● Capítulo IV - Enciumada ●



Depois disso senti apenas um baque enorme, minhas costas doeram e depois tudo era uma escuridão infinita.

Escuro. Frio. Solidão.

Abri os olhos com dificuldade, o teto me pareceu um pouco familiar, fechei os olhos novamente e os abri com vagareza, tentei sentar na cama, mas o movimento brusco fez com que minhas costas contraíssem.

— Ai — levei as mãos às costas.

— Deite — senti a mão de James tocar minha testa forçando-me a deitar.

— O que aconteceu? — perguntei.

Antes de receber a resposta recebi um flash curto de memória. A égua pulando, James gritando, a Rainha de pé, Artemis rindo, a queda e a escuridão.

— A égua te derrubou — senti a preocupação transbordar por seus lábios.

— Perdoe-me por ser a pior aluna, eu não sou boa em nada — fechei os olhos e os apertei impedindo que as lágrimas escorressem.

— Deixe de besteira, o importante é que você está bem — as mãos de James agarraram-se as minhas e senti um calor enorme aquecer meu corpo e uma eletricidade tomar conta de minhas células.

— O médico do castelo mandou aquela medicação para que você tome, na hora certa tome direitinho — soltou minhas mãos e eu agarrei de volta.

— Não sei distinguir o remédio dos perfumes e loções — admiti envergonhada, destruindo meu orgulho.

— Você não sabe ler? — perguntou atônito.

— Não, quando eu nasci meus pais já passavam por uma crise financeira, anos depois meu irmão foi convocado pelo exército do Rei e logo após recebemos a notícia que ele fora morto em combate, nem seu corpo tivemos, minha avó adoeceu depois disso — apertei os olhos para não chorar — Não tive tempo para aprender nada.

— Permita-se chorar — ele sentou ao meu lado na cama, entrelaçou nossos dedos e abaixou a cabeça.

Aquilo fora o suficiente para que eu me desmanchasse em lágrimas, os soluços faziam meus pulmões doerem. Foi então que senti os braços fortes de James me envolverem me apertando contra seu peito.

— Tudo vai ficar bem Annie — ninguém nunca havia me chamado assim, só Bash.

— Annie?

— Perdoe o atrevimento — soltou-me bruscamente.

— Não — agarrei seu pulso impedindo que ele se afastasse mais — Eu gostei.

— Eu posso te ajudar com a leitura — parecia animado.

— Como? — encarei-o.

— Todos os dias o relógio toca às dez horas da noite, quando isso acontecer deixe a porta entre aberta para eu possa entrar sem ser visto — os olhos dele transpareciam aventura.

— Serei eternamente grata — mergulhei na intensidade de seu olhar e ele pareceu fazer o mesmo.

— Lady Green — a voz nos assustou — Acho melhor o Lorde James se retirar, não é de bom tom que um rapaz fique sozinho no quarto com uma jovem princesa — Astrid parecia prepotente, mas extremamente preocupada, eles se olharam por algum tempo como se travassem uma discussão silenciosa.

— Claro, perdoe-me Ast — sorriu brincalhão para ela.

Ela sorriu - um sorriso apagado, mas ainda assim um sorriso - de volta para ele que se levantou e caminhou até ela depositando um beijo em sua bochecha e saiu sem se despedir. Por algum motivo senti meu estomago revirar e cruzei os braços.

— Não é de bom tom isso e não deixe que permita acontecer novamente — disse calmamente e com severidade.

— É de bom tom receber beijinhos dele? — retruquei.

— Você não pode estar com ciúmes — seus olhos pegavam fogo e isso me deixou preocupada.

— Por quê? Por que ele é seu pretendente? — meu sangue borbulhava nas veias.

— Ele não é o meu pretendente — de repente ela se tornou um animal indefeso, abaixou o tom de voz — Mas você não pode estar com ciúmes de alguém que conheceu hoje — passou as mãos no vestido — E lembre-se que poderá ser a noiva do Príncipe Lincoln, não deve se apaixonar nem por ele e nem por ninguém — virou-se de costas — Amor é uma coisa impossível para pessoas como você  e eu. 

— Se retire do meu quarto — ordenei.

— Como é? — virou-se furiosa.

— Eu disse retire-se do meu quarto — apontei para a porta.

Astrid me olhou indignada e saiu batendo a porta com força, segundos depois a porta foi aberta novamente com precaução.

— Senhorita? — a voz de Olívia fez com que tudo voltasse a paz apenas com seu jeito de falar.

Passei as mãos no rosto e Olívia sentou ao meu lado, seus olhos questionavam, mas seus lábios não se moviam.

— É impossível apaixonar-se por alguém que mal conhece? — perguntei envergonhada.

— Acho que sim, creio que isso seja um encantamento, mas não paixão e muito menos amor — esclareceu.

— Você já se apaixonou? — questionei cheia de curiosidade.

— Ah! — corou — Não sei, acho que sim — olhou para a porta.

— O Soldado Ravaner? Você gosta dele? — bati palminhas.

— N-Não — gaguejou mostrando nervosismo.

— E quanto tempo Olívia?

— Não sei... — e depois ficamos em silêncio por alguns minutos, ela envergonhada por seu sentimento e eu tomando coragem para fazer uma pergunta.

— O que houve ou há entre Astrid e James? — questionei.

Os olhos enormes de Olívia me encararam, ela pareceu temer responder a minha questão, mas eu precisava saber mesmo que não quisesse realmente ouvir a resposta.

— Dizem que eles já... Eles já... — desviou o olhar e seu rosto pálido estava corado.

Senti um fogo tomar conta de mim, minhas bochechas queimaram, meus punhos se fecharam, minha boca secou.

— Dizem que eles já se beijaram — finalmente conseguiu terminar a frase.

Minha mente já havia formado outro final para aquela frase, senti-me de certa maneira aliviada, mas ainda sim incomodada.

Preciso mudar de assunto... Tirar isso da minha cabeça.

— Mudando de assunto. Você realmente gosta do soldado? Quer dizer, ele é bonito, mas tão sério.

— Nos conhecemos desde crianças, nossas casinhas no vilarejo eram vizinhas, crescemos brincando, até que ele veio para cá antes de mim.

— Como ele era antes daqui? — tentei me concentrar mais na conversa do que em meus conturbados pensamentos.

— Engraçado — sorriu abobalhadamente.

— Senhoritas — ouvimos batidas na porta e paramos de falar.

A porta se abriu vagarosamente e o guarda colocou a cabeça para dentro do quarto, quando o olhar dele encontrou com o olhar de Olívia pude — sem brincadeiras, eu vi mesmo — faíscas voarem.

— A senhorita deseja algo ou posso me retirar? — perguntou um pouco tenso.

— Acompanhe Olívia até o quarto e está dispensado — sorri para ela que abaixou a cabeça envergonhada.

Liv levantou da cama balançando seus fios cacheados e saiu do quarto acompanhada por seu amado. Isso é quase engraçado.

Deitei novamente com bastante cuidado para não machucar ainda mais as costas, não estava com sono já que havia passado o dia inteiro desacordada, a noite seria longa regada a uma insônia miserável, pernilongos insuportáveis e um maldito nome ecoando em minha mente.

James.

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