Carta II - 2ª Parte


- Quem é você mesmo? – perguntou Luke, levantando-se e se aproximando de mim. No mesmo momento, outro rapaz se apressou e ocupou o piano vazio, reiniciando a valsa festiva. Foi o suficiente para os convivas retirarem os olhares de nós e voltarem a dançar.

- Meu nome é Edmund, senhor – dirigi-me ao irmão Lancaster. – Vocês são... os irmãos de Lady Lara?

- De onde você conhece Lara? – ele perguntou, impetuosamente, a garotinha ainda derramando lágrimas ao seu lado.

- É difícil explicar, meu senhor. Diga-me, ela está bem?

Luke Lancaster olhou-me de alto a baixo. Não consegui identificar que expressão era aquela que pairava em seu rosto.

- Lara encontra-se doente, senhor – ele disse, em um tom conclusivo. Pegou nas mãos da irmãzinha e fez menção de se retirar, mas impedi-os antes que dessem um passo.

- Vocês não entendem! – disse-lhes, quase em desespero. – Preciso vê-la! Saber se está tudo bem!

O rapaz me encarou.

- Mais uma vez lhe pergunto... De onde você conhece Lara?

-Você não iria acreditar, sr. Lancaster. Ela apareceu para mim, na forma de um espírito. Estava se sentindo perdida e abandonada... Eu queria ajuda-la, mas então ela desapareceu! Tentei reencontrá-la por todo o hotel, mas não a encontrei novamente! Então finalmente descobri a partitura de A Canção do Tempo e quando terminei de tocar, consegui chegar aqui!

Falei tão rápido que tive certeza que não compreenderam nada. É claro que não sabiam de que hotel eu estava falando, ou mesmo de que época eu vinha. Mas alguma coisa que eu disse chamou a atenção do rapaz imediatamente.

- Você disse A Canção do Tempo? – havia surpresa em seus nos olhos. Uma surpresa tão grande que surpreendeu a mim mesmo.

- Sim, sr. Lancaster. Foi a música que me trouxe aqui, estava em um livro de poesias, na biblioteca, escondido entre dois imensos dicionários italianos, ninguém nunca iria encontrar... – nem percebi que eu voltara a falar coisas que eles não entendiam. Mas Luke me interrompeu.

- Isso é impossível! – disse ele. – Impossível!

- O que é impossível, Sr. Lancaster?

- Você conhecer A Canção do Tempo! Como pode saber de uma música que ainda nem existe?

Olhei surpreso para ele.

- Simples, meu senhor. Você não vai acreditar, mas eu vim do futuro.

Luke Lancaster continuava me olhando com estupefação. Enfim, recuperou-se e caminhou até o piano.

- Manfred – chamou ele. O rapaz que estava tocando a valsa o encarou. – Por favor, libere-nos o piano por um minuto.

O rapaz assentiu, parou de tocar e se levantou. Os convivas novamente interromperam a dança, cochichando entre si. Luke voltou-se para mim e disse, com a voz ligeiramente trêmula:

- O senhor poderia tocar um trecho de A Canção do Tempo?

Embora corroído pelo nervosismo, concordei; havia passado tantas horas tentando aprender aquela música que não precisaria de partitura para reproduzi-la. Na verdade, creio que jamais a esquecerei. 

Sentei-me ao piano e comecei a tocar a melancólica melodia.

Na medida em que os acordes iam sendo ouvidos, Luke Lancaster ficava cada vez mais branco, como se estivesse vendo um fantasma. Percebi em seus olhos uma mistura de surpresa e fascinação. Quando terminei de tocar a canção, ele continuou parado no mesmo lugar, estupefato. Levantei-me, ao som de alguns aplausos pelo salão, e deixei que Manfred retomasse o piano. A valsa recomeçou.

Luke recobrou-se da surpresa e me perguntou, em um tom misterioso:

- Como isso pode ser possível?

- Eu lhe disse, meu senhor, vim do futuro. Encontrei a partitura em um livro...

Lembrei-me então que tinha colocado a partitura no bolso antes de sair da biblioteca. Apanhei-a e, feliz por ter alguma coisa concreta para apresentar, entreguei-a ao jovem Lancaster, que apanhou-a receoso.

Ele deu um grito e soltou o papel. Havia choque em seu rosto. Mas o mais interessante foi que, antes mesmo de cair ao chão, a partitura se desintegrou em cinzas e desapareceu, em uma pequena nuvem de fumaça.

Fiquei olhando espantado para Luke; mas não apenas eu. A pequena Mary também o encarava, assustada, assim como algumas das pessoas mais próximas de nós.

- Isso não é... possível! – voltou a repetir Luke. Enfiou as mãos no bolso e tirou um papel. Ficou olhando-o atentamente, as mãos tremendo, como se não acreditasse no que via. Estendeu a mão e entregou-me a folha.

Caro Will, era a partitura. A mesma partitura! Embora, é claro, estivesse novinha, como se tivesse sido criada ainda ontem. Mas era exatamente a mesma; como eu sabia? Ela tinha exatamente o mesmo rasgão no lado direito, tão idêntico que seria impossível reproduzi-lo em nenhum outro papel.

- Terminei-a semana passada e desde então não a mostrei a ninguém – balbuciou Luke. – Fui eu quem compus essa música. Rasguei a folha sem querer ainda ontem, e estava pensando em transcrever para uma nova hoje. Mas... aquela era exatamente essa mesma folha! A mesma, só que mais velha, talvez séculos mais velha!

Fiquei calado, esperando ver o que ele ia fazer em seguida.

- Siga-me, Edmund. – falou ele, decidido, apanhando mais uma vez as mãos da irmã.

Acompanhei os dois Lancaster até a saída do salão, e pelos corredores que eu tão bem conhecia, embora estivessem muito diferentes. Não conversamos pelo caminho. Passamos silenciosamente em frente a quartos e salas. Eu pensei que não me surpreenderia mais naquele dia, mas meu coração palpitou ao ver onde estávamos indo. Senti uma queimação invadir o meu interior quando paramos em frente a um quarto. Mas é claro. O meu quarto.



    Oi, galera!!

 Obrigado aos que estão acompanhando!!

Música da mídia: Sonata 21 de Beethoven, 1º Movimento.

Um grande abraço!! :)




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