001 | Habitable land



001 | Terra Habitável
RAYNA KANE
                             ——— Ano 2149

"Rayna?"

Meus olhos se partem e tomo um soco da realidade.

Demoro um tempo para conseguir organizar meus pensamentos e quando o faço, sento-me naquela cama improvisada no chão.

Era a minha vez de dormir no chão.

— Acho que seus sonhos lhe assombram ainda mais que essa prisão.

E era a vez dela de dormir no confortável.

Não que eu ache que uma pedra reta e uma cama sem mola seja confortável, mas ainda assim, é melhor que o chão e uma coberta.

Você quem decide se preserva suas costas ou seu frio e, acredite quando eu digo que o Espaço faz muito frio.

— Bom dia para você também, Ray.

Faço um esforço para não revirar os olhos.

— Não há "bom dia" aqui, Octavia — murmuro deixando minhas costas tombarem até a parede. — Não há dia aqui.

Octavia dá de ombros e seu cabelo da cor de chocolate se mexe, sendo impedido de cair na sua cara por suas próprias mãos.

— Não sei bem como cumprimentar uma pessoa que acabou de acordar — ela ironiza. — O que acha de... Boa Arca? 

Deixo um riso de escárnio escapar dos meus lábios porque é inevitável não rir desta loucura.

— "Boa Arca"? — Mordo os lábios para não rir mais.

— É, tipo — ela se levanta quando ouve os guardas chegando para nos levar ao banho —, "bom dia" só que na versão da Arc...-

Ela não termina de falar quando a porta é aberta brutalmente por mais guardas do que o normal.

Dois entram e nos rodeiam, quatro deles ficam lá fora, deixando Marcus Kane no ponto central.

Sinto qualquer resquício de divertimento se escorrer do meu rosto e dou um passo para perto de Octavia. Ela faz o mesmo ao encarar os guardas com posturas defensivas.

Apenas encaro o homem no comando. Apesar da enorme dúvida pairando sobre mim, não ameaço dizer nada.

— Queria que não tivesse que ser assim — Marcus diz, seus olhos recuando dos meus como o covarde que ele é.

Meus olhos se encontram com o de Octavia e tento passar mais do que o meu medo pra ela.

Pelo visto, não iremos para o nosso banho. Ouço um gatilho ser despertado e viro-me a tempo de ver o guarda de aparência rabugenta atirar em Octavia.

— Não!

Mas apenas sou rápida o bastante para pegar seu corpo em meus braços.

É um calmante, suspiro de alívio, um calmante.

Solto seu corpo aos poucos e encaro meu pai, fazendo questão de que ele encontrasse o que tanto odiava em meus olhos.

"Sinto muito" foi o que ele disse sem som, pouco depois de seu guarda atirar aquele sonífero em meu pescoço.

Recuo para trás e meu corpo bate na parede, faço força para não cair, mas sinto que perdi a direção dos meus pés e que estou andando no espaço. Braços me seguram antes que eu sinta o impacto e com os olhos entreabertos, consigo distinguir sua aparência.

Rolo para longe de sua presença.

E perco a consciência.

A esperança.

(...)

A primeira coisa que passou pela minha cabeça quando eu recuperei a consciência foi: Estou viva. Meu pai não me matou.

A segunda: Octavia. Eles querem-na.

A terceira: Por que está tão movimentado aqui?

Arregalo meus olhos e me mexo. Não consigo. Estou presa, presa em uma cadeira com cintos circulando todo o meu corpo.

Havia mais pessoas ao meu redor. Muito mais adolescentes presos em sua própria cadeira. Octavia não estava na minha linha de visão.

Minha vontade é de começar a gritar pelo seu nome, mas sou interrompida no meio da executação:

Prisioneiros da Arca, atenção — a imagem do Chanceler Jaha aparece em todos os telões ao redor dessa miniatura. — Vocês receberam uma segunda chance. E, como seu Chanceler, espero que vejam isso não só como uma chance para vocês, mas uma chance para todos nós. Na verdade, para a própria humanidade.

Capto tão rápido o que estava acontecendo — graças as turbulações desse negócio — que engasgo com o pouco da minha saliva. Chance? Eles acham que estão dando uma nova chance para nós ao sermos enviados para a Terra? Iriamos todos morrer.

Não era uma segunda chance, era uma chacina.

Não fazemos ideia do que espera vocês lá — ele continua dizendo e minha raiva continua aumentando. — Se a chances de sobrevivência fossem maiores, outros teriam ido. Francamente, seus crimes tornaram vocês descartáveis. No entando, se vocês sobreviverem,-

— Seu pai é um canalha, Wells — gritam lá do fundo.

Wells Jaha estava aqui?

—...seus crimes serão perdoados. Suas fichas estarão limpas.

Degraçado.

Fichas limpas? Morreremos todos.

O local da queda foi cuidadosamente escolhido. Antes da guerra, o Monte Weather era uma base militar na montanha. Deveria ter estoques não perecíveis que alimentassem 300 pessoas, por até dois anos.

Uma garota grita de êxtase quando um idiota se solta da cadeira e começa a flutuar bem no meio. 

Ninguém chegou até a base. Porque nós...

O garoto de touca para em frente a cadeira onde estava, ninguém mais, ninguém menos que Wells Jaha e Clarke Griffin. O que anda acontecendo com os pais? Eles não tem mais aquele espírito de amor pelos seus filhos?

— Prenda-se, antes que os para-quedas sejam acionados — aconselha Wells, irritado por alguma fala do garoto que não deu para ouvir.

Mais dois garotos começam a desamarrar as fivelas.

Sou incapaz de não debochar em silêncio. Eu não queria estar aqui, mas se havia uma chance da Terra ser habitável, eu estava certa de que queria chegar viva para saber.

O Monte Weather é vida. Localizem os suprimentos imediatamente.

E então, os para-quedas são acionados e tudo começa a tremer. Os garotos, sem amarras, voaram para longe e as pessoas começaram a gritar.

Tentei segurar o braço de um deles que ainda tinha um dos seus braços preso no cinto, mas o impacto foi grande demais e seu corpo tombou com a parede atrás de mim e depois, no chão.

A tremedeira segue por o que parece ser minutos longos demais, com lâmpadas saindo fumaça e farpas de fogo. Mas, quando finalmente para, as pessoas suspiram de alivio e esperam.

Nenhum zumbido de máquinas e em seguida, as travas do cinto em nosso corpo soltam automaticamente.

— As portas estão no nível inferior. Vamos.

— Não! — Ouço ao me levantar. — Não podemos abrir as portas!

Levanto-me do acento e espero até que Clarke desça para o primeiro andar. Uma voz me impede de descer completamente.

— Para trás, gente! — Olho para a entrada e sinto minhas veias pulsarem.

— Parem! O ar pode ser tóxico.

— Se for, estaremos mortos de qualquer jeito — diz Bellamy e eu termino de descer a escada na parede.

O que ele estava fazendo aqui? Ele é de maior e... um guarda, não estava preso. O que diabos Bellamy Blake estava fazendo neste lugar?

— Bellamy?

Todos viram por pura curiosidade, mas eu... eu me viro por conta do reconhecimento.

— É a garota que se escondeu embaixo do piso — murmuram e sinto meu peito doer ao ver o corpo dela se mover até estar na frente dele.

— Meu Deus! — Ele sussurra. — Como você cresceu.

Os dois se abraçam e eu sinto meu chão sumir. Estou recuando para trás, trombando nos adolescentes que apenas confirmam o que eu estava muito cega para não ver.

Octavia.

Octavia era a garotinha que era escondida sob o piso dos Blake.

— Aí, toma cuidado! — Esbugalho meus olhos e encaro-o desesperada. Seu olhar muda ao me reconhecer. — Rayna?

É um sussurro no meio de tanto caos que está acontecendo e eu nem faço ideia.

É verdade, não sei dizer se esse caos é pela realidade ou pelo meu coração, mas estou me jogando em seus braços como se a minha vida dependesse disso, porque depende.

Sinto como se todo o ar que eu tivesse perdido por dois anos voltasse para os meus pulmões. Toda a vida que eu perdi, que eu fui negada. É um suspiro da verdade, da falta e da coesão.

Da presença.

— Você está aqui — sussurro em seu ouvido, porque, sinceramente, eu não acredito. Me afasto de seu ombro para pegar seu rosto, sinto meus olhos marejarem pela emoção. — Oh, meu Deus, Aspen.

Primeiro, ele sorri e eu o acompanho. Depois, ele me abraça mais forte que da primeira vez e simplesmente esqueço, paro de ouvir, tudo sobre a confusão ao nosso redor.

E, depois, somos acertados por claridade desconfortável.

Aspen segura meu braço em um reflexo de me proteger e me coloca atrás dele, como se seu corpo fosse capaz de sugar toda a toxidade da Terra antes dela poder chegar até mim.

Mas ali estava tudo e nada ao mesmo tempo.

Ali estava o sol que não nos matava. As plantas que não nos matavam. O ar que não nos matavam.

Ali estava à Terra, habitável.

— Estamos de volta, vadias! — Octavia solta um grito, como a primeira a pisar na Terra.

E Aspen não precisa me proteger da vida. Da vida que apenas estava começando. E então, nos olhamos e rimos junto aos outros, ele me roda pelo ar. Um ar respirável, um ar crível.

Um tempo depois, eu havia parado para absorver tudo sem todos gritando em meus ouvidos. Era ótimo, mas depois que o pico de adrenalina passava, você só queria se sentar em um lugar e tocar a terra, os matos... as árvores.

— Ei — Octavia diz com a respiração meio irregular pela excitação. — Achei você.

Tento levantar a cabeça para olhá-la, mas assim que encontro seu rosto, sou incapaz de segurar o olhar, então apenas abaixo minha cabeça e continuo a mexer no mato abaixo de mim.

— Estou aqui.

Ela se senta no tronco caído ao meu lado, maravilhada demais para reconhecer alguma estranheza em meu tom.

— Isso é tão incrível, você não acha? — Seu sorriso estava enorme. — Eu nunca imaginei que passaria daquela cela para à Terra. A Terra, Rayna! — Ela me olha, de verdade dessa vez. — Ei... Por que não está feliz?

— Estou feliz — mais uma tentativa falha de sorrir. — A Terra é incrível.

— Então por que está comemorando como se estivesse presa?

Encaro-a em busca de sua resposta. O que ela pensa? Não, de verdade, ela entende o nosso passado? Me coloco de pé ao me pegar tentando fugir da minha resposta.

— Tenho que encontrar Aspen.

— Aspen? Ele está aqui? Ei, espera — ela segura o meu pulso e em um reflexo, retiro seu toque de mim.

Seu olhar me diz que ela está começando a se questionar.

— Rayna?

— Não precisamos continuar amigas, Octavia — ela ergue as sobrancelhas e recua um passo. — Ah, fala a verdade, éramos amigas pelas circunstâncias e convivência. Podemos parar agora.

— Rayna, eu não... — Octavia nega com a cabeça — eu não entendo.

Aperto meus olhos e ao abri-los, procuro por uma saída.
Não queria estragar sua volta à Terra, ela está feliz de ser livre, todos estamos. Não precisamos brigar pelos nossos pecados. Como o Chanceler Jaha comentou, nossos crimes deverão ser perdoados.

Mas não consigo ficar aqui em sua frente, olhando-a como se tudo o que tivesse passando em minha cabeça, na verdade não tivesse passando.

— Você era a garota sob o piso — confidencio repuxando meus lábios enquanto ela arfa.

— Rayna, olha...

Conheci Octavia há um ano atrás, quando ela foi colocada em minha cela.

No começo não foi muito legal. Não porque a gente se odiava ou algo do tipo, porque a real era que eu nem me lembrava de ter trombado com ela em algum corredor.

O que, para mim, naquela época, era completamente compreensível, dado que eu vivia apenas em meu quarto ou com Aspen.

O começo não foi legal porque ela não gostava muito de falar e eu não confiava muito nela, principalmente porque ela se recusava a dizer o porquê de estar ali. Mas então, a loucura já estava chegando para nós duas e começamos a ajudar uma a outra com conversas para ajudar na saúde mental.

Contei-lhe o meu motivo de estar ali. Não tudo, é claro, ninguém acreditou em mim, nem mesmo o meu pai, porque ela confiaria?

Uma estranha. Mas então, foi a vez dela de contar. E ela se recusou.

Agora sei o porquê.

— Por que não me contou?

— Eu queria — ela se aproxima. — Eu juro. Mas você começou a me contar sua situação e eu via tanto ódio em você, Ray, tanto. Fiquei com medo de você descobrir que eu era o motivo da sua prisão e me...

— Eu não ia te matar, Octavia, por Deus!

— Me rejeitasse — ela corrige, com vergonha. — Fiquei com medo de que tornasse as coisas ainda mais difíceis naquele lugar para mim.

— Tanto faz. Não deveria ter me escondido uma coisa dessas!

— Teria reagido diferente? — Ela questiona, de repente. — Teria me recebido do mesmo jeito se eu contasse que sua estadia ali foi por minha causa?

— Eu não...

— Diga a verdade.

— Sim, Octavia — levantei meu queixo, sem nenhum pingo de orgulho do que eu estava confessando. — Teria reagido muito diferente.

Vejo-a engolir em seco e assentir, talvez grata pela sinceridade ou remoendo ela. Não sei bem.

Só sei que logo após, uma gritaria começou, com o seu irmão bem no meio e ela se foi. Pelo jeito, pousamos na montanha errada, longe demais da certa.

O que dizia que: A) Estávamos sem nenhum suprimentos.
B) Tínhamos que ir lá pegar.
C) Bellamy era um insuportável que não aceitava nada do que falavam.

Quando uma briga estúpida entre Wells e Murphy começou, percebi o quão ferrado estávamos.

A Terra poderia muito bem ser habitável, mas nenhum de nós seríamos capazes de sobreviver por um mês aqui sem tentar nos matar.

— Vem — Aspen me puxa pelo braço um tempo depois. — Vamos conseguir comida.

Reviro os olhos e sigo-o até estar em um grupinho arrodeando a Clarke e Wells, com a perna ruim. Me mantenho afastado dos irmãos Blake.

Bellamy ao menos me olha e Octavia arrisca algumas vezes.

— Estava tentando tirar isto? — Questiona Clarke pegando o pulso do garoto de cabelo grande que tinha uma pulseira de metal estranha.

— Sim. E daí?

— Esta pulseira transmite seus sinais vitais para a Arca — explica e sinto meu pulso vibrar. Olho para o meu pulso em busca daquele bracelete, mas eu não tenho. — Tire-a, e pensarão que está morto.

— Devo me preocupar?

— Não sei. Quer que as pessoas que ama pensem que está morto? Quer que venham atrás de você, daqui há dois meses? Porque não virão, se pensarem que estamos morrendo.

Aspen se vira para mim quando os outros começam a se aprontar para ir depois da fala de Clarke.

— Vamos, não é?

Seus olhos castanhos estão animados demais para que eu pudesse recusar. É só uma aventura pela floresta vazia, não é como se tivesse como dar errado.

— É, Asp, vamos.

Ele sorri de orelha a orelha e começa a fazer uma dancinha enquanto gira em torno de mim. Rio de sua palhaçada e empurro suas costas para começar a acompanhar os outros.

— Estava com saudades, imbecil — toco nossos ombros.

Aspen não segura um sorriso e circula o meu pescoço.

— Eu também, Ray.

(...)

A caminhada já estava longa demais para os meus padrões. Principalmente quando o padrão era um lugar no espaço.

Mas as conversas estavam ajudando um pouco.

Octavia estava, claramente, afim do garoto de cabelo legal, Finn. Jasper, o de óculos legal, estava afim de Octavia. Tinha Monty, melhor amigo de Jasper, inteligente demais para todos nós, que gostava de zoar o amigo.

E, claro, não posso fazer a desfeita de Aspen, que sempre rendía boas risadas para mim ao assustar um deles. Principalmente a Clarke, a mais determinada e concentrada nisso tudo.

Eu entendo, apesar dos afins, ela queria sobreviver e ter um idiota como Bellamy em seu caminho não era bem legal.

— Preciso saber o que vocês fizeram para serem presos — diz Finn, interessado demais.

— Sumagre não é a única erva do jardim — diz Monty, me fazendo arquear as sobrancelhas em surpresa —, se me entende.

— Alguém esqueceu de repor o que tiramos — completa Jasper.

— Alguém se desculpou umas mil vezes — é a vez de Monty e então percebo que estão falando um do outro.

— Temos garotos prodígios aqui, sim? — Zombo. — Digam-me, conseguiram refazer a maconha? — Tombo minha cabeça para olhá-los.

Jasper e Monty se entreolham, pensando na minha pergunta, o que me faz estreitar os olhos e escancarar a boca.

— Ah, meu Deus!

Eles riem.

— E você, Octavia? — Jasper muda de assunto. — Por que eles a pegaram?

Seus olhos enrosca-se nos meus, mas eu desvio.

— Por ter nascido.

— Rayna? — Chama-me Monty, desejando uma resposta pela tensão colocada. — Por que a filha do braço direito do Chanceler foi presa?

Enrolo minha língua na bochecha e sinto o olhar de Aspen me queimar.

— Por ela ter nascido.

É um resumo bom, porém doloroso para um relacionamento que estava começando a ser construído. Clarke nos chama para ver algo e ao abaixarmos ao seu lado, pede silêncio e aponta para a frente.

Era um veado no campo aberto. Aspen coloca seu queixo no meu ombro e sorri, gostando, assim como os outros, do que vê.

Animais. Ainda há animais.

Finn se aproxima para ver melhor, mas acaba pisando em um galho, chamando a atenção do animal para a gente. E o que nós vemos, faz com que todos suspirem e Aspen tropece para trás.

Um veado de duas cabeças?

— Vem... — chama Finn, ajudando-me a se levantar após ajudar Clarke. — Temos que continuar.

Concordo com a minha cabeça e sigo ao lado de Aspen. A caminhada continua com Clarke liderando o caminho, por estar com o mapa que encontrou na nave. É cansativo e já estou começando a sentir minhas pernas amolecerem.

— A Arca está morrendo — diz Clarke a todos nós, me fazendo parar de rir de uma piada sem graça de Asp. — Com os atuais níveis da população, mal há suprimentos para viverem por três meses. Talvez quatro, agora que não estamos lá.

Vejo Aspen olhar para o seu pulso sugestivamente, mas assim como eu, na há nenhuma pulseira ali. Porque não tínhamos pulseiras como os outros? Bellamy também não tinha.

Deixando de lado por enquanto, agora tudo isto faz muito mais sentido. Eles não tinham esperança com a Terra, mas precisavam tentar. Com esse tentar, estou dizendo que eles precisavam nos sacrificar.

— E por causa desse segredo você foi isolada? — Questionou Finn. — Foi mantida na solitária? E despacharam seu velho?

Coloco meu cabelo para trás da minha orelha.

— Meu pai foi o engenheiro que descobriu o defeito. Ele achava que as pessoas tinham o direito de saber. O conselho discordou. Minha mãe discordou.

Marcus Kane sabia dessa falta de suprimentos, dessa falta de ar. E despachou sua filha para morrer pra que ele pudesse viver. Assim como vai fazer com diversas outras pessoas. A Arca não é uma família.

A Arca é uma destruição.

— Droga — murmura Jasper, hipnotizado. — Adoro a Terra.

— Uau, a garota tem fogo — urrou Aspen e eu bato em seu peito em repreensão.

— Octavia, que diabos está fazendo? — Grita Clarke.

— Ei! Essa água pode estar contaminada — É a minha vez. — Toma cuidado. Octavia!

Corremos para o penhasco que ela havia usado para pular o rio. Suspiro de alívio ao ver ela ressurgir na água e me encostando em Aspen após o cansaço me invadir.

— Não sabemos nadar — grita Monty.

— Não — se levanta e ri. — Mas sabemos ficar em pé.

— Esperem! Não deveria haver um rio aqui.

— Pois há — contrabate Finn, realizado. — Então, tire essas roupas!

— Oh, Finn — Aspen finge uma careta e joga sua camisa na direção do menino. — Acabou de conhecer ela.

— Tire as suas também, lindão!

Ah, certo, esqueci do fato que Finn era o amigo do qual Aspen vivia murmurando pelos corredores.

— Octavia, saia da água! — A exclamação de Jasper faz todos nós pararmos de retirar nossas roupas. — Saia da água agora!

Viro-me para ver ela, mas a movimentação na água perto dela chama mais a minha atenção. Até que algo a ataca, levando-a para o fundo e a fazendo gritar. A água se acalma. Tudo se acalma. Octavia não aparece por longos minutos.

— Já chega — murmuro, retirando meus sapatos.

— O que pensa que está...-

O grito de Octavia, junto de seu corpo se debatendo na água interrompe Aspen de me interromper. Todos corremos para a pedra mais próxima do rio.

— Que diabos é aquilo?

— Temos de ajudar.

— O que vamos fazer?

— Tentar não ser comidos — responde Finn, pronto para pular.

— Não, esperem. Se distrairmos a coisa, talvez a solte. Ajudem.

Todos se abaixamos para ajudar Clarke a empurrar uma grande pedra no rio. Ela estava certa, chamou mesmo a atenção daquela coisa.

— Deu certo! Ela soltou!

— Octavia, vá para a margem!

Meus olhos passam de Octavia para Jasper que estava se aproximando da margem. Ela não iria conseguir. Não iria.

Retiro meu outro sapato e pulo na direção da garota, que não parava de se debater. Agarro sua cintura e começo a recuar na direção de Jasper, que chamava-nos desesperado.

— Está voltando! E vai na direção de vocês!

Tento ir mais rápido, mas a água me deixa mais lenta e o desespero de Octavia não esta me ajudando com a minha calma.

Sinto braços puxando nossos corpos juntos e conseguimos cair na pedra na mesma hora que aquela coisa passa por onde estávamos. Octavia e Jasper, que nos puxou na última hora, caem juntos e eu desisto do controle do meu corpo na pedra.

— Ray — ouço perto de mim e abro meus olhos, respirando fundo demais. — Ray, você está bem?

— Estou... bem... — ofego. — Me ajude aqui.

Aspen corre para o meu outro lado e me ajuda a se sentar.

— Ela vai ficar bem?

— Vai — concorda Clarke, fazendo um torniquete encima das marcas de garra na coxa de Octavia. — Você vai ficar bem.

No final, Monty murmurou alguma piada e todos nós rimos.

Clarke e Finn contaram que devíamos montar alguma coisa para conseguirmos dormir ali mesmo, considerando que faltava pouco para anoitecer e não sabíamos mais o que tinha dentro da floresta — além de veados com duas cabeças e cobras ninjas dentro da água.

Octavia sentiu dor no começo, mas conseguiu dormir mesmo com aquela perna. Clarke disse que não foi muito fundo, mas que teríamos que tratar assim que pudéssemos para não infeccionar.

Eu não havia conseguido dormir, então apenas fiquei encostada no peito de Aspen admirando as estrelas.
Tinha certeza que elas não podiam ser ainda mais admiráveis de lá de cima, mas olhando-as daqui... São incríveis; um fenômeno.

Assim como está floresta.

— Ray — viro-me, esperando encontrar Aspen, não Octavia com os olhos entreabertos. — Boa Arca.

— É boa noite, Oc — sussurro e vejo o canto de seus lábios erguerem. — Há dia aqui.

— Então, boa noite, Ray.

(...)

Quando desperto com Aspen me chacoalhando, fico surpresa por ter conseguido dormir e depois, acompanho todos os outros ao penhasco de ontem à noite. Parece que Finn e Jasper haviam achado um meio para atravessarmos aquele rio sem ter que fazer uma pequena viagem com a cobra ninja.

— Tem certeza de que é seguro? — Questiono a Clarke, parando ao lado de Octavia.

Ela simplesmente me olha.

— Vejo vocês do outro lado — diz Jasper, segundos antes de se atirar segurando aquela coisa.

Com gritos de êxtase, ele cai do outro lado da margem e todos comemorando ao ver que ele estava bem e que ele tinha conseguido. Encaro Octavia, que tinha um sorriso enorme.

Jasper havia conseguido impressionar a garota.

Você conseguiu, Jasper!

— Ok, eu quero ser a próxima — anuncio e Finn me entrega aquele pedaço de corda.

— Pois, bem. Sua vez — ele finge uma referência e recua um passo.

— Vamos, Rayna — grita Jasper. — Você consegue. Apogeu! Conseguimos — grita Jasper, mais uma vez, segurando uma placa velha que tinha Monte Weather. — O Monte Weather.

— Sim!

Me preparo para pular e sinto meu peito querer surfar entre outros órgãos. Oh, meu Deus, estou mesmo fazendo isso.

— Vamos lá, Rayna — sussurro para mim mesma.

Pego impulso e solto-me. O que acontece depois, é rápido demais pra mim raciocinar, apenas entendo quando estou no chão e os outros estão gritando.

No último segundo, quando um objeto gigantesco passou por todos nós, Aspen segurou em minha perna, me soltando daquela corda e me fazendo cair em cima dele.

— Jasper, Jasper!

Me coloco de pé e não evito a tomada de ar quando encontro a figura do garoto com uma lança fincada no peito.

— Jasper! — Grito.

— Venha! Mexa-se.

— Abaixe-se, abaixe-se!

Abaixamos nas pedras e conseguimos distinguir os sons de pisadas grossas demais para ser animais.

— Não estamos sozinhos.

E, realmente, não estávamos.

Mal sabia nós que aquilo só estava começando.


Espero que todos tenham gostado. O primeiro capítulo apenas para vocês se situarem com a Rayna. Podem ficar tranquilos que a partir do próximo, Bellamy será uma figura fixa na escrita.

Não esqueçam de interagir!!!

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