CAPÍTULO 9

Dália Menezes

Passaram-se dois meses em meu trabalho árduo de babá, muitas coisas aconteceram em quase sessenta e dois  dias e foi muito tenso ser só a figurante!

Quase tive um treco por não poder dar palpite na vida de Eduardo e Vinicius, Deus sabe como tive que morder a língua várias vezes durante as crises hipócritas e de descaso do Eduardo! Contudo, como sabemos, Vinicius é um menino bem esperto e então fizemos um trato para vivermos em harmonia e paz!

Tudo começou na sexta-feira da primeira semana, quando o Vini foi me cobrar o acordo que fizemos em seu quarto e eu tinha me obrigado a  esquecer por estar com receio de Eduardo, então eu simplesmente disse a Vinicius que esquecesse aquele trato porque não tinha falado com Eduardo e nem iria.

Lembranças ativadas:

— O que? — Vinicius questiona novamente agora ficando sério. — Você prometeu que iria tentar falar com ele e nem tentou! Você vai quebrar o nosso acordo, Dália? — Ele pergunta como um mini empresário, só que agora ele está tacando o terror e está quase conseguindo me aterrorizar.

— Sim, Vinicius! Eu vou!— Digo decidida, ele não vai ter coragem de me dedurar ao pai dele mesmo! — E eu não te prometi nada!

— Espero que depois, você lembre que não quis me ajudar e não chore! — Ele sussurra olhando para o chão, Vinicius parece estar decepcionado, mas, porque eu choraria? — Agora sofra as consequências! — Com essa última frase do filme que viu no final de semana, ele se retira do quarto, tão rápido como entrou.

Lembranças desativadas.

Então eu aprendi com meu erro, a nunca subestimar uma criança, assim como nunca prometer a uma criança o que você não pode cumprir! Pois ela vai lembrar pro resto da vida dela! E quando você quebra um trato com uma criança é a mesma coisa, você estará devendo ela e isso vai revoltá-la para nunca esquecer!

Vinicius realmente não contou para o Eduardo mas, ele sabe de alguma forma que para atingir uma pessoa desejada é só pegar aquilo que a pessoa mais ama, mais estima, porque isso vai afetá-la! Deve ter aprendido com aquele sonso do pai dele!

Resumindo? Vinicius pegou o meu bem mais precioso, a Bolhota!

Isso mesmo! Vinicius raptou a minha gata e fez questão de me explicar que ela estava bem guardada dentro de uma caixa! Logo em uma caixa, o seu maior medo, coitada! E foi assim que eu aprendi que quebrar um acordo, seja ele qual for, é muita falta de caráter e você irá pagar de alguma forma! As consequências de seus atos e escolhas sempre vão chegar e com juros!

Eu procurei em todos os cantos desta casa, uma casa enorme diga se de passagem e não encontrei minha gata. Implorei para Vinicius que ao menos a deixasse respirar e lhe desse comida, água. Neste dia ele ficou o dia todo com uma máscara do Darth Vader, me seguindo pela casa e vistoriando a minha busca. Mas também foi nesse dia que eu descobri, que acima de tudo ele tem um bom coração; Vinicius viu o meu desespero e deu duas horas, o momento que faltava para o pai dele chegar, para lhe fazer ou comprar uma torta de chocolate e só assim eu ia poder ter minha gata de volta!

Faltava menos de vinte minutos para Eduardo chegar, que Vinicius aprovou a bendita torta e entrou no quarto de seu pai, o único lugar em que eu nem fiz questão de entrar com medo de estar sendo filmada e voltando em seguida com Bolhota na caixa de viagem dela. E assim eu pude respirar aliviada e tranquilamente, depois de um dia inteiro longe da minha bebê.

O problema é que meu maior defeito é nunca conseguir esquecer, não consigo deixar nada pra trás sem um ponto final e foi nesta linha de raciocínio que eu me vinguei!

Logo no sábado de manhã, quando ele foi a contragosto para o treino de futebol e Eduardo saiu também, sem falar pra onde ia e seguindo a rotina de um café da manhã sem palavras; Francisca começou a arrumar a casa e eu fui ajudar, ela deixou com que eu ficasse arrumando o quarto de Vinicius, podendo assim conhecer melhor as coisas dele. No momento em que passei da porta e me vi no santuário protegido de Vinicius, meu sorriso foi crescendo automaticamente!

Em primeiro momento, tudo o que eu vejo é um quarto normal de criança, o cômodo é pintado de tons de azul e segue até o branco no teto. Uma cama de solteiro no canto superior direito e na parede esquerda um guarda roupa, minhas sobrancelhas se unem em confusão, por que Vinicius não tem um closet? Todo quarto aqui em cima tem um, deixo as perguntas de lado e olho ao redor. Um baú que quando abro vejo diversos tipos de brinquedos, duas estantes com alguns brinquedos elétricos e uma só de livros. Adentro mais o quarto e vejo duas portas, uma à direita e outra escondida pelo guarda roupa na parede esquerda. Abro a da direita e é o banheiro, nada demais. Sigo para a outra, passo pela janela encoberta por uma cortina cinza, e, quando abro a porta é aí que me surpreendo, que descubro o segredo de Vinicius!

Fecho a porta atrás de mim e acendo a luz. Livros. Tintas. Pincéis. Réguas. Lápis, de escrever, de pintar. Telas pintadas e em branco. Relógios, controles, rádios, torradeira, todos desmontados ou pela metade. Chaves de fendas. Martelo. Mais livros, geometria, robótica, artes, dicionários e enciclopédias! Tudo isso e muito mais, eu encontrei no que era pra ser um closet e virou um quartinho de…? Artes? Experiências?

— O que é tudo isso? — Murmuro enquanto caminho pelo espaço, vou até uma mesa e pego um tablet que está em perfeito estado. Ligo o aparelho e entro no YouTube e sigo para o histórico de pesquisas, “Técnicas de pintura” “Como desmontar e montar um relógio” “O que é um robô?” “Robôs são perigosos?” “Como fazer a cor marrom” “Como usar tinha aquarela” “Todos os pais amam seus filhos?” “Como encontrar pessoas perdidas” “Como fazer seu pai te amar”

Paro de ler me sentindo sufocada e confusa, quem está perdido para que o Vinicius querer achar? As pesquisas relacionadas ao pai dele, nem me surpreendo que ele não se sinta amado; Eduardo é muito bizarro pra falar a verdade, tem dias que ele chega nas nuvens, é sorriso para tudo e todos, já outros dias parece que foi picado por uma jararaca ou chupou pimenta!

Contudo, mesmo sentindo raiva de Eduardo por seu desprezo e descaso com o filho, e, tristeza por Vinicius por já não ter mãe e praticamente nem mesmo um pai, dando de ombros, pego um livro estranho de geometria que parecia ser o mais usado, uns desenhos, uns rabiscos e anotações, o tablet que já estava em minhas mãos e sigo de volta para o quarto. Dou uma geral no quarto e sigo para o meu quarto, no andar de baixo.

Coloco tudo dentro de uma gaveta da cômoda e me deito com Bolhota. Meu corpo podia estar deitado e relaxado mas eu não conseguia parar de pensar na vida controlada e monitorizada que Eduardo propunha para Vinicius, será que ele pensa que isso é dar amor, atenção e carinho para o filho? Acho que vou precisar alertá-lo.

Ouvi quando um carro chegou e parou na garagem, olho no relógio e pela hora é o Vinicius chegando. Viro pro lado, na intenção de pegar meu livro e esperar até o momento que Vinicius irá perceber a falta de suas coisas. Estava em uma parte interessante do capítulo, uma fuga na floresta entre o antagonista e protagonista, quando a criança invadiu meu quarto em um uma mistura de raiva e surpresa.

Lembranças ativadas:

— Me dá agora, Dália! — Ele esbravejava bem revoltado. — É as minhas coisas, não pode pegar! Vou falar pro meu pai!

Bolhota ao meu lado quando o viu se escondeu entre os lençóis. Aquilo me deixou com um pouquinho de raiva, a bichinha estava traumatizada.

— Querido? Para que esse alvoroço todo? — Digo provocando com um sorriso irônico. Continuo deitada mas apoio o queixo na mão e finjo continuar a leitura.

— Não tô brincando! Quero minhas coisas! — Vinicius murmurou parando no pé da cama. Continuo sem olhar para ele, nessas duas semanas eu também descobri que ele detesta ser ignorado. Pelo o que eu vi hoje, entendo seu desagrado mas continuo firme. — Não vai responder, é? — Pergunta já ficando nervoso. — Por favor, Dália. É muito importante pra mim! Dá só o meu tablet então? — Sorrio internamente, só dele passar o sufoco que passei, as horas que fiquei implorando! Tenho certeza que depois de passar por isso, ele não vai mais me irritar ou irritar as pessoas em gerais, tá passando pela situação então não vai fazer ninguém passar.

— A minha gata também é muito importante para mim, você sabia e nem deu importância. — Dou de ombros e faço carinho em Bolhota. — Bolhota tem um trauma de caixa, você não sabia, né? — Pergunto o olhando seriamente, Vinicius balança a cabeça em negativa. — E mesmo eu pedindo, não, implorando para você me devolver ela, você devolveu? Você me escutou? Teve pena? Pensou nas consequências de seus atos? E se ela morresse? O que você faria? — Sento na cama conforme faço as perguntas, Vinicius fica mudo me encarando com os olhos azuis perdidos. — Todas as respostas paras essas perguntas é, não! Mas então eu te pergunto, se você não teve pena, por que eu teria de você? — Pergunto e espero que ele responda. Vinicius sorri como se já tivesse planejado a resposta.

— Porque eu sou uma criança e não sei o que é consequência? — Já sabia que Vinicius ia vir com gracinha. Ele sabe sim o que é, sabe falar e tem dicionários no quarto, então ele sabe, sim. O encaro séria, para que ele saiba que não era essa resposta que eu esperava. — Tudo bem. — Vinicius suspira e me encara com os olhos molhados. — Me desculpe? Por favor! É que eu fiquei chateado porque você nem ao menos tentou falar com o meu pai.

— Vinicius venha aqui. Sente-se do meu lado. — Chamo e dou tapinhas no colchão, ele obedece e depois de sentado me encara. — Você precisa entender, eu não sou a Francisca que trabalha aqui à anos, eu trabalho aqui à apenas alguns dias, não sou íntima do seu pai, sou a empregada nova e só a minha opinião não vai fazer ele te tirar do futebol, entendeu? — Depois de alguns segundos absorvendo minha explicação, ele acena ainda triste. — Temos que ser parceiros, colegas, amigos porque se não nada vai dar certo! Se você quer sair do futebol precisa pedir à ele e com o tempo, se eu ganhar a confiança de Eduardo tentaremos novamente, beleza?

— Beleza, só que você precisa, por favor, me ajudar a sair do futebol, é muito chato! — Vinicius explica implorando. — Vai devolver minhas coisas? Eu já pedi desculpa e prometo não fazer de novo!

— Eu já te expliquei que isso leva tempo. — Levanto e sigo para a cômoda e pego as coisas dele na gaveta. — Por que você tem todas essas coisas no seu quarto? — Pergunto sentando novamente ao seu lado.

— Eu quero saber o que tem dentro dos aparelhos e como funcionam!

— Porque não pergunta ao seu pai? — Questiono confusa e ele me olha como se eu fosse estúpida.

— O meu pai nunca me explica nada! — Vinicius grita a resposta, suas sobrancelhas chega se unem! — Meu pai nem fala comigo! Por isso ele não sabe o que fiz no meu quarto. Ele só sabe que eu existo quando eu o deixo envergonhado!

— Envergonhado?

— Eu não era teimoso quando meu pai falava comigo. — Vinicius explica ainda meio alterado. — Mas aí um dia, meu tio veio aqui em casa e eles brigaram. Meu pai quebrou todos os quadros e garrafas da sala aí eu acordei, desci descalço e correndo pra ver se tinha ganhado o cachorro que tanto pedi e ele era o culpado pela bagunça. — Vinicius mexe os dedos da mão esquerda, um gesto de nervoso e eu vejo a tristeza refletir seus olhos. — Aí eu me cortei… Gritei, chorei de dor vendo o sangue cair, meu pai me olhou com cara de quem vê cocô no chão. Aí subiu a escada e aí eu fiquei lá… com sangue e dor até a Francisca vir. Depois disso, meu pai não fala comigo e eu passo mais tempo com o meu tio, mais tempo fora de casa e do meu pai… Meu pai não me ama mais já tem um ano!

Eu fico muda, não sei o que falar num momento desses! Eu não estava esperando aquela revelação toda quando perguntei de Eduardo.

É um desgraçado!

Tenho vontade de socá-lo por fazer Vinicius chorar e sofrer dessa maneira, que homem repugnante! Nojo dele é o sentimento que prevalece agora. Depois de um tempo, eu tento juntar os pontos e pergunto.

— Sua curiosidade com os aparelhos veio do tempo em que passou na casa do seu tio?

— E de pintar também, porque aí quando o tio Fernando me buscava ficava um tempão pintando e desenhando, aí um dia ele me deu os meus três livros preferidos, o de robô, o de pintar, e de geometria.

— E você já sabia ler, por acaso? — Brinco achando engraçado esse relato, já acho chocante ele com essa idade já saber ler, falar com facilidade mesmo com alguns erros; e escrever com muitos erros, mas conseguir juntar letras e sílabas!

Vinicius está muito avançado pra um garoto da idade dele, se o Eduardo não fosse tão escroto e visse o potencial da criança, ele já estava longe.

— Não. Eu só via imagens e fotos e agora eu leio o livro de palavras antes de dormir.

Uno as sobrancelhas em confusão, livro de palavras? Minha memória volta no quarto de Vinicius a procura do tal livro e então minha mente se clareia, o dicionário! Ele está se aprimorando com sua própria técnica de leitura! Acho muito esperto da parte dele mas ainda tenho algumas dúvidas, como a professora dele não percebeu a superdotação?

— E o seu canto de estudo no quarto?

— Meu tio pediu pro Ricardo arrumar e não contar pro meu pai. — Ele explica e mexe novamente os dedos da mão. — Meu tio que compra todas as minhas telas e outras coisas… Meu tio é mais legal que meu pai!

Encaro Vinicius que se encolhe momentaneamente, parecendo sentir dor. Tenho vontade de chorar, mas, só o abraço tentando passar conforto e eliminar o sentimento de abandono que ele deve sentir. Tadinho.

— Tudo bem querido, não fique assim. — Enxugo as lágrimas que caem constantemente. — Eduardo deve te amar do jeito dele, só que não sabe expressar. — Assim que falo não consigo convencer nem a mim com aquelas palavras, eu sei como é ruim não ser aceito pelos pais mas ser rejeitado assim eu nunca fui, me deu saudades dos meus pais.

— Meu pai não me ama! — Repete o que disse antes. — Meu pai não vai no meu quarto faz tempo…!! Qua-quando fiz três anos…! Na vez que me cortei! — Vinicius explica chorando e soluçando. — Se souber o que fiz com meu closet, aí vai tirar isso de mim também!

— Calma! — Sussurro o amparando, puxo ele para deitar ao meu lado. — Vamos esquecer que eu perguntei isso, okay? — Vinicius assente e começo a fazer carinho em seus cabelos até que ele sucumbi ao cansaço e dorme.

Meus pensamentos rodam, reviram e revive os poucos dias em que pensei que Eduardo fosse um pai presente, um pai amoroso. Ledo engano! O desgraçado não é nada do que supus!

Acho que preciso ligar para meu advogado preferido e pedir informações! Sinto meu coração acelerar só de pensar em Christopher mas me forço a ignorar!

Suspiro, cansada emocionalmente, me viro, abraço Vinicius e durmo junto com ele pela primeira vez. 

Lembranças desativadas.

As coisas amenizaram depois da nossa amadora seção terapêutica. Estou literalmente mais próxima de Vinicius, minha vontade é de acabar com a sensação de abandono que ele sente, por completo! E para isso acontecer, na primeira oportunidade que eu tiver, vou falar com Eduardo, nem que eu seja demitida em seguida, mas, o que não pode é uma criança se sentir rejeitada e abandonada pelo pai, sendo que ele pode muito bem dar uma atenção ao filho! Eduardo não pode ser tão ocupado assim! Ele é o presidente por acaso? Completamente ridículo! 

Além disso, como sou professora estou tentando ajudar Vinicius a se reerguer da forma como consigo. Ajudo em suas invenções malucas ou ensinando ele no que posso e ao mesmo tempo ele não fica sozinho, estou ocupando seu tempo ao máximo para ele não pensar no pai e sua rejeição constante, o que é difícil já que Eduardo chega tarde e vai direto para o escritório ou para o quarto, não dá nem um oi para o filho, nem um beijo e abraço.

As investidas de Vinicius tem sido em vão! Mas estamos tentando, um dia nós alcançaremos nosso objetivo!

Meus passos se interrompem, paro na porta da cozinha quando escuto a porta da sala bater. Dou alguns passos para trás e vejo no momento em que Eduardo entra no escritório.

Largo Bolhota no chão da cozinha e corro para o escritório. De hoje não passa, vou acabar com essa patifaria de Eduardo no ódio!

Paro em frente a porta de madeira e ergo a mão, quando estou preste a bater na madeira escuto algo sendo arremessado e estraçalhando na porta. Arregalo os olhos, será que ele brigou com o irmão como Vinicius me contou? Dou de ombros. Tanto faz com quem ele brigou, vou falar com ele da mesma forma!

Nem vou bater, seguro a maçaneta e no exato momento que novamente algo se quebra, Francisca segura meu pulso e me olha em alerta e com medo.

— Não faça isso! — Ela sussurra ainda me segurando. — Quando ele está assim é melhor que se acalme sozinho!

— Hoje ele vai se acalmar na marra! Eduardo não vai se matar sem se desculpar com o filho! O Vini não merece sofrer mais do que ele já sofre. — Murmuro exaltada e me solto de sua mão entrando no cômodo.

Assim que fechei a porta atrás de mim, se não fosse por meus reflexos de boxeadora, um vaso teria acertado minha cabeça.

Ergo a cabeça em direção ao maluco e me deparo com os olhos verdes me encarando numa mistura de raiva e surpresa. Toda a coragem que eu estava sentindo se esvaí, normalmente os meus oponentes não tem atitudes assassinas e é isso que vejo no feitio de Eduardo, um descontrole assassino!

Me vejo lembrando da minha mãe, quando ela dizia que eu só agia por impulso e me envolveria em alguma confusão mais cedo ou mais tarde!

Devia ter obedecido Francisca!

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