Parte I - Fogo

"Se vale a pena viver e se a morte faz parte da vida, então, morrer também vale a pena..."

Immanuel Kant

Belinda tocou o chão com a palma de sua mão, amava a terra, senti-la era como um banho de água morna depois de um longo dia estressante a garota olhou para cima de sua cabeça encontrando os olhos azuis de sua irmã que a encarava como quem se divertia com a situação.

Linda, sabia que te encontraria aqui.- Rebeca era o oposto de Belinda, ela tinha cabelos encaracolados que iam até a sua cintura e sua pele parecia intocada pelo sol, era baixinha e suas coxas eram grossas e cheias, suas bochechas eram coradas e sempre que ela sorria sua voz ganhava um tom anasalado.

— O que foi Beca?—Belinda perguntou olhando de relance para a irmã que agora trocava o peso entre uma perna e outra.

—Mamãe está te procurando ué, você deveria parar de se esconder nesse quintal, pode ter bichos ou sei lá o que.

— Eu gosto daqui, faz eu me sentir em casa.- Belinda disse e Rebeca estalou os dedos na frente do rosto de Belinda.— Para com isso!

Belinda falou tirando a mão da mais nova de sua frente.

— Só queria te trazer de volta pra essa órbita né, tu vive no mundo da lua, nossa casa é bem ali e tu fica aí nessa terra suja dizendo que se sente em casa, cada uma viu.

Dito isso a garota virou e marchou até a porta.

— Porque não?— a garota perguntou pela décima vez.

— Belinda já chega, não vou te deixar ir, é muito perigoso.

A mãe adotiva de Belinda era uma mulher amorosa mas superprotetora, fazia cerca de um mês que ela negava a permissão de uma excursão que o colégio de Belinda tinha organizado.

— Mãe, é da escola, todo mundo vai.

— Menos você, agora come a sua comida, você vive de comer besteiras.

— Inferno, qual é o seu problema? Vai ter professores, eu não tô indo pra Vegas ou coisa do tipo.

— Belinda, eu disse não, se você falar mais alguma coisa vai ficar de castigo até a formatura.

Naquela noite Belinda estava com tanta raiva que seria capaz de colocar fogo em toda a plantação de milho que havia perto dali, ela não lembra quando nem como mas dormiu.

Sob a copa de uma árvore ela pôde avistar um pássaro negro, ele era o maior pássaro que ela já havia visto, parecia ocupado analisando as próprias penas que brilhavam com a luz da lua, Belinda pôde ver duas correntes grossas que prendiam suas pernas, o pássaro não sairia dali, ela tentou andar devagar mas pisou em um galho, no mesmo instante o pássaro levantou sua cabeça imponente e olhou no fundo dos olhos de Belinda, ela pôde sentir a tristeza daquele mar negro, tristeza, desespero, angústia. Belinda quis gritar e sair correndo mas seus pés não se moviam, estavam presos como se pesassem uma tonelada, ela viu o pássaro abrir o seu bico e o som que saiu dali foi tão estridente que Belinda se abaixou com as mãos nos ouvidos, sentindo o sangue pulsar no seu cérebro.

— Belinda...Belinda acorda, tá pegando fogo!

Rebeca sacudia Belinda de um lado para o outro, a menina ainda estava tentando discernir se aquilo foi real ou só um sonho, não poderia ter sido real mas a dor, a tristeza, Belinda nunca tinha sentido aquilo.

— Que droga irmã, acorda, levanta tá pegando fogo!

Ao ouvir isso Belinda pulou de sua cama olhando ao redor, mas não havia sinal de fogo, pelo contrário, tudo estava em seu devido lugar, o abajur de madeira que a mãe havia trazido de uma viagem, os pôsteres de Harry Potter, os livros em sua estante, tudo parecia arrumado até demais.

— Mas que porra...

— Vem logo!

Rebeca sumiu pela porta do quarto e por um instante Belinda se perguntou se devia seguir a garota, elas desceram as escadas chegando a porta da casa, Belinda ainda se sentia sonolenta e cansada, mas seu coração palpitava por ter sido acordada tão violentamente.

— Há meu deus...

Foi tudo o que Belinda conseguiu falar, a correria dos vizinhos parecia digna de um roteiro de fim de mundo, enquanto algumas pessoas usavam baldes para tentar apagar outras se enrolavam em panos tentando respirar, toda a plantação de milho do outro lado da rua pegava fogo, o som dos estalos soavam mais alto até que os gritos das pessoas, para Belinda aquilo soou como tiros, o fogo comia tudo, se arrastando de um lado ao outro como se tivesse sido meticulosamente incendiado.

— Eu fiz isso...— Belinda disse, os olhos enchendo de água.- Eu...eu fiz isso.

— Linda não diz bobagem, não foi você.

Mas Belinda não ouviu, ela sentia no fundo do seu coração que havia causado tudo aquilo, ela olhou ao redor, onde quer que seus olhos tocassem havia destruição, desespero, Belinda balançou a cabeça, mas aquilo só fez seu cérebro latejar, como se alguém estivesse o esmurrando.

— Belinda, olha pra mim.— Rebeca falou tocando a irmã no ombro.— Eu vou ajudar, fica aqui, acho que você não está legal, não sai daqui.

Rebeca sumiu no meio das outras pessoas, Belinda ainda olhava de um lado para o outro procurando um fio de esperança que comprovasse que aquilo não foi ela. Nem notou quando seus pés começaram a se mover, só notou quando estava ofegante, se viu correndo na direção oposta a tudo aquilo, tentando fugir, tentando não perder de vez a sua lucidez. Parou sob a copa da árvore que ficava na praça no final da rua, sentiu seus olhos pesarem e o ar dos seus pulmões sumirem.

— Há meu deus...eu...vou morrer...

Segurou seu pescoço tentando manter seus olhos abertos, procurando um fio de ar, seus joelhos cederam e ela foi ao chão, sentiu que sua cabeça ia explodir, tentou se mover mas tinha algo errado, Belinda rezou para que alguém aparecesse antes de apagar por completo, em seu último pensamento, Belinda pediu para que tudo aquilo não passasse de outro pesadelo.

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