A Barganha do Rei


Um homem viajava num balão e encontrou uma tartaruga voadora.

— Como você pode voar? — ele perguntou.

— Troquei o mar pelos céus com um pássaro curioso que conheci uns anos atrás — respondeu a tartaruga.

— Que interessante! — exclamou o homem. — Conte me mais sobre isso, se não for incomodar.

— Pois não incomoda. — A tartaruga limpou a garganta e começou sua história. — Um dia encontrei um pássaro que queria saber como era a vida no mar. Disse a ele que não poderia encontrar palavras para descrever a sensação. Mas se ele quisesse, poderia mostrá-lo.

— Foi aí que fizeram a troca?

— Não exatamente. Ele não aceitou minha proposta logo de cara.

— E como o convenceu?

— Sou um bom negociante, meu caro homem. — A tartaruga sorriu. — E muito esperto também.

O homem retribuiu o sorriso e a tartaruga continuou.

"Contei ao pássaro sobre as criaturas do fundo do mar. Contei sobre as baleias, sobre os peixes e sobre os velhos navios que lá repousam. Contei-lhe ainda muito mais e falei que minhas palavras não faziam jus às maravilhas do oceano. Mas não pense que isso foi suficiente. Oh, não. O pássaro ainda não estava convencido, gostava muito da vida que levava no céu. Então pedi que ele me contasse sobre ela, a tal vida no céu. E ele contou..."

"Quando terminou, fiquei quieto. Nem uma palavra eu disse. E por fim, concordei que a troca não valeria a pena, afinal, a vida no mar era muito melhor do que a vida no céu. E aí, meu bom homem, foi que eu o peguei. Ele caiu na armadilha da própria curiosidade. Seu interesse em minha proposta subitamente acendeu. No fim das contas, quase implorou pela barganha. 'Não posso viver uma vida diferente da que me conta' foram suas palavras. E assim fizemos a troca."

A tartaruga terminou sua história com ar de satisfação e orgulho. O homem parecia maravilhado com a esperteza dela e soltou um suspiro.

— Incrível.

A palavra fez a tartaruga ficar ainda mais satisfeita.

Após algum tempo em silêncio, o homem perguntou:

— Não sente falta da vida no mar?

— Mar ou céu, não importa — respondeu a tartaruga de modo indiferente. — Sempre desejamos aquilo que não temos. Então não sinto falta do que tinha, apenas me conformo com o que tenho.

— Então por que fez a troca?

— Como disse — respondeu a tartaruga —, sou um bom negociante. É o que gosto de fazer.

O homem levou a mão ao queixo e pensou por um momento.

— Então imagino que tenha feito muitos negócios durante a vida.

— Fiz sim. — A tartaruga virou a cabeça para trás. — Guardo a maioria das coisas dentro do meu casco.

— E que tipo de coisas tem aí?

— De todo o tipo. Tem um sapato de cristal, que troquei com uma princesa. Tem um selo antigo, que troquei com um carteiro. Uma caixa de Lo'har, que consegui com o próprio Lo'har. Tem também uma flor de lotus púrpura, essa eu troquei com um velho sapo...

— E o que um sapo estaria fazendo com uma flor? — Interrompeu o homem.

— Acontece que o velho sapo também era um negociante, e dos bons. Ele me disse que conseguiu a flor com uma bruxa, que conseguiu com um leão, que conseguiu com uma fada, que ganhou de presente de um mercador apaixonado. — A tartaruga franziu a pele sobre os olhos — Tive um trabalhão para convencê-lo. Ele queria alguns anos da minha vida. Como tenho muitos, acabei aceitando o negócio. Mas não sem barganhar um bom desconto.

A tartaruga rolou os olhos para cima, lembrando-se daquele dia.

— E o que fará com todas essas coisas? — o homem perguntou.

— Trocar por outras coisas, é claro.

— E faria uma troca comigo?

A tartaruga ficou surpresa, não esperava a pergunta.

— Se tiver algo de interessante, sim.

O homem sorriu com possibilidade.

— Tenho este belo balão.

— Seu balão é de fato belo, mas não me tem utilidade, já que posso voar.

— Tem razão. — O homem continuou. — Que tal um grande castelo? Não te disse antes, mas sou um rei. Tenho terras, ouro e prata, se lhe agradar.

— Hum... — A tartaruga ponderou. — Não tenho interesse em morar em um castelo. Terras dão muito trabalho para manter. Ouro e prata são pesados e não vão caber dentro do meu casco.

O homem pensou um pouco e levou a mão à cintura. Pegou o volume que estava preso em seu cinto.

— Tenho também essa adaga cravejada com pedras de brilhantes. — Ele levantou a adaga. — Foi presente de meu pai.

A luz do sol refletiu nas pedras que adornavam o cabo da adaga. As cores cintilaram nos olhos da tartaruga, que teve dificuldade em esconder sua admiração.

— Esta adaga é muito bonita, mas já tenho uma parecida. — Blefou a tartaruga. Sabia que não podia demonstrar muito interesse em uma negociação.

— Que pena — disse o homem abaixando a cabeça.

Ele guardou novamente a adaga na cintura e os olhos da tartaruga acompanharam o movimento.

— Tem uma coisa — o homem disse em voz baixa —, uma coisa que só eu tenho.

— E o que seria? — perguntou a tartaruga, ainda com os pensamentos na adaga.

— Um segredo.

— Um segredo? — A tartaruga se espantou com a resposta do homem.

— Sim, um segredo. — Levantou a cabeça. — E ninguém mais no mundo o tem.

A tartaruga riu.

— Devo dizer que é a primeira vez que me oferecem um segredo.

— Imagine quanto vale um segredo. Ainda mais este meu, que é um dos bons. Poderá fazer o que bem entender com ele. Guardá-lo para sempre ou trocá-lo por algo ainda mais valioso. — O homem estava radiante. — Não é todo mundo que tem um segredo, ainda mais nos dias de hoje.

A tartaruga o olhou com desconfiança.

— É verdade, eu mesmo não tenho um. — Ela soltou sem querer. Esperava que o pequeno deslize não lhe custasse a negociação.

— Já tenho minha parte do trato então, trocarei meu segredo pela sua... Que tal aquela flor da qual falamos antes?

— A flor de lotus púrpura?! — disse a tartaruga, perplexa.

— Esta mesma. Gostei da história que me contou, e creio que ela deva valer tanto quanto meu segredo.

— Não acho que seja uma troca justa. — A tartaruga balançou a cabeça.

— Tem razão, posso conseguir outra flor com o mercador. E meu segredo, este não há igual.

— Neste ponto você se engana, não há outra flor igual a esta deste lado do mundo. E não quero lhe faltar com respeito, mas não acho que seu segredo tenha tanto valor.

— Pode achar que não, mas nunca saberá com certeza. Meu segredo é único. E é meu. E sua flor, como disse, pode ser encontrada do lado de lá do mundo.

O homem tinha razão, mas a tartaruga tinha muita estima pela flor. Não estava disposta a trocá-la por algo trivial. Ela havia gostado da adaga, mas não era tão valiosa. E este tal segredo havia atraído sua atenção, mas seria uma aposta muito grande.

— Seu segredo pode ser único, mas tartarugas não são curiosas. — A tartaruga mentiu. — Consigo viver sem sabê-lo.

— Acho que me expressei mal. Eu não contarei o segredo para você. Eu o darei.

— O que quer dizer?

— Se eu o contar a você, não será mais um segredo, já que nós dois saberemos. Se eu o der, ele ainda será um segredo, mas só seu. — O homem enfatizou o "seu". — Se conseguirá ou não viver sem ele, já não tenho certeza. Agora que sabe que ele existe, não deixará de pensar nele um dia sequer. Conheci um cozinheiro que enlouqueceu por não saber o segredo da receita do bolo de sua vovó.

Uma gota de preocupação escorreu pela mente da tartaruga. Ela conseguiria viver sem saber o segredo? Talvez. Mas a dúvida não era forte suficiente para aceitar o trato. O homem percebeu, e continuou.

— Você é realmente um bom negociante, meu caro, tenho que admitir. — Pegou novamente a adaga da cintura. — Vou adicionar mais um item à nossa troca. A adaga que lhe mostrei antes. Não é muita coisa comparada ao meu segredo, mas talvez melhore minha parte da barganha.

Os olhos da tartaruga brilharam e desta vez ela não conseguiu esconder o sorriso.

— Mas não foi presente de seu pai?

— Foi, o último presente antes de sua morte. Por isso mesmo quero trocá-la. Sempre que olho para ela, fico triste.

A adaga tinha uma beleza singular, e daria uma boa troca no futuro. O negócio havia ficado interessante, mas a experiência da tartaruga dizia que havia algo errado.

— Não está tentando me enganar, está? — Sempre desconfiava dos homens. Não eram desonestos como as cobras, mas estavam longe de serem confiáveis. — Não acho que seja possível dar um segredo à alguém.

— Não tento enganá-lo. A palavra de um rei ainda tem algum valor. — Ele levou a mão direita ao peito. — E para deixar você tranquila, digo ainda que se não cumprir minha parte do acordo com o segredo, lhe darei a adaga mesmo assim.

E com essas palavras, a tartaruga a se convenceu.

— Me parece uma boa troca.

— Só um último detalhe — o homem disse —, a flor não é para mim. Você deve entregá-la à minha esposa, Sofia, que mora no castelo à beira do rio.

— Não vejo problema nisso.

— Então temos um acordo. E como sinal de boa fé, darei meu segredo primeiro. Mas ouça bem, pois este segredo, daqui para frente, será seu.

A tartaruga se aproximou para ouvi-lo.

— Alguns anos atrás, o rei do norte invadiu o reino do rio, meu reino. Na época, eu ainda era um príncipe, tinha apenas sete anos e meu pai era o rei. Ele lutou bravamente contra a invasão, mas seus esforços foram em vão. O exército do norte era maior e mais forte, e ele acabou morrendo em batalha. Acompanhei tudo ao lado de minha mãe, na segurança de nosso castelo. Quando recebemos a notícia da morte de meu pai, ficamos tristes e apreensivos com o que nos aconteceria.

"O rei do norte, por sua vez, foi benevolente e permitiu que nós vivêssemos no castelo. Mas o reinado passaria à sua filha, assim que ela atingisse a idade adulta. Até lá, ele mesmo governaria as terras do rio.

"Mesmo poupando nossas vidas, senti muito ódio do rei. Ele era o culpado da morte de meu pai e jamais poderia perdoá-lo. Segurei esta mesma adaga em minha mão por muitas vezes planejando minha vingança. Mas nunca fui forte o suficiente para usá-la.

"Os anos passaram, mas não apaziguaram meus sentimentos. Foi só quando a filha do rei chegou que as coisas mudaram. Ela assumiria o reinado, e eu fiquei com a tarefa de lhe mostrar o reino. Passamos muito tempo juntos e tive a grata surpresa de descobrir que ela era uma pessoa doce e gentil. Com o tempo nos apaixonamos e nos casamos. E como um golpe do destino, assumi o reinado ao seu lado. Meus sentimentos de vingança desapareceram de vez."

— Isso mais me parece uma história do que um segredo — interrompeu a tartaruga.

— Você me presenteou com uma história antes, estou apenas retribuindo. Mas não à toa. Essa história é essencial para o segredo.

— Certo, então continue.

"Acontece que a saúde de Sofia piorava conforme os dias passavam. A princípio, pensamos que a causa era a mudança de clima. O ar no nosso reino é mais úmido que no Norte. Mas a sua situação não melhorava e começamos a ficar preocupados. Chamamos os melhores curandeiros, dos dois reinos e dos reinos vizinhos, mas nenhum conseguiu acabar com sua moléstia. Foi então que um feiticeiro errante apareceu em nosso castelo. Ele sugeriu que preparássemos uma poção-cura-tudo, seria a última alternativa para salvar a vida dela."

"Conseguimos todos os ingredientes da poção, exceto um. Era uma flor tão rara, que só havia uma deste lado no mundo. Procuramos em todos os lugares, mas sem sucesso. Já estava perdendo as esperanças quando finalmente encontrei um mercador chamado Lázaro. Ele me disse que conhecia a tal flor, que já a possuíra antes, mas a deu de presente a uma fada. Fui de encontro a fada, que disse que havia trocado a flor com um leão. O leão disse que a havia trocado com uma bruxa. A bruxa, com um sapo. E o sapo, com uma tartaruga, que costumava voar por essas bandas. 'Mas tome cuidado com a tartaruga,' disse o sapo, 'ela é esperta, e a única coisa com que se importa é a barganha.' E com aquilo em mente, subi em meu balão e cá estamos conversando, minha cara tartaruga."

— Aquele sapo velho... — A tartaruga resmungou. — Fala de mim pelas costas, mas é ele quem vive à procura de barganhas.

— E você está certo, pois me custou muito para que ele revelasse seu paradeiro.

— Então este é o verdadeiro motivo de sua viagem? — A tartaruga sabia que havia algo errado, mas por enquanto, nada que atrapalhasse a troca. — Devo dizer que sua astúcia me admira. Mas ainda não me contou seu segredo, e confesso que estou ansioso para saber como toda essa história irá terminar.

— Não o deixarei esperando, pois agora vem a melhor parte. O segredo, que em breve será seu. Trata-se da razão pela qual Sofia está doente. Eu sei qual é, mas nunca contei a ninguém.

A tartaruga aproximou-se ainda mais, seus olhos transbordavam curiosidade.

— Quando Sofia chegou ao nosso reino — ele começou —, vi a oportunidade perfeita para me vingar. Não tinha a força para utilizar a adaga, mas tinha um artifício equiparável. Usaria a filha do rei para me vingar dele. Então viajei até o Mercado das Ostras à procura de um item que ouvira falar apenas nos livros.

— Imagino o tipo de item você procurava naquele lugar. — A tartaruga torceu o rosto em desaprovação.

O homem ignorou o comentário e continuou.

— Encontrei o que procurava, um pequeno frasco com um líquido transparente dentro. Retornei ao castelo a tempo do jantar de boas-vindas que prepararam para a futura rainha. Sentei-me ao seu lado e em um momento de descuido dela, despejei o conteúdo do frasco em sua refeição.

— Você a envenenou?

— Sim. Mas não com um veneno comum. O veneno em questão mata aos poucos, dia após dia. Faz a vítima ficar doente, e a vida lentamente deixa seu corpo. Era o plano perfeito, faria com que o rei sofresse, como eu havia sofrido. E não deixaria rastros da minha ação. — O homem fez uma pausa e olhou para o céu. — É claro que eu não contava que me apaixonaria, e que ela se tornaria mais importante para mim do que a própria vida.

Ao terminar, lágrimas escorriam pelo rosto do homem. O silêncio pairou no ar por um longo tempo. Dias. Anos, talvez. Foi a tartaruga quem disse as primeiras palavras.

— Sua história é intrigante, meu caro. — Ela coçou o queixo, pensativa. — E entendo por que veio até mim. Mas temo não poder ajudá-lo. Trato é trato e agora nós dois sabemos seu segredo. Ele não é só meu, como combinamos.

O homem sorriu para a tartaruga, pegou a adaga e tirou a própria vida.

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