007| The search


007 | A busca
RAYNA KANE

Eu não iria conseguir completar essa ligação e isso ficou claro no minuto em que o homem de aparência cansada e velha se fez presente em frente a câmera, com seus olhos enormes, com mais sentimentos do que eu posso contar.

Tentei fazer com que Clarke também entendesse e me livrasse dessa tortura e sei que consegui, ainda mais por ela estar passando por algo parecido com a sua mãe e não ter nenhuma vontade de falar com ela.

Mas apesar de compreender, por algum motivo, ela me arrastou para essa ligação com o Chanceler e o Co-chanceler. Achei justo e não fiquei chateada com ela, considerando que a mesma está há dez dias segurando a barra para eu não falar com Kane.

E começou tudo tão bem, com apenas o rosto do Chanceler Jaha, fazendo perguntas como:

Fale-me sobre o terráqueo. Ele pode dar alguma informação sobre como sobreviver no inverno?

Ah, além de tudo pelo o que estamos passando, a possível chance de todos nós morrermos de hipotermia está sendo considerada porque, como Clarke disse:

—...mas a verdade é que vamos congelar, antes de morrer de fome.

Mas foi bem aí que tudo começou a decair, meu estômago se embrulhar e começar uma luta injusta em minha mente:

Há uma boa notícia nesse front — a parte de mim que estava preocupada, suspirou de alívio, mas foi a parte raivosa, cheia de ira, que encarou Marcus Kane na tela. — Segundo os planos da defesa civil de antes da guerra, há um antigo depósito de auxílio de urgência perto do local de pouso. Estas são as coordenadas.

Anoto os números que estava sendo mostrado pra nós através da tela de vídeo, que Kane mostrava. Jaha informou que além da alta probabilidade de ter suprimentos, pode até mesmo servir como abrigo pra gente e para os que irão vir logo após.

Teve uma mini discussão no conselho e logo decidiram que o melhor a se fazer era procurar esse abrigo e recolher tudo o que estivesse em nosso alcance para sobreviver até a chegada deles.

Apesar da ligação ter ele, tudo estava indo bem, até a discussão acabar e eles chegarem a um veredito.

Kane vai ter a oportunidade de falar com sua filha — meu sangue gela quando o Chanceler Jaha anuncia para todos da sala e eles vão embora, pelo menos, é o que eu acho por conta das cadeiras se arrastando. — Estou feliz que estejam vivas — foi suas últimas palavras antes dele se levantar e a tela se virar para o Co-Chanceler.

Clarke, ao meu lado, se levanta arrastando a cadeira e afaga meus ombros em sinal de apoio. Espero ela estar fora da barraca para começar a pensar no que devo fazer a partir daqui.

Eu não converso com ele há muito tempo.

Rayna, estou orgulhoso do que você está fazendo aí — pressiono meus lábios, encarando-o através da tela. — Eu sabia que conseguiria se sair bem.

— É? — Não tenho orgulho de admitir o sarcasmo em minha voz. — Porque eu confio cegamente que você junto com todos os outros do conselho sabiam da enorme probabilidade de a Terra ser inabitável.

Eu tive esperanças — ele responde, tão calmo quanto sempre.

— Teve esperanças? — Repito, sentindo minha veia da testa saltar ao vê-lo assentir de maneira firme e confiante. — Você não se esperançou, você desistiu de mim — inclino-me sobre a mesa, e posso ver meus olhos brilhando junto aos seus. — Pela segunda vez.

A lágrima que escorre no canto do seu olho deveria me fazer recuar, me engasgar e retirar todas as minhas palavras, mas me dá ódio. Me dá vontade de entrar nessa tela e esmagar os sete ossos do seu pescoço.

Não desisti de você — sua voz acompanha aquela lágrima, em meu rosto. Eu apostei em sua força.

— Assim como apostou quando me jogou em uma prisão fria e vazia há dois anos? — Agora sou uma metralhadora, presa a muito tempo, finalmente conseguindo enviar as balas que preciso.

— Rayna...

— Se me dá licença — interrompo-o, fungando e passando a mão no nariz —, vou passar a vez para um adolescente que realmente queira falar com a família.

— Rayna, espere...

Mas eu não espero. Apenas me levanto e sigo caminho a fora da barraca, levando a folha com as coordenadas do local comigo e sorrindo sem mostrar os dentes para Clarke, que volta para a barraca.

Procuro pelo campus a figura emburrada e suja do Blake, mas não encontro-o em lugar nenhum. Até passar em frente a nave e ouvi-lo discutindo com Octavia.

— Bellamy — chamo-o, passando pelas cortinas.

Eu estava certa, ele estava mesmo discutindo com sua irmã.

— Diga a Clarke que a minha resposta continua a mesma; não!

— O que quer que esteja passando entre vocês — impeço-o de passar pela cortina —, eu não vim por isso.

Ganho sua atenção, fazendo com que seu corpo vire para mim e ele estreite seus olhos.

— Então, por quê está aqui, anarquia?

Seguro minha demonstração de ignorância.

— A Arca achou antigos registros de um depósito de suprimentos — digo-lhe, com o tom de voz mais baixo —, não muito longe daqui.

— Que tipos de suprimentos?

— O tipo que pode nos dar uma chance de sobreviver no inverno. Estou indo verificar — faço uma pausa dramática, porque isso vai mesmo doer. — Agradeceria se viesse junto.

Ele não demonstra reação nenhuma e começo a ficar mais inquieta do que ficaria caso ele estivesse surtando.

— Por que está me convidando?

— Porque, no momento, preciso de ajuda e quero ficar muito longe desse acampamento e, na mesma linha de raciocínio, ninguém quer tê-lo por aqui.

Sorrio ao fim da frase, fingindo delicadeza que é devolvida com um arfar encenado.

— Vou pegar minhas coisas. Encontro você em dez minutos.

Como quiser, sopro, saindo daquela nave e indo até a minha barraca. Tentei ignorar o olhar desconfiado de Octavia, mas não pude fugir quando ela entrou pela tenda em que dormia.

Ignorei-a no começo, fingindo normalidade, pegando uma mochila pequena de ombro para a viagem curta.

— Pode me falando o que está tramando — ela fala, descartando a minha missão de fingir que ela não está aqui.

— Não sei do que está falando — sou sincera, eu realmente não sabia.

Achei que ela ia falar sobre o terrestre, ainda preso no nosso nível superior.

— Você e meu irmão em uma missão? — Ela debocha, não acreditando. — E qual vai ser a missão mesmo? Matá-lo?

— Há há há — forço uma risada seca, saindo da tenda e tendo Octavia como seguidora. — É para reconhecer um possível abrigo.

— Tá... mas desde quando Bell e você são... — ela gesticula, demonstrando que estava procurando a palavra — parceiros?

— Você me ouviu. Eu não quero estar aqui e todos estão encarando-o feio, é bom para os negócios.

Ela fica um tempo em silêncio, fingindo estar entendendo, mas então ela nega firmemente com a cabeça e diz:

— Não. Ainda não entendi o conceito dessa parceria.

— Que parceria? — Me assusto com a voz repentina que se coloca ao meu lado.

— Nada...

— Bellamy e Rayna — Octavia responde de prontidão para Aspen que arqueia as sobrancelhas. — Espera, era um segredo?

— Não, não era — murmuro a contra gosto, voltando a andar para pegar os alimentos precisos.

— Ela tem razão — Aspen, por algum motivo, continua ao lado de Octavia, me seguindo. — Você está por fora, os dois são melhores amigos agora.

Reviro meus olhos ao ponto de conseguir ver uma parte do meu cérebro e abandono-os naquele lugar, indo na direção de Bellamy que colocava um monte de saquinho de rações e de Clarke que dizia o que eu pensei:

— Sabe que irá ser uma excursão de um dia, certo?

Ela me cumprimenta com um aceno de cabeça e me passa um mapa do local e pede para ver as coordenadas que eu anotei.

— Pode acontecer muito, em um dia — respondeu Bellamy, enigmático.

— Ok — diz Clarke, me devolvendo as coordenadas. — Vocês estão prontos. Agora tudo o que eu posso fazer é dar-lhes boa sorte.

Sorrio, de verdade, agradecida e compartilhamos um abraço curto. Estranhei o calor de algo que eu não tive ha muito tempo, mas apenas afastei-me e segui o moreno para fora do acampamento.

E eu tinha que pensar, era justo a mesma sensação que eu imaginava; liberdade.

Está tudo bem? — É só com essa voz e essa pergunta que eu acordo e percebo que estou parada.

— Estou.

— Ótimo — ele volta a andar. — Temos um longo caminho pela frente.


(...)

Não era tão longo assim.

Claro que, para jovens que passaram sua vida toda presos em uma caixa de metal limitada, andar pelo mundo era... extensivo, mas o sol ainda reluzia em cima de nossas cabeças quando estávamos no meio do caminho.

— Então... — Bellamy começa, tomando cuidado por onde pisa ao meu lado — você não me odeia mais?

— Dá onde tirou isso? — Questiono, com perplexidade, mas sem olhar em sua cara.

— Você disse para Aspen que eu não sou o culpado por sua prisão.

— Então estava ouvindo a nossa discussão? — Curvo da pergunta.

— Você ouviu a minha com Octavia, achei que era justo.

Fiquei surpresa com o quão ridículo era esse seu argumento. Eu fiquei para ouvir porque sua irmã me pediu como forma de rebeldia e ele ouviu a minha discussão com Aspen por pura curiosidade.

— O que está passando entre Clarke e você? — Olho-o de canto de olho, mas logo volto a minha direção.

Eu não estava afim de bolar um papo com o Blake, mas se era isso que eu precisava fazer para que ele não se focasse em sua verdadeira e confusa pergunta, eu não tinha nenhum problema em realizar o ato.

Isso e porque eu não tenho uma resposta.

Eu não culpo Aspen pela minha prisão. Eu decidi ajudá-lo para não ser pego, eu decidi ficar quieta e deixar com que todos pensassem que fora eu quem roubava e também não culpo Bellamy por eu ter feito essa decisão.

Culpo-o porque ele não sabia de nada disso e, ainda assim, fez um golpe certeiro ao plantar aquelas botas em meu quarto e me denunciar para a Guarda.

Bellamy não sabia que eu realmente tinha algo a ver, o que podia ser pior em meus olhos. Ele estava mesmo disposto a tudo — como incriminar uma "inocente" — para salvar sua irmã.

— Ela quer que eu fale com Jaha — ele me responde depois de uns segundos pensando se deveria ou não entrar nessa conversa.

Eu agradeceria se ele só ficasse calado, mas não vou mentir que realmente estava curiosa sobre o assunto. Bellamy me encara, esperando a minha reação, mas eu só dou de ombros.

— Você deveria mesmo — ele gira os olhos, junto com a cabeça. — Sabe que não vai demorar para a primeira remessa vir para a Terra e se você quer mesmo ficar com sua irmã...

Não era uma pergunta, mas acho que até mesmo os céus e as árvores ao nosso redor ficaram surpresas quando Bellamy disse:

— Não. Eu não quero.

Encarei-o confusa, tentando ligar pontos desconexos em minha cabeça. Meus olhos voam para a sua mochila em seus ombros, depois a voz de Clarke vem em minha cabeça: "São muitas rações".

Meu corpo reage de maneira automática ao parar e virar-se de frente para ele, esse que faz o mesmo, com uma mão na alça de sua mochila e a cabeça inclinada para baixo, esperando meus pensamentos se ajeitarem aqui dentro.

— Você não pretende voltar... — murmuro, crispando os lábios — né?

Bellamy nega com a cabeça e eu respiro fundo.

— Você estava certa, anarquia... — ele sopra, sorrindo sem nenhum humor. — Ninguém me quer naquele acampamento.

Parecia ser sua decisão final, mas ainda assim Bellamy continuou parado, me olhando por baixo dos seus cílios, esperando que eu fosse falar alguma coisa, porque eu estava abrindo e fechando meus lábios, mas não fazia a mínima ideia do que dizer-lhe.

Então não disse nada e alguma parte de mim se remoeu com a imagem do que parecia ser Bellamy decepcionado.

Quando estávamos apenas há alguns passos do morro que deveria nos dar uma vista perfeita do abrigo, comecei a encher minha boca com as sementes de castanhas do acampamento.

— O depósito deveria estar aqui... — eu revelo, me deparando com ruínas de uma construção — em algum lugar.

— Deve ter uma entrada. Vamos nos separar, cobrir uma área maior. Fique à distância de um grito.

É biologicamente impossível ficar na presença dele sem revirar os olhos.

Comecei a rodar o local em que ele não estava, chutando algumas folhas para ver se eu conseguia algum indício de entrada para o abrigo. Felizmente, isso não demorou para acontecer.

— Bellamy — chamo-o, vendo ele se erguer de cima de um morro com um machado. — Aqui! Achei uma porta.

Tento abri-lá, mas chegamos a conclusão de que estava emperrada. Bellamy usa seu machado para bater na maçaneta e logo nós dois trabalhamos para abrir.

Ao ser aberta, ela revela uma escadaria. Dou uma das lanternas para Bellamy e fico com a outra, reconhecendo o local para saber por qual caminho seguir.

— Acha mesmo que ninguém mexeu neste lugar desde a guerra?

— Parece que alguém esteve aqui? — Rebato, encarando o local constituído por ferro e teias de aranha. — Por aqui, vem.

Sigo o caminho a minha direita, que nos leva a mais teias de aranha e... uma escada caracol.

— Lugar horrível para morrer — diz Bellamy, iluminando uma parte específica da escada em que estávamos descendo.

Aprisiono meu ar em meus pulmões e desço encarando o esqueleto caído na escada.

— Para viver também, Blake — raciocino, iluminando outros ponto imundos daquele lugar. — É... nojento.

— O que existia aqui, já se perdeu.

Nos deparamos com uma enorme goteira no teto, onde jorrava água.

— É possível que tenham ingerido a maior parte dos suprimentos, antes... disso acontecer.

Verificamos os baús que contém ali, mas os que não estão vazios e cheios de água contaminada, estão com cobertores. Não que seja algo ruim, precisamos mesmo de cobertores, ainda mais se vamos tentar sobreviver ao inverno naquele acampamento.

— Contente por achar cobertores, princesa Kane? — pergunta Bellamy ao passar por mim, procurando por algo mais útil.

Mas, de frente a nossa maior ameaça — o frio —, o que ele precisa encontrar para se satisfazer?

— É mais do que temos.

— Consigo pensar em coisas melhores — ele é muito mal agradecido mesmo. Cruzo meus braços, na espera dele ser arrogante. — Que tal um cantil? Ou um kit médico, ou uma tenda decente?

Ele verifica mais um contêiner fechado, cheio de esperança, mas assim como os outros, ele é glorificado com água.

Me assusto, pulando no lugar e descruzando os braços quando ele se irrita e chuta o contêiner. Revelando...

— Meu Deus.

— O quê?

Antes que eu pudesse chegar até onde ele estava, Bellamy já ergue o que havia encontrado camuflado por água suja naquele contêiner.

Uma arma. Várias armas.

Encaro o sorriso de Bellamy assustada. Para alguém que queria coisas como kit médico e barracas melhores, para sobrevivência, ele estava muito feliz com objetos que pode destruir nossas vidas sem bom manuseamento.

— Espera — ele pede, pensando e se levantando no processo, pegando um dos cobertores que eu achei e esticando no ar, prendendo nas prateleiras das paredes.

— O que está fazendo?

Bellamy, ainda sem responder, lava sua mão naquela água suja e começa a fazer um X no pano pendurado. Um alvo.

— Precisamos testar as armas — ele diz, como se tudo aquilo fosse óbvio demais.

— Blake... — hesito.

— Isto muda tudo, Rayna — exclama, se virando para mim com algo que eu nunca havia visto em seu rosto antes. — Não vamos mais correr das lanças — ele se inclina sobre o meu corpo e pega uma das armas ali guardadas. — Pronta para ser valentona, anarquia?

— Olha, estou entendendo o seu argumento para a nossa defesa, mas... — encaro a arma que ele estendeu em minha direção — em mãos erradas...

— O fato de que sobreviveram a esse óleo — indica o barril com o que eu pensava ser água suja —, significa que não somos mais alvos fáceis. E precisa aprender a usar isso.

Rio alto da sua piada e minha risada ressona nas paredes em volta da gente, mas eu paro quando percebo que ele não está rindo, na verdade, está com as sobrancelhas levantadas, me encarando com o olhar de: "estou falando sério".

— Ok — sussurro, me recompondo e pegando a arma de sua mão.

Como eu tenho certeza que já havia comentado, não tenho muitas habilidades com armas, mas algumas coisas por alguns filmes guardados na Arca que Marcus e eu assistíamos em seus dias de férias.

Posiciono a arma no ombro, tensionando esse lado do meu corpo apertando a base da arma nele, inclino a cabeça para baixo e fecho um dos meus olhos, tentando mirar naquele X.

Bellamy me impede com um "espere".

Tente algo mais... — ele se aproxima e sua mão direita se conecta com o meu ombro, relaxando-o e, sua outra mão, me ajuda a dar mais estabilidade na arma, por cima da minha. — leve.

— Não estou confortável.

— Não é pra ser confortável.

Reviro os olhos, tirando os olhos da mira e relaxando meus ombros como ele pediu. Volto a segurar, mas realmente está desconfortável ao ponto de eu não conseguir pensar em mais nada.

A mão dele — que estava tão acomodada que eu nem tinha notado que ainda me tocava — se desliza pelo meu braço esquerdo e sinto seu peito colar-se com minhas costas, sua cabeça se posicionar ao lado da minha e ele erguer um pouco mais a minha arma e sussurrar:

— Assim.

Por algum motivo, meu estômago se embrulha e tenho vontade de me encolher pelo arrepio que sua voz causa em meu pescoço.

Ele nota isso, pois tenho uma vaga noção de que ele está sorriso por cima do meu ombro.

Meu dedo escorrega no gatilho e eu atiro, fazendo meu corpo nada preparado pular para trás e colidir ainda mais com o seu. Há alguma festa em meu estômago e fico entre vomitar ou comer mais castanhas.

Só pode ser fome.

Bellamy ri debochado ao perceber que o tiro não acertou nem no pano e se afasta. Tento não pensar no calor que vai junto a ele quando o mesmo pega uma arma e pede para eu observar.

Ele tenta duas vezes, mas nenhuma das duas vezes a bala sai e eu seguro uma risada.

— Estou aprendendo.

— As balas estão defeituosas — Bellamy indaga, cheio de si. — Me dê a sua.

Entrego para ele com todo prazer.

Ele atira e, dessa vez, acerta no pano, deixando-o todo cheio de si mais uma vez.

— A gente precisa treinar — ele diz, guardando a arma ao seu lado na prateleira. — Isso se quisermos estar prontos para uma luta cara a cara com os terráqueos.

— Por que isso lhe importa? — Forço um sorrio e tombo a cabeça para o lado. — Nem vai estar aqui, certo?

— Não tenho escolha — ele realmente acredita nisso. — A Arca virá logo.

— E vai fugir com os rabos entre as pernas abandonando todos que confiaram em você?

— Eles ficarão bem.

— Você não sabe.

— Eu atirei no Chanceler — ele aumenta a voz, fechando os olhos por um segundo. — Vão me matar, Rayna. Na melhor das hipóteses, vão me pôr na cadeia com o terráqueo, pelo resto da minha vida. E não mesmo que vou dar essa satisfação a Jaha.

Desvio os olhos, uma parte de mim sabendo que ele está certo e a outra parte, a que se importa com sua irmã, pensando em algo para dizer, em alguma ideia para falar.

Mas nada vem e a decepcionada agora sou eu.

— Continue praticando — ele fala. — Preciso tomar um ar.

Não impeço-o de sair do abrigo-não-abrigo e tento atirar mais uma vez, dessa vez, sozinha.

Lembro-me da posição e tento de verdade se concentrar no alvo, meu dedo escorrega no gatilho e eu aperto, mais uma vez fazendo meu corpo tombar para trás e a bala acertar no pano, mais próximo do alvo dessa vez.

A sensação é incrível, não sei como eu não havia notado da primeira vez que atirei. É quase como se o poder tivesse saindo de suas mãos. Me sinto péssima por me sentir tão bem disparando essa coisa.

Deixo um suspiro sair dos meus lábios e inclino-me para deixar a arma em pé, no chão. Sinto uma tontura rápida e me escoro na parede, achando terrivelmente estranho. Minhas mãos começam a formigar e eu olho para elas, mas percebo que está tudo turvo e que tenho seis dedos.

Minha cabeça roda e eu dou um passo a frente, tentando distinguir o que era parede, chão ou minhas mãos. Eu conhecia um pouco aquela sensação, foi como eu me senti quando Aspen me apresentou a uma planta um tanto... duvidosa que alguém da botânia o deu de presente.

— Rayna... — suspiram em meu ouvido e eu viro o meu corpo com tudo, mas me deparo com o vazio. — Aqui — atrás de mim. — Eu estou aqui.

Me viro novamente e agora estou em um penhasco, inclinada sobre o pico, segurando com as duas mãos o braço fino da criança que me olha nos olhos e fala:

— Por que você me soltou? — Os olhos de Charlotte se enchem de lágrimas e olha para baixo. — Eu não quero morrer.

— Você não vai — nego com a cabeça freneticamente, apertando o seu braço. — Eu vou... eu vou te puxar para cima, ok?

— Você não pode — ela sussurra, olhando para a nossa conexão com um olhar perdido.

— Eu não posso? — Charlotte nega. — Por que eu não posso?

— Porque você já me soltou.

Crispo meus lábios e olho para o nosso contato, arregalando os olhos e gritando quando a minha mão se abre e a garotinha é liberta, caindo e se debatendo no ar, mas nunca parando de me olhar com aqueles olhos pidões.

Me jogo para trás e me assusto quando debato-me com alguma coisa. Eu grito e me afasto bruscamente ao ver Atom com o corpo estirado na grama, me olhando com olhos arregalados e a garganta sagrando.

Sua mão direita se levanta aos poucos e seu dedo indicador manchado pela sua própria morte me aponta.

Nego com a cabeça sobre o que se encontra diante de mim e fico de joelhos, com a cabeça entre as mãos e tentando me convencer de que isso não é real, que eles estão mortos.

Mas então uma mão toca o meu queixo, é um toque delicado e sem malícia, me fazendo levantar a cabeça e encarar a minha raiva.

— Marcus?

Ele sorri para mim, assim como nos velhos tempos e, agora, estou de volta naquele abrigo escuro e frio, com a figura do meu pai em pé na minha frente, me ajudando a se levantar.

— Olá, filha. Vejo que está bem — ele continua sorrindo e inclina a mão para me tocar novamente.

Eu dou um tapa com as costas da minha mão e recuo, tudo voltando para mim como flashs de uma vida passada.

— Estou tentando ajudá-la.

— Assim como me ajudou colocando-me em uma cela? — Ironizo e finalmente o seu sorriso cai.

— Querida... — ele desiste quando percebe que não vou deixá-lo me tocar mesmo. — Pergunte o que realmente quer saber, filha. Não fique jogando dúvidas retóricas.

Engulo em seco e evitando olhá-lo enquanto questiono-o:

— Por que não me defendeu? — Sem franzir as sobrancelhas ou tombar a cabeça, sem dar indício de sua confusão, Marcus continua a me olhar. — Por que não lutou por mim?

— Ele te protegeu — uma nova voz se faz presente, se materializando ao lado de meu pai. Era uma mulher, tão baixa que seus ombros se colavam com o peito de Marcus. — Ele sempre protegeu você. E eu também.

Junto minhas sobrancelhas, apertando meus olhos e colocando a mão em cima dos olhos para ter uma oportunidade de enxergá-la, mas é em vão. Há alguma luz estranha irradiando o seu rosto, me cegando e impossibilitando-me de vê-la.

Mas, certamente, consigo ouvi-lá.

— Quem é ela?

Marcus circula a cintura da mulher com o seu braço e cola seus corpos, encarando-a sem nenhuma dificuldade, sorrindo de uma forma que eu nunca havia visto; de uma forma apaixonada.

— Essa é sua mãe.

Noto mais a mulher depois dessa afirmação. Ela parecia estar sorrindo, não sei, sua cara está apagada para mim. Mas ainda assim consigo ver a forma monstruosa que ela está sangrando; o sangue pinga no chão.

Estreito meus olhos. Não é sangue normal. É um sangue mais escuro. Sua coloração não é vermelha; é preta.

E eu acordo, gemendo com dor ao me mexer do chão onde eu havia caído. Minha cabeça dói demais e parecia que eu tinha ficado apagada por tempo demais.

Tempo demais, realmente. Estava escuro lá fora e não havia nenhum sinal do Blake.

— Bellamy? — Grito por ele, sentindo o vento bater contra a minha cara.

Ele não teria indo embora, certo? Não sem uma arma, ao menos, ou sem me dar uma mãozinha com essas armas e os cobertores.

De longe vejo silhuetas se mexendo, parecia... Aquele era o Dax tentando matar Bellamy?

Oh! Aperto a arma em minha mão e corro até lá. Chego a tempo de ver Bellamy cair para trás e Dax apontar uma arma para ele.

— Você não vai querer fazer isso, Dax — ele vira para mim, apontando sua arma, assim como eu.

— Não deveria ter saído do abrigo, Rayna. Tentei não matá-la, mas aí está você. E Shumway disse: sem testemunhas.

— Shumway? — Recuo o olhar para Bellamy, caído no chão.

— Sua teoria estava certa — Bellamy murmura, parecendo doer nele. — Eu realmente era apenas um pião no plano de alguém que queria o Chanceler Jaha morto. Esse alguém é o Shumway.

— Vá embora agora — interrompe Dax, nervoso —, e não matarei você.

— Proposta tentadora — analiso, sem abaixar a arma. Mais uma vez, olho para o corpo do homem no chão, molhado e derrotado. A essa altura, a chuva já havia começado a cair sobre nós. — Mas eu vou ter que recusar. Largue essa arma, Dax.

— A escolha é sua.

Aperto o gatilho, mas a arma trava e eu tenho um segundo para pensar em uma escapatória antes de Dax atirar. Me escondi atrás de uma árvore e ouço o disparo circulando o ar ao meu lado.

— Não!

Bellamy havia pulado sobre o corpo de Dax, fazendo a arma dele voar para longe e os dois marmanjos entrarem em uma briga de rola-rola e socos.

Tentei destravar a arma em minha posse, mas estava difícil com todo aquele óleo e, para ajudar, a chuva.

— Rayna, anda logo!

Mas andar logo para fazer o que? Ah, merda, que seja.

Vou por trás da briga, manejando um golpe com a base da arma na nuca do mercenário, mas ele consegue se desviar a tempo e, de brinde, dar uma cotovelada em minha cara que me faz cair para trás.

Mas a situação da briga muda e essa distração minha com Dax, foi o suficiente para Bellamy aplicar um golpe certeiro nele. Com uma bala caída no chão.

Dax cai para trás com a boca sangrando e... morre. Recuo do corpo que parou bem em minha frente e me arrasto até uma árvore ali, para me proteger da chuva e encostar em algo.

Bellamy vem até mim, meio se arrastando, meio em pé e caindo, senta ao meu lado se apoiando em minha coxa.

— Você está bem? — Questiono, completamente ofegante.

— Não — ele me responde da mesma forma —, não estou. Minha mãe... — ele começa murmurando com um olhar perdido, os respingos da chuva molhando todo o seu cabelo, seu rosto ensanguentado — Se ela soubesse o que eu fiz... quem sou. Ela me criou para ser melhor, Rayna — ele me encara e acho que estou fazendo a mesma cara machucada que a dele —, para ser bom.

— Bellamy...-

— E tudo que faço é magoar os outros — ele não me deixa começar, me encarando com aquele olhar que não dá para saber o que pensa. Então ele funga, bloqueando as lágrimas de sair dos seus olhos, dizendo: — Eu sou um monstro.

— Olha, escute... — exclamo, fungando também. — Você salvou a minha vida e, apesar de ser um grande cretino na maior parte do tempo... Aquelas pessoas do acampamento precisam de você.

— Achei que ninguém me queria lá.

— Uma vez... — respiro — alguém me disse que há uma grande diferença entre querer e precisar.

Ele fica em silêncio e eu sigo o seu rumo, permitindo que a calmaria se aposse sobre nós. Mas acaba com o primeiro relâmpago.

— Vamos — diz ele, se escorando todo para se levantar. — Precisamos achar uma caverna para esperar a chuva passar.


Espero que estejam gostando.

Próximo capítulo, o meu preferido da 1º Temporada nessa fanfic.

Desculpem pelos erros e não se esqueçam de interagir!!!

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