Capítulo 21 - Companhia agradável
− O príncipe está a jantar na sala? – interrogou Liberty ao ganhar coragem para finalmente formular o pensamento que a estava a inquietar.
− Não, mademoiselle – respondeu Lumière levantando o tabuleiro que estava a acabar de preparar quando a jovem entrou na cozinha. – Ele pediu-me para servir-lhe a refeição no quarto, hoje.
Libby acenou afirmativamente com a cabeça e encaminhou-se cabisbaixa para a mesa vazia à sua frente.
Depois do almoço, Elroy despedira-se da jovem e seguira caminho para o quarto. Não era que tivesse algo para fazer, afinal de contas o rei ainda não estava a par da sua recuperação e pensando que ainda estava de cama, não o sobrecarregara com as habituais tarefas aborrecidas que sempre passava para o filho. Na verdade, o futuro monarca queria dar espaço a Liberty, não a sufocar com a sua presença constante, por muito que a sua vontade fosse passar todas as suas horas acordado do lado daquela bela moça que o fascinava cada vez mais. A selecionada não levou a mal a sua atitude de se distanciar, pensando que, com toda a certeza, Elroy teria coisas muito mais importantes para fazer do que dedicar a sua atenção exclusivamente a ela. Além do mais, planeara passar a tarde inteira na biblioteca e o príncipe, evidentemente, não tinha os mesmos planos. Apenas para ela a biblioteca era uma novidade irresistível, para o príncipe não passava de uma parte agradável da sua realidade.
A jovem passou, então, a tarde toda no conforto da infindável biblioteca. Madame Potts fora a única que a interrompera a meio do serão para lhe servir um chá que lhe aqueceu a alma. E, assim que chegara a hora do jantar, Liberty dirigiu-se animada para a cozinha pensando que para variar não teria de comer sozinha.
Mas ali estava ela, de braços cruzados sobre o tampo da mesa, enquanto os criados andavam de um lado para o outro ocupados com o serviço na sala de jantar. Nem podia pedir a madame Potts para se juntar a ela, visto que a criada estava sempre ocupada com qualquer coisa. Já para não falar que isso iria contra as regras da mansão e Libby não queria colocar a pobre mulher afável em tão complicada situação. Ela estava fadada a jantar mais uma vez sozinha. Porém, a recordação do almoço daquele dia fê-la espreitar animada para debaixo da mesa. Talvez existisse alguém que lhe pudesse proporcionar um jantar agradável.
− Oi – cumprimentou Liberty sorridente ao deparar-se com Jesper bastante próximo das suas pernas. – Você quer jantar comigo?
A criança mostrou um sorriso esburacado completamente encantador e anuiu. Ao ver que Libby continuava parada a sorrir para ele, parecendo não mudar de ideias, Jesper rastejou para fora da mesa convencido de que aquele era o melhor dia da sua ainda curta vida.
− Mãe, você pode servir-nos o jantar – disse Jesp já sentado ao lado da selecionada. O seu rosto transparecia a importância desmedida que dava a toda aquela situação e a jovem só conseguia sorrir.
Madame Potts virou-se com as especiarias, que ia acrescentar ao tacho fumegante, ainda na mão fechada. A sua boca abriu-se para protestar, mas a futura princesa foi mais rápida:
− É uma ordem minha. Ele é meu convidado, que eu saiba ele não trabalha nesta casa, pois não?
− É muita amabilidade, mas não precisa de fazer isso, se não quiser.
− Eu quero – a jovem acrescentou simplesmente, ainda com um sorriso cativante no rosto. Ao lado dela, Jesp começou a dar pequenos saltinhos sobre a cadeira, sem conseguir conter a alegria que sentia a transbordar do peito.
A criada começava a achar que Elroy não poderia ter tido mais sorte na sua seleção e que Liberty lhe estava realmente destinada.
No dia seguinte, Liberty acordou bem cedo e vestiu um dos vestidos simples que madame Armoire lhe havia colocado no roupeiro. A criada não estava especialmente agradada com aquelas suas criações, que se achavam desprovidas do brilho que as cores vibrantes da família real lhe poderiam facilmente conceder. Mas a jovem parecia mais do que satisfeita com as suas obras e isso teria de lhe bastar.
Como o jantar de ontem se mostrara tão leve e animado com a presença de Jesper, a moça lembrou-se de repetir a dose no desjejum daquele dia ao chegar à cozinha e ver a mesa vazia. Libby pediu se madame Potts se importaria de ir chamar o seu filho, para que este lhe voltasse a fazer companhia, e a criada obedeceu de bom grado àquele pedido tão humilde.
− São pães – corrigiu Jesper entre risos ao ver Libby enfiar um dedo sobre o alimento no prato.
− Pedras fofas – insistiu a jovem gargalhando junto com a criança. – Foi assim que batizei estas bolas irregulares. – A selecionada apanhou o pão com as duas mãos e abocanhou grande parte do alimento. − Mas suponho que as pedras não saibam tão bem – acrescentou numa voz abafada enquanto mastigava.
Jesp deu uma pequena trinca no seu pão e sorriu ao imaginar que estava a comer uma pedra estranha, mas bastante deliciosa.
O príncipe tossiu intencionalmente junto à porta fazendo a atenção dos dois ocupantes da mesa se voltarem nessa direção. O rosto de Liberty iluminou-se ao deparar-se com a figura descontraída de Elroy à entrada da cozinha. O recém-chegado trazia vestida uma simples camisola encarnada e umas calças de ganga, a informalidade dos seus trajes realçando a sua juventude. Ao lado da moça, Jesper deixou-se escorregar na cadeira, ocultando-se por debaixo da segurança da mesa dura.
− Pensava que você não vinha, hoje – disse a jovem sem se aperceber da fuga do seu companheiro de desjejum.
− Se eu soubesse que você estaria aqui, tinha vindo mais cedo – anunciou o príncipe com uma intensidade no olhar que fez a pele de Liberty se arrepiar. – Posso juntar-me a você?
− A nós – retificou a jovem voltando-se de novo para a frente. − Eu e o... − A boca continuou aberta, mas sem deixar fugir qualquer som. Ela não esperava encontrar a cadeira ao seu lado vazia.
− Ele escondeu-se debaixo da mesa – informou Elroy ao avançar. – As crianças não gostam muito de mim. – Ele parou do outro lado da mesa, pousando a mão sobre a cadeira. Estático nessa posição, ele acrescentou, − Talvez esteja a ser demasiado específico. As pessoas, de forma geral, não gostam de mim.
− Então está na hora de começar a mudar isso – comentou Libby com um sorriso matreiro. Elroy semicerrou os olhos, tentando decifrar as intenções escondidas por detrás daquelas simples palavras. – Sente-se aqui, do meu lado – ordenou ao puxar a cadeira do seu lado esquerdo para trás.
O futuro monarca caminhou hesitante na direção da jovem. Ela quer que eu me sente mais perto dela?, o espanto invadiu-lhe os pensamentos.
− O príncipe quer que você se junte a nós – comunicou Liberty de cara enfiada debaixo do tampo da mesa, assim que Elroy se sentou. – Não é verdade?
A jovem bateu com o seu joelho no do príncipe, ao ver que não obtinha resposta.
− É, sim – disparou parecendo acordar do transe em que se encontrava.
Ele nunca vira tamanha dificuldade para tomar um simples café da manhã. Por isso é que não perdia tempo com as pessoas, dava demasiado trabalho para nada. Mas com a futura princesa, a sua máxima não se aplicava. Para ele, até um simples sorriso de Liberty era recompensa mais do que suficiente.
A selecionada levantou o rosto, pousando o queixo sobre o tampo da mesa, e arregalou os olhos para o homem paralisado do seu lado. Com as órbitas a descer consecutivamente na direção do tampo da mesa, finalmente Elroy entendeu o recado. Acanhado, o príncipe fez o impensável e colocou a sua cabeça debaixo da superfície à sua frente.
Ao ver os olhos intempestivos do futuro monarca, Jesper afastou-se uns milímetros para trás aproximando-se da cadeira onde antes estava sentado. E só não fugiu a correr, porque Libby olhava-o com ternura, espreitando pela cabeceira da mesa.
− Vem comer connosco – o homem falou rispidamente. Liberty limpou a garganta produzindo um som que chamou a atenção de Elroy. – Eu gostaria muito que você subisse e se sentasse à mesa connosco – emendou num tom de voz que agradou à rapariga.
Em completo silêncio, Jesp subiu e sentou-se na cadeira, de forma contida, temendo que movimentos bruscos fossem despertar o monstro que habitava dentro do príncipe. Afinal de contas, quantas e quantas vezes não havia ele testemunhado um acesso de fúria do futuro regente de Villeneuve.
Madame Potts voltou a entrar na cozinha nesse preciso momento. A criada havia-se ausentado para ir buscar os ovos à capoeira para o desjejum dos reis. Porém, nada a podia ter preparado para o cenário inacreditável que encontrou à sua frente. Ver Elroy na mesma mesa que o filho era um verdadeiro milagre, visto que os dois nunca se haviam dado muito bem. Ela sabia que Jesper temia o príncipe e não o podia recriminar por isso. As atitudes e comportamentos de Elroy poderiam assustar e afugentar qualquer um, não a ela, claro, que o havia criado como filho e conhecia-o como ninguém.
Depositando um beijo no topo da cabeça do príncipe, a criada percebeu que, apesar de sentados à mesma mesa, o clima não era dos melhores. Jesper arrancava pedaço a pedaço do pão sem chegar a meter nenhum na boca. As pequenas bolas da massa cozida no forno ficavam simplesmente a acumular-se no prato. Liberty bebericava o fresco sumo de laranja sem tirar os olhos da criança. E Elroy mantinha as mãos contraídas sobre o tampo da mesa, as veias salientadas na pele com a força exercida.
Um prato com um pão ainda quentinho foi servido à frente do príncipe, para que este não mudasse de ideias e fugisse de forma intempestiva daquela situação pouco confortável.
− Uma nuvem – disse Elroy interrompendo o silêncio ensurdecedor. As três pessoas presentes na cozinha fitaram-no pasmadas. – Os pães fazem-me lembrar as nuvens sobre a redoma – explicou absorto num ponto algures para além da janela da cozinha. − Sempre de formas arredondadas e irregulares.
Jesper olhou para o pão desfeito sobre o prato e viu facilmente o aglomerado do miolo como nuvens fofinhas, cada uma com a sua própria forma. Movido por uma curiosidade súbita, agarrou num dos pedaços maiores e levou-o à boca, sorrindo ao saborear pela primeira vez uma nuvem. Ao engolir, a criança ergueu a cabeça e permitiu que o príncipe avistasse o seu amplo sorriso com pequenos orifícios adoráveis. Elroy sorriu igualmente, sentindo-se levitar por dentro. Talvez fazer um esforço para agradar os outros não fosse algo assim tão ruim, constatou o príncipe.
Liberty percebeu naquele momento que o futuro monarca ouvira, pelo menos, uma parte da conversa entre ela e o Jesp, antes de se fazer anunciar. Mas não foi a esse detalhe que ela se agarrou, e sim à gentileza que ela começava a ter a certeza habitar no coração calejado de Elroy.
− Uma nuvem?! – madame Potts interrogou escandalizada, sem perceber a que propósito vinha aquela conversa estranha sobre o seu cozinhado.
Três gargalhadas distintas ecoaram pela cozinha pouco movimentada àquela hora do dia. A cumplicidade à mesa era visível a qualquer um que entrasse naquele momento e a criada, mesmo sem entender o motivo, não se sentiu minimamente ofendida e sorriu com o cenário encantador que se desenhara magicamente à sua frente.
Boas notícias, meus queridos leitores, ganhamos mais três premiações. E como é que eu estou? Radiante, como não poderia deixar de ser. É um gesto bem simbólico, mas é muito bom ver esta obra ganhar reconhecimento nestes concursos promovidos através de tantos corações bondosos. Pessoas que se dispõem a ler, a avaliar e a presentear os livros que se destaquem de alguma forma. O meu agradecimento, desta vez, vai para essas pessoas. Muito obrigada.
🏆 1º Lugar em Romance no Concurso Diamond Writers - 2ª Ed. 2019
🏆 2º Lugar em Romance no Concurso Royal - 1ª Ed. 2019
🏆 2º Lugar na Categoria Extra Apresentação no Concurso Diamond Writers - 2ª Ed. 2019
O próximo capítulo irá agitar as águas, com novas informações bombásticas.
Até ao próximo capítulo.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top