Capítulo II
KIM JIEUN
Era o último dia do primeiro mês do ano, a vida de Kim Jieun havia mudado do dia para a noite ao descobrir sua gravidez aos vinte anos de idade. A felicidade não poderia ser maior: encontrar o amor da sua vida e ter um filho. Com todas essas mudanças, tanto do seu corpo como da sua mente, os preparativos para o casamento já estavam quase prontos, esperavam o nascimento do filho para que tudo fosse perfeito e mágico como Jieun sempre sonhou.
Às três horas da manhã quando seu corpo começou a dar sinais contrações, a deixando ciente que poderia nascer naquele dia. Arrumou as coisas calmamente, a bolsa do bebê estava pronta, precisou apenas juntar suas peças de roupa e caminhar pela casa, acalmando sua mente e coração. Sonhava em um dia ser mãe, passando os meses da gestação imaginando como tudo seria dali para frente. Em determinado momento, a bolsa rompeu e o líquido amniótico escorreu entre suas pernas, alertando Jieun e fazendo com que ela avisasse seu namorado, acordando-o para que ajudasse a lidar com aquele momento. Seguiram para o hospital usando a pequena Van da família. No meio do caminho as dores tomavam toda barriga, as contrações vinham e iam em um espaço curto de tempo. Na entrada do local, uma enfermeira se aproximou, encaminhando para dentro enquanto Jieun tentava explicar sobre o que sentia. O nervosismo e a aflição percorria por todo o corpo dela e não via o momento para ver seu filho.
— O bebê ainda não tem passagem o suficiente para sair, você precisa se acalmar e esperar mais um pouco. — informou o obstetra após examiná-la, medindo sua pressão e checando as demais informações.
— Tudo bem — Luke estava ao seu lado, mais nervoso do que ela, com seus dedos entrelaçados. Ser pais de primeira viagem era um fato assustador, mas Jieun tinha o namorado ao seu lado e sabia que ele nunca a deixaria de mão.
— Tudo vai ficar bem, eu estou aqui com você e prometo não sair do seu lado — Se aproximou dela, envolvendo-o em um abraço forte. Só queria o calor do abraço dele para dissipar toda a tensão em seu corpo.
— Não vejo a hora de conhecer nosso bebê — olhou para ele, sorrindo ao vê-lo olhar de volta para ela. Desde do dia em que se conheceram, Luke nunca deixou de enfatizar o quão feliz seria se tivesse uma família com Jieun e imaginando como seriam seus futuros filhos. — Fico pensando se ele seria parecido comigo ou com você, ou com nós dois também.
— Ele será perfeito, não vejo a hora de vê-lo também.
— Se ele nascer bem parecido com você, tenho certeza que será perfeito.
— Sendo parecido com nós dois, com certeza. — Ele tinha razão. Jieun sonhava com os detalhes do bebê, como ele parecia, se ele seria mais parecido com ela ou com o namorado. Nos nove meses pensou em cada momento que teriam, sonhando e planejando todas as aventuras que teriam. Seus pensamentos foram interrompidos com a chegada dos seus pais. Os mais velhos entraram e se direcionaram para ela.
Jieun nasceu em uma família simples, com conceitos e exigências próprias. Desde que se recordava, seus pais vendiam marmitas para manter tanto ela como seus irmãos mais novos, e enquanto eles trabalhavam, ela dividia seu tempo entre terminar os estudos, trabalhar e cuidar dos seus irmãos. Se empenhava para ajudar os pais, protegendo os irmãos e fazendo por eles tudo aquilo que achava justo uma criança ter. Sabia do pouco tempo dos pais dentro de casa, o que fez Jieun ser uma segunda mãe e pai, tomando responsabilidades que resultou a ter mais apego e paixão por crianças. Quando engravidou, tinha em mente que sua vida mudaria para sempre, precisando lidar com os pais que de início brigaram e a repreenderam, enfatizando como seu futuro tinha sido destruído. Ter filhos tão cedo era crescer e se tornar ainda mais responsável. Nem mesmo todos os comentários negativos direcionados a ela a fizeram desanimar.
Desde então, ela nunca se arrependeu e nos meses de preparo, aproveitou o bastante para conhecer a vida que crescia dentro dela e quase não conseguia esperar o momento mais especial para tê-lo em seus braços.
Algumas horas se passaram e a dor só aumentava, o intervalo das contrações se tornavam menores, o ambiente agitado devido a outras pessoas também não ajudavam muito ela a relaxar. Já não se sabia o que fazer naquela situação a não ser se esforçar e aguentar tudo.
— Doutor? — sua mãe chamava o médico e ele adentrava a sala, cobrindo suas mãos com luvas.
— Senhores — cumprimentou seus pais. — Senhorita Kim me diga, o que está sentindo? as contrações estão vindo de quanto em quanto tempo? — reuniu as forças que tinha para respondê-lo.
— Dor, uma pressão na barriga e… — fechou os olhos. A contração ia e vinha em um espaço curto, sua barriga estava rígida e diferente de antes, não sentia o bebê se mexer.
— A dor é normal, você é uma garota forte — passou a mão sobre a barriga, se afastando apenas para retornar com um aparelho. Uma mulher alta, de cabelos escuros ajudou a empurrar em direção a ela. Jieun se acomodou, deitando, sentindo um gel ser espalhado em seu ventre e o mesmo equipamento de antes ser usado. Os olhos atentos ao monitor onde podia observar o seu bebê. — Preparem a sala de parto — pediu a enfermeira. — ela precisa ser levada agora. — disse, os olhos dele se franziram contra a tela.
— Aconteceu alguma coisa?
— Os sinais vitais do seu bebê está abaixo do que consideramos normal, ele pode está em sofrimento Jieun, por isso iremos levá-la para a sala de cirurgia.
[ ••• ]
Ouvir que seu bebê estava em sofrimento fez o mundo dela ficar agitado, como se um terremoto passasse e levasse tudo. Só tentou se acalmar, ouvindo que seria importante ficar calma para que tudo desse certo. Todo o procedimento foi feito até levá-la para dentro de uma sala com outros profissionais, escutava nitidamente a voz de cada um deles enquanto sua barriga era e toda a região próxima era esterilizada.
Sentia medo, muito medo e não queria ficar sozinha naquele ambiente, não quando ninguém ao menos olhava para ela e explicava o que estava acontecendo. Olhou para o outro lado, Luke estava lá, ele preferiu não entrar e ficar ao lado dela por conta do receio de não saber o que ajudar. Esse momento deveria ser mágico, mas soava para Jieun como um filme de terror, as vozes, a pressão no peito, a falta de explicações e o nervosismo. Só desejava segurar a mão de alguém, ter alguém ao seu lado para dizer que estava tudo bem e que tudo ficaria bem.
— Faça força Jieun, empurre o bebê para baixo. — orientou a voz do outro lado e inspirou, forçando força. O sentimento era que quanto mais força fazia, menos força tinha na próxima tentativa. Continuou pondo tudo de si, se seu bebê estava sofrendo, ela precisava ajudá-lo nesse momento, trazê-lo ao mundo para que cuidasse e o amasse.
Os segundos se tornaram minutos. Ouvia as vozes em plano de fundo, sua mente se concentrava em exigir forças.
— Devemos mudar a situação, ela está perdendo muito sangue — escutou algo que parecia uma discussão, mas não teve tempo para raciocinar, estava fraca, seu rosto pálido e úmido pelo suor indicava como estava dando tudo dela. Posteriormente as mãos se uniram sobre a parte superior do útero, criando uma pressão que provocou uma dor forte em Jieun (manobra de Kristeller¹) fazendo com que ela perdesse os sentidos por alguns segundos. Só recobrou os sentidos quando a dor insuportável cessou, tendo finalmente um fim, e sentiu quando algo escorregar para fora, dando um suspiro. Só quis procurá-lo, ouvir o choro do seu filho. Se encontrava dopada pelos acontecimentos anteriores, confusa e perdida procurando seu bebê. Tentou chamar por um dos profissionais dentro da sala, mas todos pareciam esqueça-lá, preocupados com alguma outra coisa.
Uma das características mais fortes em momentos como esse, era o choro angelical de um bebê, acompanhada do momento materno entre mãe e filho, o primeiro contato, o primeiro gesto de amor. Jieun sonhou com esse momento por tantos meses, repetiu e refez as cenas, imaginando cada detalhe. Todavia não existia choro, contato e muito menos o primeiro gesto que tanto pensou que teria, em troca, estava sozinha na sala, as vozes ainda discutiam, eles pareciam preocupados com alguma coisa.
— Meu bebê… — Murmurou, encarando o teto, vendo tudo embaçado. — onde ele está? Eu quero vê-lo.
— Ele está sendo cuidado pelos profissionais — uma doce moça se achegou, secando as bochechas avermelhadas e úmidas.
— Ele está bem? — encarou a moça e esperou resposta. Jieun agarrou o braço da mulher, tentando fazer com que ela a respondesse. — por favor, meu bebê…
— Ainda é muito cedo para respondermos senhora, tente se acalmar.
Seu coração saiu pela boca. Não ter nenhuma informação, nada, não poder ver seu bebê era como roubar todo o seu direito. Permaneceu insistindo, até que aceitou se acalmar e deixar que eles fizessem o necessário. Foi cuidada e limpada em silêncio. Ficou sabendo que precisou tomar alguns pontos em baixo e que precisaria ter cuidado para não rompe-los.
No pequeno quarto, sua família não dizia nada, muito menos Luke. Ele parecia distante, abalado pela precoce possibilidade.
A maçaneta da porta foi aberta e finalmente alguém iria dizer alguma coisa. Só esperava que seu bebê estivesse bem e pudessem ir em breve para casa.
— Doutor, o meu neto, como ele… — Sua mãe que a acolhia e acalmava, deu um passo a frente, ficando mais perto dele.
— A situação estava um pouco complicada, ele nasceu com dificuldade na entrada e saída de oxigênio, tentamos de tudo para dar o ar que ele precisava antes que faltasse oxigênio no cérebro — ele explicava, olhando fixamente para todos. Ela não compreendia o motivo de tanta enrolação para dizer qual era a situação. — a situação no parto também não facilitou, ele estava em sofrimento dentro da barriga.
— O bebê da minha filha não sobreviveu? É isso? — Seu pai gaguejou nas primeiras palavras. Jieun era uma garota forte, que quase não chorava e nos instantes que não existia expressão em sua face, seu consciente processava mais rápido do que ela poderia aguentar lidar, compreendendo a realidade do que estava vivendo.— vocês mataram meu neto? — exclamou.
— senhor, por favor se acalme. Infelizmente o bebê nasceu com alguns problemas respiratórios, tentamos de tudo mas o que nós estamos achando é que ele já veio ao mundo morto.
— não, não pode ser — A negação parecia mais acessível do que somente aceitar. Ela não queria aceitar a morte do bebê. — Eu pude sentir ele aqui…— repousou a mão na barriga, no agora vazio. Seu peito doía, tudo aquilo não poderia ser verdade.
— É um momento muito delicado para a família. Peço perdão por qualquer coisa, nós e o hospital estaremos a disposição da família.
★
Noite e dia passavam e ainda assim parecia não acordar do pesadelo. Jieun se negava a aceitar, o que precisou que ela fosse acompanhada por psicólogo nos primeiros dias após a fatalidade, mas nem isso fez com ela compreendesse aquilo. Como poderia ter alguém em um dia e no outro perda-la para sempre? Assustador quando esse alguém era um bebê que não iria conhecer a mãe ou saber como ela o amava.
— vocês conseguiram ver o corpo?
— não consegui — o carro parou em frente a casa onde eles moravam. O namorado ainda abatido foi o primeiro a abrir a porta e sair, ajudando os sogros e em seguida a namorada que a horas não dizia nada.
— Depois fazemos algo simples e para poucos, apenas para não deixa-lo sem qualquer aparo da família — entraram na residência e se separaram, cada um foi para uma parte, viver o momento do jeito que conseguiam. A negação era um dos primeiros pontos a ser vivido no luto e também respeitado.
A situação mais complicada que ela poderia sentir era adentrar o quarto que estava todo preparado para a chegada do bebê e aquele vazio interno a sugar para as suas profundezas. Um buraco negro onde até a luz não atravessava.
— venha Jieun, você precisa descansar — deitou na cama e olhou para ele, sorriu suavemente e se encolheu, fechando seus olhos gradativamente.
Abraçou um urso de pelúcia, imaginando que era o seu filho. Sorriu com os olhos fechados e a mente projetando o rosto, as pequenas mãos e o sentimento indescritível de poder rodar o bebê, mesmo que isso só fosse em sua mente. Apertou os olhos, as lágrimas caiam e o coração apertava. Ficou sozinha, no silêncio da sua própria dor até dormir. Fazia dias que não conseguia dormir, os momentos do parto assombravam sua mente.
— Isso é frustrante, olhe para ela, você não enxerga? — Indagou alguem. — Foi irresponsável, engravidou, mas nós como pais precisamos acolher filhos que só pensam em si mesmo né? Gastamos todo o dinheiro com um bebê que nem existe — Despertou abruptamente. Aos poucos o alguém se revelava ser o seu pai. A relação que tinha com ele nunca foi das melhores, mas ainda assim Jieun o amava. — ela mentiu para nós, destruiu todos nós…principalmente esse garoto que aguentou todos esses meses as vontades dela, então não passe a mão pela cabeça, ela é sua filha e uma também é uma mentirosa.
— Eu sei querido, eu sei — a mãe tentava contornar as coisas. — mas…
— não tem mas, eu quero que ela saía dessa casa, ela já me deu muito trabalho, não vou sustentar os dramas dela desta vez…já fiz o meu papel como pai — as palavras perfuraram o coração de Jieun, o coração que já estava apertado e machucado, ela poderia esperar de todos, menos do próprio pai, da própria família.
Ela se ergueu da cama com dificuldade. Ainda conseguia sentir o peso na barriga, porém o agora preenchido por nada.
— Eu não esperava isso dela, pensei que dessa vez eu não seria enganado — para sua surpresa, seu namorado completava o discurso do seu pai, dando a entender que a perda do filho tinha sido escolha dela.
Desde o princípio, quem mais queria esse bebê era ela, por todos esses meses a vida que crescia dentro dela a fazia sentir amada, ter um motivo maior para viver, para lutar e para encarar tudo de uma única vez.
— Eu não esperava isso de vocês — surgiu, olhando a feições de surpresa deles. — Vocês acham que eu quis perder o meu filho? Vocês acham que eu sou um peso? O que vocês são? Monstros? — se apoiou nas paredes, focando neles. Não tinha cabeça para discutir, no entanto, não deixaria que eles achassem que isso foi desejo dela.
— filha…— Sua mãe tentou se aproximar, sendo parada pela Kim antes que chegasse mais perto.
— eu não esperava de vocês — seus olhos marejavam — o que eu fiz?
— por favor filha…
— É essas coisas que eu estou falando, esses dramas — continuou o pai, dando as costas para ela.
— Eu tenho nojo de vocês — limpou os olhos, antes que qualquer lágrima caísse.
— depositamos nossas confianças em você, e isso aconteceu — indagou o namorado. Ela se aproximou, olhando para o homem cujo ainda cedo disse que estaria ao seu lado.
— você vai ficar do lado deles? Depois de tantos momentos, depois do nosso filho…
— A criança morreu Jieun, não existe nada mais que conecte a gente — ele sentiu o rosto arder logo após o tapa.
— Nunca — enfatizou, com as mãos trêmulas. — Nunca mais olhe na minha cara ou fale comigo — contornou o corpo. Precisava de paz, ficar sozinha, longe de todos eles. — e vocês, não se preocupem — finalizou e voltou para o seu quarto. No quarto, finalmente pôde chorar, colocar tudo para fora, tudo o que alimentava o seu vazio. Jieun só precisou de alguns minutos para reunir suas coisas, algumas roupas, dinheiro e documento para sair de casa. Não pretendia se afastar deles dessa forma, mas também não se permitiria ficar após uma ferida ser aberta e saber a verdadeira opinião da família.
Conhecia algumas pessoas que ajudou a encontrar um pequeno e distante espaço para ficar por um tempo. Sua mãe foi a única que insistiu que ela retornasse, pedindo desculpas em nome de todos, mas todas as palavras ditas pelo pai e pelo namorado foram tão profundas que não conseguia somente perdoa-los e esquecer tudo, voltar para os braços deles e fingir que iriam passar por toda dor juntos.
Palavras magoavam, feriam e destruíam alguém até que ela começasse a aceitar aquilo como uma verdade absoluta.
Fazia alguns dias que lia e relia os jornais em busca de trabalho, procurando em sites e até mesmo por conhecidos que estavam dispostos a ajudá-la. Desde dos seus quatorze anos se ocupava com trabalhos não registrados, ganhando abaixo do que era o certo e de meio período para ajudar dentro de casa, se destacando mais em serviços onde tinha contato com crianças. Seu sonho era um dia conseguir se formar em pedagogia e ensinar crianças. Com dezoito anos, seu primeiro trabalho de verdade foi em uma creche, ficando alguns meses até descobrir a gravidez e concordar com a insistência do ex namorado que era sair do trabalho para cuidar e se dedicar ao bebê. Hoje em dia isso parecia patético, talvez se tivesse ficado por lá, teria conseguido uma independência mais fácil, sem sofrer com a pressão do pai e do companheiro.
— Esses três, acho que esses aqui se encaixam — marcou as opções, enviando todas as informações necessárias, com os requisitos que precisavam ser preenchidos. Só queria ocupar sua mente e esquecer de tudo o que sentia. — espero que tudo dê certo. — ligou para cada um dos serviços que se encaixava e tratou de reunir todos os seus documentos. Incluiu seu antigo emprego, era uma grande empresa focada apenas em serviços de babá que trabalhava através de recomendações e diversos interessados poderiam usar o serviço deles para selecionar alguém. Por já ter tido experiência no lugar, acreditava que suas chances poderiam ser altas.
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¹ " manobra de Kristeller " — Descrita pelo ginecologista alemão Samuel Kristeller, em 1867, a manobra consiste “na aplicação de pressão na região superior do útero com objetivo de facilitar a saída do bebê”. O método é considerado uma forma de violência obstétrica.
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