CAPÍTULO 14

Dália Menezes

Na minha infância, eu sempre fui muito levada, aprontava sim mas nunca era planejado só acontecia, agia sempre por impulso e nunca mudei, minhas cagadas continuam só mudaram o endereço e a gravidade.

Como estar morando com o irmão e o filho do cara que possivelmente tentou me matar. Ou, ter me mudado de país para ficar longe das regras de meus pais. Ter saído da casa de meus pais, por não poder fazer uma arte-marcial e não ter dinheiro pra treinar. Minhas encrencas só aumentaram a gravidade, porque quando mais nova, as coisas que eu fazia era nível de criança entediada.

Como no dia que fugi para andar de patinete, caí, me arranhei e rasguei toda. Ou na vez que joguei tinta na piscina. Cortei as Dália coloridas do jardim de minha mãe e espalhei pela casa em taças com água. Cortei as revistas que meu pai dava entrevistas ou aparecia na capa e usava as letras para formar frases e colava em meu caderno.

Enfim, eu tenho meu histórico e sentada ali no sofá ouvindo Vinicius explicando sua versão dos fatos, não me pareceu premeditado foi só uma forma impulsiva de se defender! Foi errado? Claro, violência nunca é o caminho contudo só dele estar realmente arrependido e ter se desculpado, é compreensivo. Então, sim, não o julgo por fazer isso:

— Eu ia bater em Diogo com isso mas aí isso ligou e o Diogo caiu no chão! — Vinicius diz demonstrando sinceridade. — Eu só fiquei bravo porque ele disse que meu pai não morava mais comigo porque tava preso! — Vinicius volta a chorar explicando sua defensiva. — E não é verdade né, Dália? Meu pai não tá preso né, tio?

— Mas Vinicius! O que você estava fazendo com essa arma de choque na escola?! — Fernando tenta desconversar, não quer falar pra o sobrinho que o Diogo estava certo e não sou eu que vai contar.

— Eu ia mostrar pro James. — Vinicius explica deixando Eduardo de lado.

— Vinicius querido, quem é James? — Pergunto confusa, tantos nomes!

— O professor de ciências da escola! — Vejo seus olhos brilharem e lá está o Vinicius empolgado novamente, nunca vi uma criança tão feliz em falar de ciência. As crianças de hoje em dia são estranhas! — O professor me chamou pra ver a feira de ciências e aí eu ia mostrar pra ele!

— Tudo bem, Vinicius. — Suspiro e o encaro séria. — Eu e o seu tio, entendemos porque você bateu no Diogo.

— Mas precisamos que você entenda que a violência nunca é o caminho! — Fernando conclui guardando a arma de choque no bolso do casaco. — Seja ela falando e xingando ou batendo. Nenhum dos dois é bom, nem legal, porque machuca. Entendeu?

— O que eu faço se o Diogo me perturbar? — Vinicius questiona.

— Conta pra professora que ela resolve. — Explico arrumando seus cabelos caídos na testa, precisa cortar o cabelo. — Estamos entendidos?

— Tá bom. Vou fazer isso, prometo. — Vini diz por fim. — Tô com fome!

— Vamos comer, então! — Exclamo levantando e torcendo pra comida estar tragável ou vamos morrer os três intoxicados! — Vão arrumando a mesa enquanto pego as panelas.

No fim, a comida não estava tão ruim e conseguimos comer e saborear o mousse que foi a única coisa que deu realmente certo!


ßāßā

A segunda-feira chegou mais rápido do que imaginamos. Vinicius não foi pra aula e Fernando como o responsável legal na ausência do pai e como família mais próxima, foi para a reunião convocada logo no primeiro horário.

Eu e Vinicius acordamos mais tarde e resolvi aproveitar o dia, o levei na feira de ciências brasileira localizada na Universidade de São Paulo, a USP, é um lugar em que acho que ele vai amar ir pra se distrair já que ama essas coisas. Eu mesma amei, fiquei realmente fascinada na primeira vez que fui, tinha uns trezentos ou mais projetos e achei todos surpreendentes, hoje em dia deve ter muitos mais já que a ciência nunca para então eu espero que Vini goste.

Olho novamente para Vinicius, estamos na terceira apresentação de um projeto muito legal e Vinicius nem ao menos pisca, não fala nada!

— Então… — Incentivo, quero que ele diga alguma coisa, se está gostando ou achando bem chato, entretanto, tudo o que ele faz é sorrir. — Fale alguma coisa criatura! — Imploro desistindo de esperar.

Vinicius começa a rir e então se joga em minha direção e rodeia minhas pernas com os braços, seus olhos brilhantes se erguem e me encaram, transluz felicidade e a tristeza se foi! De agora em diante quero somente isso em seus lindos olhos!  

— Obrigada! — Exclama ainda me apertando e me desequilibrando. — Eu gostei muito!

— Que bom que gostou! — Digo acariciando seus cabelos, retiro seus braços de minhas pernas. — Minha intenção era mesmo essa. — Seguro sua mão e seguimos andando para outros projetos. — Você se expressa muito bem, pra sua idade. É só um bebê!

— Você fala igual bebê com a Bolhota, também! — Vini se defende, dou risada, tem sempre como se defender, impressionante!

— Não falo como bebê coisa nenhuma, Vinicius! — Reclamo o encarando, ele gargalha.

— Criancinha! — Vinicius cantarola e solta de minha mão para saltitar em minha frente, mostra a língua fazendo careta. — Lero, lero, lero!

— Olha só quem fala! — Debocho quando paramos em outra experiência. — Vamos prestar atenção agora, Teco.

— Tá bom, Tico!

Não ficamos por muito mais tempo na USP, vimos muitas outras experiências mas a fome chega pra todo mundo e pra nós dois não foi diferente, o fato é que eu  não levei dinheiro, não que eu tenha esquecido, eu só não tinha dinheiro e tivemos que voltar pra casa.

Coloco o prato de macarrão na pia e volto para a sala, a porta se abre e Fernando entra, o rosto indecifrável como sempre. É chato como não consigo entender suas expressões, ou está sempre rindo com os olhos nebulosos ou sério e sem qualquer outra expressão.

Paro no meio da sala, olho em volta para ter certeza que Vinicius ainda esteja no quarto. Passo a mão nos braços e o encaro.

— E, aí? — Sussurro engolindo em seco, dou uns passos até ele, Fernando tira o casaco e coloca sobre o braço do sofá. — O que disseram na reunião, Fernando? — Seu suspiro cansado não me afasta, ainda estou curiosa e preocupada com Vinicius. — É muito sério? Me diz logo, vai!

O moreno senta e tira os tênis, depois bate no acento do sofá ao seu lado, mesmo contra vontade eu sento de lado e cruzo as pernas em lótus.

— Pronto, querido! Satisfeito? — Digo sarcástica sem conseguir me conter. — Agora para de enrolar, caramba!

Sua mão segura a minha, gira meu anel de formatura no dedo médio, ganhei de meu pai quando me formei em pedagogia. Foi um dos raros momentos de afeto que não vi desgosto em seu olhar. O movimento sincronizado em minha joia, acaba me acalmando de alguma forma, o encaro esperando a resposta.

— Você é muito apressada, Lia! — Beija minha palma e eu estreito os olhos, que enrolação! — Certo! — Ergue as mãos e enfim começa a falar. — A professora explicou o ocorrido, não foi nada demais. Os pais de Diogo também entenderam que foi só um conflito entre crianças e pronto, foi só isso.

— Só isso? — Ele assente. — Então por que está com essa cara de bunda? — Fernando se surpreende, dou de ombros. — Ah, você me desculpe mas está escondendo algo! E pode começar a falar!

— Não estou te entendendo.

— Quer mesmo fazer isso? — Pergunto perdendo a paciência. — Fernando por favor! Não subestime minha inteligência, o bilhete estava carimbado pela diretora, pode ter sim acontecido um imprevisto entre alunos mas o fato das coisas terem sido resolvida somente com a professora não explica o carimbo.

— Muito bem, então. — Ele desiste, sabia, não seria só isso. — Querem que Vinicius, pule uma fase.

— Sério? — Fernando assente com um breve sorriso. — Ai que bom! Fico muito feliz, vai ser muito bom para Vini. Vou contar pra ele! — Exclamo levantando feliz da vida, sua mão envolve meu pulso esquerdo e me puxa de volta. — Quê? — Exclamo meio perdida, minhas mãos apoiadas em seus ombros e meu joelho direito em sua coxa. Minha boca bem perto da sua, nossas respirações se misturando.

— Essa posição é perfeita! — Fernando murmura com um sorriso malicioso, dou tapa em seu ombro e volto para meu lugar ao seu lado.

— Pare com isso! Que ousadia! Vinicius está em casa, Fernando! — Reclamo enquanto ele gargalha. — Quê que foi?

— O assunto ainda não acabou. — Murmura com pesar, afago seu joelho em conforto. — Recebi uma ligação do hospital psiquiátrico hoje e Eduardo, ainda está internado.

— Por que meu pai está internado? — Vinicius questiona nervoso entrando na sala.

— Vini, meu bem, calma. — Tento apaziguar. — Não é isso…

— É sim, eu ouvi! Eu ouvi tudo, Dália! — O tom de voz com que Vinicius me interrompe e diz meu nome me magoa, queria que não tivesse me atingido mas atingiu.

— Não fale assim com ela, Vinicius! — Fernando o adverte, tento não demonstrar que sua indiferença me atingiu. — Olhe como você está falando com a gente! Acha isso certo? Educado da sua parte?

— E você não é legal, tio! Prendeu meu pai! — Vinicius grita quase chorando. — Acha isso certo? — A criança rebate com as lágrimas descendo pelas bochechas.

— Sim, eu acho certo, Vinicius! — Fernando exclama no mesmo tom do sobrinho. — Seu pai está doente, Vinicius. E agora eu te pergunto, você prefere seu pai seguro no hospital ou um pai agressivo com você?

Vinicius dá um passo para trás, como se tivesse sido atingido por um tapa, sei que as palavras de Fernando foram duras, me seguro sentada no lugar, aguardando o desfecho desse debate. Meu pequeno ergue o braço e limpa o rosto com agressividade.

— Quero ver meu pai! — Sussurra antes de se virar e correr pelo corredor até seu quarto, batendo a porta.

Olho para Fernando, não consigo conter a minha língua e nem minhas expressões, o moreno ergue as sobrancelhas e dá de ombros. 

— Não vai fazer nada? Vai deixar ele daquele jeito, Fernando? — Pergunto incrédula, seguro a manga de sua camisa e puxo. — Ele é apenas uma criança!

— Não irei falar com ele, Dália! Não agora! — Ele responde grosseiramente, belisco seu braço, não entendo pra que essa grosseria, que inferno! — Ai! E outra, também não quero que você vá falar com Vinicius! — Exclama afastando minha mão e respectivamente minhas unhas de seu braço, faço menção de levantar e ele me segura, de novo. — Dália!

— O quê é, Fernando? — Exclamo entredentes, tiro sua mão de meu pulso. — Eu não tenho porquê te obedecer e não irei! É simples!

— Escuta! Se acalma e me escuta. — Continuo de pé, já estou de saco cheio, é um monte de mentiras e segredos pra todo lado. Grosserias e xingamentos à todo instante. Estou farta! — Eu vou falar com ele, tá bom? Mas não agora, Vinicius precisa ficar um tempo sozinho pra pensar e pôr os pensamentos em ordem. Entende?

— Não! E nem quero, eu já estou de saco cheio disso! Vinicius ama o pai, Fernando! Será que você não percebe? — Me curvo pra frente e o encaro. — Eu já não entendo mais nada! E sabe, Fernando?…  — O encaro de cima abaixo, meu pensamento somente em Christopher meu advogado, na loucura que estou pensando em fazer e Vinicius. — Não estou mais interessada em entender! — Arrumo minha postura, Fernando fica de pé.

— Tem certeza disso? — Me pergunta sorrindo cheio de mistérios.

— Por que? Resolveu me contar agora? — Exclamo sorrindo sarcasticamente. — Vocês Magalhães são muito esquisitos! É muita hipocrisia!

— Eu não sou hipócrita e vou te provar. — Estende a mão em minha direção. — Vem? Vou te contar algumas coisas! — É somente porque a minha curiosidade para saber mais sobre os segredos da família, que eu encaixo minha mão na dele e sou guiada para seu quarto, nada aqui me é novo, já conhecia.

Sentamos no sofá de dois lugares verde escuro, meio musgo até, no canto direito do quarto e então Fernando me encara e tenta falar umas três vezes, porém resmunga e volta a se calar, reviro os olhos perdendo a paciência.

— Anda logo, Fernando! — Exclamo à um pavio de explodir, respiro fundo, segredos de merda! Odeio segredos!

— Provavelmente você não sabe mas Eduardo, perdeu a esposa, a Alexa, em um acidente de carro.

— É, não sabia! — Murmuro abaixando um pouco a defesa. — Isso explica seu desequilíbrio, coitado.

— Não explica, não. — Fernando diz bem sério. — Eduardo sempre sofreu de bipolaridade, infelizmente ele puxou geneticamente essa doença de nosso pai. E com tempo, por não tratar ele desenvolveu uma espécie de esquizofrenia, só que as vezes, não reconheço meu irmão, a falta de caráter, falta de humanidade que agora eu vejo sobre as doenças, me preocupam! — Pela primeira vez, consigo ver em seus olhos, algo além, uma tristeza e rancor super aparente. — A outra fase dele, é muito agressiva! E além de trazer seu pior lado a tona, a cada dia que passa eu vejo menos do Eduardo que conhecia. Cada escolha me afasta um pouco mais, e eu já perdi tanto...!

— O quê? — Sussurro chocada o interrompendo e Fernando assente. — Caramba! — Murmuro totalmente besta, quem iria imaginar? Faz muito sentido é claro mas mesmo assim! — Altas revelações…

— Não é só isso que preciso te contar. — Fernando se levanta dá uns dois passos e volta a se sentar, esse nervoso dele está me agoniando. — A Alexa… — Sua voz falha ao falar seu nome dessa vez, parece magoado. — A ex do meu irmão, ficou grávida de gêmeos na época, e então, um dia depois, um fatídico dia depois do nascimento dos gêmeos, Julia e Vinicius, que ela morreu, morreu em um maldito acidente de carro!!   

— Quê? Meu Deus, Fernando! Como assim, cara? — Levanto num pulo, aperto a mão em punho. — O que é tudo isso que está me dizendo? É muita história e eu não acredito! — Paro em sua frente e lembro de um detalhe que contou. — Gêmeos? Fernando! Pelo amor de Deus! Cadê essa Julia? 

Começo a andar pelo quarto, tropeço no tapete e me seguro na parede, tenho um lapso de memória, "Acidente na Rodovia Presidente Dutra."  Mas é lógico! Como posso ter esquecido? A data no jornal era realmente um dia depois do nascimento de Vinicius! Não só de Vinicius como aparentemente de Julia também! Não pior ainda! Nem sei onde está essa menina!! Minha cabeça lateja, olho pela janela respirando fundo.

Que novela é essa em que me meti? 
Minha cabeça gira em confusão, procurando respostas e explicações para tudo que não está claro e respondido, quero respostas agora! 

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