Capítulo 4
Amanhece o dia e antes que alguém pudesse se questionar onde eu estava, peguei Argus no celeiro e cavalguei até a casa de meu pai para visitá-lo. Sempre morei na região de Constanta antes de virar rainha. Acordar e poder brincar com os pés descalços com meus amigos à beira do rio sempre foi algo que me recordo com doçura. Parece que ainda sinto o cheirinho do bolo que minha mãe fazia pela manhã. Toda vez que venho aqui essas lembranças invadem os meus pensamentos, é impossível de controlar. Avisto a pequena moradia pintada de branco, com seu telhado vermelho, rodeada por uma cerquinha feita de madeira por mim e pelo meu pai quando eu era mais jovem. Por mais que hoje em dia eu more em um palácio, pra mim aqui sempre será o melhor lugar para se morar. Eu largaria facilmente todo aquele luxo para voltar a ser uma simples vendedora de alimentos na feira da cidade, tendo a certeza da minha paz e da companhia amável dos meus pais. Deixo Argus amarrado na árvore mais próxima, chego na porta da casa e chamo:
— Pai! — Aguardo alguns instantes e resolvo insistir — Papai!
Escuto o barulho das chaves enquanto ele finalmente abre a porta. Assim que ele coloca seus olhos em mim, ele sorri feliz.
— Minha querida Amália!
Eu me emociono e o abraço com afobação.
— Meu pai, que saudades eu estava do senhor!
Sou levada para dentro de casa e como sempre meu pai me abarrota de carinho e das guloseimas que eu amo, todas feitas por ele. Sempre me sinto satisfeita em conseguir arrancar boas risadas e palavras engraçadas dele. Depois da morte de minha mãe, é nítido ver uma parte do meu pai se foi com ela, mas muitas vezes algumas coisas retornam quando eu estou com ele.
Depois de um tempo, eu e ele resolvemos nos sentar nas escadas da varanda, cada um com uma caneca de alumínio nas mãos cheias de leite quente. Me sinto saudosa quando ele recorda comigo:
— Adorava ver você correndo pelas manhãs nesse quintal. Eu nunca tinha visto uma criança que gostasse tanto da natureza como você. Eu me sentava aqui ao lado de sua mãe enquanto assistíamos você brincar de fazer comidinha picando as folhas em uma panela velha e também colhendo as frutas. Tínhamos que fingir que comíamos o que você fez e que sua refeição estava boa. Mas a sua mãe sempre comentava que você poderia colocar mais temperos e isso te deixava enfezada!
Nós dois começamos a rir.
— Pai, eu sinto tanta falta do senhor! Eu sei que o senhor ama morar aqui, mas não poderia mesmo ir morar comigo? Nem que fosse nas imediações do castelo. Estou certa que Dárius também ficaria feliz.
Ele sacode a cabeça em negação.
— Minha amada filha, você sabe muito bem que eu seria incapaz de viver longe das memórias que eu tenho da sua mãe. Vivemos muito tempo acampando de vale em vale por conta da nossa na vida cigana, mas depois que ela engravidou de você, escolhemos essa casa com muito amor e fomos muito felizes nela. Eu amo você mais do que eu consigo palavrar minha filha, mas não me separe do meu cantinho. Saiba que eu estarei sempre aqui para te receber com seus bolos favoritos, cenouras para o Argus e muitas saudades do seu abraço.
Jogo minha cabeça em seu colo sentindo o carinho dele em meus cabelos enquanto ele me questiona:
— Como está a vida com seu marido, minha filha?
Inevitavelmente as lágrimas correm meu rosto, mas procuro disfarçar para não preocupá-lo.
— A medida do possível estamos bem. Só que tudo é muito diferente do que eu esperava, não sei se algum dia eu conseguirei me sentir parte daquele mundo. Ao fim de todos os meus dias eu sinto saudades de casa, como uma criança.
Sabiamente, meu pai volta a reforçar comigo os conselhos que sempre me deu, sem nunca deixar de mencionar as possíveis frases que minha mãe diria se estivesse aqui conosco. Isso renova as minhas forças e as minhas energias, me fazendo enfim sentir-me preparada para retornar ao palácio.
Monto novamente no Argus que sente a carícia que meu pai faz nele antes de partirmos. Por mais que ele fosse meu, sempre foi cuidado pelo meu pai, por tanto toda vez que estamos aqui Argus se engraça todo quando estão juntos.
— Adeus, minha filha! Já estou ansioso para o seu retorno.
— Adeus papai! Espero que saia mais para se divertir e por favor, quando puder venha me ver também. O palácio não é o mesmo pra mim quando não renovo memórias suas comigo nele.
Ele assente com a cabeça e logo eu tomo o caminho para voltar..
Deixo Argus no celeiro e como de costume vou caminhando pelo jardim em direção às portas principais do palácio. Herbes está à minha espera e sempre que isso acontece, eu sei que se trata de alguma artimanha de Dárius. Diferente do de sempre, em vez de esperar as "boas notícias" eu me antecipo dizendo:
— Bom dia Herbes! Por qual motivo eu terei que gritar hoje? Passe logo o recado de Dárius.
Ele se inclina e diz:
— Majestade, também é prazer vê-la essa manhã! Não estou aqui a mando do rei, desta vez venho em nome do conselho real do palácio.
Tá aí, me surpreendeu! Seja lá o que foi que eu fiz, a coisa foi grande! Para o conselho se reunir para me enquadrar logo pela manhã, eu devo no mínimo ter me secado na bandeira da Romênia!
— Bem, pode me contar o que houve enquanto me acompanha até meus aposentos?
Ele concorda e então seguimos para subir as escadas.
— Bem, o conselho achou que a nossa rainha anda muito sozinha. Está em suas cavalgadas e visitas às regiões do reino sempre desacompanhada. E com exceção dos seus momentos com o rei, também fica sozinha aqui pelo palácio.
— E desde quando eu estar ou não sozinha é do interesse do conselho real?
— Preocupados com o bem estar de Vossa Majestade e com o bem de todo reino, o conselho lhe designou uma dama de companhia indicada pela própria tia do rei, a princesa Aurora. Ela já está a caminho e chegará a qualquer momento aqui no castelo.
Eu suspiro fundo, paro de andar e me viro pra ele dizendo:
— O conselho sabe perfeitamente que eu abri mão de ter damas de companhia logo que me estabeleci aqui no castelo. Também sei que deixei bastante claro que não gostaria que me impusessem nada sem falar diretamente comigo pelo menos.
— Não estava no palácio pela manhã, por isso não puderam falar diretamente com a senhora, minha rainha.
Abro a porta do meu quarto e me dou por vencida.
— Tá bom Herbes, quando ela estiver chegando me avise. Afinal, ela não tem culpa de ter sido chamada e agora que está a caminho não serei rude em dispensá-la.
— Pois bem, eu a aviso quando ela chegar, Majestade.
Estou estranhando a ausência de Dárius no castelo hoje, não o vi em nenhum momento e também ele não estava na mesa na hora do almoço. Por diversos dias como o de hoje eu me sentiria sortuda em fazer uma refeição sem ter que encarar o seu ar de superioridade e o seu cinismo, mas quando finalmente acontece eu estranho e fico aqui imaginando coisas em minha cabeça. Talvez agora a ideia de uma dama de companhia me faça algum sentido, mas eu nunca gostei muito de ter alguém perto de mim que ao invés de escolher me ver ou não, tem como função ficar ao meu lado, é estranho demais! Sem falar que a possibilidade dessa mulher estar aqui com a real função de contar os meu passos para Dárius, é algo muito provável! A mando dele eu tenho certeza que foi, mas fico na dúvida do real motivo e intenção disso. Quando eu acabo de comer, Herbes anuncia:
— Vossa Majestade, a senhorita Katharine, sua nova dama de companhia, acaba de chegar ao palácio.
Me levanto e digo:
— Ah sim, leve-me até ela.
Herbes me conduziu até a minha sala de visitas onde ela estava ao meu aguardo. Peço para que Herbes nos deixe a sós e entro na sala sem fazer barulho. Antes de dizer alguma coisa eu resolvo observá-la um pouco sem que ela perceba a minha presença. Queria ver em detalhes a aparência e o comportamento de alguém que iria ficar tão próxima a mim. Já num primeiro momento eu gostei do fato dela estar observando a minha estante de livros, pelo visto me mandaram alguém que se interessa por algo que não sejam só homens e fofocas! Já ganhou pontos comigo. Uma coisa que chamou minha atenção imediata, foi a forma em que ela estava vestida, nada próximo ou parecido com as mulheres que eu vejo por aqui. Ela usava um vestido em tom que me lembrava um ouro envelhecido. Seu decote era bonito, mas não provocativo. Não era um vestido apertado, mas marcava com perfeição a sua bonita silhueta. Tinham mangas longas, mas no fim delas haviam detalhes em renda num tom de azul bem escuro, quase preto, que fazia um contraste lindo com o restante da roupa. O mesmo tom de azul se mostrava na parte da frente do vestido com alguns botões na horizontal ornamentando, me lembrava algumas peças masculinas, mas nem de longe aquilo era feio. Eu simplesmente amei de tão irreverente! Para completar ela usava um chapéu nesse mesmo tom de azul, suas laterais eram dobradas e presas com um botão cor de cobre em cada lado e no pescoço carregava um tecido que parecia feito do mesmo material das mangas do vestido. Seus cabelos longos e ondulados eram de um tom de loiro tão claro que parecia até reluzir a claridade do sol. Não sei muito o que sinto em relação a ela, o que posso dizer é que quero muito saber mais dessa mulher tão diferente.
— Boa tarde!
Ela finalmente se vira e assim que me vê, se curva em reverência e diz:
— Majestade, perdoe minha distração. Me encantei com a variedade de livros! — Ela se aproxima e estica a sua mão — Me chamo Katharine.
Aperto sua mão me sentindo hipnotizada. A beleza do seu rosto era de chocar! Se rainha não fosse um posto vitalício, teria até preocupações em ser substituída. O fato é que ela nem de longe passará despercebida por Dárius, na verdade por ninguém desta corte.
— Muito prazer, Katharine. Bem, sente-se, vamos nos conhecer um pouco.
Sentamos nos sofás e então pergunto:
— Aceita algo para beber? Um chá, um café...
— Vinho! — Ela diz me cortando.
Apesar do fato de ser interrompida quando estou falando ser bastante incomum e a escolha da bebida alcoólica ser tão incomum quanto, eu adorei a ideia!
— Você é sempre tão... espontânea assim?
Ela me dá um sorriso que casa perfeitamente com a irreverência que mostra em suas vestimentas.
— Geralmente sim, mas na presença de uma rainha é uma novidade.
Sorrio com sua frase. Toco o sino que estava na mesa próxima a nós e em instantes o mordomo aparece. Logo eu peço:
— Traga duas taças de vinho, por favor.
— Vou providenciar, Majestade.
Assim que ele sai, eu digo:
— Bem, me conte mais sobre você, quero muito saber quem é a mulher por trás das roupas mais fascinantes que eu já vi na corte romena.
— Vossa Majestade deseja saber quem lhe enviaram para lhe ser dama de companhia, ou de fato quer saber quem está por trás dessas roupas?
Respondo sem pensar duas vezes:
— Sem nenhuma dúvida, a segunda opção!
O mordomo entra trazendo as nossas taças de vinhos e logo se retira. Ela pega a sua taça e a vira de uma vez só, antes que eu pudesse pegar a minha.
— Bem, como a rainha pode ver, eu sou uma mulher que adora bons vinhos e bons livros. Amo ficar sozinha! Detesto eventos da alta sociedade rodeado de pessoas chatas e puxa sacos da corte. Sempre fui uma menina respondona e impertinente, o que levou meus pais à loucura. Ainda sou solteira de tanto eu afastar os noivos que me arrumaram, por fim meus pais desistiram e me deixaram em paz.
Ela pega um dos biscoitos que está a disposição, o come e continua.
— Virar sua dama de companhia foi algo extremamente fascinante pra mim, pois Vossa Majestade é a única mulher em toda a corte que apesar da sua bondade e educação, faz o que quer e que fala o que pensa! Nunca imaginei que estaria na presença da rainha algum dia. Apesar da minha mãe frequentar os bailes aqui no palácio, já tem bastante tempo que ela desistiu de me convencer a vir a esses tipos de evento. Estou feliz em conhecê-la!
Me peguei perguntando como a corte pode ter escolhido alguém assim para estar ao meu lado e me fazer companhia. As minhas ideias somadas ao atrevimento de Katharine, facilmente eliminariam um exército!
— Estou fascinada com suas palavras, mas... Me tire uma dúvida que está sufocando os meus pensamentos: Qual foi o motivo de ter sido escolhida pela tia do rei para estar aqui?
Ela coloca as suas mãos sobre os seus joelhos, modifica completamente o seu olhar, ela parecia quase angelical! Em seguida diz:
— Bem, acredito que seja pelo fato de eu ser filha do Conde de Bucareste. E também porque sou uma mulher que se dedicou muito aos estudos, aprendizado das regras de etiqueta e educação. Sei bordar, entendo sobre jardinagem e adoro vestidos! Nunca me casei pelo fato de sempre ansiar a oportunidade de ser uma de suas damas de companhia. Espero que possa desempenhar o meu papel na vida de Vossa Majestade de forma que lhe alegre e lhe agrade.
Ela foi impecável! Mas visto os seus primeiros instantes comigo, ficou muito claro que aquilo tudo se tratava de uma atuação, por tanto, eu ri imediatamente! Ela se permite rir também e volta ao seu estado normal dizendo:
— Bem, esse seria o meu discurso caso a rainha tivesse escolhido a primeira opção!
— Como consegue alternar tão bem entre esses dois lados seus?
Ela se levanta e diz:
— Habilidades que adquiri para ser feliz e não ser expulsa da família ao mesmo tempo!
Só Deus sabe como eu amei ouvir isso!
— Fascinante!
Viro meu vinho como ela vez, toco meu sino e assim que o mordomo aparece eu digo:
— Por favor, queremos mais vinho. Mas dessa vez, traga uma garrafa!
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