Capítulo 27 - Uma rosa entre tantas

O primeiro raio de sol embateu na janela do quarto de Liberty e as cortinas abertas cederam a passagem do visitante matutino. Um feixe teimoso prolongou-se no ar até alcançar as pálpebras cerradas da selecionada. Os seus olhos pestanejaram com o desconforto da forte luminosidade. Uns segundos depois a moça já estava sentada sobre a cama, espreguiçando os braços sobre a sua cabeça.

Sem madame Armoire, Libby estava novamente responsável por si própria.

Nas últimas três noites, a jovem destapara a janela para que pudesse acordar cedo, tal como sempre fizera na sua casa. Não era algo que a desagradasse, ela gostava de acordar junto com o sol.

Sentindo a sua energia renovada, a selecionada pulou da cama, colocou o primeiro vestido negro que encontrou e saiu do quarto pronta para a sua última aula de preparação para o baile. Antes, passaria apenas na cozinha para aquietar o estômago.

− Mais para a direita – ordenou Lumière refastelado numa poltrona.

Big Ben, no topo de um escadote de estabilidade duvidável, trouxe o pesado candelabro uns centímetros para a direita.

− Aqui? – voltou a perguntar pela vigésima vez. Os seus braços já fraquejavam e um dos cristais do objeto roçou o seu ombro como a testar a sua força.

O criado particular de Elroy estendeu os dedos no ar, tentando formar um triângulo, enquadrando a zona do teto onde o candelabro estava. Fechando um olho, espreitou por entre a figura formada com os dedos esguios e compridos. Deslocou algumas vezes as mãos no ar, tentando obter o angulo certo.

− Não – negou perentoriamente. − Mais para a esquerda.

O escadote suspirou junto com o homem forte que balanceou o seu corpo ligeiramente para a esquerda.

− Está bom assim? – Uma gota de suor deslizou pela sua face vermelha não só do esforço, mas também da irritação crescente. O mordomo era exigente e queria que tudo ficasse nas mais perfeitas condições para o baile, mas aquilo já era demais! À um quarto de hora que suportava o peso daquele candelabro e o companheiro não parecia estar a acertar com o centro da sala.

− Foi muito – concluiu Lumière, divertido com a frustração do amigo. Para ele, pouco importava se o raio do candeeiro estava exatamente no ponto central. Mas a obsessão do amigo por aquele pormenor fazia com que tudo aquilo se tornasse bem mais estimulante para Lumière. Aquele era o entretinimento perfeito depois de ter passado uma hora a florir o espaço. – Tenta ir apenas um pouco para a direita.

− Chega assim? – questionou o mordomo depois de mover o candelabro apenas uns dois milímetros.

− Mais... − Espirrou. O pólen das flores estava a irritar-lhe sobremaneira o nariz. De tantos criados que haviam na mansão, ele tinha tido a infelicidade de ficar com a tarefa que mais comichão lhe fazia, literalmente falando. – Mais um pouco.

− E agora? – gritou o mordomo. Os cristais estremeceram com o tom duro da sua voz.

Liberty circulava pelo corredor quando ouviu a voz do homem que já procurava há cerca de vinte minutos. A mansão estava num corrupio desenfreado, por causa dos preparativos para o baile, e nenhum dos criados lhe soube dizer onde se encontrava Big Ben. Até Madame Potts se mostrou demasiado ocupada entre tachos e panelas para lhe dar um minuto de atenção sequer.

Contudo, ao ver as portas da sala do trono entreabertas e nenhum guarda nas redondezas, percebeu que o mordomo haveria de estar lá dentro.

− Não sei, não – comentou Lumière franzindo o rosto. – Não me parece que esteja no centro.

− Como não?! – A voz do mordomo saiu quase num falsete, tal era o desespero.

− Está perfeito, Big Ben – declarou a selecionada completamente rendida à beleza daquela enorme sala.

Era um espaço bastante amplo com apenas alguns cadeirões encostados, aqui e ali, à parede. O chão tinha um padrão complexo com linhas que se cruzavam entre si formando um desenho abstrato. As paredes de um tom escarlate aveludado davam a sensação de serem tão macias quanto uma cama e acomodavam alguns quadros equidistantes com figuras emblemáticas do tempo antes e depois da Redoma.

No fundo da sala, repousavam, imponentes, dois tronos fortificados com uma madeira envernizada e bastante resistente. Alguns detalhes curvilíneos em prata trepavam a madeira como plantas invasoras, reclamando para si o máximo de espaço que conseguiam ocupar. Já o assento e as costas eram do mesmo tom aveludado das paredes. O tamanho desproporcional dos dois tronos deixava bem claro aquele que pertencia ao rei e o que pertencia à rainha de Villeneuve.

No entanto, o que mais encantou à jovem foi os arranjos florais que saiam de vazos altos encostados às paredes. Cada metro de parede era interrompido por uma miscelânea de cores vibrantes. E no ar conseguia sentir-se o aroma refrescante da natureza.

− Tem a certeza, mademoiselle? – A dúvida preencheu a voz do mordomo. Com algum esforço, inclinou-se para o lado para tentar ver a expressão da moça. O escadote estremeceu com o gesto repentino. – Está exatamente no centro?

− Absolutamente – assegurou sorridente. – Fizeram um excelente trabalho com este espaço.

Lumière sorriu com o elogio da doce donzela, apesar desta ter dado fim ao seu divertimento daquela manhã. De qualquer das formas, já estava na hora de voltar ao trabalho. Ainda tinha muitas tarefas para executar naquele dia. Com mais um espirro, o criado levantou-se e encaminhou-se na direção de Big Ben para o ajudar a descer do escadote.

− Hoje não vou ter nenhuma aula? – interrogou Liberty preocupada. Já fazia parte da sua rotina e ela gostava de aprender todos aqueles factos históricos que Big Ben se deliciava em partilhar com a jovem.

− Não, mademoiselle – respondeu Big Ben ao pousar no solo. Ele suspirou aliviado por palpar terreno mais estável. Percebendo que a jovem continuava a olhar para ele um pouco desanimada, acrescentou − Pedimos desculpa, mas são muitas tarefas para tão poucos criados. O baile é já hoje à noite.

Ela não se esquecera do evento grandioso daquele dia, não precisava que o mordomo lho relembrasse. Mas não se sentia minimamente nervosa, ela achava-se preparada para enfrentar a demanda que tinha pela frente. Para ela, uma aula a mais ou a menos não iriam fazer diferença, era apenas uma forma de preencher a sua mente e ocupar o tempo.

− Eu irei ajudar-vos – comunicou Liberty decidida. Os criados entreolharam-se, achando aquela situação surreal. Ela era a futura princesa não poderia fazer as tarefas domésticas como se fosse uma simples criada. – O que posso fazer?

− Mademoiselle, não é certo – disse Lumière ao ver o companheiro incapaz de produzir uma palavra sequer. Ele já sabia que a jovem era de ideias fixas, mas certamente que com o seu carisma seria bem-sucedido a demovê-la. Ou talvez não. – Se o rei ou a rainha, ou até o príncipe, a virem a trabalhar junto da criadagem não ficarão nada satisfeitos. E as repercussões poderão cair sobre nós.

− Poderão dar-me uma tarefa onde não haja esse risco. Num sítio onde nenhum deles me possa encontrar – sugeriu Libby, de forma travessa.

− Tudo bem – concordou Lumière. O mordomo arregalou os olhos para o companheiro, sem poder acreditar na facilidade com que a jovem lhe tinha dado a volta. – Poderá ir à estufa buscar algumas flores para colocar sobre as mesas. – Gesticulou para as mesas acumuladas num dos cantos junto à porta, que ainda, naquele dia, teria de distribuir pelo espaço. – Escolha as que achar mais apropriadas e pode tratar do arranjo, se se sentir confortável para isso.

O criado falava como se fosse uma tarefa de extrema exigência e responsabilidade, e acabou surtindo exatamente o efeito desejado. A selecionada sentiu-se bastante motivada e acenou energicamente com a cabeça em confirmação. Lumière havia sido muito esperto em dar aquela tarefa a Liberty. Daquela forma, resolveria o problema da sua alergia e ainda estaria a salvar a sua face caso a família real descobrisse que a jovem havia participado dos preparativos para o baile. Ninguém poderia achar pouco apropriado uma futura princesa escolher os motivos florais que iriam enfeitar as mesas do salão de baile. Muito pelo contrário, isso poderia até demonstrar o comprometimento e envolvimento da jovem com a ocasião, sem colocar em causa a delicadeza e bons modos esperados.

Claro que Libby não era idiota, ela sabia que o criado havia escolhido propositadamente uma tarefa fácil. Porém, animava-a a ideia de entrar na estufa pela primeira vez.

Pé ante pé, Liberty avançou pelo caminho de pedra que se desenhava à sua frente. Os seus movimentos eram contidos para não comprometer a paz e tranquilidade daquele lugar mágico. As árvores altas e frondosas produziam uma enorme sombra que decaia sobre ela, ocultando-a dos raios solares que ficavam retidos pelas paredes translucidas da estufa. O calor naquele espaço não chegava a ser insuportável, mas Libby começou a transpirar depois de alguns passos, por o seu corpo não estar habitado àquele clima tão único. Mas o ar era, ainda assim, leve e refrescante, a abundância de oxigénio sentida por cada célula do corpo da selecionada.

Olhando para o solo, Libby conseguiu perceber que todas as plantas estavam emergidas numa terra diferente da existente no exterior da estufa. Uma funda depressão escondia uma vasta área preenchida artificialmente com uma terra tratada e controlada, com todos os nutrientes necessários para a nutrição das espécies existentes na estufa. Uma terra sem elementos químicos nefastos para os seres vivos.

O sítio era labiríntico. Uma verdadeira floresta dentro de uma casa.

Com tantas flores, como poderia ela decidir-se? O seu instinto mandava-a continuar. A cada nova espécie, ela detinha-se, tentando memorizar o máximo de pormenores possíveis.

Ao passar por umas flores de pétalas bem vermelhas sentiu-se hipnotizar. Olhando de cima, os círculos iam se alargando à medida que se afastavam do centro, terminando em algumas pétalas mais afastadas das restantes. O caule era de um verde acastanhado e as folhas demasiado singelas para o estímulo visual impressionante que as pétalas em conjunto formavam.

Sem conseguir resistir, a jovem debruçou-se para tocar numa delas.

− Cuidado – aconselhou Elroy.

Liberty sobressaltou-se com o susto. Ela reconheceu a voz do príncipe, mas não esperava ouvir ninguém naquele instante que se julgava completamente sozinha.

Voltando-se para trás, a moça encontrou o príncipe a uns três passos dela.

− Têm espinhos. – A jovem enrugou a testa sem entender. – Os caules dessas flores – esclareceu o futuro monarca, apontando com a cabeça na direção da flora.

Os curtos espinhos tornaram-se bastante evidentes para Liberty quando esta retornou a sua atenção para as belas flores vermelhas. Era impressionante como um ser tão belo poderia trazer mal a alguém. Porém, aquilo já não constituía uma surpresa para a selecionada. Ela já começava a habituar-se à ideia errónea que a aparência implantava, tantas vezes, em observadores desatentos. Observadores que se limitavam a utilizar os olhos.

Libby não conseguiu deixar de associar aquela flor a Gaston. Ele poderia até ser um homem másculo e belo, mas provara poder magoar tanto ou mais do que os espinhos que a jovem fitava atentamente.

− São rosas, flores com excelentes propriedades medicinais. – A garota conseguiu, por fim, associar o nome às pétalas vermelhas que tinha sobre escrutínio. Já lera sobre elas em livros, inclusivamente no preferido de Elroy: "Le petit prince"; mas nunca havia testemunhado a beleza do espécime ao vivo. – Por serem plantas resistentes e ainda agirem como antioxidantes naturais, impedindo a proliferação de toxinas, Antoine Morfrant escolheu-a como símbolo da nossa resistência. A nossa sociedade vingou num mundo que apodreceu.

Ao erguer a cabeça para o telhado transparente da estufa, Liberty conseguiu vislumbrar a presença imponente da redoma. Sempre se habituara a vê-la como um obstáculo entre ela e o mundo lá fora, mas não poderia negar a sua importância. Sem ela, os seus antepassados teriam sucumbido junto com o resto da humanidade. E ela nunca teria chegado a nascer. Talvez não existissem coisas totalmente boas ou totalmente más.

− Mas estou curioso. O que você está aqui a fazer?

− Poderia te perguntar o mesmo – retrocou a jovem de queixo erguido para o futuro monarca. O desafio na voz da selecionada fez Elroy sorrir.

− Você tem razão. – O homem levantou as mãos no ar em sinal de rendição. Claro que aquela era a casa dele e isso já seria justificação o suficiente. Mas não para a jovem e Elroy não queria de modo algum enfatizar esse fato que apenas serviria para os afastar. Era bom que a moça começasse a ver aquela mansão como a sua própria casa. – Façamos o seguinte, você me conta o que veio cá fazer e eu confesso as minhas próprias intenções.

Liberty aquiesceu, sem duvidar, por um segundo, na palavra do príncipe.

− Eu quis ajudar com os preparativos para o baile e Lumière entregou-me a tarefa de vir buscar as flores para os arranjos a figurar nas mesas.

− E tu estava pensando arrancar as flores apenas com as mãos? – questionou com um brilho de divertimento no olhar.

− Sim – confessou num fio de voz. As mãos da moça enrolaram-se uma na outra à frente do corpo. − Não sei como o deva fazer. Nunca o fiz antes.

O príncipe retirou uma tesoura de jardinagem do bolso direito das calças e acenou com o instrumento no ar.

− Talvez isto ajude – comentou o futuro monarca com um sorriso travesso nos lábios.

A situação de ingenuidade da jovem divertia-o, porém, o orgulho que sentia por ela só tendia a crescer. Não só ela tinha mostrado uma grande humildade ao querer ajudar os criados, como ainda se mostrava totalmente aberta a enfrentar qualquer situação, mesmo sem os conhecimentos suficientes para isso. Já não havia dúvidas do espírito aventureiro e corajoso da moça. Sim, ela era humana e tinha os seus medos. Contudo, nenhum temor parecia paralisá-la. Ela parecia sempre pronta a agir, a dar a volta por cima.

− Vem cá que eu te ensino – chamou Elroy já agachado em frente do roseiral. Liberty respondeu ao comando de imediato, a curiosidade gritava dentro do seu ser. – Com luvas seria mais fácil, assim terás de ter mais cuidado. – Ele apontou para os espinhos que desciam pelo caule da flor, uns tão pequenos e finos que eram quase impercetíveis. Com apenas três dedos, ele agarrou numa pequena área desarmada um pouco abaixo do centro. – Convém cortar aqui bem junto ao ramo principal. – Elroy encostou as lâminas da tesoura aberta no encontro entre dois caules. – E cortar sempre na diagonal.

A tesoura fechou-se com determinação sobre a dureza que a planta oferecia. E, sem nenhuma dificuldade, a flor dissociou-se do seu lugar de origem. Pousando-a sobre a terra, Elroy prosseguiu logo de seguida para uma outra rosa.

− Vou fazer mais uma vez e depois você faz.

Daquela segunda vez, a garota não ficou embrenhada no procedimento, mas no executante. A delicadeza com que o príncipe segurava no caule, a forma como o seu rosto compenetrado parecia relaxado e o brilho de fascínio em seus olhos não escaparam à jovem atenta. Toda aquela natureza despertava o lado mais gentil e descontraído de Elroy. Talvez o seu verdadeiro "eu". Ou, pelo menos, o mais próximo à sua essência. Ali, sem pressões exteriores, ele poderia ser apenas mais um elemento da natureza. Sem ser mais ou menos importante, apenas mais um.

Não tardou para que chegasse a vez de Liberty, e ela mostrou estar à altura da tarefa que julgara precipitadamente como demasiado simples. O próprio Lumière, que não tinha nem metade do cuidado do patrão, assim o entendia. Para o criado, cortar flores era uma tarefa desagradável e quanto mais rápido conseguisse fazê-lo, melhor. As suas alergias faziam-no frio face a uma situação que Elroy descreveria como mágica. Cuidar do jardim da estufa era verdadeiramente terapêutico para o príncipe.

Ao lado de Elroy, Libby conseguiu entender a perspetiva do seu suposto noivo. À quarta rosa, os seus músculos já haviam perdido qualquer vestígio de tensão acumulada.

− Bem que já me tinham avisado que você aprendia rápido – proferiu o príncipe com um sorriso de lado. – Mas estou a começar a sentir ciúmes dessas rosas.

Liberty olhou para a forma como a sua mão envolvia delicadamente as pétalas da rosa acabada de cortar, como se a estivesse a acariciar, e compreendeu a insinuação que o futuro monarca lhe fazia. Recordando-se dos momentos mais ternos que os dois haviam partilhado nos últimos dias, o sangue aflorou-lhe às faces.

− Ainda não me disse o que veio fazer à estufa – referiu a jovem de rosto cravado no monte de rosas sobre a terra, junto aos seus joelhos.

− Era uma surpresa – confessou encabulado. A mão com terra passou nervosamente pelo cabelo negro. − Vinha preparar um ramo de rosas para te oferecer logo à noite. − A garota fitou o homem ao seu lado curiosa com o que acabava de ouvir. Aquela era uma possibilidade que nem lhe tinha passado pela cabeça. Um gesto que mostrava que ele pensava nela e que se importava. − Daí a tesoura no bolso.

Aquilo era tudo tão novo para a garota que ela nem estranhou quando o príncipe tirara simplesmente a tesoura de jardinagem do bolso das calças. O instrumento costumava ficar numa mesa discreta junto à porta da estufa, mas Liberty nem repara nela quando entrara. Contudo, os dois estavam empatados, porque Elroy também só sentira a presença da jovem muito depois de ter chegado à estufa.

− Mas suponho que... − O príncipe esticou a mão para a rosa no topo do molho aos joelhos da selecionada e agarrou-a. – Dê para adaptar. – Elroy endireitou as costas e estendeu a rosa no ar. Os seus joelhos, cobertos pelo tecido das calças, afundaram um pouco mais na terra molhada. – É para você.

− Tecnicamente fui eu quem colheu essa rosa, então... − Um sorriso subiu no rosto da selecionada, porém, acabou por esmorecer. O rosto sério de Elroy fez a moça perceber que aquilo era importante para ele. − Mas a intenção é o que conta. Obrigada.

− O principezinho precisou de encontrar muitas rosas e viajar por inúmeros mundos para perceber que sua rosa era única. – A maneira como ele a olhava só intensificou ainda mais as palavras que pronunciava. A garota voltou a descer a mão que havia começado a estender para pegar na rosa. − Apenas ela o tinha cativado, e ele a ela. – Elroy dobrou o caule da flor e partiu-o. Um pequeno caule verde, sem espinho algum, sustinha agora o aglomerado de pétalas vermelhas. − Quando cativamos alguém, nos tornamos responsáveis por essa pessoa.

Lentamente, o futuro monarca foi-se inclinando na direção da selecionada. Os dois corações disparavam, as respirações adensaram apesar da abundância de oxigénio que os cercava. A garota, estática no seu lugar, engoliu em seco. A racionalidade naquele momento era nula. Uma outra coisa guiava a conduta dos dois.

− Eu não sei explicar como, nem porquê – murmurou o príncipe ao arrumar a mecha do longo cabelo castanho que cobria a orelha esquerda atrás desta. Os dedos dele fizeram formigar a pele macia do lóbulo e a moça estremeceu levemente com a inesperada sensação. − Mas eu sinto que minha rosa é você. – A voz saiu-lhe rouca com a confissão que lhe provinha do fundo da alma. Elroy depositou a flor de cor vivida sobre a orelha da moça, prendendo o caule no cabelo sedoso. – Você é a minha rosa – repetiu convictamente ao olhar-lhe no fundo dos olhos, que o recebiam abertamente.

A mão do príncipe desceu pelo rosto angelical e só parou quando o polegar roçou no canto da boca bem delineada para onde se encaminharam, de imediato, os olhos azúis flamejantes.

Entregando-se por completo a um desejo maior do que ele mesmo, Elroy cobriu rapidamente a distância que o separava de Liberty, colando os seus lábios aos dela. Os seus olhos se fecharam, enquanto os da garota se abriram em espanto. A pressão era suave e delicada sobre a boca cerrada da selecionada, que continuava imóvel. Contudo, quando a mão forte e quente do príncipe se alojou no pescoço da jovem, ela fechou, por fim, os olhos e arquejou. Tomando-o como incentivo, Elroy aprofundou o beijo, deliciando-se com o sabor adocicado que lhe invadia os sentidos.

Os dois amantes inexperientes entregavam-se de corpo e alma àquele beijo cada vez mais perigoso. A cada nova investida dele, mais ela ofegava por mais. A cada nova exploração dela, mais ele ardia por ela. À medida que o beijo se adensava, mais as barreiras que os dois haviam construído em torno de si próprios se desmoronavam. E, antes que fosse tarde demais, os lábios simplesmente se afastaram.

Um olhar demorado impôs-se naquele momento de silêncio pesado. Já não havia como voltar atrás, teriam de enfrentar as consequências daquela decisão. Por mais irrefletida que tenha sido, ela não deixava de fazer sentido. Eles gostavam um do outro e isso tornou-se bastante evidente para os dois, precisamente, naquele instante.

Mas ainda que a constatação estivesse lá, Libby era demasiado teimosa para se render ao sentimento efémero da paixão. Valores mais altos se levantavam. Como poderia ela abraçar uma vida que aprendera a renegar?

Não, eu não pertenço à família real, nem nunca poderei vir a pertencer, tentou convencer-se a si mesma enquanto se entregava de novo à tarefa de há pouco.

Elroy limitou-se a ficar quieto e calado do seu lado, dando-lhe espaço para processar os sentimentos que para ele já eram claros como a água. Talvez tivesse sido impulsivo, mas não se arrependia nem um pouco daquele beijo. A recordação demasiado intensa da intimidade de minutos antes trouxe consigo uma avalanche de sensações e um sorriso aflorou-lhe ao rosto. E, como num espelho, Liberty sorriu para as rosas, sem sequer notar o sincronismo perfeito que já os unia.

As flores vermelhas, tidas por muitos como o símbolo do amor, lá estavam, fortes e resistentes, sem ajuizar ou profanar o momento. Elas haviam sido as únicas testemunhas daquele primeiro beijo. Ou, pelo menos, assim os dois prometidos erroneamente o julgaram.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top