Capítulo 13 - Explorando a prisão
Os reis foram os primeiros a levantar-se da mesa, primeiro Keandre, depois a sua esposa. Ambos tinham que se ocupar dos seus afazeres. O rei ficaria sentado na sua poltrona, tentando juntar uma equipe para investigar o processo da última seleção. Já a rainha Florianne passaria o dia inteiro a discutir os pormenores dos trajes que ela e o marido iriam usar na primeira entrevista depois da seleção, que ocorreria já no dia seguinte.
Restaram Liberty e Elroy, e nenhum dos dois parecia fazer questão de se levantar. Dois teimosos amarrados às pernas das cadeiras. Pior era para os criados, em pé, atrás deles, sem saber a razão daquele impasse.
− Peço desculpa de incomodar – falou o mordomo junto à cabeceira da mesa. Os dois futuros regentes de Villeneuve fulminaram-no com o olhar. O pobre homem engoliu em seco, não percebendo que a raiva que demonstravam não era dirigido a ele. Ainda assim, decidiu continuar, seria estranho ficar ali especado sem nada dizer, − Posso ajudar em alguma coisa?
Liberty sorriu ao ver ali a oportunidade perfeita para falar com o príncipe sem ter de se dirigir diretamente a este.
− Big Ben, − o tom era tão melodioso que o mordomo se sentiu privilegiado ao ver o seu nome articulado com tamanha doçura, − poderia informar-me se eu ainda estou obrigada a ficar enclausurada na minha sela? Gostaria de conhecer o resto da prisão.
O mordomo, atónito, fitou a rapariga. O seu bigode castanho curvou-se para baixo, compadecido da sua angústia.
− Big Ben, − o nome do mordomo foi pronunciado com tamanha grosseria pelo príncipe, que o criado encolheu a cabeça entre os ombros, − podes preparar as masmorras para a minha... − fez uma pausa para pensar, − carinhosa futura esposa? – acrescentou, por fim, com ironia. − Ela parece curiosa para conhecer essa parte da mansão.
A moça esticou-se no lugar e os chumaços que cobriam os seus pequenos ombros pareceram inchar. Gotas de suor escorreram pelo corpo anafado do mordomo.
− Big Ben, − o nome foi como uma estalada na cara do homem, que nada tinha feito para merecer aquilo, − diga ao amável cavalheiro, que pensa que é meu dono, que qualquer lugar desta maldita mansão é acolhedor desde que ele não esteja presente.
− Big Ben...
− Basta! – gritou o criado em desespero, interrompendo o príncipe. O sangue subiu-lhe até às maçãs redondas do rosto. – Para mim parece-me óbvio que vocês querem falar um com o outro. – Os dois prometidos entreolharam-se para logo depois desviarem os olhos para lados opostos da sala. – Eu não estou aqui a fazer nada.
O mordomo fez sinal para os criados o seguirem, que obedeceram de bom grado. A selecionada e o príncipe foram deixados para trás, ainda amarrados aos seus lugares por puro orgulho.
Um silêncio ensurdecedor instalou-se na sala. Mas Liberty não estava para aquilo, por isso levantou-se, perdendo no estúpido jogo em que se enfiara.
− Você não precisa ir para o quarto, se não quiser – comunicou o príncipe.
A rapariga estacou, sem coragem para se voltar de frente para o seu interlocutor, que continuava sentado.
− Ótimo – respondeu simplesmente. Empurrou os cabelos que lhe cobriam a pele do decote para trás e avançou determinada.
Liberty decidiu começar por espreitar a sala adjacente à das refeições. Tempo era coisa que não lhe faltava e pretendia conhecer aquela mansão o mais possível para tentar conseguir um meio de fuga.
O espaço daquela sala era ainda mais amplo do que ao daquela onde tinha decorrido o almoço e estava, claramente, melhor aproveitado. Duas grandes janelas ofereciam uma belíssima luz natural que dava vida a cada objeto em que tocava. Dois sofás, de três lugares cada, enfrentavam-se num duelo como dois cavalheiros, com mais de vinte passos entre si. Uma mesa rasa com uma larga redoma de prata no centro servia de escudo entre os dois. E um tapete redondo de um tom negro envolvia estes três elementos como se fosse a arena. Na parede mais próxima a estes, uma esbelta lareira de mármore imaculado repousava serenamente, sem mostrar a sua força interior para Liberty, que ficou sem saber para que serviria aquele objeto magnífico, mas aparentemente sem utilidade. O buraco tapado com um vidro onde se colocavam os troncos estava vazio e, por isso, pareceu-lhe apenas uma janela para lado nenhum.
Do outro lado, um piano com cauda e uma harpa jaziam um ao lado do outro, como um estranho casal separado pela distância. A jovem reconheceu-os como instrumentos musicais ao invocar algumas das descrições que lera em livros. Ela perguntou-se se alguém naquela casa saberia tocar algum deles ou se estes serviam apenas de decoração.
Três quadros com molduras de prata equidistantes coloriam a parede paralela à da lareira. A jovem não resistiu à vontade de analisar o do centro, aquele que era do dobro do tamanho dos outros dois.
Um homem de cabelo grisalho e rugas bem marcadas fitava-a sem pudores. Os seus olhos de um azul que faziam lembrar os do príncipe pareciam deter todos os segredos do mundo.
− Esse é o meu avô – a voz de Elroy surgiu nas suas costas. A moça pulou no ar com o susto.
− O que está aqui a fazer? – perguntou Liberty ao voltar-se para o homem. – Pensei que estava autorizada a ver a casa.
− E está, só que na minha presença. – Um sorriso desenhou-lhe uma pequena cova do lado esquerdo da face.
− E se eu não quiser? – a jovem ousara questionar.
− Suponho que você terá que voltar para o quarto. – Liberty contorceu o rosto em desagrado. – Mas não se preocupe, você nem vai notar a minha presença.
Libby duvidava disso, mas não tinha outra solução se não aceitar o acordo. Não lhe agradava ter um guarda a seguir-lhe todos os passos, porém passar mais um dia trancada no quarto, sem nada que fazer, parecia-lhe um cenário mil vezes pior. Assim, inspecionara mais outras duas divisões do andar de baixo, sempre com a sombra atrás de si. Elroy mantinha-se a um espaço adequado, permitindo que ela, ocasionalmente, até se esquecesse da sua presença.
O futuro príncipe não entendia esta sua urgente vontade de estar do lado da garota, que nem lhe ligava. Dizia para si próprio que era para garantir que a moça não invadia espaços onde não seria bem-vinda, como o escritório do pai. No entanto, ele sabia que isso não era totalmente verdade. Ele poderia controlá-la da mesma forma no conforto do seu quarto, através do dispositivo de vigilância. Ou até exigir que algum criado de confiança a escoltasse. Fora isso que fizera quando foi necessário trazer a jovem para a mansão. Nessa altura, apenas Lumière e Big Ben lhe pareceram ser candidatos adequados ao cargo, não queria que os guardas a assustassem. Mas a verdade é que agora ela o intrigava mais do que nunca. A sua ousadia em enfrentar pequenas batalhas com oponentes mais poderosos e aquela sua língua afiada, com a resposta sempre pronta, deixavam-no louco, mas desejoso de saber mais. O que mais poderia esconder aquele rosto de anjo?, interrogou-se ao vê-la pestanejar para uma ventoinha.
Naquela divisão onde se encontravam, só descansavam relíquias, vestígios da atividade da espécie humana antes da redoma. No entanto, a moça não tinha nem como desconfiar disso. O príncipe poderia facilmente informá-la desse fato, mas decidiu manter o seu pacto de silêncio, não estava propriamente com vontade de discutir mais uma vez.
Porém a visita não acabou por aí. Ainda existiam mais alguns espaços por descobrir.
Ao fundo de um dos corredores que davam para a entrada da casa, encontrava-se a sala do trono, facilmente identificável pelos dois guardas parados a ladear as grandes portas duplas de madeira, com uma coroa desenhada em relevo de cada um dos lados. Liberty não precisou de perguntar para saber o que poderia encontrar do outro lado, ela conseguia imaginar perfeitamente a deprimente imagem dos dois cadeirões enormes no centro da sala. O do rei certamente maior e mais vistoso, pensou convicta das suas suposições. Ali estava um espaço em que ela não iria querer entrar, com toda a certeza. Um espaço que apenas a fazia lembrar do lugar em que todo o reino a queria ver sentada. Um lugar que não queria para ela.
Eventualmente, Liberty acabou por chegar a uma porta que marcava o fim da ala este. Ela tentou abri-la, mas estranhamente encontrou-a trancada. A futura princesa girou 180º e deu de caras com Elroy, quase no extremo oposto do corredor, a passar a mão pelos cabelos revoltos. Entre os dois impunha-se um enorme espaço vazio de cerca de quatro metros.
− Porque é que esta porta está trancada? – a rapariga projetou a voz para que fosse ouvida do outro lado do corredor. – Se não é o escritório do rei, − disse ao recordar-se de passar por uma porta com essa designação pendurada, − não me diga que são os calabouços.
− É mais ou menos isso – pronunciou o homem num fio de voz que quase não alcançou a jovem.
− Então suponho que possa abrir-me a porta, já que parecia tão interessado em mostrar-me essa parte da mansão. – A curiosidade martelava numa intensidade frenética no peito de Liberty.
− Não – rugiu Elroy antes de dar meia volta e desaparecer.
Com a curiosidade já em chamas vivas dentro da moça, ela correu como se a sua vida dependesse disso. Ironicamente, não para fugir do príncipe, mas para o alcançar.
− Espere! – gritou ofegante ao vê-lo começar a subir as escadas que davam para o piso superior. O futuro regente estacou, sem se voltar na direção da figura esguia ainda a correr para o apanhar. – Como espera que me sinta à vontade, que me sinta em casa, se há barreiras que não posso ultrapassar. – Ela parou de correr e imobilizou-se a dois passos da enorme escadaria. Esperou que a respiração normalizasse e só depois continuou a falar, − Eu tenho que estar a par de tudo para saber onde me estou a meter! Não foi isso que insinuou ontem quando invadiu o meu quarto a meio da noite? – a lembrança queimou-lhe as entranhas e a voz saiu-lhe gasta.
− Não isto. Eu sou o futuro rei, eu é que defino o que você tem ou não de saber – proclamou ainda de costas para ela.
E depois disto não havia nada que um ou outro pudessem dizer que melhorasse aquela situação terrível em que se tinham metido. Enquanto Elroy subiu as escadas que o levavam à tranquilidade do quarto, Liberty saiu disparada até ao portão exterior e colidiu com os punhos na dureza que este lhe oferecia, uma e outra vez, até os guardas notarem a sua presença e a levarem para dentro. O sangue que pingou no tapete da entrada embrenhou-se de tal forma nas fibras do tecido raro, que nunca mais haveria de se dissociar dele.
Aproveito para dizer que "A Bela Redoma" ganhou o 2º lugar no seu primeiro concurso! Uma vitória que me irá marcar a mim e à obra para todo o sempre! E o selo é tão lindo! (Já coloquei na capa e tudo!) kkkkkkkk
Obrigada por continuarem desse lado, acompanhando esta história que está a ser tão especial para mim. Sem vocês, isto seriam apenas páginas bonitas guardadas no meu computador.
O próximo capítulo vai ser muito especial e marcará uma mudança fundamental no enredo da obra. Não posso dizer muito, mas já adianto o título: "A primeira entrevista". Como dá para perceber, será o capítulo da primeira entrevista à família real depois da seleção. O que será que irá acontecer?
Até ao próximo capítulo.
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