CAPÍTULO 16
Dália Menezes
— Vamos Vinicius! — Grito da sala, pego a chave do carro perto da porta e minha bolsa. — Já está atrasado, garoto! — Escuto os passos apressados vindo pelo corredor e logo ele aparece com a mochila de rodinhas arrastando e o casaco caindo nos braços, termino de digitar uma mensagem para Fernando, ele foi para o Rio de Janeiro no sábado à trabalho e só volta hoje, segunda-feira, de tarde.
Eu: Fernando, precisa me responder, quero respostas! Vou largar Vinicius no primeiro ponto de ônibus que achar!
É claro, que eu não farei isso mas as vezes é preciso você ameaçar mesmo que seja um blefe! Fernando recebeu uma ligação no meio de nossa conversa e foi, assim, sem qualquer explicação das bombas que jogou no meu colo. Confesso que fui errada em levar Vinicius pra ver o pai, no domingo sem que ele saiba, mas, em minha defesa, no momento de raiva e incompreensão eu não liguei e depois de ver meu menino chorando cai na real, fiz merda!
— Pronto. Vamos? — Tiro a visão do celular e movo até Vinicius puxando minha camiseta. Esse menino tem passos de fantasma, quando quer.
— Vamos, Gasparzinho. — Pego em sua mão e jogo o aparelho na bolsa. — Pegou sua lancheira?
— Eu não sou fantasma, Dália! — Ele se revolta, balanço a cabeça em negação, criança fresca! — Tá ficando doidinha! — Vinicius usa o diminutivo para a ofensa sair mais leve, abro a porta. Saímos os dois juntos, rindo no final das contas, pegamos o elevador até o estacionamento e ele estranha.
— Vamos de carro? — Pergunta balançando nossas mãos pra frente e para trás. Aceno balançando a chave. — Tem certeza? — Volta a perguntar, paro em frente ao carro de Fernando e destravo as portas. Eu não sou a maior pilota já vista, sei dirigir e é o suficiente! Vamos dizer que no México eu andava de carro com meu irmão e aqui eu não tenho um.
— Por que não teria? — Questiono rindo dele enquanto prendo seu cinto, ele nega sem rebater. — Bom mesmo!
Nossa conversa aleatória de sempre continua até chegarmos em sua escola, está na pré-escola agora, junto com as outras crianças que estão aprendendo a ler e escrever, só que ele já sabe e espero que fique ainda melhor. Estaciono atrás de um gol branco e desço, abro a porta para Vini e ele salta até a calçada pintada com amarelinhas e o muro com animais com rostos e felizes, tudo muito colorido. Quando passamos do portão já consigo escutar o saudoso som de vozes aglomeradas, risadas e alguns gritos, que saudade de trabalhar em escolas e ver as crianças brincando, aprendendo, correndo por aí. Os corredores por onde passamos, as paredes com pinturas e diversos outros trabalhos expostos para todos vermos.
— Olha Dália. — Vinicius me puxa pela mão e aponta para um desenho também colado na parede, feito de tinta, provavelmente nanquim, que escorre com facilidade, é muito legal de trabalhar. — Esse foi eu que fiz!
Olho com mais atenção para o desenho e vejo uma mulher de cabelos coloridos espetados, segurando um guarda-chuva e sorrindo, rapidamente me identifico.
— Essa sou eu, né? — Pergunto apertando sua mão emocionada, não é a primeira vez que ganho um desenho de uma criança, mas, é a primeira vez que fui pregada no painel de "Pessoa mais importante" da escola com um desenho de alguém tão importante pra mim. Sorrio pra ele e me abaixo à sua altura, meio confusa. — Mas por que eu, Vini?
— Porque você é importante, pra mim! — Ele responde me sorrindo lindamente. — Você cuida de mim e eu gosto de você mesmo brigando as vezes!
— Ah, garoto! — Sorrio emocionada e acaricio seus cabelos macios, beijo seu rosto. — Você também é muito importante na minha vida, Vinicius! — O abraço e o beijo mais vezes, ele gargalha. — Nem sabe o quanto te amo, pirralho!
Caminho com Vinicius, os dois sorrindo até a sala sete, do nível dois e assim que entramos no pequeno corredor já vejo a professora que não gosta de mim, parada na porta com a mesma cara de nojo de todas as dezessete vezes que vim trazer ou pegar Vinicius. Vai lá saber o porquê dessa senhora não gostar da minha pessoa, nunca lhe fiz nada!
Assim que paramos na porta, entrego a lancheira a Vinicius e beijo seu rosto.
— Boa aula, baixinho! — Aceno pra ele que vai entrando na sala enquanto ainda estou sendo encarada de cima a baixo, pela professora. — Até mais tarde! Se comporte!
Me viro pra ir embora, ainda sem falar com a mulher, toda vez que falamos, ela me destrata por alguma coisa fútil e mesmo com toda a minha paciência, tudo tem limites! Não dou nem dois passos e Talita segura meu braço, fecho meu semblante imediatamente! Ousadia também tem limites! A encaro e ela sorri amarga.
— É você que vai vir buscá-lo também, babá? — Talita faz questão de fixar o babá em sua frase com desdém e em meu interior eu já sou mais que isso, mas, mesmo que fosse, o que ela tem com isso? Mulherzinha chata!
— Vou sim, fofa! — Ironizo com um sorriso doce e uma piscada dupla, com gente amarga é assim que se conversa! — Por que, fofinha? Quer que te trago um pouco de empatia?
— Como é? — Ela cospe horrorizada e faço um bico de puro deboche. — Se eu pudesse, não te veria em nenhuma parte do dia! Meus olhos doem, com essa visão!
É o quê? Abro a boca chocada com a falta de ética e profissionalismo dessa mulher, nego fazendo questão de mostrar a minha desaprovação, ela sorri e eu resolvo respondê-la a altura.
— Ah que pena, minha flor! — Finjo limpar uma poeira em seu ombro e ela tenta afastar minha mão com brusquidão mas sou mais rápida. — Pois de agora em diante eu vou vir todos os dias! — Afirmo sorrindo abertamente, posso ver a raiva estampada em seu rosto. Aponto para a saída com o polegar. — Quando eu entrei, vi que estão precisando de pessoas para o conselho, pois estou indo agora mesmo colocar meu nome e adivinha, florzinha?! — Exclamo como quem não quer nada mas tenho tudo esquematizado. — Vai me ver ainda mais! Não é perfeito?! É maravilhoso! — Não consigo conter o sarcasmo e a euforia em minha voz e algumas pessoas que passam riem sem esconder.
— Você precisa me respeitar! — Talita diz vermelha de vergonha. — Eu sou a professora de Vinicius e…
— Para exigir respeito primeiro você tem que se dar o respeito! — Comento e ela pisca em silêncio. — Isso como professora, você deveria saber! Além de que, não é ético você ficar fazendo distinção e preconceito dos outros! — Aponto não me contendo, o que ela tem de melhor que eu para ficar me atacando? Nada! E nem que tivesse. — Só fique avisada que se me provocar ou destratar o meu menino, minha boca não vai se fechar quando eu for dar queixa de você! — Arrumo minha bolsa no ombro e meu kimono verde de flores vermelhas no corpo, ele bate em meu joelhos desnudos. Olho-a de cima a baixo como ela fez à pouco comigo. — Eu sei dos meus direitos, Talita!
Giro nos calcanhares e saio andando pelos corredores sem nem olhar para trás. Preciso voltar a minha calma e feliz tranquilidade, porque o que vou fazer a seguir eu precisarei de todo a minha concentração e foco para ter sucesso. Dirijo por mais umas quadras, batucando meus dedos no volante para afastar meu nervoso e manter minha coragem até parar em frente à casa de Eduardo.
Respiro fundo e pegando meu resquício de coragem, saio do carro com minha bolsa para carregar tudo de provas para completar minhas pesquisas sobre essa família e a chave da casa, que não devolvi e adentro silenciosamente na casa. Infelizmente, todos os funcionários que trabalhavam para Eduardo aqui nessa casa, foram afastados por tempo indeterminado, é de verdade uma pena pois gostava de todos eles. Sigo direto para a escada e vou para o quarto do meu antigo chefe, nem paro pra ver nada pelo quarto em si, porque o que me importa está atrás do closet. Não preciso ter pressa, ninguém sabe que estou aqui mesmo, então minha intenção é vasculhar todas aquelas caixas! Já perdi a minha paciência! Ninguém me fala nada! Estou no escuro e já cansei, se é preciso que eu invada a privacidade de alguém para saber onde estou me metendo, vou fazer e nem ligo!
Afasto as roupas que cobrem a porta e a abro, de imediato posso ver as caixas empilhadas e já fico feliz que irei descobrir a verdade que tanto tentam esconder. Pego as duas caixas que mais me deixam curiosa, "Júlia" e "Vinicius".
Quando eu abri a caixa, já tinha noção que Julia é a filha de Eduardo, portanto não me surpreendi quando vi uma foto de uma bebê de olhos tão azuis como os de Vinicius.
— Que linda! — Sussurro encantada, passo o polegar no rosto de papel e reparo que ela tem o nariz como o do irmão. A segunda coisa que vejo é uma folha de papel, uma carta. Levo as pequenas caixas até um assento do outro lado do closet e me sento, começando a ler.
"Júlia, estou te escrevendo está carta enquanto ainda estou no controle das minhas ações, então quando enfim você aprender a ler e achar essa carta, significa que já está na hora de saber que não queria você. O fato de você ter nascido só indica que foi um erro eu ter me envolvido com a sua mãe, eu nunca quis uma filha e mesmo assim você veio, deve ser o universo me punindo por ter feito aquilo com sua mãe. A essa altura do campeonato você deve estar sabendo que sua mãe morreu e então eu fiquei com você e seu irmão, por pura obrigação, já disse que não te queria e essa é a verdade, apenas aceite-a!
Contudo se está lendo esta carta, quer dizer que você já saiu do coma, não morreu, hein? Por essa eu não esperava, você sempre foi bem mirradinha e eu tinha certeza que não ia vingar, então pegou aquela doença e apesar de eu não desejar uma filha, isso não foi minha culpa e ao mesmo tempo foi, não acho que você vá entender mas eu não sabia cuidar de crianças e você e seu irmão me causavam muitos problemas, cagando toda hora, chorando o tempo todo!
De uma coisa eu tenho certeza, quando sua mãe morreu logo depois do nascimento de vocês, a responsabilidade foi bem grande mas eu não ia pedir ajuda de ninguém, não sou incapaz e então mais um fato por eu não gostar de você. Julia por que você foi pegar anemia? Desde sempre tentando provar que eu era irresponsável, não tem vergonha de fazer isso com seu pai? Eu perdi toda a credibilidade quando você entrou no hospital em estado crítico e piorou ainda mais por ficar em coma! Você sempre me deu problema, é o cúmulo e não devia nem te deixar herança, seu tratamento já foi caro o suficiente! Todavia, eu não sou mesquinho assim!
Se estiver lendo esta carta, quer dizer que ou eu larguei de mão, ou morri ou seu tio conseguiu me internar, espero que tenha sido o primeiro e eu esteja curtindo em alguma praia paradisíaca. Enfim, tudo o que aconteceu não foi minha culpa, fiquei com vocês por puro despeito, afinal eu era o pai e tinha ao menos que tentar… Tentei e não deu certo, eu não amava vocês antes e nada me fez mudar de ideia, ainda não os amo e isso foi só um adeus, aproveite sua herança!
Eduardo Magalhães."
— Que horror! — Exclamo pasma com o que li, como Eduardo pode ser tão frio e escroto assim?
Eu nunca conheci alguém tão insensível assim. Essa carta devia ser queimada, ninguém merece ler essa rejeição, já é ruim o bastante você ter que passar por ela, ler que nunca foi amado é muito cruel! Ainda incrédula, sem chão pra continuar, dou um salto de energia respirando fundo e pego a outra caixa. Dessa vez é uma foto parecida com a que tem no quarto de Vinicius, é um lindo bebê e tem os olhos e o nariz como os de Julia, só isso, no geral eles são gêmeos diferentes. Prendo a respiração quando encontro outra carta.
— Que maluco! — Murmuro pegando a folha entre os dedos. — Fica tirando fotos e escrevendo essas cartas bizarras e depois guarda, só pode ser um desequilibrado mesmo!
"Vinicius Arthur Magalhães! Tentei impor presença e poder no seu nome e mesmo assim você continua um moleque inútil e molenga! Você e sua irmã só me causam desgosto, é impressionante!
Ao menos você é esperto, puxou de mim, pensou que eu não tinha percebido? Eu sei tudo que passa dentro da minha casa, garoto! Aquele quartinho que você fez, estragando um closet perfeito só me deixa com mais raiva, você me deu trabalho demais, é a criança mais chata e peralta do mundo! Eu realmente não te suporto! Só de olhar pra você eu me irrito, tantas vezes eu pedi pra chegar em casa e não ter que te ver ou ouvir e aí está você, lendo a carta que escrevi e nem se dando conta o como é incômodo. Tomara que agora eu esteja bem longe, em uma praia paradisíaca com oceanos de distância!
Espero nunca mais ter que te ver, sangue suga de paz e dinheiro! O meu mais sincero, ADEUS!
Eduardo Magalhães!"
— Misericórdia! — Exclamo ainda mais enojada. Ainda não consigo entender, como Eduardo consegue ser assim, tão desumano!
Desconfio que ele não seja pai das crianças, não é possível que não exista nenhum pingo de compaixão ou pena! Ele realmente não é pai de presença ou que cria, não mesmo, na minha opinião Eduardo devia perder as guardas dos dois!
— Deixa eu ver com que mais posso me surpreender. — Murmuro levantando e entrando de novo no armário, coloco as caixas que peguei de volta no lugar e começo a procurar a matéria do acidente que estava lendo da outra vez.
Tenho certeza que me impressiono com qualquer coisa que achar por aqui, mas é a caixa "Alexa" que pego nas mãos quando escuto um estrondo no andar de baixo, paraliso assustada segurando a caixa e devolvo depressa para a prateleira, fecho a porta com cuidado enquanto saio para o quarto em silêncio pra ouvir o que vem a seguir.
— Que merda o carro de Fernando, está parado na frente da minha casa?! — Escuto a voz nojenta de Eduardo questionar em gritos. — Fernando?! O que está fazendo aqui? Fernando! — Respiro um pouco aliviada quando ele começa a gritar pelo irmão, que continue pensando ser o Fernando, eu penso andando pelo quarto procurando uma saída de emergência.
— Aí meu Deus! — Sussurro agoniada, passo as mãos na calça para afastar o frio da morte que vai acontecer quando ele me achar. Olho em volta percebendo pela primeira vez como esse plano foi ruim! — O que eu faço senhor? Me mande uma luz, por favor!
Mas me mande logo! Penso desesperada abraçada com a minha bolsa, porque se Eduardo me achar, vão existir somente lembranças da minha existência!
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