10 - O Inferno em Chamas
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Quando os três chegaram ao Instituto Robert Ryan, se assustaram; o lugar estava um caos. Havia fumaça saindo pelas frestas da porta principal, onde inúmeros empregados se aglomeravam contra o vidro em um desespero quase avassalador. O prédio pegava fogo, e eles estavam presos lá dentro.
Assim que o carro parou, Raymond e Sara saltaram dele para correr os poucos metros do estacionamento asfaltado até a porta. A fumaça já não permitia que nada do lado de dentro fosse visto, as mãos espalmadas contra o vidro apareciam ensanguentadas de vez em quando. Quando Raymond viu Diana, seu coração afundou. Ele ficou paralisado, olhando o rosto delicado dela sujo de fuligem, os olhos arregalados e amedrontados. Ele precisava salvá-la.
- Temos que quebrar o vidro!
- É a porta de um hospício, você acha que conseguiríamos? - rebateu Sara - Nós temos que entrar ou tentar conter o fogo. Venha.
Com um pouco de dificuldade ele abandonou a imagem e Diana para seguir Sara pelo estacionamento, dando a volta no prédio. A saída de emergência, dos fundos, estava trancada por fora com um grande pedaço de madeira causando pressão. Sara e Raymond se olharam. É claro que o incêndio não era uma coincidência, alguém tinha provocado aquilo. Com certeza, eles pensaram, uma psicopata. Já sabiam até mesmo por qual delas.
Raymond puxou o pedaço de madeira e o jogou no chão. Sara entrou no prédio assim que a passagem ficou livre. Para agilizar, o escritor pegou o telefone de Sara e ligou para Carmem pedindo que ela fosse até o vidro e avisasse às pessoas que havia uma saída nos fundos. Não podiam esperar para dar a volta no local, havia muita fumaça. Os funcionários precisavam começar a correr para encontrá-los no meio do caminho.
Dentro do hospital eles foram até um dos banheiros e molharam toalhas de rosto para segurar contra o nariz; mesmo assim tossiam, e a cada segundo a fumaça ficava mais escura e espessa. Não aguentariam muito tempo, tinham que chegar ao saguão principal e tirar Diana e os outros de lá o mais rápido possível, caso contrário morreriam junto com eles.
No meio do caminho passaram pelo refeitório. O fogo vinha de lá. Todo o corredor de acesso a ele tinha sido engolido por chamas e, àquela altura, o calor era insuportável. Havia um extintor perto do balcão onde geralmente ficava a comida. Sara olhou para Raymond e os dois pensaram em como seria mais fácil começar a conter o fogo que avançava em pequenas quantidades. Assim, já que os funcionários da parte da frente já estavam sendo escoltados por Carmem, o fogo não tomaria o prédio todo e os pacientes presos nas salas distantes também teriam uma chance de sobreviver. Todos seriam salvos.
Raymond e Sara fizeram um gesto mínimo com a cabeça, concordando com o plano, e os dois cortaram a fumaça para adentrar as chamas ainda crescentes. Quando o escritor tocou o extintor, o choque o fez recuar. Estava quente. Tirou a jaqueta e a usou de proteção, pegando-o, se afastando para a porta outra vez e começando a tentar apagar os pequenos avanços do corredor para o resto dos quartos. Ele conseguiu, mas o coração do incêndio ainda estava lá, tão grande e imponente que parecia invencível. Raymond sentiu medo e Sara também, mas ninguém comentou nada - pelo menos não até o momento em que viram uma silhueta no meio do fogo. Foi quando Sara exclamou um palavrão e Raymond deu mais um passo para trás.
- Kayla - ele sibilou. Como imaginavam: a incendiária. - Kayla Roberts. Nós temos que sair daqui.
O extintor foi jogado ao chão e, juntos, Sara e Raymond correram pelo corredor. A fumaça era como um nevoeiro os engolindo. Eles deram as mãos, mas elas escorregavam. O caminho parecia extremamente longo, maior do que o percorreram quando entraram, e os dois pensaram estar perdidos. Quando conseguiram localizar e estabelecer uma direção até a porta pela qual entraram, viram, literalmente, uma luz no fim do corredor.
Estavam salvos.
Passaram pela porta em um ato quase dramático demais, com o frio de Nothern Lake os recebendo de uma maneira muito bem-vinda. O céu estava cinza, mas era diferente da fumaça: não causava medo, mas sim alívio. Eles nunca gostaram tanto da vista úmida do lugar.
- Você tinha que dar poderes sobrenaturais para elas, não tinha? - reclamou Sara, se apoiando sobre os joelhos. - Não podia ser apenas uma incendiária, tinha que ser uma à prova de fogo. Realmente, genial. Pena que isso quase nos matou.
- Eu devia ter criado sete unicórnios ao invés de sete psicopatas. É claro que elas iriam se tornar reais! Como não me preparei para isso? Sou realmente muito burro!
Sara revirou os olhos diante de sua ironia, endireitando a postura. Então indicou que era melhor irem ver onde os sobreviventes estavam e se alguém tinha se machucado, e os dois deram a volta no prédio para encontrar o caminho para a porta principal, onde todos deveriam estar esperando por ajuda. Quando chegaram lá, o local estava vazio. Havia apenas Carmem em pé, com os braços cruzados, olhando pelo vidro enquanto sorria minimamente. Quando Raymond e Sara se aproximaram, viram que o lado de dentro tinha sido engolido pela fumaça. Não conseguiam enxergar nada.
Ernest sentiu um frio na barriga, mas, mesmo assim, perguntou:
- Onde eles estão?
Mas ela não respondeu. A resposta veio no som abafado de uma mão batendo contra o vidro. Raymond se aproximou, vendo que a pessoa estava no chão, se rastejando. Ele abaixou para conseguir olhá-la, e então os olhos azuis de Diana apareceram no meio do vasto e dramático cinza. A mulher o encarou, pedindo ajuda. Ernest não conseguiu pensar direito, mas seu coração doía. De algum jeito, ele a amava. Sempre amou. Desde o momento em que a criou, vislumbrando a pessoa perfeita e se apaixonando por ela.
Por que ela estava morrendo?
Raymond se levantou, decidido a entrar no hospital para tirá-la de lá. Ainda não estava morta. Ou estava? Ele a viu cair ao chão quando se afastou. As chamas deviam estar naquele cômodo agora.
- Ei, espere!
Ele só parou quando Sara puxou o seu braço. Então ela o empurrou contra a parede do prédio porque não tinha força para segurá-lo sozinha. O concreto estava quente. Raymond podia sentir os gritos reverberando pela construção. Sara o encarou.
- Não podemos salvá-la. Você viu quem está lá dentro. Se ela quiser que morram, então vão morrer!
Raymond olhou dela para o vidro embaçado, então notou que tremia. Não acreditava que, dentro todos aqueles personagens ruins, Diana havia morrido. Era maior que aquilo, que ela; era como se naquele momento ele tivesse finalmente percebido que não importava o quanto ele lutasse contra as psicopatas, elas sempre ganhariam. O mal sempre ganharia. Era uma batalha perdida.
Sara ainda tinha as mãos nos seus ombros, e o olhou com compreensão. Parecia saber exatamente o que o escritor estava pensando. Concordou com a cabeça, se aproximou e o abraçou, encaixando as mãos em seus cabelos. Estavam naquela situação juntos.
Acima de tudo, ela sabia como era perder alguém que nunca teve.
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A ira caiu sobre Carmem um pouco depois, quando o escritor se recuperou. Isso aconteceu no momento em que Sara se afastou dele e o calor da parede às suas costas pareceu insuportável. Ele se aproximou dela, contendo a raiva, e gritou sobre como tinha pedido para que ela avisasse aos funcionários que havia uma saída. Carmem o encarou com os olhos aflitos durante todo o discurso, e, quando ele terminou, sorriu minimamente e disse:
- Não pude evitar. Sempre gostei muito de churrasco.
Ernest deu um passo para trás, as mãos nos cabelos. Não podia acreditar naquilo. Ela havia deixado pessoas morrer por causa de uma piada. Por que haviam confiado nela? Era óbvio que Carmem não se importava com ninguém além de si mesma.
- Não podemos confiar nela - disse para Sara. Ela concordou, mas não pôde falar muita coisa. Algo os distraiu.
Dentro da sala onde os funcionários estavam presos, a fumaça começou a se mover. Ela não dissipava ou algo mais compreensível, mas se movia para os lados, revelando um quase corredor por onde uma garota se ergueu. Era Kayla Roberts, Psicopata Número Três. A pessoa perdida nas chamas do refeitório e o motivo de todos os pesadelos que Raymond sabia que teria naquela noite.
Kayla chegou o mais perto que conseguiu e olhou para os três através do vidro. Carmem sorriu, animada. Aquilo parecia estar sendo como ir ao cinema para ela. Principalmente quando o vidro se quebrou e espalhou estilhaços que atingiram Raymond e Sara, mas passaram longe dela.
- Você está bem? - Raymond perguntou, vendo que Sara sangrava. Um caco havia atingido o topo de sua cabeça, e, apesar de ela responder que estava bem, parecia bem sério.
O barulho dos sapatos de Kayla esmagando o vidro quebrado ao chão o fez acordar, olhar para trás e ver que a mulher se aproximava.
- É o destino desse lugar, Raymond - disse a psicopata. Instintivamente, o escritor se colocou à frente de Sara. - Tentar evitar é um erro.
- Do que está falando?
Ela sorriu, os grandes olhos calmos demais para o cenário caótico. Não havia um vestígio na mulher que indicasse que ela havia acabado de sair de um prédio em chamas.
- Os funcionários do Instituto Robert Ryan queimaram com a gente em seu livro. - Ela respondeu - Só estou dando a eles o final dramático que escreveu. Achei que era isso o que queria.
Quando o escritor ficou sem respostas, Kayla virou para Carmem. Esticou a mão direita e esperou que a outra a apegasse; então, a fumaça ainda presa dentro do prédio saiu e as envolveu. Quando se dissipou, nenhuma das duas estava por perto. O fogo havia sumido, as cinzas caíam dos restos do edifício. Dentro do salão principal, corpos carbonizados espalhavam- se pelo chão, emanando um cheiro desagradável.
A chuva começou a cair, parte da tempestade das cinco horas. Raymond e Sara se olharam, sem esperanças. Não sabiam o que tinha acabado de acontecer, mas sabiam que era ruim. Muito, muito ruim.
2
- Então ela sabe que é um personagem? - Raymond perguntou, confuso.
Sara andava de um lado para o outro, ainda com as roupas cheirando a fumaça. Raymond estava sentado na cama do quarto de hóspedes da mulher, sentindo- se mal por sujar o cenário extremamente branco da casa dela. Ainda pensava em Diana, mas usava aquele tipo de coisa para se distrair.
- Elas não deviam saber - comentou Sara. Parecia que seu cérebro havia entrado em pane. - Não faz nenhum sentido.
Sara parou, cansada. Então ficou batendo as pontas dos pés enquanto olhava para o teto e pensava em soluções. Raymond notou que ela surtaria a qualquer minuto, então se levantou, pegou as suas mãos e a fez sentar. A mulher ainda sangrava.
- Você tem um kit te primeiros socorros? - ele perguntou.
- No banheiro.
Ernest se levantou, indo até a porta quase pequena demais na parede norte do quarto. Quando voltou, tinha uma maleta branca nas mãos. Sara observou enquanto sentava ao lado dela e preparava um algodão com álcool. Ela prendeu os cabelos e ficou parada quando o homem se aproximou para tentar cuidar do ferimento no topo de sua testa. Ele ardia e incomodava desde o momento em que a porta do Instituto explodiu.
- Carmem nunca esteve do nosso lado - disse Raymond, com calma. Agora podia pensar direito. Algo no modo como Sara o olhava enquanto estava tão perto, talvez. Mas ele não poderia dizer. - Devíamos ter previsto.
- Eu previ. Por isso a deixei no carro. Achei que ela nos mataria se viesse com a gente.
Raymond tirou o algodão ensanguentado da pele dela. Então a olhou pensativo.
- Por que ela não nos matou? Não faz sentido. Nenhuma delas nos matou, e tiveram muitas chances.
- Devem precisar de nós para alguma coisa.
- É, elas já me disseram isso. Mas não revelaram o porquê.
- Onde?
- No hotel. Acho que a gerente e uma das camareiras de lá são psicopatas.
Sara concordou com a cabeça, então, quase eufórica, levantou e disse que precisavam ir até lá conversar com a mulher. Raymond segurou o seu braço e a faz voltar a se sentar. Não tinha terminado o curativo, nem a conversa. Estavam cansados, quase deprimidos e cheirando a fumaça. Não podiam ir a lugar algum naquele momento.
- Vamos amanhã - disse, e então olhou pela janela. Era noite. - Não estamos seguros nas sombras.
Sara o encarou.
- Está começando a falar como eles.
- Talvez seja preciso - respondeu - Afinal, estão todos vivos, não estão? Me parece um ótimo conselho para se seguir.
Ela concordou com e cabeça. Era lógico e até mesmo inteligente. Olhou ao seu redor, para as luzes acesas. Estariam mesmo seguros ali? Raymond havia sobrevivido em uma cabana no meio da floresta, então sim, talvez eles conseguissem ficar vivos por mais um tempo no meio da cidade, com eletricidade e lugares para correr. Principalmente se ficassem juntos.
- Durma um pouco - disse Sara, aconselhando-o. Ele parecia exausto. - Amanhã vamos a esse hotel.
Então ela se levantou, se aproximou da porta e apagou a luz. Quando olhou por sobre os ombros, a claridade que entrava do corredor para o quarto mostrou Raymond Ernest sentado na escuridão, com a cabeça baixa e as mãos nos cabelos. Ele não estava exausto, ela percebeu; estava magoado, desesperado. Diana havia morrido, o Instituto caíra em chamas e todas as sete psicopatas pareciam querer algo que ele não sabia o que era.
Sara voltou a entrar no quarto, e, mesmo com as luzes apagadas, se sentiu segura. Sentou ao lado do escritor, o abraçou e ficou ali até que os dois dormissem. Não sonharam com mortes, muito menos com o inferno que passavam. Dormiram em uma quase paz irrelevante, dentro de pensamentos que nunca se lembraram, mas que sabiam que eram melhores do que a realidade que viviam.
Daquela vez, nem mesmo a escuridão pôde amedrontá-los.
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CONTINUA
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