Do Sonho à Realidade

A voz insistente do professor me tirou do transe em que me encontrava. Levantei a cabeça devagar, ainda grogue e desorientada, tentando entender como havia chegado ali. A sala de aula me parecia estranha e familiar ao mesmo tempo, como um sonho que se mistura com a realidade.

- Lysandra, a voz do professor me chamou com um tom de repreensão. - Preste atenção na aula, por favor. Pode me dizer qual a capital da França?

Minha mente se atrapalhou, buscando freneticamente por uma resposta que não vinha. A pergunta me pareceu simples, mas no momento era como um enigma indecifrável. - Madri? respondi hesitante, com a voz fraca e incerta.

Um suspiro de frustração escapou do professor. - Não, Lysandra. A capital da França é Paris. Você precisa prestar mais atenção nas aulas.

Senti meu rosto queimar de vergonha. Como pude errar uma pergunta tão básica? Eu me sentia perdida, como se estivesse em um mundo que não era meu. Tentei me concentrar, mas meus pensamentos se recusavam a se organizar.

- Lysandra, o professor continuou, sua voz agora mais paciente. - Está tudo bem com você? Você parece distraída hoje.

- Sim, professor, menti, desviando o olhar. Estou apenas um pouco cansada.

Mas não era apenas cansaço que me afligia. Eu sentia um vazio dentro de mim, como se uma parte importante da minha memória tivesse sido apagada. As lembranças da manhã, de como cheguei à universidade, de tudo o que aconteceu antes da aula, me pareciam fragmentadas e confusas.

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O refeitório estava lotado como sempre, um mar de rostos e vozes que se misturavam em um zumbido constante. Ignorei o barulho enquanto me servia a comida de sempre: salada, frango grelhado e arroz integral. Encontrei uma mesa vazia e me sentei, pronta para finalmente saciar minha fome.

Levei a primeira colher à boca, mas antes que pudesse provar, uma voz estridente me interrompeu.

- PARE! Aurelia gritou, seus olhos arregalados de horror.

Olhei para ela confusa, a colher ainda suspensa no ar. - O que foi? perguntei, tentando conter a irritação.

- Você se esqueceu do sonho? Aurelia exclamou, sua voz carregada de incredulidade. - Do sonho que eu te contei? Da visão?

A mente me deu um branco. Mas de repente.. a ficha havia caído.

Aurelia revirou os olhos, exasperada. - Lysandra, você precisa prestar mais atenção! No sonho, você fazia exatamente o que está fazendo agora!

Ela me olhou com urgência, seus olhos suplicantes. - Lysandra, você precisa fazer o contrário do que fez no sonho. Senão...

Ela não precisou terminar a frase. Eu sabia o que ela queria dizer. Um calafrio percorreu minha espinha.

- Desculpe, eu esqueci completamente.. minha voz falhou antes que eu terminasse de falar.

- Você tem certeza de que não esqueceu de mais nada, né? E o caminho que você fez para vir à universidade? Mudou o trajeto?

Senti meus olhos se arregalarem quando a ficha caiu. - Céus! exclamei em voz alta, atraindo olhares curiosos dos estudantes ao redor. - Esqueci completamente! Eu vim pelo caminho de sempre hoje...

Aurelia me observava com compaixão, seus olhos cheios de compreensão. - Está tudo bem, Lysandra, ela disse com voz calma. - Você só precisa tomar cuidado agora, não pegue ônibus quando voltar para casa.

A cada segundo que passava, a apreensão aumentava, me sufocando com seu peso.

●●●

O dia na universidade se arrastou como uma tortura. A cada aula que passava, a angústia aumentava em meu peito. As palavras dos professores ecoavam em meus ouvidos como um mantra, mas eu não conseguia me concentrar. Minha mente estava presa no sonho, na visão que Aurelia havia me contado, e na incerteza do que o futuro reservava.

O sinal final da aula soou como um grito de liberdade. Joguei meus livros na mochila e me juntei à multidão de alunos que corriam para fora do prédio, buscando abrigo da chuva que começava a cair. O céu se fechou em um tom acinzentado, e grossas gotas de chuva despencavam do céu, transformando as ruas em um rio caudaloso.

Enquanto corria, protegendo meus livros com a mochila, meus pensamentos se voltavam para casa. Eu precisava voltar o mais rápido possível, encontrar refúgio no aconchego do meu lar, longe das tempestades que assolavam minha mente.

Cheguei à estação de metrô, ansiosa para pegar o trem que me levaria de volta para casa. Mas, para minha frustração, um cartaz anunciava que o serviço estava suspenso devido à forte chuva. Um sentimento de desespero me invadiu. O que eu faria agora?

Olhei para o céu, observando a chuva cair com ainda mais fúria. As ruas estavam desertas, as lojas fechadas, e o vento uivava como um lobo faminto. A solidão me consumia, e o medo se instalava em meu coração.

Com um suspiro profundo, decidi enfrentar a situação. Saí da estação e me embrenhei nas ruas desertas, enfrentando o vento e a chuva que castigavam meu corpo. Cada passo era um desafio, cada gota de chuva um lembrete da minha fragilidade.

Um grito de dor escapou dos meus lábios enquanto meu corpo batia contra o chão frio e úmido. A chuva caía em torrentes, lavando meu rosto e arrastando meus livros para longe. Me levantei com dificuldade, sentindo a dor latejar no meu joelho. A mochila havia se aberto na queda, espalhando meus cadernos pela rua.

Desesperada, corri atrás dos meus preciosos livros, ignorando a chuva que encharcava minhas roupas. Um por um, os recolhi do chão, meus dedos tremendo de frio e frustração. - Droga! murmurei entre dentes, enquanto observava a tinta dos meus cadernos borrando-se com a água.

Ao me levantar para pegar o último caderno, que havia parado em frente a uma pedra, um calafrio percorreu minha espinha. Olhei para cima e meus olhos se arregalaram de horror. Eu estava parada no mesmo ponto de ônibus do sonho, o mesmo que Aurelia havia descrito com detalhes tão vívidos.

O sonho estava se tornando realidade.

O medo me dominou, e meu coração começou a bater descompassadamente no peito. Eu queria correr, fugir daquele lugar, mas meus pés se recusavam a se mover. Sentia-me presa, como se uma força invisível me mantivesse ali, à mercê do destino.

- Não pode ser, murmurei, incrédula. - Isso não está acontecendo.

Mas a realidade era dura e cruel. Eu estava ali, no mesmo lugar, na mesma hora, revivendo os eventos do sonho com uma precisão assustadora.

O medo me dominava enquanto me virava para correr, buscando refúgio daquela cena aterrorizante. Meus pés pareciam chumbo, e a chuva fria me castigava sem piedade. Mas, antes que pudesse dar um passo, um clarão cegante iluminou meu rosto e o som ensurdecedor de pneus batendo no asfalto me fez parar abruptamente.

Um carro preto, em alta velocidade, havia parado bem na minha frente. A porta se abriu, e dois homens, com o rosto coberto por máscaras escuras, saíram do veículo. Eles empunhavam armas, apontando-as diretamente para mim.

- Pare! Um deles gritou, sua voz rouca e ameaçadora. - Entregue tudo que você tem, ou vai se arrepender!

Meu coração batia descompassadamente no peito, e lágrimas brotavam dos meus olhos. Eu não tinha nada, nenhum dinheiro, nenhum valor que pudesse lhes interessar. - Eu não tenho nada! implorei, com a voz trêmula e desesperada.

Mas meus apelos caíram em ouvidos surdos. Os bandidos, implacáveis, se aproximaram cada vez mais, suas armas raiando em meu corpo. - Não minta para mim! Um deles rosnou, seus olhos cheios de ódio. - Se não entregar o dinheiro, você vai morrer!

Eu fechei os olhos, esperando o pior. A dor de uma bala cravada no meu peito me faria desaparecer para sempre daquele mundo cruel e implacável.

A dor explodiu em meu peito como um raio, me fazendo cair no chão lamacento. A água branca da chuva que antes me banhava agora se misturava com o vermelho quente do meu sangue, formando uma poça macabra em volta do meu corpo. O grito de dor escapou dos meus lábios, um grito de agonia e desespero.

O sonho de Aurelia se tornara realidade, e era daquela forma horrível que eu iria morrer. A imagem do bandido com a arma apontada para mim, seus olhos cheios de ódio e crueldade, se repetia em minha mente como um pesadelo sem fim.

Lágrimas escorriam pelo meu rosto, misturando-se com a chuva que caía sem piedade. Eu não queria morrer, não assim, tão jovem, com tantos sonhos ainda por realizar. Mas a dor era insuportável, e a vida lentamente se esvaía do meu corpo.

Uma dor excruciante percorria meu corpo, cada respiração era um esforço árduo. O sangue quente manchava a terra úmida, misturando-se à água da chuva que caía incessantemente. Meus olhos se fechavam aos poucos, a escuridão se aproximando como uma névoa densa.

Os bandidos, satisfeitos com sua crueldade, entraram no carro preto e partiram em alta velocidade, deixando-me à mercê do destino. A solidão me consumia, o medo se transformando em um frio glacial que percorria minhas veias.

De repente, uma figura surgiu da escuridão. Alta e imponente, observava-me em silêncio. Era como um fantasma, uma sombra que me acompanhava naquela última jornada.

Com um último esforço, ergui minha mão fraca, implorando por ajuda. Mas a figura permaneceu inerte, seus olhos fixos em mim, sem demonstrar qualquer compaixão.

Minhas forças se esvaíam, a vida se esvaindo como água entre os dedos. A mão, antes levantada em súplica, caiu no chão com um baque surdo. Meus olhos se fecharam por completo, a escuridão finalmente me tomando em seus braços gelados.

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