CAPÍTULO 6

Dália Menezes


Estou exausta! Vinicius tem muitos compromissos e quando eu falo muitos é porque é exorbitante! Extrapola todos os limites de uma rotina saudável para uma criança!

A criança vai de manhã para a escola, entra às 08:00 horas e sai meio dia, em ponto! Retorna para casa só para almoçar e às 15:00 horas já tem natação, às vezes a aula acontece em casa e em outros dias, na escolinha, então por volta das 16:45 ele toma banho e já está pronto para lanchar; porém, se por acaso tiver lição de casa, Vinicius tem até o jantar para terminar, e, se não me engano acontece às 19:00 horas da noite, então logo após a janta ele vai dormir, pois no outro dia, recomeça tudo novamente! Ah, e sem contar que, em dois sábados do mês ele tem futebol.

Portanto, Vinicius só tem aos domingos para respirar.

"A vida dele é mais organizada que a sua, meu bem!" Penso.

Estou exausta só de relembrar todas essas tarefas, imaginando essa criança fazendo tudo isso, me cansa! Bom, durante os períodos de tempo, enquanto Vini estava em suas atividades, Eduardo foi me explicando e orientando sobre tudo o que eu teria que fazer.

Preciso abrir um espaço, para falar que achei Eduardo um pouco... instável? Não é querer fazer conclusões precipitadas, mas, ele parecia o tempo todo estar em conflito interno, como se a cada decisão que tomava fosse um tremendo erro.

Porém agora, logo após Vinicius ter ido dormir, o meu querido chefe me chamou em seu escritório, pois queria conversar sobre o acontecimento de hoje mais  cedo. 

— Sente-se — Entro e fecho a porta, enquanto Eduardo indica a cadeira em frente de sua mesa. — Bom, como você já deve ter percebido, eu não tolero atraso! Aqui em casa é tudo perfeitamente pontual! E meu filho tem que cumprir os horários e todos os seus compromissos, portanto eu lhe proponho que durma aqui durante a semana. Nos finais de semana e feriados, você é livre para decidir onde vai dormir. O que acha? — Ele fala tão rápido e decidido que eu me vejo revendo minha teoria de chefe incerto, ainda estou focada na parte do, durma aqui!

Quem em sã consciência aceita isso? Acho que eu, né? Estou desempregada e tenho uma gata pra alimentar!

Mas, em outra parte eu fico sem reação com esse pedido, faz tanto tempo que não divido uma casa com alguém, desde que saí da casa dos meus pais, só divido meu espaço com a Bolhota, mas, ela é tão quieta e preguiçosa que nem faz movimento lá em casa. E em outra parte, porque não sei se estou segura num lugar desconhecido, com pessoas desconhecidas e instáveis, sobre o mesmo teto em que durmo!

Contudo, passei muito tempo pensando e testando as possibilidades, pois escuto Eduardo me chamando calmamente, a voz dele sai devagar e tão friamente opaca e extenuada que me arrepia.

— É... Então chefe, o problema é que eu não sou sozinha e… — Eu nem ao menos consegui terminar de falar e Eduardo já estava falando grosseiramente.

— Como assim? Não é sozinha? — Ele pergunta já se alterando e sua reação me deixa surpresa, mas, nem tanto já que eu já vinha vendo as entrelinhas de suas expressões. Curiosidades sobre ele e seu filho tomam minha mente. — Em seu currículo, eu lembro muito bem de ter lido solteira e...

— Senhor com todo respeito mas já desrespeitando, em que o meu estado civil prejudica ou atrapalha no desempenho do meu trabalho? — Pergunto totalmente irônica, não consigo me segurar quando me deparo com esse tipo de chatices. Estou me sentindo presa como quando morava no México. — Eu realmente sou solteira, porém quando digo que não sou sozinha, é porque tenho Bolhota, minha gata! — Explico para o senhor neurótico e desequilibrado.

— Ah sim, desculpe a minha falta de modos. — Eduardo arruma o colarinho da camisa verde musgo parecendo envergonhado.  — Mas, se o problema for pela Bolota...

— Não! Pera aí! O certo é Bolhota e não Bolota. Entendeu? Bo-lho-ta. — Explico, porque da mesma forma que tem pessoas que não gostam de ter os nomes trocados, eu não gosto que chamem minha gata por qualquer nome e xingamentos, poxa vida ela é minha família por aqui, é o meu bebê peludo e se eu não a protegê-la, quem vai?

— Beleza! Contudo continuando…! — Ele ergue as mãos, claramente me avacalhando! Ruivo louco! — Se o problema for a tal de Bolo... Quer dizer, se o problema for a gata, pode trazê-la junto. Contanto que você arque com os problemas e responsabilidades dela, claro!

— Tudo bem então, senhor Magalhães! — Aceito até porque não seria de todo mal, não é? O que de mais poderia acontecer comigo nesta casa? Seria muito mais fácil, principalmente agora no começo para que eu pegue mais rápido os compromissos de Vinicius! Por fim, suspirando eu murmuro e já me levanto. — Mas se o senhor me der licença, preciso ir, os ônibus desse lado da cidade param mais cedo... Boa noite senhor, até amanhã.

— Boa noite, e, Dália? — Volto-me em sua direção. — Amanhã bem cedo mandarei o motorista ir buscá-la, para que não se atrase novamente. — Concordo e vou embora.


ßāßā


Assim que chego em casa, encontro Bolhota dormindo em cima do sofá, folgada! Vou em direção ao quarto, jogo a bolsa em cima da cama e sigo para o banheiro, preciso de um banho! Depois do banho, vou à cozinha procurar algo para comer e encontro Bolhota no meio do caminho. Pego ela no colo e continuo caminhando, agora contando-lhe como foi o meu dia.

— É peludinha, a minha vida não é fácil como a sua não. — Chego na cozinha e coloco a gata no balcão a encarando. — É minha filha! Sua vida é muito fácil, dorme o dia inteiro e no final do dia alguém vem te dar comida! Queria pra mim! — Bolhota solta um miado fino e resmugante, acho que querendo dizer que eu tinha isso na casa dos meus pais. — Pode parar peluda! Você sempre morou comigo menina, sabe que por um lado a vida lá é boa mas eu não sirvo para ficar dando satisfações da minha vida, mesmo sendo meus pais!

Ergo o corpo e me espreguiço olhando em volta, quando eu e meu irmão brigamos com os nossos pais por conta do nosso hobby, boxe, simplesmente me organizei, fui morar um tempinho em uma pousada no bairro vizinho e depois, me mudei de mala e vida para São Paulo!

Encontrei Bolhota procurando comida no lixo, enquanto eu procurava moradia! Nos apaixonamos e aqui estamos, no meu apartamento pequeno que o tamanho é perfeito para mim e Bolhota!

Tem apenas dois quartos e um banheiro, uma cozinha integrada com a sala estilo aquelas americanas, entretanto, a parte da casa que eu mais gosto é a sacada! Pois, para ser bem sincera, só comprei esse apartamento justamente por ter essa sacada e também pelo preço obviamente, meus pais nunca iriam pagar por meus luxos!

Eu já tive que parar de pagar minhas aulas na academia de boxe daqui, por falta de dinheiro, ou seja, lutei tanto por isso, fui embora e não treino a quase três meses, quando as economias começaram a apertar!

A sacada é toda de um vidro meio esverdeado, o piso de cerâmica o que se torna simples para limpar. Logo quando eu me mudei, fui em Holambra e comprei duas mudas de umas plantinhas bonitinhas, parecidas com capim cidreira mas depois de uns meses elas cresceram e estão parecidas com palmeiras, posicionadas do lado esquerdo da varanda; depois de mobiliar meu apartamento o dinheiro já estava nas últimas e só faltava arrumar a sacada. Então comprei dois sofás estofados de dois lugares, listrados na vertical de branco e azul escuro, e uma mesinha de madeira num brechó aqui perto de casa. No final, ficou tudo bem aconchegante, perfeito para nós duas!

Abro a geladeira, pego as panelas, que fui comprando com o tempo, coloco em cima do fogão, faço meu prato e em seguida coloco no micro-ondas, ligo e espero enquanto converso com minha gata.

— O meu chefe tem tatuagens pelos braços musculosos, gorda. — Explico enquanto demonstro o tamanho dos braços para Bolhota, ela solta um breve miado. — O cabelo e a barba grande, é de uma cor meio chocolate indo para o ruivo… — Viro-me para a gata que agora já está na pia. — Já ia esquecendo, garota! Nós vamos nos mudar para a casa dele! — Falo pulando, confesso que estou entusiasmada, Bolhota chia como se estivesse contra a mudança. — Imagina Bolhota, vai ser como se estivesse em casa de novo! — O micro-ondas apita e pego meu prato indo em direção a sala, ligo a televisão, sendo acompanhada por minha companheira felina.

Ontem, depois que voltei da entrevista com Eduardo na empresa, fiz um macarrão ao molho branco, que ficou até muito bom. Quando eu me mudei, não sabia nem fritar um ovo! Agora eu sei sobreviver e admito que foi uma grande e difícil etapa de mudanças e amadurecimentos, se eu tivesse que mudar algo seria só o lugar, fui muito radical em mudar de país logo de cara, devia ter esperado mais um tempinho, guardado mais dinheiro… Agora já estou acostumada com minha vida sem rotina com Bolhota.

— Isso aqui está muito bom, não é Bolhota? — Encaro minha gata que está deitada ao meu lado. Bolhota se ergue, começa a se espreguiçar e bocejar, depois me dá uma olhada e vai embora para o quarto. Ingrata!

Quando finalmente terminei de comer e lavar meu prato, caminho tranquilamente para o quarto e assim que entro não vejo Bolhota em lugar algum. Sigo para meu guarda roupa e paro assim que vejo minha gata de pelos dourados e marrons com grandes olhos verdes expressivos me desafiando de dentro de uma caixa de sapato, sua cauda peluda balança para fora da caixa lentamente.

— Ah não, Bolhota! De novo, não! — Já perdi a conta de todos os lugares em que ela já se enfiou.

Semana passada ela entrou, não sei como dentro do cesto de roupa suja e não conseguia sair, as roupas derramaram toda vez que ela tentava escalar e então ela desistiu e ficou miando até eu resgatá-la. Balanço cabeça em reprovação e continuo andando até o guarda roupa.

— Já falei para você parar com isso. Uma hora você vai entrar em um lugar não vai conseguir sair e nem eu vou poder te ajudar! — Puxo a mala de cima do guarda roupa e sem que eu espere, diversas caixas caem em cima de mim. — Ai merda, socorro! — Exclamo desesperada tentando segurar as coisas e escuto um miado, viro a cabeça na direção da gata, com receio que algo tenha caído em cima dela e a machucado, mas, a caixa com enfeites natalinos acaba despencando na minha cabeça e me desequilibro, indo parar no chão enquanto grito de susto e solto um xingamento. — Que bosta!

Nem para arrumar uma mala eu sirvo, imagina cuidar de uma criança! Estou muito ferrada! Onde fui me meter?!

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