19. A inclemência humana diante de um deus

Meus olhos estavam inchados, meu corpo dolorido e mesmo assim eu faria o que ele me disse, retirei todas as roupas e adentrei a fonte, antes disso prendi meus fios no topo para que não encostassem na água, deixei que toda aquela dor saísse de mim sentindo meu corpo relaxar depois vesti os mesmos trajes e sair do local dando de cara com Poseidon que agora parecia me analisar.

— Por que não me obedeceu?

O ignorei, eu estou transbordando de raiva, não é um sentimento meu e eu não gosto de sentir isso.

— Sn... — São raras as vezes que esse deus maligno pronuncia o meu nome. — Me responda quando eu falar com você.

Continuei muda e ele se aproximou.

— Passará o dia inteiro comigo. — Eu não fiz nada permaneci imóvel e permiti que ele me levasse até o quarto. — Troque de roupa, temos compromisso.

Eu não vou mais bater de frente, também não irei ficar ao lado desse deus cruel, só farei o meu melhor para sair daqui. Fui até o armário e vesti o traje laranja que Hermes me ajudou a escolher e sinceramente o que eu não daria para ser ele o deus de Atlântida. Deixei meus cabelos soltos notando que estão quase chegando na cintura esse crescimento rápido só pode ser por conta dessas águas puras e boa comida, não que eu me alimentasse mal, mas em minhas viagens era terrível fora o excesso de bebida dos outros quando calhava de cair em um navio regido por um capitão bêbado ou levado pela luxúria, calcei as sandálias e fui de encontro a Poseidon.

— Você está muito bonita. — Desviei o olhar e senti a mão dele em minha cintura me puxando pelos corredores como se eu fosse um obra a ser exposta e talvez se tivesse utilizado essa abordagem antes faria sentido, mesmo que seja a primeira vez que me elogia. Ele manteve a mão em minha cintura até chegarmos a um local completamente de vidro, Poseidon manuseou seu tridente e assobiou uma bela  canção e logo percebi que o som foi correspondido por um ser do mar, os vultos se aproximavam e eu involuntariamente grudei em seu corpo. — Não tenha medo, não há seres mais dóceis que as baleias.

Sua destra deslizou por meu corpo em um carinho mínimo e aos poucos me afastei, notei que todas as baleias aparentes são lindas e coloridas em tamanhos diferentes, são tão... Bonitas, pude sentir meus olhos brilharem Atlântida sempre irá me surpreender e quando dei por mim estava sorrindo sobre os olhos atentos de Poseidon.

— Precisamos conversar. — Comentou, não estou afim de ser questionada, não quando tenho inúmeras perguntas sem respostas.

—  O que você fez a Anfitrite? — Não olhei para ele, mas percebi as baleias se afastarem e provavelmente pela pressão esmagadora no ar. Poseidon não aceita ser questionado.

— Não está em posição de me fazer perguntas humana.

— Claro-claro. Só estou em posição de responder não é? Oh grande e impiedoso rei dos mares! — Me curvei lentamente e ele se aproximou me puxando para si.

— Não abuse da sorte. — Revirei os olhos, essas ameaças não surtem mais efeito, ainda tenho receio de nadar com os tubarões, mas sei que as ameaças dele só me levariam pra cama.

— Ok, não abusarei. — Respondi vagamente me distanciando o deixando incrédulo. — E não serei mais sua, não vou mais deixar você fazer o que quiser.

Notei o semblante de Poseidon se verter em raiva antes de me olhar nos olhos e em questões de segundos senti as águas me pegarem e levarem até ele.

— Você sobreviveu uma noite inteira, não tem mais volta Sn, está dentro dos meus domínios agora. — Meus lábios foram tomados e eu não correspondi o que o deixou ainda mais furioso antes de soltar as águas de meu corpo: — Está livre para passear pela cidade e deixarei avisado que aquele que te tocar enfrentará a morte.

Uma prisão "livre" foi o pensamento que me ocorreu. 



Por Poseidon,

Como vou manter o controle com essa mulher tão desobediente? Massageei minhas têmporas após me afastar e segui para meu descanso adentrando minha terma após um banho relaxante voltei para o quarto e notei que Sn já estava na cama, me deite e envolvi seu corpo. Ela não recusou, mas estava tão silenciosa que me deixou incomodado.

— Dormirei em outro cômodo. — Comentei me levantando da cama, que porra está acontecendo comigo? Nem mesmo uma justificativa deveria sair da minha boca, aquela é a minha cama! Peguei meu tridente e saí do quarto, essa mulher humana parece ter me enfeitiçado, deitei no quarto ao lado e obviamente não consegui pegar no sono, não tem o cheiro delicioso dela ao meu lado e o fato de que ainda me questionou me deixou completamente revoltado.

...

Meu dia começou infernal, Grisha adentrou ao quarto trazendo uma bandeja repleta de frutas.

— Bom dia imperador deseja alguma coisa?— Observei Grisha se curvar, seu corpo levemente a mostra pela transparência de suas vestes.

—  Leve café da manhã para Sn e mande um vestido novo para ela. Quero que seja azul como o oceano e com bordados de  ouro, diga a Lya que tem até a noite para fazer e nenhuma peça deve ter mais importância, não quero transparência. — Os olhos de Grisha emitiram um brilho do qual não me importo antes de sair para cumprir com minhas ordens, não sei o que passa na cabeça de Sn, porém a partir do momento que aceitou estar em meus domínios passou a me pertencer.
Respirei pesado me sentando, fiz minhas refeições e segui para o meu banho, mas no caminho tive outra ideia, caminhei até meu quarto e bati na porta um famigerado entre soou e notei como ela estava bela, os fios bagunçados o tecido branco da camisola realçando seu corpo e em como comia calmamente.

— Bom dia.

— Resolveu deixar de me ignorar humana insolente? — Me aproximei tocando em seus cabelos.

— Não é porque sou educada que não estou com raiva. — Esperei que terminasse a maçã e se levantasse, puxei suas vestes em minha direção e antes que pudesse tornar seus lábios ela desviou. — Como disse, ainda estou com raiva.

Essa Humana....

— Iremos ao Olimpo a noite então não fique até mais tarde na biblioteca.

— Não vai me dar serviços imperador? — O desdém em sua voz me fez querer ainda mais.

— Não, Grisha os fará em seu lugar e lembre-se que Atlântida é toda sua. Por que não leva aquela pintura edionda e termina de uma vez? — Observei o semblante sereno dela se exaltar.

— Edionda são suas atitudes deus dos mares! Eu vou sim sair para pintar e espero que esse povo lhe obedeça, pois da última vez fui atacada dentro das suas dependências! — Sn estava realmente discutindo comigo? Essa humana perdeu completamente a noção.

— Mandarei que um dos meus servos carreguem suas coisas.

— Não precisa...

— Não perguntei, esteja de volta até o anoitecer do contrário — sussurrei em seu ouvido: — Vou te caçar como daquela vez. — Observei um arrepio passar por sua pele pela minha proximidade e não foi medo que deixou transparecer, se essa humana pensa que vai escapar, está muito enganada.

...

O céu estava escureceu enquanto Grisha massageava minhas costas, a humana ainda não havia retornado e por esse motivo decidi que irei pessoalmente atrás dela.

— Imperador, não prefere que mande um das semideusas? — A voz de Grisha apesar de baixa me alcançou.

— Não. E o vestido?

— Será entregue até a hora do chá. Deseja mais alguma coisa? — Se curvou lentamente, nossa linguagem corporal não mudou, mas não tenho tempo ou vontade para isso, não quando aquela humana insiste em ignorar e desobedecer. Fiquei de pé na terma enquanto Grisha me olhava claramente interessada. — Devo preparar o jantar e mandar servir em seu quarto?

— Pode ser e depois disso está dispensada.

— Imperador...

— Sim?

— Permita-me fazer um pedido. — Isso não faz parte de Grisha, ela costuma ser obediente e dedicada.

— Fale.

— Gostaria de passar seu dia comigo em Atlântida? Não hoje, mas ao longo dos próximos dias? É que meu aniversário está próximo e esse é o meu desejo.

Olhei-a de cima, ano passado me fez o mesmo pedido e espero que esse ano haja algo diferente.

— Que assim seja, mande que duas criaturas fiquem em seu lugar e te sirvam nesse dia e que preparem o show que tanto quer me levar para assistir. — Ela assentiu saindo e eu me preocupei com o que realmente importava: a desobediência daquela humana...

Atlântida em festa por me ver algo tão trivial e desnecessário, apenas olhei para cima fazendo com que se calassem e voltassem a viver suas vidas normalmente, passei na loja de vestidos apenas para observar a senhora Lya fazendo a peça que ordenei, depois segui meu caminho pelos montes até o ponto mais alto onde Sn estava, o cavalete intacto com a pintura, em seu rosto uma marca de tinta enquanto a mesma repousava no chão, seus fios agora batem praticamente na cintura completamente desgrenhado porém o tom de turquesa está cada vez mais intenso e com o balançar dos ventos leves se assemelham as ondas do mar e não há ser mais belo do que essa humana em toda Atlântida, me peguei percebendo algo tão simples e em como Sn parecia ser feita para esse lugar e assim acabei deixando de lado um fator importante,  ao seu redor haviam... Sereias.
Ao me aproximar notei que tais criaturas se curvaram em uma simples reverência enquanto a mulher revirou os olhos.

— Saiam. — Proferi notando as criaturas sorrirem para Sn antes de sumir. — O que estava acontecendo aqui?

— Um pequeno entrosamento. — Ela estava sorrindo.

— Sn...

— Poseidon, os semideuses e deusas me odeiam por simplesmente estar ao seu lado. As sereias vieram segundo elas entender porque fui escolhida por você e ao ver os meus livros e pinturas desistiram, ao invés disso me pediram para contar as histórias do mar e se não fosse incomodar muito ensiná-las a pintar.

Tal relato me deixou minimamente intrigado e os olhos coloridos de Sn brilhavam. As sereias não costumam ser amigáveis com ninguém, sejam deuses, semideuses ou humanos.

— E se atrasou por esse motivo presumo.

— Na verdade eu nem vi a hora passar, só estava a me divertir. Sabe deus dos mares, pode não parecer, mas as vezes humanos precisam de contato e não só ordens e silêncio. — Se levantou catando os materiais.

— Não tivemos contato o suficiente para precisar de mais? —  Sei exatamente do que ela está falando, porém, gosto de vê-la envergonhada. — Deixe tudo aí. Mandarei levar para o Palácio e não tolero atrasos.

Ela deu de ombros e me aproximei, levei meu polegar até sua bochecha recolhendo na tinta.

— Vamos — Ofereci a mão para ela que ficou confusa e ainda assim aceitou, após segurar fui em direção ao palácio rapidamente.

...

O fato dessa mulher não querer olhar em minha cara está me deixando extremamente irritado, ela está no meu que agora é nosso quarto porque assim eu quis, enquanto me visto adequadamente para a festa no salão do Olimpo, Sn está na minha terma essa mulher desgraçada inventou de se vestir por lá mesmo e Grisha ficou de levar algo para ela comer enquanto eu termino meus afazeres.
Sem dúvida alguma não passarei outra noite que não seja em sua companhia.


Por Sn,

O fato de Poseidon me tratar bem não inibe minha aversão por toda a confusão que me causou. Estou profundamente magoada e nem sei dizer se isso se remete as atitudes dele ou ao meu coração confuso por tudo que passei até aqui.

"Atlântida é sua" Foi o que ele me disse, mas como posso me sentir bem se todos aqui parecem me odiar, sei que medo e receio não fazem parte de uma aventureira, mas como posso lidar com seres que possuem força sobre-humana fora seus dons? A resposta é simples, não posso.

 Eu havia terminado o meu banho há algumas horas e estou a me vestir, o traje é muito belo e com fios dourados que realçam ainda mais a peça e por incrível que pareça não há transparência alguma, deixei meus fios soltos e os escovei não quero por nada dessa vez, calcei as sandálias e me olhei no espelho me sentindo muito bonita, na verdade essa é a primeira vez desde que cheguei aqui que paro para realmente apreciar minha aparência com valor.
A porta foi aberta lentamente e por ela Grisha passou trazia consigo um xícara de chá.

— Beba enquanto está quente, esse chá não costuma ser bom frio. — Assenti pegando lentamente e assoprando antes de beber.

— Me desculpe a franqueza, mas esse chá é horrível de qualquer forma. —  Ela sorriu de maneira estranha me deixando incomodada.

— Não se preocupe com isso, um chá medicinal nunca é fácil.

Pisquei diversas vezes, antes olhá-la, para uma deusa que não se importa com seus próprios sentimentos ela veio mesmo cumprir uma vontade tão esdrúxula?

— Não da pra confiar em vocês não é mesmo? — Suspirei. — Aquele troglodita do Poseidon, realmente não sabe lidar com um não!

— Não preciso mentir. O imperador dos mares não sabe disso, mas creio que não se importará quando descobri, afinal de contas o barraco que você provocou se espalhou rapidamente. A humana que não queria cumprir uma ordem, desafiou um deus em seu próprio lar e ainda ganhou como recompensa o poder de andar entre nós sem sofrer nenhum tipo de repressão fora o fato de você querer carregar uma semente dele.

Tive que gargalhar, chamando sua atenção.

— Você como deusa não se enxerga não é mesmo? Se eu quisesse ter um filho com o seu Imperador eu teria. — Acho que nunca afrontei ninguém dessa forma em toda a minha vida e com uma mentira ainda por cima. — O caso é que não quero e esse chá só me fez querer vomitar. — Sem pensar muito corri até a pia colocando tudo para fora e lavando a minha boca.

— Tome cuidado Sn, o imperador é benevolente, mas não abuse. 

— Tome cuidado você, deixe que com ele eu mesmo me entendo! — Céus o que deu em mim? Grisha me encarou com certa raiva e assim saiu do banheiro, respirei fundo tentando me acalmar e se a partir de agora eu tiver que ponderar tudo que entrar nesse quarto para eu consumir? E outra, por que estão tão interessados no fato de que eu poderia dar a luz a um filho dele sendo que nem engravidar é algo possível? Não segundo os sábios do templo de Poseidon que afirmaram ser um castigo divino pela traição da minha mãe para com o deus.

Me recompus e saí do banheiro dando de cara com o quarto plenamente arrumado e Poseidon sentado sobre a cama com o meu livro em mãos ele estava tão bem em trajes formais.

— Até que sabes escrever humana. — Claramente estava a implicar.

— Assim como você sabe reinar. — Rebati o observando me encarar com a sobrancelha arqueada e então continuei: — Da próxima vez peça para a sua deusa ser ao menos mais simpática, aquele chá para limpar o meu corpo tinha um gosto terrível. — Fui até a mesa onde havia frutas e sei que ele as consumiu em algum momento, peguei algumas uvas para tirar o amargor que o chá havia deixado e parecia não sair por nada.

— Do quê está falando humana? — Pisquei algumas vezes, ele realmente não sabia...

— Pergunte para a sua querida Grisha. — Senti sua sombra nas minhas cotas. 

— Exijo respostas agora! 

— Vamos nos atrasar imperador e até onde me lembro você é o deus que não tolera atrasos. — Fiz uma curta reverência, não entrarei  nesse joguinho, não sei mais até onde vão as suas ordens perante aquela deusa e apesar da respiração pesada eu estava com a razão, a destra apertou o tridente com força e com a esquerda segurou em minha mão nos levando em direção a varando, um clarão tomou conta do lugar e só consegui fechar os olhos e como num piscar estávamos na morada de todos os deuses Gregos, há uma cúpula no topo de vidro que me permite ver os céus e as colunas ao redor completamente enfeitadas por flores, senti meu coração bater mais forte e um certo incomodo na minha garganta, talvez pela euforia de estar aqui novamente e completamente maravilhada, pois, até então eu havia adentrado apenas a casa de Hermes e não visto a grandeza desse local, senti meus olhos brilharem e nem mesmo após minha morte ou em meus melhores sonhos imaginei que veria um local como esse. 

A destra de Poseidon repousou em minha cintura tirando-me dos pensamentos.

— Me acompanhe humana. —  E assim me ofereceu o braço, seguimos até um salão extremamente belo e organizado, com fontes de vinho e comidas dispersas na mesa e para completar grandes enfeites de ouro adornavam aquela festa deixando tudo mais luxurioso e ostentando a opulência dos deuses, passei algum tempo observando a beleza desse salão que nem senti quando os dedos de Poseidon deixaram minha pele, apenas quando sussurrou:

— Não vá muito longe.


Vestido que a personagem usou está na capa, no próximo ponho o da festa.

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