003 | Thoughtless sin
003 | Pecado sem pensamentos
RAYNA KANE
——— Há dois anos atrás
No dia da prisão
A primeira coisa que tentei fazer após chegar e o choque ter passado, foi mandar uma mensagem para Aspen. Já era de noite quando recebi a primeira resposta.
"S... Rayna... El...-"
E é brutalmente cortado por conexão ou falta de tempo.
Começo a me desesperar e saio imediatamente da casa, indo até o nosso ponto de encontro. Não o encontrei, apesar de parecer que o lugar foi revirado. Tinha um papel colado na parede de metal.
"Eles sabem."
E isso só podia significar uma coisa.
Amasso o papel e corro de volta para o início da minha partida. Acelero meus passos como se estivesse participando de uma corrida, no qual quem ganhar, viverá.
É quase isso.
— Olha por onde anda!
Mas eu ao menos paro.
Tenho quase certeza de que vou ser atropelada pelas minhas pernas a qualquer momento, ou pelo meu coração, que está muito mais rápido, todavia, não paro.
Se eles descobriram o que eu acho que descobriram, o primeiro lugar que vai procurar por provas é no lugar em que eu vivo.
Merda, merda, merda.
Há papéis antigos com um mapa inteiro da arca desenhado neles, há conversas em rolos de papel higiênico, com todos os planos. Há tantas provas capazes de destruir sua vida, que começo a ficar mais desesperada.
Chego na casa e entro meio atrapalhada, com a respiração descompassada e os pés entrando na frente do outro, abro a porta do meu quarto.
Mas é tarde demais.
— Pai? — Alerto-o, como a minha única esperança.
Ele me olha como se eu tivesse matado o seu melhor amigo, como se eu tivesse gastado meses de oxigênio por nada, como se fosse a maior decepção que ele já teve na vida, superando até mesmo a morte da minha mãe.
Seria uma cena normal um pai estar no quarto de sua filha. É claro, tirando todos os outros guardas armados que estão revistando meu quarto, colocando em saquinhos e enviando olhares hostis.
— O que está acontecendo? — Tento mais uma vez.
Marcus estica a mão para pegar um dos sacos de plástico na minha mesa de estudos e depois estica na minha linha de visão. Perco todo o ar restante.
Era um contorno preto, coberto de lama.
Dentre todas as pistas, aquela não era uma que estava no meu quarto antes de eu sair.
— Me diga que é mentira — foi a primeira coisa que ele disse e parece que o espaço se encolheu. — Me diga que minha filha, a menininha que nunca passou necessidade e sempre procurou ajudar a todos, não está causando o maior terror que a Arca já passou?!
Ele estava pensando que foi eu.
Isso quer dizer que eles não estão atrás de Aspen, estão atrás de mim. Ele tentou me avisar.
— Me fala, Rayna!
— Não posso! — Grito por cima de sua voz, soltando como se fosse uma bomba.
O que eu esqueci de mencionar, é que todos os furtos e problemas que aconteceu envolvendo o ladrão, a única coisa que eles tem é uma pegada de um contorno de número médio, cheio de barro.
Eu não sabia o que aquele sapato estava fazendo ali, mas eu também não podia entregar Aspen. Ele faz dezoito anos daqui há dois meses. Vão flutua-lo.
— Foi eu — abaixo minha cabeça.
Vejo Marcus engolir em seco, como se doesse engolir o que estava bem na sua frente. Abaixa a cabeça junto a mão com o saco e olhar por cima do seu ombro, onde havia um guarda.
Ele assentiu e o guarda veio até mim.
O guarda era Bellamy.
Me virou de costas para ele e levou meus pulsos para trás das minhas costas, colocando algemas frias para prender-me.
— Sinto muito — ele sussurrou e eu entendo tudo.
Desgraçado!
— Me solta! Não toque em mim!
— Segurem-na.
E, de repente, aparece outros com mais força e um calmante.
E eu perco a consciência.
——— Atualmente
Na Terra
Sentada no chão ao lado do corpo dolorido de Jasper, eu me encontrava com os joelhos contraídos até o peito e meus braços os circulando. Estava quase caindo no sono quando Clarke me chamou:
— Você ficou a noite inteira — ela disse, algo como solidariedade na voz. — Vá descansar um pouco.
— Eu posso ficar mais — me responsabilizo. — Jasper fica mais relaxado quando trocamos de toalha de vinte em vinte minutos. Acho que é porque deve esfriar.
— Tudo bem — Clarke dá de ombros, se ajoelhando e conferindo a toalha. — Ainda está bem morna. Vou contar os vinte minutos e trocar.
Meu instinto primário é começar a refutar mais uma vez, mas Finn é o próximo a subir e dizer:
— Clarke tem razão. Aspen acabou de acordar e está procurando por você.
Comprimo meus lábios e respiro fundo antes de pegar impulso para me levantar e descer as escadas. Algumas pessoas estavam amolando mais tipos de armas, outras, arrumando — como da — a bagunça de lençóis que é feita durante a noite.
Lá fora, tinha ainda mais gente. A maioria sentadas, conversando. Sinceramente, eu não sabia como era que eles conseguiram ficar sentados sem fazer nada quando a nossa situação de comida é precária, temos um colega lá encima gritando de tanta dor, assassinos pela floresta e a sobrevivência em risco de modo geral.
Identifico Octavia entrando na barraca do irmão na mesma hora em que Aspen se coloca a minha frente.
— Não dormiu, não é?
— Você conseguiu?
A resposta era a mesma.
Não sei ele, mas sempre que eu fechava os olhos, a imagem da lança perfurando Jasper e dele pendurado naquela árvore chegava até a minha mente. Trocar o pano morno de vinte em vinte minutos não era uma preferência de Jasper, era minha.
— O que eles estão fazendo? — Aponto com a minha cabeça para a direção em que Bellamy e um grupo específico e pequeno de pessoas parecia estar se preparando.
— Vão caçar algo — Aspen responde, virando para vê-los também.
— Ótimo — sorrio e círculo meus olhos. — Vou me juntar.
— Ei, ei, ei! — Puxa o meu pulso. — Você não tem nenhuma habilidade para isso.
— Ninguém tem, Asp.
— Mas você tem menos. Sabe usar uma adaga?
— Eu nunca precisei — me defendi. — Mas é a minha oportunidade para aprender.
— Com Bellamy Blake?
— Há apenas ele ali?
Aspen pressiona a língua na parte interna de sua bochecha e coloca as mãos na cintura.
— Precisamos conversar.
— E vamos — garanti. — Mas vai que, sei lá, tenhamos outra vez passe livre para comer se eu ajudar na caçada?
— Faz sentido, mas tome cuidado.
— Ok.
— E fique longe daquela prole de demônio — ele diz, arrancando uma gargalhada minha. — Estou falando sério. Ninguém que usava tanto gel no cabelo tende a ser confiável.
Espero que a graça do que ele disse esvair-se de mim, não acredito que eu vá passar alguma confiança se estiver rindo da cara deles. Acabo indo — séria — logo depois que Aspen passou por mim e bagunçou meus cabelos.
Quando Bellamy me olhou se aproximando, todos que estavam com ele se viraram para ver e abriram caminho para que eu chegasse até ele.
— Não aguenta ficar um segundo longe, não é, princesa Kane? — Ele é sarcástico, erguendo as sobrancelhas.
— Acredite quando eu falo que pagaria o quanto quisesse para sumir das nossas vidas — devolvo com um sorriso cínico. — Mas aqui está você.
— E aqui está você — sua expressão divertida se fecha. — O que quer?
— Ir com vocês — cruzo os braços. — Na caçada. Pra caçar.
Eles riem. Não sei dizer se é culpa deles ou minha. Onde já se viu tamanha insensatez pra falar?
— Hmm... — finge pensar com o dedo indicador e o maior apertando o queixo. — Não — ele aponta com seu dedo pra dar mais ênfase.
— Tá recusando mais ajuda?
— Não precisamos de mais ajuda. E, sem ofensas, mas não é como se você pudesse ajudar muito — ele ofende, circulando seus olhos pelo meu corpo.
Quero arrancar seus olhos e dar pra os terrestres. Talvez eles colecione órgãos.
— Não pode usar a frase "sem ofensas" e logo depois ofender! E não estou pedindo permissão, Blake, estou informando a todos vocês.
— Tudo bem — esfregou a testa. — Não se surpreenda se houver armadilhas misteriosas bem aonde você pisa.
— Não esperava menos de você, covarde. Agora, dê-me uma arma.
— Atom — chamou um de seus grudes, pedindo algo com a palma da mão enquanto continuava a me olhar.
Atom entregou uma adaga para ele, uma faca improvisada, mas boa o bastante. Bellamy me ofereceu e quando eu ia pegar, desviou.
— Se tentar usar isso em mim, não espere uma hesitação da minha parte.
Não respondo, apenas pego a adaga de sua mão e me junto a uma garota loira do time, que estava conversando com um garoto do seu lado. Começamos a fazer a trilha, em passos leves e olhos atentos, um tempo depois.
Bellamy estava liderando o caminho com um machado na mão, então não pude evitar remoer sobre sua não-hesitação em me atacar se eu for atacá-lo. Não que eu vá. Mas, se... talvez, apenas uma possibilidade, de minha adaga escorregar da minha mão e cortar, sei lá, seu braço? Ele vai me acertar com aquele machado?
Atom avisa a todos com gestos que havia encontrado uma coisa e ao aproximarmos, Bellamy parece ficar bem satisfeito com o porco. Ele pede silêncio e diz que quem iria atacá-la, seria ele.
Tive vontade de o contrariar na hora, mas isso cobraria nosso jantar, porque eu, definitivamente, não iria acertar aquele porco. Os outros começam a rodear o animal e eu vou atrás de Bellamy, imaginando como seria fácil joga-lo em cima do porco e vê-lo desesperado ao ser atacado pelo animal.
Quem perder, é o jantar.
Não, brincadeira.
Um galho se quebra atrás de mim e eu paralizo, tendo a completa certeza de que não foi Bellamy e nem eu. Esse, que reage melhor do que eu ao empurrar meu corpo para fora do caminho e lançar o machado na direção do barulho.
A arma é fincada, por sua sorte, ao lado da possível vítima. Uma criança.
— Oh, meu Deus — me aproximo, se recuperando do susto e do empurrão. — Você está bem?
Todos os outros correm atrás do porco, que acabou se assustando com tamanha agitação.
— Quem é você, diabos? — Esbravejou Bellamy, sem pudor algum.
— Cara — repreendi, abrindo os braços — É uma criança.
— Sou Charlotte.
— Quase matei você — afirmou ele, recolhendo o machado da árvore. — Por que não está no acampamento?
— Eu acho — tomo um fôlego, passando por cima de sua voz — que o que ele quis dizer foi, o que uma criança está fazendo neste lado da floresta?
— Aquele rapaz que está morrendo, eu... — ela estava falando de Jasper. — Eu não conseguia mais ouvir.
— Há terráqueos por aqui — diz Atom, chegando do nada e me assustando. — É perigoso demais para uma menininha.
— Não sou menininha — se ofende e eu deixo-me levar por um sorriso brincalhão.
— É claro que não é — concordo. — Mas se vai seguir a gente, tem que ter algo pra surpreender o inimigo.
Ela sorri animada quando eu lhe mostro um punhal com fita azul e verde. Bellamy me olha estupefato.
— Roubou isso de mim? Quando?
Charlotte parecia hesitar em pegar o punhal após a fala do mais velho, mas eu continuei estendendo pra ela até que a mesma aceitou.
— Fique com o tio Bellamy, sim? — Foi muito mais que meu auto cuidado. — Ele vai cuidar de você.
Passei por ele e sorri inocente, ele negou com a cabeça enquanto olhava para cima.
— Já matou alguém? — Ouvi ele perguntar e comecei a ter minhas dúvidas sobre deixar ela mesmo com ele.
Tais dúvidas que passaram imediatamente quando eu o vi bufar, atrás de mim, pela quarta vez. Os segundos acabaram se passando e se tornou minutos e horas. Mais nenhum animal trombou no nosso caminho e eu já estava começando a duvidar dos meus motivos.
Sai daquele acampamento porque não aguentava nem a simples ideia de não fazer nada, mas agora meu lado sedentarismo — que comanda 85% do meu corpo — está entrando nessa luta entre a razão e o sentimento.
Se fosse para eu ser sincera, eu pediria um tempo a eles e sentaria um pouco, mas a metade já pensa que eu não sou capaz de segurar nem uma arma direito, se eu for a primeira a pedir um tempo, minha credibilidade — a pouca — se dispersa.
Então forço a sola do meu pé no chão e obrigo-me a dar mais um passo. Até que trinta minutos depois, quando finalmente, um deles, pede por um descanso para retirar a água dos joelhos.
Foi vergonhoso o quão aliviada eu fiquei ao poder sentar-me em uma pedra e relaxar. Eu estava um pouco afastada de onde os outros que estavam conversando baixinho, até mesmo a criança participava uma vez o outra.
Me mantive no mesmo lugar, duvidando da minha capacidade de falar neste momento. Certeza que ficaria aparente o meu desespero. Deixo a cabeça cair pra baixo quando me apoio em minhas coxas e observo o verde ao meu redor.
Não fazia jus às plantas do espaço.
Ao longe, começo a ver muito mais verde no ar e até me questiono se chegamos a uma parte da floresta mais densa em plantações e folhas, mas então baratas, besouros e até mesmo alguns ratos começam a passar pelo meu pé, sem controle algum. Aquele ar verde se aproxima.
Me coloco de pé, hipnotizada por aquela cena. Parecia mais que tinha acontecido uma explosão e a fumaça...
Paro de pensar, respirar e andar. Explosão.
Toxicidade.
Fumaça se aproximando.
— Corram! — Grito e começo a recuar para trás.
Eles se levantam e encaram, pela primeira vez, aquela fumaça, possivelmente tóxica, chegando mais perto deles. Ouço gritos como o que é isso? ou se afasta, anda.
Mas ainda estou estupefata demais para correr mais do que estava correndo e quando acordo e percebo nossa aproximação anormal, acelero os passos.
Mas eu não estava brincando com o negócio do sedentarismo, eu estava mesmo desacostumada a correr, então quando eu vou realizar o ato, acabo esquecendo que ainda estou de costas e escorrego no chão.
A exaustão escolhe aquele momento para me atacar intensamente, me deixando com forças apenas para rastejar para trás. Eu iria morrer.
A Terra não é habitável?
— Levanta!
Com ajuda de duas mãos apertando meus braços, sou levantada e arrastada para correr.
Ao reconhecer Bellamy, começo a procurar a criança e fico aliviada ao saber que ela estava correndo em nossa frente, na mesma direção.
— Mais rápido, Rayna!
Eu estava tentando, eu juro. Mas nem a adrenalina da morte estava me ajudando com aquele pé torcido.
— Vamos! Há cavernas por aqui.
— Bellamy! — Ouvimos.
Paro imediatamente com o grito e tento procurar a raiz, mas aquela fumaça parecia estar embaçando tudo.
— Não temos tempo. Vamos.
— Há alguém pedindo ajuda.
Ele apenas ignora e aperta mais o meu braço, me puxando na direção em que já estávamos indo. Damos de cara com um morro.
— Bellamy — chamo-o, com terror na voz. — Não vou conseguir.
— Do que você está falando? Sobe essa droga, Rayna.
— Meu pé está torcido! — Falo atropelando as palavras, vendo a fumaça se aproximar. — Suba vocês.
— O quê?
— Você disse que não ia hesitar. Suba esse morro e proteja aquela criança.
Ele ri, incrédulo.
— Quem é a covarde agora?
— Que seja. Vá, agora. Eu procuro outro lugar.
Ele aperta o maxilar e nega com a cabeça, se inclinando para frente e jogando meu corpo sob o seu ombro.
— Bellamy!
— Aguente aí, anarquia.
E ele sobe, aquela fumaça quase tocando a gente.
Seus passos são mais lentos por conta do peso a mais, por isso que, quando chegamos a uma caverna, ele praticamente joga seu corpo — e eu vou junto — no chão.
Engasgo com o meu próprio ar, virando-me de barriga para baixo e Bellamy ofega ao meu lado. Ergo a cabeça e apoio o queixo no chão, fechando os olhos ao ver Charlotte encolhida no canto.
Ele se ajoelha no chão com ajuda de seus braços e depois se coloca de pé, apoiado na parede. Bellamy vai até a criança e confere se está tudo bem, tenho uma breve visão de um sorriso de lado, mas penso que a falta de ar mexeu com a minha cabeça.
— Já está anoitecendo — ele disse, virando-se para mim que já estava sentada. — Teremos que passar a noite aqui.
Assinto em concordância e retiro meus dois casacos, ficando apenas com uma blusa branca — que já não estava tão branca assim — de alça.
— Tome — lhe ofereço um dos casacos e ele me olha com estranheza. — É pra criança, otário. Não vou deixar uma menininha dormir em um chão duro.
Acho que Charlotte está traumatizada ou cansada demais para corrigir-me. Bellamy pega o casaco e tira o seu próprio, colocando os dois no chão como um lençol e mudando o corpo da garota do lugar.
Não estava uma noite muito fria, então apenas deixei o casaco que sobrou comigo de lado. Logo foi a vez dele de tirar dois lençóis em estado duvidoso, um pra cobrir a criança e outro para entender no chão ao lado dela.
Quando ele termina de fazer tudo isso, seus olhos se levantam para mim.
— Tem espaço para dois.
Rio ruidosamente.
— Ah, claro.
— Não tem condições de você passar a noite toda nesse chão, Rayna.
— Não tem condições de eu passar a noite toda ao seu lado, Bellamy — refuto.
Tenho uma vaga noção de que ele poderia me xingar ali, só não o fez, por conta da criança que ainda mantinha os olhos abertos. Bom, pelo menos, ele é consciente com alguém.
Então, passamos a noite. Charlotte dormiu após alguns minutos de sussurros com o novo amigo, adormeceu encolhida e agarrada ao lençol. Não pude segurar minha mente de vagar contra a sua vida.
O que uma garotinha estava fazendo aqui? Mandar adolescente com dezessete anos, quase dezoito, tudo bem, mas uma criança? O que uma criança estaria fazendo em uma prisão?Os erros delas não são justificáveis?
E então, um pensamento maluco vem a minha cabeça: De que não somos mais humanos de que os terrestres.
Prego os olhos por duas vezes naquela noite.
A primeira, acordo com o meu corpo tendo espasmos , olhando em volta assustada, mas não encontrando nada além dos corpos adormecidos dos dois. A segunda vez, acordo com os gritos da criança.
Tento me levantar quando escuto o primeiro "não" audível saindo de sua boca, mas caio arrastada na parede quando a dor no meu tornozelo me acerta. Bellamy acorda em um pulo.
— Charlotte, acorde.
— Me desculpem — ela pede, com a voz chorosa.
O olhar sonolento de Bellamy passa por mim antes de voltar pra Charlotte.
— Isso acontece muito? De que tem medo? — Ela não responde. — Quer saber? Não importa. A única coisa que importa é o que você faz a respeito.
— Mas... estou dormindo.
— Medo é medo. Mate seus demônios quando estiver acordada, e eles não estarão lá, quando estiver dormindo.
— Certo — prolonga, com dúvida. — Mas como?
— Não pode ser fraca. Aqui, fraqueza é morte. Medo é morte.
Continuo vendo e ouvindo a interação dos dois, até que a menina volta a se deitar, com a faca pressionando seu peito e sua mão, como se ela pudesse acordar sob um ataque a qualquer momento.
Isso sim é cruel. Uma garotinha ter que ter medo de sua vida.
Levanto meus olhos da minha mão quando vejo o corpo dele sentar em frente a mim, encostado na outra parede de pedras. Nenhum dos dois diz nada por uma grande contagem de tempo.
— O que fez por ela... — sou eu que começo, sussurrando apenas pra ele ouvir —, foi legal.
Bellamy vira a cabeça na direção onde Charlotte estava deitada e demora um pouco a observando.
— É só uma criança — sua voz tinha uma tonalidade de sinceridade que nunca ouvi antes. — Não merece estar aqui.
Ele não desvia o olhar dela por nenhum segundo dos vinte minutos que se passam entre a gente. Seus olhos não tem resquício de vida, apenas de lembranças.
Relaciono a Octavia, imediatamente, e tudo vira uma completa bagunça em minha cabeça, meu estômago e minhas próprias lembranças. Eu precisava dizer a ele.
Precisava dizer a ele para que o mesmo saiba o erro que cometeu. O incrível erro que desgraçou toda a minha vida.
— Eu... — digo, mas a minha voz falha pela falta de água. Forço-a mais um pouquinho. — Eu não teria contado, sabe?
Sua atenção já estava em mim e eu não precisava explicar mais nada.
— Não podia correr o risco — Bellamy responde, não aguentando sustentar seus olhos nos meus. — Se você contasse, ela...
No final, ela foi presa do mesmo jeito.
— Mas eu não contaria — intervi com a voz mansa. — E você arruinou a minha vida por um pecado que eu nem pensava em cometer.
Bellamy não diz mais nada e, sinceramente, agradeço pelo senso por fazer isso. Ele sabe que não tinha como mudar a situação, então esperava que não pudesse piorar.
(...)
Reabri meus olhos pela terceira vez naquela noite, agora, por conta da claridade que ao menos tínhamos há pouco tempo. Me mexer foi o suficiente para eu reconhecer meu casaco — que antes estava jogado ao meu lado no chão — cobrindo o meu corpo.
Devo ter pegado em uma racionalidade do frio. Charlotte já estava sendo acordada por Bellamy, que ao mesmo tempo arrumava suas coisas na bolsa.
— Acordou, que bom — ele comemora, ao me ver se humilhar pra levantar. — Espera — ele avança e para quando sente a minha hesitação. — Pense assim, quanto antes chegarmos no acampamento, mais cedo saberá se seus amigos estão bem.
Esse pensamento funcionou, mas não deixei ele me ajudar.
Apoiada na parede, praticamente arrastei o meu pé para se levantar. Tentei o apoiar no chão em um momento, mas a dor se intensificou e eu quase fui ao chão novamente.
Merda, eu não podia ter quebrado.
— Da próxima vez — Bellamy diz, arrodeando minha cintura com seu braço e apertando-a, me mantendo em pé —, tente ser menos teimosa.
Algo estranho aconteceu ao meu corpo naquela manhã, senti formigamentos pelo lugar onde Bellamy estava tocando e meu estômago se revirou.
Fome. Oh, meu Deus, eu estava morrendo de fome.
— Vamos.
Seguimos para fora da caverna e Bellamy começa a gritar por seus amigos, que haviam tudo se afastada com a névoa.
— Jones!
— Estamos aqui!
Seguimos a direção das vozes e encontramos os três andando até a nossa direção.
— Perdi você na confusão — indaga Bellamy. — Para onde foi?
— Cheguei a uma caverna lá embaixo — responde o rapaz com um pau na mão, que analisa com as sobrancelhas erguidas a minha aproximação com o Blake. — Que diabos era aquilo?
— Não sei — diz Bellamy me soltando e pedindo para que a garota me ajude. — Cadê o Atom?
Como uma resposta, ouvimos um grito.
O grito de Charlotte.
— Vão procurá-lo — ordena Bellamy, se virando pra ir. — Consegue andar? Ótimo, venha comigo.
Agradeço a garota e sigo os rastros do Blake, mancando.
— Filho da mãe. Atom.
Chego ao lado da criança e ao conferir que ela estava bem, analiso o terreno. Vejo Bellamy ajoelhado ao lado do corpo de Atom e me abaixo do outro lado. O corpo dele continha várias feridas e bolhas como se pudessem explodir toda a sua pele. Atom parecia estar sofrendo muito com seus gemidos.
— Mata-me — ele sussurra, desesperado. — Mata-me.
Bellamy me encara e se levanta, ao mesmo tempo em que os outros nos acham. Charlotte se aproxima e dá o punhal que eu havia dado a ela, pra Bellamy.
— Não tenha medo — ela diz, mais como um conselho.
— Voltem para o acampamento — anuncia Bellamy, para os outros três. — Charlotte, você também.
A garotinha se vai e Bellamy volta a me olhar, as mãos trêmulas segurando a adaga.
— Mate-me — Atom volta a dizer quando Bellamy se ajoelha. — Bellamy! Por favor, por favor.
Me inclino no corpo de Atom e seguro a mão de Bellamy com a faca, seus olhos nunca pareceram tão perdidos. Ele hesita em entregar o punhal, mas entrega. Clarke chega bem na hora e vem correndo para o meu lado, analisar a situação do garoto.
Seu aceno negativo de cabeça é o suficiente para entendermos que não tinha mais nada que pudéssemos fazer por ele. Além de... acabar com a dor.
— Está bem — engulo meu ar e inclino-me para ele, tocando em seus cabelos. — Nós iremos ajudá-lo, está bem?
Clarke ao meu lado, tampa a boca com a dor do próximo. Continuo alisando seu cabelo e tentando passar a calmaria que ele não estava tendo naquele momento. Coloco minha cabeça ao lado da dele e meu braço esticado no seu peitoral, com a mão com a faca tocando seu pescoço.
— Você parará de sofrer agora.
— Obr...igado — é a última coisa que ele diz, antes de se afogar com o próprio sangue.
Retiro a adaga de sua jugular. Ele para de respirar.
E uma parte minha, o acompanha.
Espero que estejam gostando, de verdade.
Só para saberem, eu já tenho 30 capítulos escritos. Estou escrevendo a 4° temporada agora, mas tem capítulos até o final da 3°. Vou soltando aos poucos.
Não esqueçam de interagir!!!
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