Epílogo

Três semanas depois

O silêncio que preenchia a pequena capela enganaria qualquer um que passasse perto do edifício. Dir-se-ia que nada de importante ocorria, naquele momento, lá dentro. Que estaria, certamente, vazio. Mas nós sabemos que as aparências enganam. Oh, se sabemos!

As rosas perfumavam o espaço, mas o cheiro não se alastrava até o exterior, não obstante as portas permanecerem abertas. Ainda que a capela estivesse revestida de vermelho, nenhum dos presentes pensava no sangue derramado há menos de um mês. Aquela não era a altura para tristezas. As famílias se juntavam para celebrar o início de uma nova era. As lágrimas derramadas cessariam. Talvez não eternamente, viriam uma vez ou outra, quando a saudade mais apertasse, porém, com o tempo, se tornariam jóias raras. Lembranças húmidas dos ente-queridos perdidos em batalha.

As cabeças se multiplicavam e quase se colavam umas às outras, mas ninguém desistia. Todos queriam testemunhar ao vivo aquele momento único em Villeneuve. O calor que se fazia sentir, ou os empurrões acidentais, que esmagavam os pés desprotegidos dos ingénuos, não demoviam a vontade e motivação do povo.

Pela porta, entrava uma brisa suave, que não conseguia combater o calor humano, mas refrescava as almas que ali se juntavam. A luz do sol se alastrava reclamando presença naquela cerimónia. Uma promessa subliminar dos dias radiantes que se seguiriam.

Na fila da frente, Lumière acariciava a pele suave da mão da namorada. Quem sabe um dia não seria a vez deles? Babette, todavia, estava longe de cogitar essa hipótese. Nunca fora do tipo de mulher de sonhar com um "e viveram felizes para todo o sempre". E, ainda assim, era possível ouvir o suspiro enternecido, que se repetia vezes sem conta, provindo das profundezas do seu ser. Como era bela aquela visão de duas almas que haviam nascido uma para a outra! Ou que não estando minimamente destinadas, apenas se encontraram, por mero acaso, nos caminhos tortuosos da vida.

Madamme Potts e Nicolette Armoire não impunham tantas barreiras à emoção que transbordava delas. As duas se entregavam às lágrimas como uma estranha manifestação de felicidade. Big Ben trazia para mais junto de si sua atual namorada, sem saber o que fazer para a acalmar. Os dois continuavam com problemas em comunicar um com o outro, mas se amavam e Nicolette, ainda que mergulhada na emoção do momento, sentia o calor reconfortante que emanava do mordomo.

− Elroy Morfrant, rei de Villeneuve, é de sua livre vontade contrair matrimónio com Liberty Beaumont? – O padre, atrás do púlpito, perguntou.

Os noivos continuaram de olhos presos um no outro, tinha sido assim a cerimónia toda, completamente alheios às pessoas que os observavam atentamente. Ao povo nunca tinha sido permitido assistir a um casamento Real ao vivo, e o entusiasmo percorreu, facilmente, todas as aldeias. As mudanças trazidas pela regência de Elroy estavam a ser muito bem recebidas pela população. Nem todos estavam presentes, até porque o espaço também não o permitiria, mas poucos eram aqueles que se tinham deixado ficar em casa a assistir pela televisão a um momento tão marcante para a província como aquele.

Elroy não conseguia apagar o sorriso bobo pregado no seu rosto desde o dia em que Liberty aceitara casar com ele. Não tinha sido propriamente difícil convencê-la. Não quando já era óbvio para todos, mas principalmente para ela mesmo, que o amava.

− Sim, é claro que sim – comunicou o rei com uma vontade enorme de acabar com a distância que o separava de sua amada.

Liberty sentiu o seu coração palpitar ainda mais forte dentro do peito. Mais do que as palavras que lhe diziam o quanto aquele homem queria passar uma vida inteira do seu lado, a magnitude e intensidade nos olhos à sua frente, mais azuis do que cinzentos naquele dia, a levavam a compreender a imensidão do sentimento que os unia. Sem conseguir resistir a um desejo ardente, ela estendeu a mão para o seu noivo, pouco se importando com os protocolos. Aquela distância estava a matá-la igualmente. A jovem precisava do toque do seu futuro marido, de o sentir perto de si. Elroy entrelaçou os seus dedos aos da jovem, grato por aquela iniciativa ousada. As mãos, dos dois, coladas e voltadas para o chão sagrado que abençoava aquela relação.

O povo não se manifestou em desagrado e o padre sorriu, feliz por ser-lhe atribuída a honra de celebrar um casamento Real por amor. O primeiro de muitos na província, assim se esperava, já que a seleção havia sido abolida pelo novo rei.

− Liberty Beaumont é de sua livre vontade contrair matrimónio com Elroy Morfrant?

− Sim, é – respondeu prontamente. Ela não precisava de ponderar sobre aquilo nem mais um segundo sequer. A moça ainda tinha algumas dúvidas de como seria o seu futuro dali para a frente, mas a única coisa de que ela tinha a certeza era que o queria passar ao lado de Elroy.

O público reagiu animado à constatação de que o casamento iria mesmo acontecer. Quebrado o silêncio, todos se esqueceram de estarem sob o teto de uma igreja, e festejaram como se o nó estivesse dado. As cores alegres das vestimentas vibravam pelo espaço, ainda que os braços mal se conseguissem levantar no ar, e se uniam a uma confusão animada de sons que fizeram os noivos gargalhar. Aquela era a bênção que mais importava para eles, como futuros líderes da nação. A tensão no corpo dos noivos se desvaneceu e o branco, em que se revestiam, brilhou ainda mais, junto ao púlpito.

O negro deixara de ser a cor do povo, para passar a ser apenas mais uma opção entre tantas. As pessoas vestiam-se agora como bem lhes apetecia e a família real jamais se distinguiria pelo aspeto exterior. Claro que, naquele dia, o branco parecera aos prometidos a melhor opção para seus trajes de cerimónia. Uma cor singela, mas que trazia em si tanto simbolismo. A pomba era branca. A tal pomba que marcava os sonhos de liberdade de ambos. Mas o branco também era a cor da guarda real. Sem dizer nada, eles prestavam homenagem àqueles que haviam sacrificado a vida por eles.

− Atenção! Atenção! – recriminou o padre. A ordem restabeleceu-se e o silêncio voltou a imperar. – Eles ainda não estão casados. Vamos proceder agora ao momento solene da entrega das coroas.

Jasper saltitou animado no lugar por, finalmente, ter chegado a parte dele. A coroa sobre a almofada vermelha, que ele mantinha entre as mãos, agitou-se um pouco, mas não caiu. O reinado seria certamente dos fortes, persistente ao pior dos vendavais. Ou, pelo menos, assim o parecia.

A noiva, dentro do seu vestido branco rendado, sem a cauda ou os folhos que constavam do desenho inicial (convenhamos, para grande desgosto de Nicolette), agachou-se, incentivando a pequena criança a sair da sua posição recuada atrás de Elroy. Jasper saiu disparado em direção aos braços estendidos da jovem e a coroa lá foi novamente colocada à prova. Balançando de um lado para o outro.

− Bom trabalho – elogiou Liberty, afagando os cabelos loiros da criança. A coroa readquirira a sua estabilidade um pouco desviada do centro da almofada.

Sentindo-se importante, Jasper endireitou os ombros e tentou fazer cara séria. Atrás de Liberty, Anastasie gargalhou com a figura do rapaz. Mas o som era discreto e refrescante, não havia como levar a mal, mesmo que se destoasse da solenidade da ocasião. Claro que o pequeno Potts não era da mesma opinião.

Jasper espreitou para além de Liberty e semicerrou os olhos para a menina traquina que o desafiava. Ali, ele soube que tinha razão em querer dar-se apenas com adultos. As crianças são irritantes, concluiu perentório. Jasper apenas se esqueceu que ele também era uma criança.

− Posso? – perguntou Liberty, fazendo o rapaz se concentrar de novo nela. Jasper a olhou e percebeu que era a altura de lhe estender a almofada com a coroa, como Lumière o havia instruído.

Um pouco desleixado, o garoto pousou o joelho esquerdo no piso, afastando o objeto da noiva, de mãos estendidas para o vazio. Ajoelhado, ele dobrou a cabeça em direção ao chão e estendeu a almofada para cima. A coroa se moveu mais uns milímetros em direção à borda, com o ouro a refletir a luz do sol que chegava do exterior. A prata havia sido substituída definitivamente, enterrada junto com o passado.

Ela sorriu ao perceber que aquilo certamente seria trabalho de Lumière. Ao espreitar para a multidão, ela encontrou a expressão denunciadora do culpado.

− Obrigada – sussurrou Liberty ao pegar com cuidado na coroa recentemente esculpida.

Era impressionante o trabalho que tinham feito com um material que ela nem reconhecia. "Ouro", dissera-lhe Elroy, "um material armazenado na mansão, como uma recordação dos tempos antigos". Muitos haviam disputado por ele outrora e seria fácil atribuir a um inocente material, sem alma, sem vida, as culpas dos atos gananciosos dos homens. As batalhas sempre surgiriam, não adiantava ocultar livros, ouro, comida, roupa... Mas Villeneuve já havia aprendido a lição e da pior forma possível.

Libby levantou-se com a coroa entre as mãos e viu-a reluzir que nem o sol. Era realmente perfeita para representar o início do reinado dos dois. Jasper, sentindo a almofada mais leve, apressou-se a voltar para o seu lugar. Sua tarefa fora concluída com sucesso.

− Que teu reinado seja longo e próspero comigo do teu lado. – A jovem pronunciou as palavras decoradas com afinco com a ajuda de Big Ben. – Que teu nome seja recordado e inspire gerações vindouras a cultivar a paz e a harmonia. E que Villeneuve se mantenha forte e unida como nós. – Elroy se ajoelhou em frente da futura esposa, sem deixar de a olhar nos olhos. − Eu te prometo...

Liberty hesitou. O rei estudou-a, temendo que a ansiedade tivesse levado a melhor sobre ela e que as palavras se lhe tivessem apagado da memória. Mas ela recordava-se com precisão de cada uma delas. Ela só não queria fazer a Elroy as mesmas promessas vazias que as selecionadas dirigiram aos reis que lhe antecederam. Libby engoliu em seco, sentindo os olhos de um povo inteiro sobre ela. Mesmo sem alguma coroa sobre a cabeça, a jovem sentia o peso da responsabilidade. Improvisar talvez não fosse a coisa mais prudente a se fazer naquela altura, mas, se ela não seguisse o coração, não estaria a ser fiel a ela própria.

− Eu te prometo tentar. – Sussurros inquietos se espalharam pela audiência. Muitos já condenavam a escolha de palavras da garota, sem sequer ouvir o raciocínio todo. – Tentar compreender-te, mesmo quando não concorde. Tentar ouvir-te quando me apetecer falar. Tentar não te atirar farinha para cima, só porque sim. – Os dois se riram com a recordação. Aquilo era claramente uma provocação de Liberty, e Elroy mal podia esperar para lhe atirar, mais uma vez, farinha para cima, só porque sim. – Tentar sarar-te as feridas que você traz com os meus beijos. Tentar espantar os teus fantasmas com os meus abraços. Tentar dar-te a mão, quando você não a quiser, mas precisar dela. Tentar dar-te os meus olhos, quando os teus te falharem. Tentar dar-te o meu coração, para que ele nos pertença a ambos, de igual modo. Tentar erguer uma ponte para você não cair nos buracos, e tentar fazer-te ver a luz, quando você entrar no escuro. Eu só prometo tentar. Mas tentar é tudo o que quero hoje, o que quis ontem e o que vou querer, ainda mais, amanhã. Essa é a única garantia que te dou, o amor imenso que sinto por você.

O rei quis se levantar e a reclamar nos braços. Beijá-la, sem pudor, em frente daquela gente toda. Pular as formalidades e chegar no momento em que teria aquela mulher, que amava com todo o seu ser, como sua companheira para a vida. Mas ele se conteve, quando sentiu a coroa sobre sua cabeça. Entregue pelas mãos de sua futura mulher, aquele objeto, que ele não ambicionara até então, ganhava um significado completamente novo. Ele iria gostar de governar ao lado daquela mulher teimosa e corajosa, que até nos votos mostrava a sua garra e personalidade vincada.

A outra coroa, moldada com o mesmo material, do mesmo tamanho e forma, uma réplica exata da anterior, foi levada até Elroy pela irmã mais nova de Liberty.

− Você me permite? – questionou o rei à pequena criança que estendia a almofada vermelha.

Ele não lhe falava da coroa, mas antes de Liberty. Ele sabia o quão dependente ela tinha sido da irmã mais velha e não conseguia deixar de ponderar se não seria encarado como um tirano que a arrancara dela. Anastasie recuperara a saúde a olhos vistos com a mudança de atmosfera, ainda assim, continuava a ser uma criança sem mãe. Não que Elroy não tivesse um plano respeitante a esse assunto, mas só o iria comunicar a Liberty mais tarde, naquele mesmo dia.

− Hum-hum – murmurou tímida em resposta. Ela compreendia a amplitude daquilo que lhe era perguntado entre linhas. Era esperta tal qual Liberty. Mas não havia sido preciso mentir. Para ela, tudo o que importava era a felicidade da irmã e ela conseguia ver o quanto isso dependia de Libby passar a vida ao lado de Elroy. – Cuide bem dela.

− Prometo.

O rei acariciou a face rosada da menina. Não tinha muito jeito para aquelas coisas, mas ele estava a esforçar-se para mudar. A manifestação de afeto para com outras pessoas, baixar a guarda e confiar, ainda não lhe era tão natural como gostaria.

Com a coroa entregue, a noiva, emocionada, se abraçou à irmã. Foi Anastasie quem teve juízo suficiente para se afastar, senão teriam ficado agarradas durante uma eternidade infindável. Libby lançou um olhar ao pai, sentindo também a ausência dele, principalmente agora, que se tinham reaproximado.

Elroy começou o discurso assim que viu que tinha de novo a atenção da noiva.

− Te entrego esta coroa para que você reine do meu lado. Confio em você, por completo, e não conseguiria imaginar-me nesta longa travessia sem você. – Liberty percebeu que ele também se entregava ao improviso do momento, seguindo as suas pegadas. – Sempre fui melhor com as palavras do que com os gestos – confessou encabulado. Não estivesse ele a agarrar na coroa, não saberia certamente o que fazer com as mãos. – As palavras podem enganar e manipular como armas poderosas para conseguirmos o que queremos. Mas isso é tudo o que eu não quero contigo. Não quero USAR as palavras. Eu quero dá-las a você. Não as quero para mim, quero que fique com elas. Foi isso que aprendi contigo. A dar, a sentir, a amar. Você me prometeu tentar, eu prometo te viver. Estar aberto a receber todas as tuas tentativas e a te dar novas razões para você continuar tentando. Não será viver por você ou para você, mas te viver. Não será a minha vida, ou a tua vida, mas a nossa. Que nossos passos sejam síncronos e não precisemos de palavras entre nós, nem dos olhos, para nos enxergarmos um ao outro. "O amor pode dar forma e dignidade. O amor não vê com os olhos, e sim com a mente..."

− "E por isso, o alado cupido é representado cego" – completou Liberty com lágrimas a assomarem-lhe aos olhos.

A coroa foi depositada gentilmente no topo da cabeça da jovem. Os cabelos soltos emolduravam o rosto angelical de uma futura grande rainha. O noivo afastou as lágrimas que vertiam dos olhos castanhos que o tinham cativo.

− Eu vos declaro marido e mulher – sentenciou o padre emocionado. – Rei e rainha de Villeneuve! Sua alteza, pode agora beijar a noiva.

Elroy suspirou aliviado. Finalmente, poderia responder ao desejo premente que o invadiu desde o momento que vira a sua amada entrar na capela. Um anjo vestido de branco. O seu anjo.

Os lábios se encontraram por iniciativa dos dois. Ambos se inclinaram para a frente, ávidos por aquele primeiro encontro como marido e mulher. O beijo intenso não se diria próprio para aquele contexto, mas eles pouco queriam saber de protocolos, eles já tinham tido amarras suficientes no coração. A partir daquele momento, eles apenas queriam amar e viver, juntos, sempre juntos.

− Viva o rei! – A plateia começou a gritar animada. – Viva a rainha! Viva os reis!

A bênção de Deus estava dada. A da família também. E ainda tinham o povo, que governariam, do lado deles. Se seria um "e viveram felizes para sempre", ninguém sabia, mas eles fariam de tudo para que assim fosse.

O último grito que se ouviu a emanar, muito para além daquela capela, ao se ver os noivos a partir, de mãos dadas, para seu lar, foi o mais especial de todos:

− Viva o amor!

Amor. Isso era tudo o que bastava.

O sol já ia baixo no céu, pintando-o de cores nunca antes vistas. Ou talvez as cores sempre tivessem estado lá, à espreita no horizonte, mas nem Liberty, nem Elroy as captaram outrora.

A cabeça da rainha se alojava confortavelmente no ombro de seu marido, enquanto este fixava o queixo sobre os cabelos leves e soltos da mulher. Os braços do rei envolviam o corpo delgado, encostado contra si, e o casal, junto à janela do quarto, vislumbrava tudo o que seus olhos alcançavam. O vestido branco rendado se fundia com a camisa e calças do mesmo tom que o acolhiam.

− Ainda é um pouco estranho ela não estar lá – comentou Liberty pensativa.

Elroy anuiu. Compreendia-a na perfeição, porque também era nisso que pensava naquele momento. A redoma sempre tinha estado lá. Era a única realidade que conheciam. E ainda que sonhassem, ambos, na possibilidade de uma vida sem ela, o horizonte que os fitava parecia ganhar proporções tão maiores, tão mais assustadoras, despido da barreira que os protegia do exterior.

A redoma dissolvera-se em pleno ar há três semanas atrás. O recipiente com a rosa estava ligado diretamente ao exterior. O líquido reagia quimicamente aos gases da atmosfera circundante à redoma e as pétalas se degradavam com o aumento de oxigénio e diminuição de dióxido de carbono. A última caíra quando a qualidade do ar lá fora se tornara ideal para a sobrevivência da espécie humana. Um estratagema montado por Antoine Morfrant, idealizador de Villeneuve, como uma forma de dar uma segunda chance real à humanidade. Até porque os recursos da província não eram ilimitados.

− O sol está tão belo! – Elroy murmurou em concordância. Tudo lhe parecia muito mais belo desde que a garota entrara na sua vida. – Eu sempre gostei de passar as noites a olhar o céu. A lua sempre me fascinou, e o sol nunca se deixa ver, o que me frustra um pouco. Mas há algo nele que me começou a chamar a atenção depois de tudo por que passámos.

− Ele é altruísta. – Liberty voltou-se para trás, surpreendida por ouvir a voz de seu marido a continuar aquele raciocínio ainda enublado no seu cérebro. As mãos do homem pousaram no fundo das costas da garota, se recusando a largá-la. – O sol empresta sua luz para que a lua brilhe e mostre todo o seu esplendor. E, de dia, não querendo ofuscar a beleza dela, faz com que ninguém possa olhar para ele tempo o suficiente para o achar mais belo do que a lua.

− Ele faz lembrar-me alguém. – A rainha olhou fundo no azul acinzentando que se concentrava nela. As memórias estavam ali, projetadas diante dos dois. Não havia um espaço vazio entre os dois corpos, mas uma enorme poça de memórias que os unia.

Elroy tinha abdicado de sua própria felicidade para dar a Liberty a oportunidade de vida que ele julgava que a garota nunca poderia construir ao seu lado. Ele era o sol que se escondera, para permitir à lua continuar a brilhar.

− Está decidido – acrescentou a jovem ao entrelaçar as mãos na nuca do rei. – O sol conquistou a minha afeição, o meu respeito, irei dedicar-lhe todo o meu tempo ocioso.

− Apenas o tempo ocioso?

− Sim. – Elroy fingiu-se magoado e a garota sorriu com a expressão de desgosto exagerado. – Acontece que eu pretendo ter muito, mas mesmo muito, tempo ocioso.

O rei puxou a esposa até si e beijou-a. A boca sedutora, que o deixava louco de desejo, pronta para o receber. As respirações se mesclaram, sôfregas, ofegantes. O sabor dela instigava-o. Ele queria sempre mais. As investidas dele provocavam-na. Ela queria tão mais!

As mãos de Liberty escorregaram até à camisa fechada de Elroy. Ela sentiu o batimento acelerado contra a sua palma aberta e o sangue ferveu-lhe ainda mais de desejo. Aquele coração não batia para ela, ou por ela, mas com o dela. Eles estavam juntos naquele momento. O desejo corroía-os aos dois. A jovem, de olhos fechados, e entregue à boca exigente do rei, palpou pelo primeiro botão da camisa. Ela precisava de lhe tocar. Havia demasiado tecido entre os dois.

− Muito tempo ocioso, você diz? – Os dois arfavam, agarrados um ao outro. Liberty não estava satisfeita por ele se ter afastado, ainda que os seus pulmões fossem de opinião contrária. – Estou a sentir-me tentado a mudar meus planos.

− Que planos? – questionou curiosa, ainda que as mãos tivessem voltado à tarefa de há pouco.

− De trazer a tua família para viver aqui.

− Aqui? – O antepenúltimo botão foi abandonado. Seu interesse finalmente desviado para o rosto do homem que a mirava com desejo. − A minha família? A viver aqui?

− Sim. Porque não? A mansão é enorme. Dá perfeitamente para albergar o teu pai e as tuas duas irmãs.

− A Éliane também?

− Se você assim o desejar.

− Talvez seja uma forma de ela se contentar... − Pensou Liberty, em voz alta. − Terá a vida com que sempre sonhou e, quem sabe, nos consigamos dar melhor.

− Você tem muita esperança na humanidade. – Elroy gracejou. Ele não conhecia muito bem a irmã dela, mas depois do que Éliane havia aprontado no baile, ele não ficara com muito boa impressão da moça. Não gostava nada que o fizessem passar por idiota e, ainda menos, que magoassem a sua amada.

− Não tinha, mas aprendi que algumas pessoas podem mudar, se lhes dermos a oportunidade para isso. Às vezes, podemos surpreendermo-nos.

− Ainda tenho muito a aprender contigo.

− E eu contigo. – Os recém-casados sorriram cumplicemente. Eles estavam abertos e disponíveis para beber um do outro. Os dois poderiam crescer muito, como pessoas, com aquela relação. – Obrigada. Vai ser bom ter a minha família por perto. Principalmente a Anastasie. Você sabe...

− Eu sei. – Elroy limpou a lágrima que escorregava na face ainda ruborizada da sua mulher. – Mas não quero que você chore. Só quero que você seja feliz, que se possa sentir em casa.

− Eu sinto. – Liberty pousou as mãos no peito desnudo do rei e deslizou-as na pele marcada, abrindo um pouco mais a camisa. Elroy retesou-se com o contato inesperado, porém, não se afastou. Um toque que vindo de outro seria como ferro em brasa, vindo dela lhe acariciava a alma. – Eu já me sinto em casa.

A jovem levou os lábios molhados a uma das cicatrizes e depositou um beijo casto no topo. A pele de Elroy arrepiou-se com a promessa velada, e ele arquejou quando os lábios da moça começaram a percorrer a linha deformada, descendo pelo seu peito. Ele sentia o desejo a pulsar dentro dela, pela forma como o agarrava, como o tocava, como o beijava, ainda que as cicatrizes estivessem lá. Aquilo desconcertou-o, arrebatou-o por completo. Ela amava cada pequeno milímetro daquele homem, porque não precisava dos olhos para isso. Os olhos não amam.

Libby foi travada pelos botões ainda selados e, enquanto suas mãos se ocupavam de os desapertar, sua boca fez o caminho de volta, desta vez, com mais urgência, já que começava a tornar-se íntima de cada pequeno contorno por que passava. O caminho de beijos se prolongou pelo pescoço de Elroy e ela apenas estacou no seu ouvido direito.

– Você é a minha casa – sussurrou a rainha. Ela afastou-se e o fitou intensamente. – Eu te amo.

− Eu te amo – disse o rei, não por falta de originalidade. E aquilo também não seria um simples eco. As palavras eram únicas, ainda que coincidissem com as de sua amada. Aquela era a confissão dele, independente da dela. Ele amar-lhe-ia mesmo que ela não sentisse o mesmo por ele. Porém, esse não era o caso.

Ambos se amavam, cada um da sua forma, não mais, não menos, apenas diferente. Porque eles eram pessoas diferentes, que se haviam encontrado no meio das suas fragilidades, das suas lutas internas, e se haviam fortalecido, juntos. Não eram perfeitos e nunca o seriam, mas se desafiariam constantemente, para se tornarem versões melhores de si mesmos.

Naquela noite, eles se entregaram um ao outro, sem barreiras, e se amaram por completo.

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