11 - A Iluminada
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Raymond Ernest e Sara Crawford chegaram ao Hotel Nothern Lake pela manhã, quando o sol cobria quase todo o edifício. Apesar de estranho, o fato de o dia ter nascido relativamente bonito agradou o escritor, que todos os dias tinha pesadelos com as tempestades que assombravam a cidade. Ele já não aguentava mais aquele mar cinza e sem vida. Precisava de um pouco de luz.
Seguia Sara pelo estacionamento vazio do lugar quando percebeu que não tinham realmente um plano. Só concordaram em ir até o local enfrentar Char e tentar saber o que a gerente do Hotel sabia, mas não cogitaram a hipótese de ela querer matar qualquer um deles. Nem ao menos sabiam se ela era mesmo uma Psicopata. Raymond, sempre que via uma das sete, sofria com sensações estranhas, como se a visão delas trouxesse demônios à terra do modo mais literal possível. Ele as reconhecia em sua essência, em sua maldade; mas com Char não houve nada disso. Ela sempre pareceu inofensiva e normal. Por que seria diferente com ela?
— O que vamos falar quando chegarmos lá? — perguntou Raymond. Talvez houvesse um jeito de abordá-la sem acusá-la de ser uma maluca sanguinária, assim as coisas ficariam menos constrangedoras se estivessem errados.
A resposta de Sara desmontou todas as suas expectativas:
— Não vamos falar nada! Eu chamei a polícia, e ela será presa. Não podemos deixar mais nenhuma das sete por aí.
Raymond concordou ao pensar naquilo. Não haviam mandado prender Carmem porque ela se mostrara fiel, mas viram que não podiam confiar em nenhuma das psicopatas. Agora, estavam furiosos e tinham que pará-las de algum jeito. Ernest, no fundo, duvidava que a polícia pudesse deter qualquer uma das sete, mas não fez nenhuma objeção. Eles tinham que tentar.
Quando o escritor e a mulher misteriosa entraram no Hotel, ele estava vazio. Aquilo era estranho porque, de um jeito ou de outro, sempre havia pelo menos um funcionário varrendo ou observando as mesas da recepção. Raymond andou até o balcão de Char e olhou atrás dele. Nada. O computador estava desligado.
— Para onde foi todo mundo? — perguntou.
Sara deu de ombros.
Então o elevador à esquerda deles apitou, abrindo as portas e desenhando no carpete vermelho sangue as sombras de duas garotas. Uma delas, Raymond reconheceu, era O Mar Vermelho. A outra ele não fazia a mínima ideia de quem era, mas teve um mal pressentimento.
— Char avisou que viriam — disse Florence Carter. Fios cor de sangue caíam sobre os seus olhos a cada passo que ela dava em direção ao escritor. — Lily apareceu só para recebê-los. Ela não é uma fofa?
Raymond fixou os olhos na garotinha loura ao lado de Florence. O Mar Vermelho parecia realmente feliz com a presença dela. De algum jeito, a figura inocente usando um vestido de baile lhe causou um sentimento de familiaridade. Ele a conhecia de algum lugar, talvez do canto mais escuro de sua mente. Claro, ele pensou, a menina devia ser uma das sete psicopatas. Mas qual?
— Número Quatro — sussurrou Sara como um amigo de escola passando cola. — Lily Garden.
Raymond se lembrou dela e de todos os detalhes que escreveu para a Colecionadora. Lhe causou arrepios que a garota estivesse parada bem na sua frente, e um sentimento de medo o acolheu assim que pensou que ele e Sara seriam ótimos itens para a sua coleção.
— Vocês são lindos — comentou Lily, falando pela primeira vez. Sua voz era baixa e doce como a de uma criança. Suas palavras pareciam iluminadas por alguma graça divina, do mesmo jeito puro que Raymond imaginou quando a descreveu em seu livro pela primeira vez.
Aquilo só podia ser algum tipo de castigo.
— Vejam se ela não é um anjo! — ironizou Sara.
Os olhos inocentes de Lily não a enganavam, muito menos a sua aparente pouca idade. Sara lembrava muito bem de ter sido perseguida por Lily na floresta. Raymond havia entrado em um lago quase congelado para recuperar um corpo apenas porque a Colecionadora o queria de volta — e iria de novo se a menina continuasse olhando para ele do jeito que olhava naquele momento. Era de dar muito medo.
— O que Char quer comigo? — perguntou Ernest. Florence disse que ela aguardava a sua visita, por quê?
— Char está brava com você por ter tentado salvar os funcionários daquele hospital. Ela queria ver todos queimando. E nós também.
Então ela era uma psicopata. Raymond não deveria estar surpreso, mas no fundo aquele sentimento se misturava ao medo e à decepção no âmago de seu estômago. Todas eram tão más que ele começou a questionar os próprios valores de escrita. Talvez devesse começar a contar histórias de superação ou histórias de amor. Pelo menos aquilo não acabaria matando ninguém a longo prazo.
— Como ela sabia que eu viria? — perguntou Ernest. Foi um pensamento que correu à sua cabeça e pareceu bem relevante. Nem ele sabia que iria procurar por Char até algumas horas antes.
O Mar Vermelho riu.
— O caçador costuma prever os movimentos da caça.
1
As portas do elevador se abriram, e dessa vez Raymond Ernest não sentiu medo. Ele sentiu um tipo raro e incômodo de claustrofobia. A visão do corredor se estendendo metros e metros à frente soava como uma armadilha, a sensação de que as paredes começariam a se aproximar no minuto em que ele pisasse no carpete vermelho tomando cada pequeno canto de seu cérebro.
Sim, o corredor parecia pequeno demais. E ele sabia que era. Assim como os quartos em que dormiu nas últimas noites e os parágrafos felizes que escrevera em seus livros. Por que ele cultuou tanto o sofrimento? Devia ter colocado misericórdia nos corações daquelas sete garotas quando as criou. Agora, ele sabia, iria morrer. É claro que iria. As psicopatas que Raymond criou nunca deixariam Sara e ele vivos.
Florence e Lily saíram do elevador, andando lado a lado no corredor estreito. O carpete era vermelho sangue, as portas tinham detalhes dourados e números brilhando embaixo de horas de polimento. As luzes eram amarelas e faziam tudo parecer mais caro e chique do que realmente era, mas Ernest parou de prestar atenção naquilo no momento em que percebeu que havia algo errado.
Os quartos...
Eles tinham uma numeração constante e errada demais para o terceiro andar do prédio.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
E os outros não tinham números. As placas douradas deles estavam em branco, apenas refletindo as silhuetas no corredor.
— Oh, desculpe — riu Florence no momento em que viu o rosto confuso do escritor. — Venha, vou te mostrar.
O Mar Vermelho puxou Raymond pelo braço, levando-o de volta ao começo do corredor. Então recomeçaram a caminhada, as portas ao redor deles se abrindo lentamente. Pouco a pouco, com a madeira polida dando passagem para a visão de Ernest, os móveis e abajures do primeiro quarto, o que tinha o número 1 cravado, apareciam. Então uma mulher, que estava de costas, virou. Havia um lenço sobre o seu rosto, seus olhos mostrando um sorriso no rosto jovem.
Era Kiara Watson, ou Black Angel.
Psicopata Número Um.
A assassina de Bryan.
— Venha, tem mais.
Florence continuou puxando Raymond, e estava bem animada. Andava quase saltitando até a próxima porta, que era a número dois. Ele não esperou que tivesse algo lá dentro porque, segundo a lógica óbvia, aquele seria o quarto do Mar Vermelho, e ele estava ao seu lado. Mas ele se surpreendeu quando a porta se abriu e os papéis de parede apareceram todos manchados de vermelho.
Ah, sim, ela amava vermelho, não amava?
— Usei as funcionárias — comentou Florence, orgulhosa. — Char disse que ninguém sentiria falta delas depois que o prédio pegasse fogo.
Raymond engoliu a seco. O sangue continuava escorrendo, e era inexplicável, como se as paredes fossem um ser vivo sofrendo com uma ferida aberta. Ele não queria pensar no quão sobrenatural era aquilo, então conteve o vômito subindo pela sua garganta e se deixou ser puxando por Florence adiante.
— O melhor quarto é o último, você tem que ver! — ela comentou.
Ernest balançou a cabeça. Olhou para trás, vendo que Sara os seguia com Lily ao seu lado. A Colecionadora parecia uma criancinha tímida, com as mãos juntos à frente do vestido rodado. Andava calmamente, observando a paisagem e fazendo comentários a cada trinta segundos.
Enquanto seguiam, Raymond observava através das portas abertas dos quartos remanescentes.
Psicopata Número Três.
Psicopata Número Quatro.
Psicopata Número Cinco.
Psicopata Número Seis.
Psicopata Número Sete.
Em geral, todas estavam sentadas em suas camas observando o escritor passar. Algumas sorriam, outras acenavam, duas piscaram para ele. Em todos os sete quartos, Raymond se sentiu exposto e em perigo. Mas então o último chegou, o oitavo. Este estava com a porta fechada.
— Vamos, entre — instigou Florence.
Raymond olhou dela para a porta, e então para Sara, que acenou, o encorajando. Era melhor que fizesse o que quer que fosse rápido, de maneira indolor. Os dois sentiam que era algum tipo de monstro, talvez uma junção bizarra das sete psicopatas. Só descobririam quando o escritor entrasse.
Ernest esticou a mão e a colocou sobre a maçaneta, fechando os olhos. Seu coração disparava dentro do peito, suor escorria pelas suas costas e acima de seus lábios. Ele via os dedos tremendo sobre o material dourado, apertando tanto o plástico que sentiu que poderia quebrá-lo.
Então tudo parou.
Ele sentiu algo quente em sua outra mão.
Eram os dedos de Sara.
O escritor olhou para a mulher em dúvida, mas ela não recuou. Estavam naquela situação juntos, fariam aquilo juntos. Não era mais uma batalha só dele, era dela também. Precisavam ser fortes e unidos como as sete psicopatas eram fortes e unidas.
Com as mãos entrelaçadas e os olhos fechados, o escritor e a mulher misteriosa abriram a porta do oitavo quarto. Eles deram um passo para dentro do cômodo e sentiram a escuridão tocando as suas peles. O silêncio veio como uma maldição. No fim, foi tudo rápido, prático e indolor.
Até que abriram os olhos.
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CONTINUA
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