Único

Adelaide sempre foi considerada uma coisa peculiar. Usava sempre amarelo, laranja ou então uma cor entre estas, e sempre alegava que a acalmava, o que, para os especialistas coloristas, era um absurdo!

Mas não nos foquemos nisso, o mais peculiar em Adelaide era sua aversão às plantas. Algo irônico, visto que as flores mais lindas, como girassóis, eram exatamente da paleta de cores prediletas da garota.

Sempre que chegava próximo demais de uma flor sentia-se como se fosse desmaiar. Inúmeros médicos, psiquiatras no geral, disseram, desde pequena, que aquilo iria passar e que não deveria ser nada demais. Mas, até agora, sua plantanofobia permanecia bem viva, a acompanhando bem de perto.

-Chegamos! -O maquinista falou.

Ah, sim, Adelaide estava mudando-se para o Colorado. Havia conseguido uma vaga como professora, o que ela amava; havia encontrado um lugar mobiliado não muito distante de onde iria trabalhar; sua vida perfeita, continuava dando certo. Sem plantas!

Uma multidão de pessoas saiu do trem, todos apressados e esbarrando em tudo e em todos. Adelaide, no entanto, continuava calma, calculando cada passo para não correr riscos desnecessários, como cair, ou tropeçar, ou então, quem sabe, quebrar o pescoço e morrer. Nunca se sabe, não é mesmo?

E assim, Adelaide seguiu, caminhando, até a saída da ferroviária. Pegou um táxi, entregou seu novo endereço ao taxista que seguiu a viagem.

Adelaide ficou surpresa ao ver a grande quantidade de plantas ali, e tratou logo de fechar o vidro.

Voltou aos seus livros e continuou sua leitura.

-Chegamos. -O homem parou em frente a uma casa. A vizinhança era arborizada na medida certa, ela constatou, mas a casa que estava na sua frente ultrapassava os limites.

-Não. Deve haver algum engano. -Adelaide falou, temerosa.

-É aqui mesmo, veja. -Ele mostrou o papel para ela.

Adelaide então encarou o papel, a casa, o papel novamente e decidiu encarar sua nova realidade.

-Mas isso é um monte de mato! -Falou, analisando a casa.

Na verdade, não era um monte de mato, longe disso, era uma casa modesta, coberta de flores, peônias, jasmins e, claro, girassóis, com uma variedade de outros mais que ela não conseguiu lembrar dos nomes a tempo. Muito, muito arborizado.

-É um bom lugar. -Um rapaz, que estava passando e acabou vendo a cena, comentou.

Adelaide se virou, furiosa por um qualquer se intrometer em seus assuntos.

-Então fique pra você! -Ela diz, furiosa. O taxista pega a mala, deixa ao lado dela, pega o dinheiro, dando marcha no carro e partindo.

O rapaz intrometido ainda olhava Adelaide em sua tentativa de entrar na casa. A garota usava seu livro pra afastar as plantas, mas um galho sempre a tocava pelo outro lado, lhe causando sustos. O rapaz intrometido ria.

-Será que pode, ao menos, trazer a mala? -Ela retruca.

Ele se apressa e leva para ela, não demonstrando dificuldades.

-Sabe, -Ele sussurra. -Seria mais fácil se afastasse os galhos com as mãos. -Ele então sorri, presunçoso.

-É, mas eu tenho uma aversão às plantas. Entrarei em contato com o dono amanhã mesmo. -Adelaide abriu a porta, pegou a mala da mão da rapaz e entrou na casa. -Obrigada. -Ela lhe mostrou um sorriso falso e, antes que ele dissesse algo, bateu a porta.

-Meu nome é Adam, nova vizinha! -O som abafado a fez revirar os olhos. E então ouviu passos se afastando. Ah, deveria ser o fim da picada, mesmo!

Naquela mesma noite ligou para o locador. Um tal Sr. Walker, que disse que jamais poderia mexer na vegetação, arrancar ou outra coisa que ela havia sugerido, alegando que aquilo representava um valor simbólico inestimável. Provavelmente ele não ficou feliz quando ela disse que era bobagem e que seu dinheiro com certeza valia mais do que um monte de manto, pois o Sr. Walker desligou o telefone e a deixou resmungando sozinha.

Quando amanheceu, e Adelaide estava saindo de casa, teve o desprazer de encontrar Adam, o novo vizinho ali, na frente da sua casa, calçando botas sete léguas e luvas de jardinagem.

-Bom dia, vizinha. -Ele disse.

-O que pensa que está fazendo? -Ela retruca.

-Bem, o meu trabalho. -Ele diz, como se ela fosse idiota.

-Está mexendo nas plantas! Não são suas! O locador vai me matar! -Ela exclama.

-Na verdade, eu já deveria ter podado antes de você chegar. Sou encarregado da jardinagem por aqui. -Ele deu de ombros.

-Você poderia ter tirado todo esse mato ontem. -Ela diz, irritada. -Por quê não o fez?

-Porque, se tivesse feito, não teria motivos para vê-la hoje.

Adelaide sentiu suas bochechas ferverem, mas não deixaria um jardineiro qualquer ver! Saiu, pisando largo.

-Bom dia! -Ele gritou, mas foi completamente ignorado.

Adelaide seguiu seu dia como a nova professora da escola de umas sete quadras dali. Estava indo bem, mas ao voltar para casa, encarou sua realidade. Adam ainda estava ali, juntando os vários galhos cortados.

Ela bufou e revirou os olhos ao constatar e ele ficou surpreso ao vê-la.

-Oi, vizinha.

-Ainda está aqui? -Ela retruca.

-É. -Ele murmura, sem se abalar pelo mal-humor dela. -Muito mato, como você diz. Aliás, eu fiquei me perguntando, porque você não gosta de plantas?

-E porquê você é tão intrometido? -Ela pergunta em resposta.

-Bom, ajudaria a perguntar menos se você respondesse mais. -Ele alfineta a garota. -Qual seu nome?

Ela então bufa e segue para a porta.

-Espera. -Ele pede. -Foi mal. Desculpa. É que eu realmente queria entender.

Ela se vira, ainda irritada. Respira fundo e se acalma.

-É uma fobia. Tenho aversão à plantas. -Ela diz, mas ele não esboça reação. -Não vai perguntar nada?

-Você não quer que eu pergunte. -Ele da de ombros.

-É, mas... Argh, esquece! -Adelaide sabia que não era comum se irritar, mas aquele cara a estava levado ao limite!

-Ok. -Ele a segura, impedindo de ir. -Como é essa aversão?

-Bem, -Ela pensa. -É complicada. Nasceu quando eu era criança, não lembro bem. Eu odiava plantas! Chegar perto de jardins era o meu pavor.

-E você já tentou fazer algo pra mudar isso? -Ele arqueia a sobrancelha.

-Acho que sim. -Ela fica confusa. -Quer dizer, procurei médicos e especialistas, eles disseram que ia sumir, mas não sumiu. Eu não sei.

Adam fica pensativo e um estranho e incômodo silêncio se perpetua entre eles. Até que, Adam abre a boca:

-Qual é mesmo seu nome?

-Adelaide. -Ela responde e sorri. -Sou Adelaide.

-Que coincidência! -Ele diz. -Seu nome é Adelaide, o meu é Adam. Percebe?

Adelaide fica confusa e balança a cabeça de forma negativa.

-Somos almas gêmeas!

A garota engasga.

-Você pegou muito sol na cabeça. Vá descansar. Farei o mesmo! -E ela foge para dentro de casa.

-Espera! -Ele opina. -É sério. Nossos nomes tem as duas primeiras letras iguais. Você acha que é mera coincidência?

Adelaide volta para sua cama e pega no sono com facilidade.

Pela manhã, não havia Adam ali. Embora tenha sentido falta do seu novo vizinho intrometido, se convenceu de que assim era melhor. Nada de Adam, nada de imprevistos. Sua vida continuaria perfeita como sempre fora. O jardim até estava menor, ela reparou. Tudo perfeito.

Continuou sua rotina, mas, quando voltava para casa, ficou surpresa ao ver o vaso do lado de fora da sua porta. Uma rosa amarela estava sozinha nele e um cartão esperava-a para ser lido.

"Cara Adelaide, vizinha nova e mal-humorada..."

Ela torceu o nariz, mas continuou.

"Como sou jardineiro, não suportei a ideia de conhecer alguém que não gosta de flores. Contudo, eu entendi que sua aversão era mais que aversão, então, não se desespere, começarei a ajuda-la a tratar disso. Você aceita superar seu medo?
-Adam"

Confusa ela pegou o vaso e o colocou pra dentro. Adam deveria ser louco, pensou.

Foi só quando, pela manhã, ouviu batidas da porta que teve a certeza.

Não deveria ser nem 5 horas, mas Adam estava ali, com suas botas e luvas.

-O que faz aqui? -Ela retruca.

-As plantas precisam ser acordadas! -Ele diz, sorrindo.

-Ah, não. Adam, vá dormir. Preciso dar aulas daqui a duas horas! -Ela resmunga.

-Então temos que ir rápido. -Ele murmura, já entrando na casa, sem ser convidado.

-Espera, o que está fazendo.

-Vou esperar, até que esteja pronta. -E se jogou no sofá.

-O quê? Acho que entendeu errado, eu não quero mexer em nada disso. -Aponto pro vaso com a rosa amarela, no canto. A única planta dentro da casa.

-Bom, mas eu estou determinado a fazê-la perder o medo. E vou conseguir! -Ele diz. -Não demore, se não pode se atrasar.

Isso fez a garota bufar.

Logo ela subiu se vestiu e os dois voltaram ao jardim.

-Pensei que já tivesse podado tudo. -Ela resmunga.

-E podei, mas não é só da poda que a planta vive. Todo dia é preciso regar, checar suas folhas, raízes e, -Ele sorri. -perguntar a elas como foi a noite.

Adelaide o encara, surpresa.

-Você é louco! -Ela comenta.

Adam dá de ombros e logo se agacha para ver as folhas. Começou a retirar as ervas daninhas de um canteiro, seguiu para outro e assim foram.

Adelaide se mantinha o mais longe que podia. Não querendo entrar em contato com planta. Mas as regou, como Adam indicou.

-Acho que já chega! -Ela falou. -Precisa ir trabalhar.

-Certo. Vejo você amanhã! -Ele disse, também se despedindo.

Adelaide não queria falar, mas sentiria falta dele até amanhã.

Como dito, ele, pontualmente a esperava às cinco horas.

Começavam a regar as plantas e em seguida se despediam.

Adelaide ainda evitava o contato profundo com as plantas. Por exemplo, ela ainda ficava confusa ao ver Adam conversando com uma margarida como se a planta tivesse altas fofocas para lhe contar, contudo sorria, vendo a simplicidade das coisas.

Não confessava em voz alta, mas, sentia que estava finalmente, encarando seu medo e o perdendo vagarosamente; quase que a passos lentos, mas o estava perdendo, afinal!

Depois de um tempo, os dias formaram semanas e essas semanas, meses, somando um semestre. Os dois começaram a amizade, que ela fazia questão de lembrar "apenas amizade", obrigando Adam a soltar altas gargalhadas.

Em sua jornada para seguir as indicações de Adam e ultrapassar seu medo, ela nem se deu conta de como ficaria envolvida com aqueles seres. Plantas são seres, oras!

-É bom isso. -Ela murmura. -E pensar que briguei com o Sr. Walker para que arrancasse tudo.

Pensativa ela olhava a beleza do jardim. Orgulhosa por algumas de suas plantações terem se mostrado belas.

-É lindo. -Ele murmura. -Mas você nunca arrancaria as plantas. Tem um valor inestimável mesmo.

-Como sabe do valor inestimável? -Ela retruca e então de vira pra ele.

-Bem, -Ele coça a nuca. -nunca falei meu sobrenome, não é mesmo?

-Que seria? -Ela arqueia a sobrancelha.

-Walker?! -Ele parece incerto.

-Era você no telefone? -Ela fica surpresa. -Então... -As peças se encaixam na cabeça dela. -Por isso estava aqui no dia da minha chegada e... Espera. Porque isso aqui tem um valor pra você? São plantas.

Adam riu perante a garota.

-Não são meramente plantas. São vida. Respiram, comem, nascem, morrem. -Ele diz e fecha os olhos. -Eu também não gostava de nada disso, Adelaide. Quer dizer, eu era tão certinho como você e nem percebia o quanto estava perdendo, querendo sempre ser o perfeito.

Ele então adquire uma voz embargada.

-Minha avó plantou essas flores. E disse que elas atraiam coisas boas. No caso, acho que atraíram você. -Ele então olha a garota que cora.

-Não entendo como. -Ela murmura. -Eu...

-É só se permitir, superar seus medos. Veja, você mesma pode dizer. -Ele sorri.

E então Adelaide se volta para o jardim. Já não sentia aquele pavor em relação às plantas, pelo contrário. Estava tão calma e na perfeita paz que pode ver, de todo o coração, a beleza nas coisas. E sabia que em cada botão, em cada grãozinho que iria brotar, uma nova beleza oculta iria surgir...

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