1. O Gigante e seu Único Olho


De longe, quem olhasse poderia dizer que era uma motocicleta que cortava a estrada de terra tal era a velocidade com que Fernando pedalava na estrada de terra após a chuva, levantando uma cortina de água e lama por onde passava.

O rapaz, com o vigor de seus catorze anos, pedalava desesperado porque estava atrasado, muito atrasado. Sua mãe foi muito clara: Fernando poderia passar o dia com amigos na casa de um deles, em um sítio fora da cidade, desde que não se sujasse e voltasse para casa às cinco da tarde.

Bem, calça e tênis estavam imundos de lama, prova que jogou futebol depois da chuva. A camisa parecia impecável, porque ficou guardada em lugar seguro enquanto jogava, mas os secos torrões de lama no braço não eram camuflados pela pele morena. O cabelo crespo, grande como um capacete, ainda escondia algumas gotas de lama.

O Sol já havia se escondido, pois já passava das seis e Fernando saiu aflito do sitio, abandonando os amigos para evitar o castigo em casa, sem tempo para se lavar. Para ganhar ainda mais tempo, levou a bicicleta por um atalho de estrada de terra e, usando a trilha que passava por um monte, chegaria em quinze, vinte minutos.

Este era o plano e "Parece que vai dar certo!", era o que ele pensava enquanto estava no cume de um ponto mais suave do grande monte, seguindo a estrada de terra, cercado de mata alta e fechada por todo o lado e preparando-se para a descida.

Mas um ofuscante clarão e o estrondo de um trovão denunciaram que um violento relâmpago atingiu um lugar muito próximo e os efeitos do violento golpe natural atingiram Fernando.

Rapaz e bicicleta foram arremessados, enquanto o primeiro praguejava alguma coisa e a bicicleta rodopiava no ar, silenciosa, resignada diante de seu destino.

Fernando foi jogado no chão em direção à uma poça de lama, e rolou engasgado, pois na queda acabou engolindo algo verde que voava desnorteado na confusão, um minúsculo inseto – ou um elefante, porque sufocou por alguns segundos até que, para descontentamento próprio acabou engolindo a exótica iguaria.

— Arg, que horrível... – enojou-se o rapaz, levantando-se da lama e fazendo feia careta, feliz por não estar mais sufocando, mas infeliz por ter engolido seja lá o que engoliu.

Um barulho na mata dez metros monte acima o tirou de suas lamentações.

Lá acima estava um sujeito nu. Era negro, careca, media três ou mais metros de altura e com os braços e peito enormes, era uma montanha de músculos. Estava praticamente nu com um imundo trapo de pano, de cor indefinida devido à sujeira, enrolado na cintura como um saiote.

Arfava e babava algo viscoso. Tinha apenas um olho, que estava apontado diretamente para Fernando.

— Valei-me, minha... – berrou o menino, rastejando assustado na lama, tentando chamar a ajuda que não viria.

Um outro grito ficou preso na garganta de Fernando, emudecido pelo pavor quando a criatura pulou e caiu de pé ao seu lado, descendo ao chão com agilidade felina. Tão rápido quanto caiu, porém menos gracioso, agarrou o pescoço de Fernando, colocando-o de pé.

— O... Muiraquitã... Dá... Pra... Mim...

As palavras saiam lentas daquela enorme garganta, num vozeirão pausado que vinha acompanhado de um bafo fétido. Fernando sabia o que era Muiraquitã, aprendeu na escola as histórias da Amazônia nas aulas de folclore. Era um minúsculo amuleto na forma de sapo, feito de barro ou lapidado em pedra, geralmente na cor verde.

Ele queria dizer que não sabia de amuletos, mas a criatura apertava seu pescoço mais e mais, enquanto Fernando se debatia desespero, buscando ar que não vinha.

Como o ar lhe faltava, a vista escurecia.

A criatura falava, mas Fernando não ouvia nada, ia apenas se desligando mais e mais do mundo.

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