Capítulo 1

    Amanheceu e mais uma vez sou acordada pela luz que entra no meu quarto quando a minha camareira abre as cortinas.

— Bom dia, Vossa Majestade! 

Eu e o meu mau humor não queremos nem abrir os olhos! Mas... a Romênia não irá ser governada sozinha! Ou pior... não pode ficar nas mãos de Dárius! Talvez essa seja a minha maior motivação para eu levantar todos os dias: manter a Romênia salva das garras de Dárius!

— Bom dia Bianca! Traga-me hoje joias mais leves e roupas que não me apertem tanto. Estou com algumas dores nas costas e quanto menos as coisas me incomodarem hoje, melhor. 

Bianca acaba de amarrar os nós que seguram as cortinas e responde:

— Pode deixar. Vou buscar suas roupas enquanto faz a sua higiene matinal.

Ela deixa o quarto e eu me levanto para começar o dia.

    Depois de estar arrumada, deixo o meu quarto nas mãos das arrumadeiras e desço as majestosas escadas forradas pelo gigante tapete vermelho que me levam até o salão principal. Me encaminho para a mesa em que eu e o rei fazemos nossas refeições. O termo "banquete" não é um exagero quando se trata das refeições aqui no palácio real. Inúmeras frutas, geléias, pães, bolos, jarras de suco, louças e talheres compunham a mesa gigantesca que obviamente não ficará vazia nem se a metade da criadagem se sentar para comer conosco. Assim que chego, Dárius está sentado à minha espera. Sua postura majestosa que já lhe é natural sempre me impacta a cada vez que o vejo. Suas roupas sempre lhe caem bem, ainda mais quando são de tons escuros, contrastam com o tom da pele e com o brilho dos seus pares de anéis e colares de ouro. Ele nunca começa a comer antes de mim, confesso que esse cavalheirismo dele me dá nos nervos! Mas acaba por ser uma prática que estou me acostumando, por mais que nós dois sejamos como dois lobos alfas na mesma matilha!

— Bom dia, minha rainha! 

Ele se levanta e segura minha mão deixando um beijo nela.

— Bom dia! Acordou tão gentil meu amor! Caiu da cama?

Ele passa a mão em meu rosto dizendo:

— O que você tem de linda, tem de cínica, Vossa Majestade! Bem, vamos nos sentar para o desjejum e se possível deixe o seu cinismo fora da mesa por hoje, minha amada rainha!

Me direciono para a minha cadeira enquanto eu digo:

— É só você não convidá-lo para nos acompanhar como sempre faz, meu bem!

Dadas as primeiras alfinetadas do dia, nosso apetite já está aberto para iniciarmos a tentativa já fracassada de terminar com aquele banquete exagerado. 

— Hoje meus compromissos serão todos no palácio, você também ficará por aqui?

Espeto um pedaço do bolo e respondo:

— Sim eu ficarei. Te acompanharei na reunião com o cobrador de impostos e também tenho que receber a visita da costureira, visto que o baile de outono se aproxima.

Dárius mastiga uma uva como se estivesse se vingando de alguém.

— Não preciso que me acompanhe. Está tudo sob controle!

Aham... sei!

— Mas eu insisto! Temos aquela obra não concluída no povoado próximo ao rio, eu quero garantir que o dinheiro pago pelo povo cumpra o seu propósito e resolva logo de uma vez esse problema! 

Dárius vira seu copo de uma vez e dispara:

— Já disse que não precisa! Arrume algo pra fazer e pare de se meter em assuntos que não são da sua competência! A obra se concluirá no prazo previsto, eu lhe garanto!

Calmamente eu espalho um pouco de geléia de morango em uma torrada sem sequer olhar na direção dele. Mordo a torrada com a delicadeza que se espera de uma rainha e agora sim olho para Dárius.

— A Romênia é o único assunto da minha competência, meu rei! Acha que eu devo me contentar com as promessas de vossa magestade e pensando bem seria melhor eu ir até a sua adega verificar se temos vinho o bastante para que você possa aguentar o peso da sua coroa, ou então ver se já poliram a prataria? Eu estarei na reunião e isso não é negociável!

Ele se levanta da mesa, joga o guardanapo nela e vem em minha direção.

— Quando é que vamos ter um café da manhã normal nesse palácio? Sem que eu queira calar-lhe, arrastando-a para os meus aposentos?

Prontinho... ele vai falar do herdeiro!

— Parece que quem não quer a minha companhia aqui é você! Pelo menos não na sua reunião!

Ele se inclina, segura o meu pescoço e aproxima seu rosto do meu... quase num beijo.

— Vossa Majestade sabe o quanto eu quero a sua companhia em minha cama! Já passou da hora desse reino ter um herdeiro! 

Prontinho!

— Quem sabe no dia em que você parar de depositar herdeiros ilegítimos em suas amantes e finalmente... quem sabe conseguiremos cumprir esse protocolo chato e cansativo!

Me levanto bruscamente jogando o guardanapo nas mãos dele e me retiro.

    Depois de incansáveis batidas na porta do meu quarto, Dárius desiste de uma possível reconciliação e me deixa em paz. Pensar que talvez eu nunca possa dar um herdeiro legítimo para a Romênia me deixa mal, mas o lado bom disso é que sem sombra de dúvida uma junção da força de Dárius com o meu temperamento resultaria em um rei no mínimo perigoso! Deixo esses pensamentos de lado, esfrego o rosto e resolvo trocar de roupa para ver Argus. Depois de me sentir sufocada por Dárius, preciso me sentir livre e só Argus faz com que eu me sinta eu mesma. 

    Chego no estábulo e lá está ele. Argus e eu temos uma conexão muito forte! Parece que ele tem a capacidade de sentir as minhas emoções. Enquanto o acaricio e me preparo para montar nele, me lembro de quando minha falecida mãe me deu ele dizendo: "Um cavalo sempre será o único meio de uma mulher se sentir livre!" Não tinha ideia do quão certa ela poderia estar. Depois que me casei com Dárius, montar a cavalo e sair disparada em direção às montanhas é o único momento em que eu sinto que tenho as rédeas da minha direção. Tolo quem pensa que uma rainha pode controlar tudo... eu queria muito que isso fosse possível. Monto no Argus e basta bater com as pernas nele para que ele trote morro acima. Aquele tapete verde que cobre as montanhas romenas será sempre a minha visão favorita! Sinto o vento contra o meu rosto me fazendo finalmente respirar ar puro! Dá vontade de sumir pra bem longe! Pelo menos para um lugar onde Dárius não estivesse lá pra me enlouquecer!

    Ao retornar da cavalgada, deixo Argus no estábulo e me direciono para o palácio onde Herbes estava à minha espera. 

— Bom dia Vossa Magestade! O rei pediu para lhe avisar que a reunião com o cobrador de impostos foi adiada. 

Bato com minhas botas sujas de lama na entrada do palácio e digo:

— É claro que ele pediu!

Arranco minhas botas e subo as escadarias com elas nas mãos, enquanto me direciono para a sala de reuniões. Herbes corre tentando acompanhar o meu ritmo e me impedir de fazer o que ele sabia que eu já estava decidida a fazer. Abro as portas da sala de reuniões e lá estavam eles: Dárius e Júlio, o cobrador! Os olhos de Dárius estavam em chamas e ele mandaria Herbes para a forca se ele não me conhecesse bem. Júlio se inclina em reverência assim que me vê, enquanto eu entro na sala caminhando majestosamente e apoio minhas botas no chão assim que me ponho na frente da cadeira e digo:

 — Bom dia Júlio! Desculpe, mas não pude evitar o meu atraso, meu cavalo Argus havia se machucado e eu fui vê-lo. O rei já havia me informado da sua chegada e fico feliz por ainda encontrá-lo aqui. Pode me atualizar dos assuntos da reunião, por favor?

Dárius ameaça interferir, mas eu me aproximo dele e estalo um beijo rápido em sua boca como se fosse um cumprimento trivial nosso. Posso sentir a raiva na sua respiração! Então Júlio abre o livro de contas com os valores e começa a me passar as informações.

— Bem, lamento muito, mas creio que o rei deve ter esquecido de mencionar a urgência da conclusão da obra do povoado próximo ao rio. A última vez que eu fui lá a situação estava em um estado deplorável! Pode cancelar a encomenda desse novo armamento e colocar para o próximo mês de arrecadação. Já era algo combinado previamente entre mim e o rei. Não é meu amor?

Olho pra ele com um rosto doce, derramando sobre ele todo o meu veneno conhecido por nós dois.

— Claro minha rainha! Desculpe Júlio, eu realmente havia esquecido.

Júlio imediatamente exclama:

— Deus salve a nossa rainha! Os moradores do povoado certamente ficarão felizes em saber da vossa sábia decisão. Obrigado!

Pego as minhas botas no chão e digo:

— Não há o que agradecer, apenas faço o possível pelas pessoas do nosso reino e ajudo o meu marido com as suas questões. O rei anda muito ocupado com as questões pós-guerra e diplomáticas, por tanto é minha obrigação lembrar-lhe dos seus compromissos com o nosso povo. 

Me aproximo de Dárius, lhe dou outro beijo e concluo:

—Até mais meu amor! Tenha um bom dia Júlio!

Deixo a sala deixando Herbes fechar a porta atrás de nós. 

— Vossa Majestade é sempre muito astuta! 

Sem olhar pra trás eu lhe respondo:

— Lembre-se disso na próxima vez que o Rei tentar subestimar a minha inteligência!

    Entro nos meus aposentos sentindo a maravilhosa sensação de mais uma vitória em cima das artimanhas do Dárius e também as pontadas dolorosas na minha coluna. Peço que Bianca prepare uma banheira quente para eu poder aliviar as dores e também me preparar para a visita da costureira real. 

— Majestade, sua banheira está pronta. 

Bianca chega e me ajuda a desamarrar o meu espartilho, um dos meus piores vilões! 

— Obrigada Bianca, sinto que a sensação de abrir este espartilho é melhor do que a de ser coroada!

Entro naquela banheira e finalmente as dores aliviam um pouco. 

    Assim que Bianca termina com meu penteado, eu me encaro no espelho gostando muito de como estou e olho em especial para uma coisa: tenho em meu pescoço um colar de ouro que tem uma pedra de rubi como pingente, Dárius me deu no dia em que conheceu o meu pai. Quando eu fecho os olhos consigo me lembrar de como estávamos apaixonados naquela época. Acho que ele viraria a Romênia de cabeça pra baixo pra me ter ao seu lado e naquela época foi exatamente o que ele se propôs a fazer... Bianca interrompe meus pensamentos me perguntando:

— Precisa de mais alguma coisa, Majestade?

— Não, obrigada! Descerei para o almoço no horário habitual. 

Ela deixa meu quarto e antes que eu pudesse impedir, Dárius aproveita a abertura da porta e entra no meu quarto exigindo que fiquemos a sós. Encaro ele olhando-o através do espelho enquanto continuo sentada de frente para a minha penteadeira. Ele pára por alguns instantes sem dizer nada, apenas me observa. Por mais que eu não demonstre, eu me sinto um pouco frágil quando ele claramente me admira desse jeito. Mexe com algo aqui dentro que eu não sei explicar. Ele encontra os meus olhos no espelho da penteadeira e começa a se aproximar devagar enquanto fala:

— Todas as vezes que eu te vejo com esse colar eu sinto como se o tempo estivesse parado. Não tinha nada no mundo que eu não fizesse para tê-la como minha rainha! Minha Amália... 

Ele pousa suas mãos nos meus ombros enquanto nossos olhos ainda se encontram no reflexo do espelho. Ele sente a fragrância do meu perfume em meu pescoço e deposita um beijo nele me fazendo fechar os olhos com o arrepio que isso me causa. Na sequência ele fala baixinho em meu ouvido:

— Podemos nos esquecer de tudo e só por alguns instantes dar vida aqueles jovens completamente apaixonados de novo?

Eu não sei como ele tem o poder de fazer isso comigo... mas eu deixo o nosso presente de lado e mergulho de cabeça nos desejos daquela menina simples, filha de ciganos que cometeu o erro mais comum que uma plebéia deveria nascer sabendo que não pode fazer: o de se apaixonar de verdade por um rei! Colamos nossos lábios num beijo ardente nos rendendo aos desejos daquele casal que tanto amávamos ser...

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top