CAPÍTULO 10

Eduardo Magalhães


É tudo culpa minha! Mas eu, na verdade, nem me importo! Ou me importo? Minha cabeça lateja.

Esses são os meus questionamentos diários e eu já percebi que nunca vou ter uma resposta para os meus problemas, estou perdendo o controle cada dia mais!

Minha sanidade está se reduzindo a zero e eu não quero fazer nada para com isso, porque machuca! Dói ter de voltar ao passado e ver que meus momentos mais lúcidos foram sempre quando eu perdia algo!

Eu me afasto de Vinicius por dois motivos; um porque ele se parece com a Alexa e isso acorda o meu outro lado! Porque é assim, eu tenho dois Eduardos que moram instáveis dentro do meu corpo e eu não sei qual é o pior!

Eduardo às avessas, é como eu o chamo, fica me dizendo coisas, ele me faz duvidar de tudo e todos e isso me deixa fora do comum; esse Eduardo, apareceu a primeira vez eu tinha 14 anos e o meu pai, Dionísio Magalhães me bateu por ter ido a uma festa de um colega escondido.

Depois dessa aparição ele sumiu, porque o Fernando sempre me ajudou. Quando fomos para a faculdade, ele me ajudou a montar a Choklad desde que era somente um projeto no papel mas então, eu perdi o controle!

Um sócio tentou desfalcar a empresa, Isac Reitor como ele se chamava me irritou, provocou o ódio dentro de mim ao tentar me roubar dois anos após a inauguração da empresa, e sem conseguir controlar o meu outro eu, o matei! Quando voltei aos meus sentidos, estava todo sujo de sangue diante de um corpo sem vida!

Nem mesmo o Fernando sabe disso e vai continuar assim se depender de mim! Ele ainda depois de anos quer me levar para tratar algo que não tem cura, que está enraizado dentro do meu âmago!

O verdadeiro Eduardo, é fraco. Sinto raiva ao pensar isso mas é a verdade! Não gosto de admitir, porém, é a verdade! Sou manipulável pois o outro, consegue me dominar diversas vezes e me afasto de Vinicius com medo dele tomar o lugar e lhe fazer mal.

Contudo, eu sinto nojo de mim, eu muitas vezes gosto de me isolar, não ligo para os sentimentos de ninguém e nem me importo que esteja machucando as pessoas, só que isso é ele criando forças dentro de mim a cada dia e as vezes é bom, ele acaba com as minhas lembranças do passado e é reconfortante!

A porta da minha sala é escancarada e sinto meu humor começar a divagar, como um armário cheio de pastas a serem escolhidas; Fernando entra sorrindo com todo o seu esplendor.

"Ele de novo? Expulse ele!"

Fecho os olhos com força para afastar meu outro eu, respiro fundo e encaro impassível meu irmão sorrindo.

— O que quer aqui, Fernando?

Não quero me estressar hoje! Não quero que ele venha! Murmuro mentalmente como um mantra pois o Fernando é como um ímã para o meu descontrole! Toda vez que ele aparece, alguém sai ferido, como ontem com o segurança do estacionamento que sofreu no lugar!

— Eu vim te avisar da minha viagem de rotina. — Fernando murmura sentando-se na cadeira à minha frente. Sua mão entra no paletó cinza claro e volta com dois frascos, estica o braço sobre a mesa para me entregar. — Pega logo de uma vez!

Recebo os vidros e antes de conferir o que é aquilo, olho para Fernando com desconfiança, meus dois eu's em conflitos interno e meu irmão nem se mexe de tão sério. Por fim, abaixo a cabeça para os frascos em minha mão e leio o rótulo, “Óleo de Rícino”, “Antipsicótico”.

Fecho os dedos em torno dos vidros e ergo o olhar para Fernando. A provocação sem limites parece o satisfazer, Fernando deveria saber que eu me satisfaço de outra forma.

"Matar ele não seria ruim!"  O sussurro vem sombriamente.

— Que porra é essa, Fernando? — Pergunto me segurando, respiro fundo.

— Um vidro é o seu remédio, que por um acaso eu achei no lixo ontem quando você saiu. — Aponta para o frasco na minha mão, tenho certeza que se eu apertar mais os meus dedos, vou me cortar com os cacos. — O outro é óleo de rícino, pra você passar nessa sua cara de pau! — Ele explica tranquilo enquanto se acomoda na cadeira. — Não sei como você consegue, Eduardo, você parece querer ficar mal! Vamos ver um especialista! Eu te acompanho, Dudu.

Olho bem para esse ser inconveniente e que não sabe o sufoco que passo todo dia, sentado bem na minha frente! Por que ele faz questão de vir aqui todo dia?!

"Mate o Fernando! Assim ele não virá nunca mais! É perfeito, Eduardo!"  Passo a mão no cabelo tentando manter o controle.

— Pegue essas porcarias e vá embora! Eu não preciso de nada disso! — Sinto que o outro é quem comanda minhas falas e ações. Giro os frascos em minha mão e arremesso na porta, se espatifam em vários pedaços com um estrondo e sinto um breve alívio. — Por qual motivo eu usaria isso? Eu não te devo informações da minha vida, cara! Se eu te perguntar onde está a mulher que você estima, você saberá me responder? — Minhas mãos seguem para a gravata, desfaço o nó. Me sinto preso, sufocado!

— Eu não te entendo! Por quê você gosta de sofrer? O que você ganha com isso? Os dois saem perdendo! —  Fernando nunca consegue diferenciar quem está no controle de minhas ações.

— Nem comece! Eu já mandei você ir embora! As mãos são minhas, faço o quiser com elas! Ninguém me impede, nem mesmo um fracote como você!  — Exclamo, escuto o descontrole em minha voz.

"Vai embora Fernando!" Eu temo o pior, meus braços se arrepiam.

— Sei disso! — Agora meu irmão parece desconfiado. — Foi você que causou o acidente do segurança ontem, não é?

— Não! — A certeza do outro me faz querer revirar os olhos, hipocrisia. — Ele escorregou nos próprios pés e despencou escada a baixo.

— Claro, claro… — Fernando murmura me olhando de rabo de olho, ele pode estar desconfiado mas continua sendo muito burro! — E o Vinicius? Continua fazendo ele sofrer com sua ausência?

Suspiro deixando claro que não estou afim de falar deste assunto. Fernando, burro como sempre, parece não entender.

— Ele é uma criança e está preferindo ficar comigo e a babá do que com você, o pai! — O homem com traços de nossa matriarca me encara querendo demonstrar compaixão. Ele odeia esse olhar, esse sentimento.

— Fernando? Vai embora, sim? Não quero falar sobre o passado, você sabe de tudo e sabe que me afeta e mesmo assim continua a me atormentar como uma maldita mosca! — Consigo voltar a tomar o posto de minhas ações para conversar com meu irmão. — Ele está descontrolado hoje.

— Tá vendo? Essa sua paranoia está afetando a todos à sua volta! — Fernando diz retorcendo o rosto de angústia. — Mano? Vamos procurar ajuda, depois do acidente há anos ele vem fazendo mais aparições e eventualmente mais vítimas! — Seus fios escuros herdados de nossa mãe já estão bagunçados de tanto passar a mão. Ele também parece sofrer com esse assunto mas não deixa de cutucar nosso passado. — E se por um acaso o Vinicius for a próxima vítima? Já não basta as meninas...?!

Sua voz para na metade, ele não consegue terminar a frase, não consegue dizer os nomes, assim como eu e isso me dilacera por dentro, contudo, a cada dia o sentimento de culpa vai se diluindo em lembranças… Prazerosas!

A força de vontade que ele tem para matar é a mesma que eu uso para gritar.

— Cala essa boca, Fernando! — Grito para afastar as dolorosas lembranças, já às revivo diariamente, então só eu sei o que realmente aconteceu naquele acidente! Só eu sei o mal que fiz a ela, as escolhas que decidi tomar. — Só… fica quieto e vai embora!

— Tudo bem. — Ele diz num suspiro cansado. — Contudo, as passagens já foram compradas e amanhã a essa hora, eu, Vinicius e a tal da Babá vamos estar dando entrada no hotel! — Fernando se aproxima e pega uma folha em que assinei, sem verificar, hoje cedo. — Obrigado pela autorização e desculpa te enganar para assinar, mas, eu não deixarei Vinicius ficar doente novamente e por sua culpa! Sinto muito e fique bem!

Fernando explica, se vira e sai batendo a porta como se minha opinião não valesse! Levanto o mais rápido que posso e atravesso o escritório, correndo atrás do meu irmão.

— Você não pode ficar levando ele a hora que bem entende, Fernando! E nem muito menos a Dália, duvido que ela vá, de qualquer forma! — Agora já estou fora de mim, é uma mistura dos meus dois eu's e isso sempre é péssimo! Seguro Fernando pelo braço para detê-lo de continuar andando, mas ele se solta do meu aperto e continua andando até o elevador sem falar mais nada. — Você nem a conhece, merda!

— Francisca já me disse tudo o que preciso saber! — Ele murmura com descaso entrando no elevador.

— Não se atreva! Já disse para cuidar da sua própria vida! — Esbravejo entrando também no elevador e apertando o botão de emergência. A caixa de metal para com precisão.

— Eu me atrevo, sim! Porque você nem desconfia, mas, adivinha quem me ligou pedindo ajuda? Eu te desafio a descobrir!  — Fernando parece mais alterado que eu, me deixando mais nervoso ainda.

— Não sei, crianção! E o que isso tem haver? — Ironizo com um sorriso forçado. — Não é motivo para você querer sequestrar meu filho, vacilão! — Grito grosseiramente.

— Filho? Você é pai desde quando? — Ele olha no relógio de pulso e me encara em deboche. — Ah sim, a alguns segundos! Quer agir como pai? Vamos lá! Você sabe ao menos a comida favorita do seu filho, paizão do ano?! — Ele explode ainda no deboche.  — Eu te odeio toda vez que me faz lembrar!

— O que isso tem a ver com ser pai? — Pergunto com raiva. — O importante não é ele comer e estudar? — Reviro os olhos. — Aceita que a Alexa escolheu a mim!!

— O importante é você se importar! Você é simplesmente a pessoa que paga as coisas para ele. Ele não tem um pai! — Grita e não vejo esse ódio desde 2013, quando tudo aconteceu. —Você só forçou com o espermatozoide, Eduardo! Fez tanto caso em 2013 e agora é como um estranho com o próprio filho!

Assim que ele joga a verdade aos berros, eu perco o controle. Foi tudo rápido, o meu punho o acertando e ele se desequilibrando por não estar esperando, mas revidando logo em seguida, com um golpe certeiro na qual quem foi parar no chão fui eu!

Fernando luta jiu jitsu há anos. Ele tem a mesma altura que eu, é forte, mas é diferente ao ponto de ser mais novo, puxou nossa mãe e é moreno dos olhos azuis. Ou seja, totalmente diferente.

— Não aceita ouvir verdades, então não às procure! — Ele diz revoltado. — Vinicius. Seu filho me ligou, e, chorando de novo, pediu conselhos de como fazer um pai amar o filho. Acredite, aquela conversa foi decepcionante, eu não imaginava que chegaria a esse ponto. Mas olha onde estamos, — Ele aponta para nos dois e indica o elevador. — fomos longe demais. Você está cada vez mais desequilibrado e Vinicius está depressivo novamente! Não sei se você ainda tem salvação, Eduardo. — Fernando murmura me olhando com tristeza e mágoa. — Alexa tinha razão! Mas Vinicius está melhorando, graças a babá que você resolveu contratar!  Pelo menos alguma coisa boa você fez. — Ele ironiza, aperto os lábios por um instante esquecendo da dor do corte que o soco fez.

Abro a boca para falar e a única coisa que consigo fazer é desabar no chão, tudo é culpa minha!

Tudo, exatamente tudo é minha culpa!

Vinicius ainda teria uma família, mas eu tirei isso dele!

Então eu finalmente caio na real... Ele não é feliz e eu não sou feliz, nunca que isso funcionária!

— Ele não é feliz. Vinicius não é feliz…! — Sussurro. — Ninguém consegue ser feliz comigo, eu é que sou o problema. — Continuo sussurrando a minha dor enquanto volto ao passado, novamente.

Lembranças ativadas:


18 de agosto de 2009

Seguro os cabelos longos de Alexa entre os dedos conforme a beijo, puxo ela para dentro do escritório e empurro a porta com o pé.

Alexa coloca as mãos sobre os meus ombros e empurra, fecho os olhos para manter o equilíbrio de meus atos e quando abro ela está a uns dez passos de distância me encarando séria.

— O que foi? — Pergunto puxando o ar para meus pulmões e passando a mão no cabelo.

— Eduardo... — Começa e puxa as mangas da camisa azul escuro para baixo me olhando aflita.

— O que que foi, Alexa?! Fala logo! — Exclamo perdendo a paciência.

Grávida. — Sua voz sai como fiapo e sinto meu coração errar uma batida. Ela ergue os olhos e já vejo as lágrimas caindo em abundância, deve ser felicidade! — Estou grávida, Eduardo! E...

— Isso é ótimo! — Exclamo a interrompendo. — Então vamos nos casar!

— Não!! — Ela se afasta com as mãos nos cabelos. — Não quero isso! Não quero ele! Não queroo!!!

Abro a boca para respondê-la e a porta se abre, me viro e vejo Fernando parado lá com a pior cara de todos, mais decepcionado do que jamais vi. Alexa parece estar ainda mais em pânico.

— O que você não quer, Alexa?! — Sua voz sempre tão calma, está agora graus elevados e com uma tristeza enorme. Não consigo sentir nada em relação a isso, só que... Paguei na mesma moeda! — Fala pra mim, Alexa, o que você quer?!

— Ser feliz! — Respondo por ela e passo meu braço por seus ombros, encaro meu irmão e sorrio. — Alexa está grávida!

Lembranças desativadas.

— Foi tudo culpa minha! — Digo me levantando, as coisas só pioraram depois daquele dia! — Eu perdi minha família e foi extremamente tudo minha culpa, Fernando!

— Tá, eu já sei! Eu te disse e você também disse! Muitas vezes por sinal. — Ele resmunga confuso e ao mesmo tempo com raiva. — Mas sinto lhe informar que aceitar a culpa, não, resolve! — Murmura se movendo pelo pequeno espaço. — Então ou você faz algo para melhorar ou vai perder quem lhe resta. Quem ajuda, irmão é!

— Certo, eu vou melhorar! — Falo convicto disso, o outro não está falando nada então, eu acredito por instante até bater uma dúvida, olho para Fernando. — Como… Como eu faço isso mesmo? Como posso me redimir do que fiz? — Pergunto confuso e ele revira os olhos abrindo a mochila e me entregando um cartão. "Dra. Ivonete Lacerda, psicóloga e psiquiatra." — Eu não sou louco, Fernando!

— Me perguntou como e eu estou te respondendo. Se não aceitar, já sabe! — Sinto a ameaça em sua voz, fecho os olhos e respiro fundo para me acalmar. — Está perdendo o controle de novo! Assim como antes e além disso, psiquiatra não é só pra loucos! — Reviro os olhos, claro que é! — A decisão é sua, mas, por segurança, vou levar Vinicius comigo enquanto você toma a sua decisão. — Fernando diz saindo do elevador, que eu nem reparei que tinha voltado a se movimentar. — Se cuida, tchau!

Vou provar ao meu filho que eu o amo. E quando ele voltar, vou estar meio caminho andado. Mas eu não sei porque ter que levar Dália, ele não a conhece e nem ela conhece ele, parece que está acontecendo tudo se novo, como um maldito djavu!

Sendo trocado, sendo deixado de lado e sendo sempre a última escolha! É sempre assim! Não importa quantos anos passem, nada vai mudar!!

"É isso aí! Ela é como a outra e Fernando continua o mesmo!" Paro na porta do elevador quando ele volta a sussurrar.

"Uma viajem, né? Que lindos!" Ele começa. "Vão aproveitar a oportunidade e se mandarem! Vão ser uma linda família juntos!"

— Para já com isso! — Grito sozinho dentro do estacionamento, meu eco volta como tiros de fuzis.

"Melhor ficar esperto, Dudu! Quem avisa, amigo é!"  Sinto a raiva que estava segurando voltar com força e energia total, chuto um cone no meu caminho parando para pensar, e, minha consciência tem toda razão, eles vão embora e eu não vou permitir!

Olho para o cartão com letras negras em minha mão e faço o que é certo. Rasgo ele todinho e entro em meu carro.

— Aquela vaca não vai me passar a perna dessa vez! — Exclamo tirando o carro do estacionamento e seguindo para casa, vou imediatamente resolver esse empecilho!

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