04 - A Lanterna e o Escritor
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Raymond Ernest e Sara Crawford passaram pela entrada do Hospital St. Bartholomew no exato momento em que um raio rasgou o céu de Nothern Lake. Os funcionários do lugar andavam para lá e para cá dentro de seus jalecos brancos e não perceberam os dois estranhos afobados ignorando metade das placas de permitida somente a entrada de funcionários.
Sara parou no balcão de atendimento para perguntar pelo policial ferido no momento em que as luzes do lugar falharam.
— Ele está em cirurgia — disse a mulher do outro lado.
Sara virou para Raymond com uma expressão preocupada e o escritor não entendeu o porquê daquilo. Ele deveria estar em segurança na sala de cirurgia.
— Isso pode não ser tão bom assim — explicou Sara.
— Por quê?
— Estamos lidando com personagens perdidos no mundo real, Raymond, e eu não acho que uma parede pode impedi-las. Por outro lado, pode impedir a nós. Venha.
O escritor seguiu a mulher pelos corredores brancos do local, e era realmente estranho o modo como ela parecia saber exatamente em quais cruzamentos virar, quais portar entrar e quando se esconder. Andavam tentando se misturar aos demais visitantes quando todas as luzes do lugar se apagaram de novo, dessa vez sem voltar.
— O que foi isso? — perguntou Raymond.
— As sombras estão chegando — Sara disse —, Venha!
Raymond a seguiu quando, ao olhar para trás, viu que o chão antes claro começava a ser engolido por sombras.
— Isso, seja lá o que for, está nos seguindo — ele disse, ofegante, quando os dois entraram em uma sala, com Sara fechando a porta e trazendo itens para barrar a passagem de qualquer coisa que pudesse querer entrar. — Desde a delegacia. Por quê?!
Ele fazia perguntas e Sara as ignorava, mantendo a sua atenção presa nas venezianas da cortina, tentando enxergar o que acontecia do outro lado da janela. Raymond percebeu que estava no quarto de um paciente, e que esse paciente os olhava assustado.
— Pare de fazer perguntas e se esconda — instruiu Sara, caindo ao chão assim que pronunciara as palavras, abraçando os joelhos ao encostar as costas contra a parede que abrigava a janela de vidro.
Raymond fez o mesmo e se sentou ao seu lado, vendo que a tempestade não havia parado. Continuava chovendo do lado de fora, e apesar do apagão do hospital, os raios e trovões proporcionavam luminosidade para o quarto. O paciente deitado na cama, imóvel, olhava para os dois, mas parecia incapaz de fazer qualquer coisa a respeito da invasão. Ele estava com vários equipamentos ligados ao seu corpo, um respirador e um curativo na cabeça.
Raymond respirava com certa dificuldade. Sentia medo; um tipo de medo que nunca havia sentido antes. Ele piorou quando Sara disse:
— Elas estão aqui. As psicopatas.
No exato momento em que fechou a boca, passos foram ouvidos do lado de fora do quarto, arrastando— se pelo corredor. Raymond e Sara se entreolharam e recuaram inconscientemente, vendo o homem deitado na cama movimentar os olhos para a janela, arregalando-os em uma expressão de puro medo. Raymond olhou para Sara em busca de respostas, mas ela estava com os olhos fechados, prendendo a respiração como se aquilo fosse a ajudar a se manter fora de vista.
Sara esticou a mão para segurar a de Raymond, e com isso o escritor também fechou os olhos, respirando fundo e tentando pensar em qualquer coisa, menos no formato e no tamanho da sombra que ocupava a parede oposta do quarto, porque era inacreditavelmente grande. E surreal.
De repente, as luzes se acenderam. Sara levantou e verificou o corredor, que se encontrava vazio. O homem deitado na cama agora tinha os olhos fechados, os aparelhos zumbindo estridentemente chamava enfermeiras por todos os lados. Sara e Raymond tiraram as barricadas que haviam montado sobre a porta e correram para fora do local, torcendo para que não fossem vistos.
Antes de sumir pelo corredor, Raymond escutou uma das enfermeiras gritar que o paciente havia tido uma parada cardíaca.
1
— O que Diabos foi aquilo?!
Sara e Raymond estavam agora no quarto de Hotel do escritor. A mulher andava de um lado para o outro com as mãos no queixo enquanto Ernest tentava não surtar, bebendo um copo de uísque fornecido pelo hotel.
Estava tentando parar, mas poderia abrir uma exceção.
— Não era uma das psicopatas — respondeu Sara.
— Ah, jura?! Eu notei isso, afinal não me lembro de ter criado nenhum tipo Godzilla!
Sara continuava andando sempre olhando para o chão, como se Raymond nem estivesse ali. Usava uma jaqueta vermelha e os cabelos longos e loiros soltos atravessando as suas costas. Calça jeans e botas surradas. De algum modo, não se parecia com ninguém que Raymond pudesse ter conhecido antes.
— Quem é você? — ele resolveu perguntar, andando até ela e a segurando pelos ombros. — Como sabe de tudo isso? O que era aquilo que estava nos perseguindo no hospital? Responda!
Tão rápido que Raymond não pôde ao menos processar, Sara o empurrou, jogando-o sobre a cama e torcendo o seu braço atrás de seu corpo. O escritor gemeu, mas o som saiu abafado pelo colchão. Crawford não o soltou quando disse:
— Não toque em mim, entendeu?! E não peça por respostas. Eu estou fazendo um grande favor aqui ao te ajudar. O problema não é meu, é seu, e se quiser sobreviver para escrever o seu próximo meio de matar a humanidade, coopere e me obedeça. Estamos entendidos?
Raymond concordou, sentindo os músculos de seu braço se esticando. Sara o soltou e ele sentou na cama, massageando a pele machucada ao olhá-la com uma espécie assustada de indignação.
— Você também iria querer respostas se estivesse no meu lugar.
— Tenha um pouco de paciência e saberá tudo o que quiser saber. Por enquanto, tente não ser assassinado por uma de suas psicopatas.
Ela pegou a bolsa sobre a poltrona no meio do quarto e se dirigiu para a porta. Raymond, vendo que ela partiria sem falar mais nada, se levantou e correu para alcançá-la, pensando uma segunda vez antes de segurá-la pelo braço e escolhendo parar à frente da porta.
— Por favor, me diga alguma coisa. Qualquer coisa. Pelo menos sobre a escuridão e como me proteger dela.
A mulher parou, arrumando a bolsa sobre os ombros.
— Não é óbvio? — perguntou — Mantenha— se sempre perto das luzes. É a única maneira de a escuridão não te alcançar.
Assim, pegou uma lanterna de sua bolsa e a jogou para ele, saindo do quarto e deixando Raymond ali, parado, segurando o objeto nas mãos, com medo de apagar as luzes e encontrar o que quer que fosse que o estivesse perseguindo dentro da escuridão.
2
Durante toda a noite Raymond Ernest segurou a lanterna firmemente contra o peito. Era como se ela fosse uma arma extremamente poderosa que o salvaria até mesmo dos piores demônios envolvidos na noite. Quando adormeceu, teve um pesadelo terrível com o homem que morrera no hospital, onde este, ao invés de apenas arregalar os olhos, começara a gritar ferozmente para o monstro no corredor, atraindo-o para o quarto, onde matou o escritor e a mulher misteriosa.
Suado e ofegante, Raymond acordava, tremendo de frio, e ligava a lanterna para ver melhor o cômodo dentro da escuridão. Ele passava o feixe de luz por cada móvel e objeto, procurando algo estranho, mas depois de não encontrar nada voltava a dormir. Isso ocorreu pelo menos sete vezes na mesma noite.
Quando realmente acordou estava no salão principal do hotel. Usava seu pijama e manchava o carpete vermelho com os pés descalças sujos de lama. Ele olhou para as próprias mãos e viu nelas mais sujeira. Levantou o rosto para Char, que o encarava de seu balcão, e andou até ela, perguntando o que havia acontecido.
— Eu não sei. Você apenas saiu durante a noite. — Ela respondeu.
Raymond se sentiu atordoado, principalmente porque a terra indicava que estivera em algum lugar no meio da floresta. Não sabia se deveria se preocupar mais com o que tinha feito ou o que tinha sido feito com ele, mas seus olhos estavam tão pesados que ele desmaiou em sua cama após tomar um banho, não conseguindo ao menos ficar acordado para se preocupar com os eventos do dia e da noite anterior.
Horas depois, quando acordou no meio da tarde, ligou para a delegacia e teve a informação de que o policial que Sara queria salvar tinha, de fato, morrido durante a cirurgia — algo realmente estranho, já que não era nenhum procedimento sério. Raymond folheou jornais à procura de algo que indicasse uma investigação quanto ao caso, mas nada ocorrera, e as únicas manchetes de destaque eram a respeito das tempestades que assombravam Nothern Lake.
Certa hora da manhã Raymond ouviu alguém bater em sua porta e deu entrada para a camareira, uma jovem garota que não parecia ter mais de dezessete anos.
— Eu volto em alguns minutos — disse ele, saindo do lugar para não atrapalhar o serviço da moça.
Raymond desceu para o saguão principal e tomou um café, lendo mais uma vez o jornal fornecido pelo Hotel. Estranhou o fato do dia estar relativamente claro, com o céu azul e um sol ardente, e decidiu sair para dar uma caminhada, pensando em como um tempo sozinho poderia fazê-lo esclarecer melhor as coisas.
Do lado de fora encontrou Char varrendo a calçada e a cumprimentou.
— Você é a dona do Hotel, Char. Por que ainda faz essas coisas?
Ela riu e respondeu:
— Porque é o meu hotel, e ninguém cuidaria melhor dele do que eu.
Ele concordou, rindo com ela, e se despediu, escutando os barulhos ariscos da vassoura contra o concreto da calçada diminuírem à medida que se afastava. Andou até o seu carro e pegou a sua mochila, de repente tendo uma ideia. Voltou até Char e perguntou:
— Você sabe a direção que eu segui na noite passada, quando sai e fui para a floresta?
Ela pareceu pensar um pouco, mas logo se recordou e apontou:
— Para aquele lado.
Ele agradeceu mais uma vez e seguiu a direção que a mulher apontou, tirando de dentro de sua mochila a sua câmera fotográfica preferida, qual havia usado para fotografar a capa de Os Sete Psicopatas quando o livro teve a sua primeira edição lançada. Raymond fez questão de tirar a foto porque queria que a capa transparecesse toda a essência da história. Acabou que a imagem embaçada de uma menina com os braços pálidos cheios de sangue serviu bem, mas não agradou o primeiro lote de leitores, e o livro quase não alcançou o número mínimo de vendas, melhorando apenas quando a segunda edição foi lançada, dessa vez com uma capa diferente.
Raymond adentrou a trilha indicada por Char e começou a procurar indícios de que ele havia passado por ali na noite anterior. Achou galhos quebrados e os fotografou; um pedaço de pano do seu pijama também estava enterrado atrás de uma ou duas folhas; pilhas de lanterna caídas sobre a terra. Ele estava começando a ficar cada vez mais confuso sobre tudo.
Por fim, achou a página de um manuscrito estranhamente familiar.
Ele pôde jurar que era dele mesmo sabendo não ser.
3
Vendo as fotos que tirou no computador, Raymond não conseguiu juntar nenhum tipo de pista. Parecia que a noite anterior se baseava nele saindo para dar uma volta em um momento completamente inoportuno e estranho, com uma lanterna em mãos e nenhum sapato nos pés. Zoom nenhum proporcionou-lhe algum tipo de certeza, e sua única esperança era a de que o seu cérebro voltasse a funcionar cordialmente para lembrar do ocorrido.
Raymond pegou mais uma garrafa de uísque para beber, afogando— se no álcool amargo e nos minis chocolates que a camareira havia deixado sobre o seu travesseiro antes de sair. Quando se conformou de que não acharia nada, entrou na página inicial do Google e procurou pelo nome de Sara Crawford, mas seu computador desligou antes que as informações pudessem ter sido carregadas. A bateria tinha acabado e o carregador estava no carro, muitos andares abaixo de onde o escritor se encontrava.
Cansado e precisando urgentemente de uma aspirina, ele se levantou e andou até o banheiro. Lavou o rosto e escovou os dentes, vendo no próprio reflexo a imagem perfeita de um homem à beira do abismo emocional. Ele precisava urgentemente sair de férias, esquecer toda aquela loucura e voltar a ser apenas um escritor bêbado no meio de uma cidade entre as montanhas.
Porém, ao se virar para sair do banheiro, notou que aquilo nunca mais seria possível. Não quando a sua vida havia se tornado um show de horrores; não quando os seus próprios personagens saíam de páginas para atormentá-lo e não quando o corpo de uma garota morta era colocado na banheira de seu quarto de hotel às três da tarde de uma terça— feira, quando a última coisa que ele queria era ter mais problemas.
N/A: E AI GALERA???????? Estão aproveitando bastante esse frio? Eu tô amando poder postar 7P nesse clima porque parece que estamos mais perto de Nothern Lake! HAHAAHAHHA mantem abraços quentinhos para o raymond, ele vai amar!
Beijão e até a próxima!
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