CAPÍTULO 20

Fernando Magalhães   


Olho para o médico à minha frente, revoltado. Ele só pode estar de brincadeira, uma brincadeira ridícula e sem noção total, eu realmente não quero acreditar na possibilidade de Eduardo estar perto e querer aproximação com as crianças. Não quero nem pensar o que eu faria para impedir que isso aconteça. Um pensamento vingativo passa pela minha cabeça e eu afasto imediatamente, tudo o que eu mais abomino é o jeito e reações de Eduardo, suas atitudes não me desce e eu não quero ser como ele, mas só o pensamento de aproximação dele me enoja. É como se tudo fosse começar novamente.

— Como assim, Eduardo? Simples assim, o cara entra aqui manda entregar um urso de pelúcia e fica por isso mesmo? — Exclamo com raiva porém baixo o suficiente para não acordar minha sobrinha, o médico se choca.

— Senhor Fernando! —  Tavares me censura um pouco surpreso. — Se quiser conversar, que façamos isso lá fora! Essa não é a hora e nem o local, para uma discussão!

— Ah, não é a hora? — Pergunto ironicamente. — E… Que hora seria essa? — Pergunto e já me adianto, respondendo com uma rispidez em que não me reconheço. —  Quando Eduardo, o pai, tentar algo contra a vida da minha sobrinha? —  Isso o pega desprevenido e ele me responde surpreso:

— Como? — Tavares arregala os olhos — Ele é o pai! Não faria nada contra a filha... E, é só um urso de pelúcia inofensivo!

— Ah, esqueci que vocês são melhores amigos e o conhece como a palma da mão, não é doutor?! —  Disparo com rispidez e ironia.—  O que é o irmão perto do médico, não é Tavares?

Sou distraído por uma pequena tosse meio que resmungando, olho para trás e vejo a pequena Júlia, nós encarando confusa.

— Uou! — Murmuro surpreso e abro um sorriso. — Parece que nossa pequena acordou.

Júlia me encara confusa e posso entendê-la, ou tentar entendê-la, não reconhecer alguém ou algo deve ser insuportável. Caminho para perto de sua cama e encaro os lindos olhinhos azuis confusos, azuis como os do irmão, sorrio por achar a primeira semelhança.  

— Você não deve estar entendendo nada, né? — Pergunto calmo e ela balança a cabeça confirmando. — Bom... Eu sou seu tio, Fernando. E é um prazer finalmente ver essa princesa acordada. — Comunico observando seus traços, não é parecida com o pai, tem o nariz de Alexa assim como Vinicius.          
      
Júlia abre um sorriso e aponta pra si própria enquanto abraça o urso bege com a fita azul. Concordo em um aceno e acaricio seus cabelos castanhos avermelhados, nisso ela puxou os pais. É muito estranho conversar com uma criança que nunca falou nada, estou com a impressão que ainda irei me surpreender muito daqui pra frente. 

— Sabe Júlia… Tem várias pessoas querendo te conhecer. — Minha fala chama sua atenção pois me olha curiosa, atenta. — Tem o seu irmão, Vinicius. —  Mostro a foto no celular e vejo seus olhos brilharem, mesmo eu apostando minhas fichas que ela não sabe nem o que é um irmão. Me surpreendo quando ela me apresenta seu urso, como fiz com a foto de seu irmão, Julia gargalha e balança a pelúcia.         

— Oi! — Levanto assustado por ouvir a voz suave e rouca sussurrar o cumprimento, como se o urso estivesse falando. Olho incrédulo para Tavares que a encara surpreso na mesma proporção.

— Impressionante!— Murmura e anota em seu prontuário rapidamente.

Júlia nós encara confusa e depois se retrai como se tivesse feito algo de errado e se encolhe com os olhinhos cheio de lágrimas. Agarra o urso, como se fosse uma âncora e fecha os olhos com força enquanto uma lágrima solitária desce por sua bochecha. Me aproximo imediatamente e acaricio seus cabelos, tentando lhe acalmar.    

— Não chore, princesa. —  Murmuro mas ela se afasta e começa a chorar assustada.

— É melhor que você volte amanhã, Fernando. — Doutor Tavares segura em meu ombro afim de fazer com que eu me afaste e como eu sei que nesse caso eu não irei ajudar em nada então me afasto.

Saio frustrado de seu quarto e desço até perto da recepção em que pego meu celular e ligo para Dália, toca, toca e toca diversas vezes mas ela não atende. Desligo ainda mais frustrado e saio do hospital para ir para minha casa. Mais tarde eu tento novamente.

ßāßā

Fecho a porta de casa atrás de mim e já sinto a saudade batendo, Vinicius faz falta de todas as formas e Dália só completa o pacote! Assim que sento no sofá já vejo meu controle do videogame desmontado na poltrona, balanço a cabeça e me esparramo no sofá suspirando.

— Aí Vinicius… — Pego o controle e examino as peças, não tenho a menor ideia de como montar isso. — Você não tem jeito!

Volto a deitar, fecho os olhos, depois de uma viajem cansativa e uma visita ao hospital, mereço um banho e uma boa noite de sono na minha cama, dormir em poltronas de avião não é confortável, chega estou com os ossos moídos! Solto uma gargalhada alta, estou ficando dramático igual Dália, levanto do sofá e caminho para o corredor porém paro quando o telefone toca na bancada da cozinha. Pego o telefone pensando que é Dália, atendo.

— Já estava estranhando! — Falo com um sorriso. — Você não atendeu quando eu te ligue…

É porque ela deve estar muito ocupada na cama de outro, irmãozinho. — A voz irônica de Eduardo do outro lado da linha me deixa estático e meu sorriso vai murchando. 

— Eduardo!

Olha só! Ao menos se lembra do meu nome, irmãozinho fofo. — Dispara com ódio e deboche. — Fiquei sabendo da sua covardia ao fugir do país com meu filho, já não foi o bastante ter me internado?     

— Não fugi! — Retruco — Só estamos viajando, a passeio! Você é que interpretou errado… 

Mentiroso! — Grita completamente histérico. — Não minta pra mim, Fernando! Você me conhece, sabe que eu detesto mentiras!

— Então você deve se detestar. — Sorrio totalmente tenso. — Você é a pessoa que mais conta mentiras, que eu conheço, Eduardo! — O grunhido do outro lado da linha me faz gargalhar.

Não pense você que vou deixar isso barato! — Murmura em tom ameaçador. — Você pode tentar, Fernando, mas, não significa que vá conseguir ficar com os meus filhos, eu estou sempre um passo à sua frente, eu caí uma vez e pode anotar, Fernandinho, não irá acontecer de novo!            

— Não só tentei, como já tenho! E os dois! — Disparo com rispidez. — Julia acordou e você já sabe mas ela vai conviver comigo e com Dália. Você não vai ser nada na vida dela, Eduardo!

Eu acho engraçado como você sonha alto!! — Debocha. — Essa vai ser a última vez que estou te avisando. — Eduardo respira pesadamente — Quando eu voltar, vai ser muito pior!

— Voltar? — Pergunto confuso.—  E você vai aonde? Eduardo?! — Não escuto mais nada além do encerramento da ligação e essa nem foi a nossa pior briga.

ßāßā


Entro no escritório de advocacia Rodrigues, mais precisamente do meu advogado pessoal, não confio em deixar um caso tão importante na mão do advogado da família, tenho muitas suspeitas da parceria e fidelidade que ele tem com Eduardo, no final das contas foi meu irmão que o contratou.

— Bom dia. —  A secretaria cumprimenta. —  Como posso ajudá-lo?

— Tenho uma reunião com Rodrigues, por favor. — Explico sério e ela pega o telefone para provavelmente avisar o chefe. — Diga à ele que é, Fernando Magalhães. —  A secretaria, que ao ler  em seu crachá descobri que se chama Thais, acena e diz algumas coisas à James Rodrigues e desliga em seguida.

— O senhor Rodrigues está o esperando, senhor. — Diz formalmente e eu sorrio em agradecimento, seguindo o caminho que já conheço e pensando se é isso mesmo que quero, adotar os gêmeos; mas a simples ideia de Eduardo voltar a ficar com as crianças, me irrita e convence ainda mais, vou sim ter a guarda total de meus sobrinhos e meu irmão nada poderá  fazer para me impedir! Nem mesmo uma outra ligação daquele cínico do Eduardo!     

— Bom dia, James! — Aperto sua mão para cumprimentá-lo.

— Bom dia. O que vai ser, Fernando? — O homem de meia idade pergunta gentil e eu sorrio enquanto me sento.

— Quero a guarda dos meus sobrinhos! — Digo com firmeza.

ßāßā


Christopher Gutiérrez

México, Monterrey


Tem dois dias que Fernando voltou para o Brasil e Dália está entre angustiada e contente. Contente que a situação tensa entre seus pais está mais maleável, estavam todos empolgados com uma possível reconciliação familiar, já fazem nove anos afinal!

Só eu sei o quanto foi difícil viver tantos anos longe do meu sol, mas foi preciso, ela sonhava tanto com essa liberdade e mesmo que na época ela poderia facilmente se reerguer aqui no México, entendo a sua decisão de começar longe, num lugar onde os pais dela não se intrometam. Todavia, entender e aceitar não deixou menos complicado, quem convive com Dália fica com sequelas sérias! É maravilhoso tê-la por perto, ela é como o sol, aquece a vida de qualquer um!

Porém, ela estava angustiada por não conseguir falar com Fernando e mesmo que isso me incomode em níveis astronômicos, não vou dizer para ela deixar esse otário de lado, não posso fazer isso e nem tenho esse direito!

Fico feliz que os Menezes estejam finalmente em paz! Foram anos turbulentos! Rogério por ser intolerante em níveis master; Mónica por se anuir em tudo e todas as decisões do marido; Daniel por acatar tudo sem pestanejar, pois o medo dele de rejeição só piorou depois da briga de Dália e Rogério no festival há nove anos! E por último Dália, por ser teimosa e resolver sempre os seus problemas fugindo!

Tudo bem que Rogério e Mónica melhoraram muito, uma prova disso é a possível aceitação de Daniel e seu relacionamento com Alexander, eu não levo muita fé, eles são complicados demais! E outro sinal, é eles terem recebido Vinicius de braços abertos. Porque é obvio em todos os aspectos que Dália está encrencada, e ver que acolheram o garoto é um modo de dizer que ela pode contar com eles!

No começo, Vinicius não gostava de mim, ele se aproximou bem mais de Daniel que o ajudava no desmonte de objetos, ou seja um tio favorito. Depois se afeiçoou com o casal de dentistas, que o tratam como neto, sendo paparicado e bajulado por ambos. E eu fiquei meio esquecido, até o prender em meu charme, assim como o pequeno eu tenho meus meios de conquistas!

Estaciono à uns metros da casa dos Menezes quando vejo Vinicius abrir a porta da casa e pegar uma caixa na soleira, na distância que estava pude ver ele conferir o destinatário e sorrir.

Chego na entrada e passo pelas flores a tempo de ver o menino sentar no degrau da escada e abrir a caixa, paro ao seu lado e ele nem percebe pois as diversas fotos que compunham o objeto são mais preciosas. Também estou interessado e me curvo, vendo uma das muitas fotos que tem uma linda bebê.

Será que Vinicius está se perguntando que criança é essa, assim como eu? Como resposta, Vinicius vira todas as fotos no chão e revira a caixa toda enfim se deparando com uma etiqueta.

— Ju-li-a — Tenta ler aquele nome até então desconhecido por ele. Após repetir aquela nova palavra várias vezes até se acostumar e repetir novamente uma última vez. — Julia! — E abre um sorriso, ele finalmente olha pra mim e me questiona. — Quem é Julia, Christopher?!

— Vinicius? Oi, Chris! — Dália abre a porta nos surpreendendo, sorri, dá uns passos até nós e vê as fotos, sua reação me mostra que ela já conhece a tal bebê. — O que estão fazendo, hein? Como conseguiram essas fotos? — Vinicius como a criança esperta que é, não perde tempo e faz a pergunta que brilha em sua mente e na minha também.  

— Quem é Julia, Dália? — Pergunta e mostra a foto da pequenina bebê. — Você conhece?

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