quis saber, impaciente.

— Até eu ter certeza de que você não é uma ameaça aos outros — pegou uma cadeira quebrada para se sentar. — Vamos continuar. Você disse que havia centenas de terra-firmes atacando. Duzentos? Trezentos?

— Eu não os contei — respondi com raiva. Qual era o sentido disso tudo?

— Por que você acha que eles atacaram? O que os provocou?

— Nós estávamos aqui — não recuei do seu olhar duro. — Isso foi suficiente. Estamos perdendo tempo. Os outros não desapareceram simplesmente no ar. Eles foram levados e nós precisamos ir atrás deles.

— A equipe de busca partirá logo — uma chama de esperança ascendeu em meu peito. — Mas não antes de conseguirmos as informações suas de que precisamos.

Me aproximei de forma rápida até Kane, me sentando no banco menor que tinha sido posto em sua frente. Era a minha chance.

— Eu preciso fazer parte dessa equipe, por favor.

— Isso está fora de cogitação — sua face nem desmontou. — Você não foi treinado. É muito perigoso.

Meu maxilar se torceu e tive que controlar minha respiração que ameaçou se descompassar. Ele não podia querer me impedir agora. Ele não tinha o direito de querer enviar ordens agora, na Terra, quando no espaço, sentado em sua cadeira de pluma, enviou todos para a morte.

Sua própria filha, porra! Qual era o problema dele? Marcus Kane deveria, mais que ninguém, estar desesperado, aceitando qualquer ajuda para encontrar Rayna.

Para tê-la de volta.

— É o meu povo que está lá fora — indaguei, me preocupando com todos, mas pensando em apenas uma em particular.

Kane, que parece ter sido muito esperto em entender as entrelinhas, se inclina ao sussurrar:

— Eles são o meu povo também. Você quer ajudá-los? Diga-me o que vamos enfrentar. As táticas dos terrestres, quantos eles são, quais armas eles usam.

Torci minha própria língua. Essa discussão era fosca e ele tinha razão. Bem, parcialmente. Contei a ele as armas que os terrestres usavam e pareceu feliz ao perceber que eles não tinham nenhuma arma de fogo.

— Você tinha uma arma de fogo — ele observou com cuidado e percebi que ele não sabia de todas as informações assim.

— Rayna e eu encontramos o depósito de primeiros-socorros — percebi sua expressão recuando ao mencionar a garota. — Achamos armas lá, que nivelaram o campo de batalha e talvez... Se estivéssemos mais balas, poderíamos...-

— Havia mais balas.

Então ele explica como seus guardas acharam mais dois barris de armas e munições naquele armazém abandonado.

Se tivéssemos encontrado, se tivéssemos procurado um pouco mais, teríamos achado e ganhado a guerra. Todos estariam aqui agora. E isso tudo porque eu me distrai. Pergunto-me se não estou fazendo o mesmo agora. Pensando nela não era um tipo de distração? Muito, eu diria.

Eu não podia deixar isso acontecer. Era perigoso.

Covardes não era o pior tipo de gente que poderia viver aqui na Terra. Eu conseguia entender agora. Era gente com sentimento por outra pessoa. Sentimento mais... anormal.

Eu não sabia nomear esse meu sentimento, mas Rayna era a minha distração. E eu não podia deixar mais gente morrer por causa disso. Por minha causa.

Iria encontra ela, mas o pensamento de uma amizade teria que ser enterrado. Ela tinha que me odiar. Eu esperava que ela me odiasse tanto que seu ódio refletiria o meu.

Talvez não por ela, mas que com um pouco de enganação própria, possa ser alterado de curso.

Rayna Kane não era o meu destino.


Espero que vocês estejam gostando!!

Me desculpem por qualquer erro e não se esqueçam de interagir!!!

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