Capítulo 66 - Eu... estou sofrendo, Mel

Assim que voltei do banheiro, um pouco mais recomposta, avistei o Zaphy dando voltas na área de tratamento, pensativo, como se estivesse bolando um plano maligno. E essas voltas duraram alguns bons minutos. Embora eu também estivesse a ponto de ter o cérebro implodido com a cena do Nepo e do Dashni a pouco, preferi permanecer apenas observando os pacientes a uma boa distância do Zaphy, pois sei que se eu tentasse conversar, sobraria para a minha pessoa. Aquele ali é mestre em descontar suas raivas em mim.

E no estado que eu me encontrava, não era muito bom passar por tantos aborrecimentos.

— Mais um afeminado! Estou com medo de abrir o refrigerador e sair outra bicha de dentro! — enfim quebrou o silêncio.

Me virei para ele, com as mãos perdidas nos bolsos do jaleco.

— Ah, então é isso que está te preocupando e não o fato do Nepo... — Olhei para a cúpula, constatando que os pacientes ainda dormiam. Se bem que eu não tinha certeza se eles estavam dormindo no momento da briga e tudo mais. — estar se envolvendo com um mau caráter?

Zaphy me encarou como se eu tivesse dito algo idiota e repugnante.

— Isso não é problema meu e nem seu. Ele é adulto, sabe no que está se metendo! — suspirou. — E por que o serviçal não estava na cúpula?

A partir daquela dúvida, contei ao alien energético o qual não conseguia parar quieto, que o Dashni era imune, por isso não adiantaria continuar ali. Coisa que por um lado ele gostou, pois o imbecil ficaria longe de mim, porém por outro odiou, já que torcia pela morte do ET insuportável.

Portanto, a fim de fugir da pergunta do Zaphy, que se resumiu a querer saber se eu havia adoecido por conta da minha recente corrida ao banheiro para colocar tudo para fora, tentei explicar a ele como o sistema de um imune elimina o vírus do corpo sem ser contaminado, contudo fui interrompida pela sua respiração pesada.

Ele não estava nem um pouco entretido com o assunto.

— Muito interessante, mas eu não quero saber. — Se colocou de pé, esfregando os olhos e deixando somente eu sentada na maca. — Você foi infectada pelo vírus e não quer me contar, é isso? — aquele tom que já não era baixo, elevou um pouco mais, me obrigando a desviar o olhar para a cúpula ao nosso lado. — Terráquea, eu estou realmente irritado com tudo o que fui obrigado a ver nesta maldita área de tratamento, não é um bom momento para você me esconder as coisas!

Foi a minha vez de respirar fundo em conjunto de uma boa revirada de olhos. Confesso que eu preferia lhe dar a quase certa notícia, em um clima mais leve, para eu poder falar dos riscos que me amedrontavam, com calma. Porém se não tinha outro jeito... Talvez a revelação o acalmasse. Revelação essa que poderia muito bem ser chamada de doença, afinal, somos de espécies diferentes. Eu não possuía absolutamente nenhuma informação sobre a mistura de nossas raças; sobre como um corpo iria se comportar dentro do outro... Tudo poderia ser fatal tanto para mim quanto para...

— Não estou doente — comecei, também descendo da maca e me posicionando à frente do Zaphy, de modo que tive que levantar bem o rosto para fitá-lo nos olhos. A nossa diferença de altura às vezes me incomodava. —, mas eu preciso te contar uma coisa. Zaphy, você vai...

E assim, tive a minha fala interrompida novamente. Contudo dessa vez, pelo Nepo, o qual entrou na sala com aquela sua cara livre do sangue, no entanto bem machucada.

— Já estou indo. Só vim buscar a minha arma — logo se manifestou, decerto ao achar o olhar irritado do Zaphy.

O meu alienígena não satisfeito em apenas fuzilar o amigo com os olhos, imediatamente avançou na direção do Nepo, o segurando pela armadura e o prensando na porta. Não perdi tempo e corri para junto deles, tocando o Zaphy no ombro e tentando convencê-lo a deixar aquilo para lá em meio a sussurros. Porém sem sucesso. Aquele alien quando se encontrava dominado pela fúria, não ouvia ninguém. Apesar disso me mantive ali, pois o Nepo merecia a minha tentativa de proteção, depois de tudo.

Entretanto não nego, engolir o caso dele com o Dashni seria muito difícil para mim também.

— Qual é o seu problema, desgraçado? Com tanto macho aqui, tinha que ficar se esfregando justo naquele serviçal? Sabe que eu posso matá-lo com um estalar de dedos e nem o meu pai que vive o protegendo, poderá salvá-lo? — soava baixo, todavia, com uma frieza assustadora.

Naquele momento cheguei a conclusão de que: o Zaphy tentava passar por homofóbico para não se dar por vencido, para não assumir que já havia se acostumado com a orientação do Nepo, e que aquele ódio era claramente direcionado ao fato de ser o Dashni quem o nosso amigo amava.

— E eu não vou te impedir, mas se fizer isso, estará perdendo o seu único amigo. — Nepo por sua vez, aparentava estar possuído pela mais suave das calmas. Nem parecia aquela criatura que estava se rebelando a poucos minutos.

Contudo, da mesma forma que o Zaphy o segurou, ele também o soltou, encarando-o enquanto se afastava do Nepo, recuando e me gerando um suspiro aliviado. E a poucos passos de distância, ambos permaneceram se encarando, já eu, só sabia olhar de um para o outro, na tentativa inútil de tentar adivinhar os seus pensamentos.

Se ocorresse outra briga ali eu surtaria. Meus pacientes precisavam de sossego. Igualmente como eu.

— Quer saber? Isso realmente não me diz respeito. — No entanto, Zaphy tornou a se aproximar, apontando o dedo na altura do nariz machucado do outro. — Quando se encontrar com o seu macho, avisa que você salvou a vida dele! Ele vai continuar vivo por sua causa! Agora pegue logo a porcaria da sua arma e suma da minha frente! — Enfim virou-se de costas, massageando as têmporas.

Se aceitar a escolha do Nepo estava sendo ruim para mim que o conhecia a tão pouco tempo, eu não queria nem imaginar como era para o Zaphy.

Sendo assim, já com a arma pendurada no ombro, Nepo veio ao meu encontro e sem mais nem menos, me abraçou, obrigando-me a ficar na ponta dos pés para retribuir o abraço inesperado.

— Obrigado, pily — murmurava. — Mesmo tendo todos os motivos para querer o Dashni morto, você não me olhou com nojo. Eu... — soltou o ar dos pulmões de maneira longa. — nunca tive uma família, nunca... tive ninguém que se preocupasse comigo. Eu achava que nasci para viver sozinho, então vim para Terra, e... Não sabe a importância que tem para mim.

Assumo que me segurei ao máximo para não desabar em lágrimas. Eu me encontrava tão emotiva naqueles dias.

— O sentimento é recíproco, irmãozinho — O abracei com mais força.

~.~

Sentada sobre a mesa da área de alimentação, eu assisti o Zaphy lavar aqueles recipientes ovais os quais havíamos feito a refeição em meio a tímidas palavras. Após o desabafo do Nepo, ele se fechou. Ficou ainda mais calado do que já estava, e eu, achei melhor deixá-lo à vontade, embora eu quisesse conversar. Aliás, essa era outra coisa que me tomava muito: uma vontade absurda de querer conversar com ele. Porém nem tudo naquele dia foi perdido. Antes da vadia da Zukmi aparecer na área médica e nos dirigirmos ao refeitório alienígena, deixando-a lá para tomar conta dos pacientes, os examinei, topando com uma melhora pequena, mas significativa.

A cura iria funcionar. Eu sei que iria.

Tinha que funcionar!

— Proorz — um resmungo foi soprado às minhas costas, e nisso, ao girar o pescoço, avistei o Dashni com seu coque samurai muito bem penteado dando meia volta e se colocando para fora do local que eu e o Zaphy estávamos.

E é óbvio que o Zaphy largou tudo e foi atrás dele, ocupando sua mão direita com o pescoço do alien carregando dois cortes no rosto. Definitivamente: eu precisava de umas férias. À vista disso, saltei da mesa e não me aproximei muito dos dois, já que o bem estar do Dashni não me importava nada. Por fim, de braços cruzados, bocejei.

Zaphy precisava de um adestrador, com urgência.

— Foi você que bateu nele no dia da festa, não foi, serviçal maldito?

Dashni não respondeu. Em vez disso, baixou os olhos, mantendo o seu semblante inexpressivo, como sempre.

— Zaphy, estou morrendo de sono — me intrometi. —, brinca com ele depois.

Só recebi um "já vamos", antes de voltar a atenção ao Dashni.

— Mas fique sabendo que se eu — continuou, entre dentes. — ver um arranhão sequer no Nepo, você vai desejar perder essa imunidade para ser morto pelo vírus! — O soltou, vindo até mim e puxando-me pelo pulso.

Sorri ao constatar que o Nepo já era como um irmão mais novo pro Zaphy, só ele que não enxergava isso.

— Não tenho medo de você, principezinho, só queria avisar. E se o seu amigo vier pra cima de mim de novo, vou revidar porque não sou obrigado a apanhar quieto!

Ao notar que o Zaphy pretendia iniciar uma guerra, prontamente o puxei para fora, logo, seguindo com ele pelos corredores da nave. Contudo, em dado momento o alien simplesmente parou e ali, ficou me observando com muita atenção. Atenção não só direcionada aos meus olhos, Zaphy me olhava dos pés à cabeça, concentradíssimo, como se estivesse procurando algo. Algo errado comigo. Sua testa franzida e a boca comprimida, davam a impressão de que havia também confusão em sua análise. Sinceramente não entendi nada daquilo. Porém não tive tempo para questionar, uma vez que de súbito, Zaphy me pegou no colo. Não sei ao certo, entretanto senti um breve desespero em seu ato.

— O que foi? — perguntei enquanto tentava o fitar nos olhos, no entanto, o alien escondeu seu rosto no meu pescoço.

— Não sei. Só... tive uma sensação estranha. — À seguir, deixou um beijo na minha bochecha antes de me olhar e seus olhos negros e brilhantes fundirem-se aos meus. Sei que era impossível, mas me passou a imagem de que deles desceriam lágrimas a qualquer instante. — Mel, eu não vou suportar ficar longe de você. Te amo tanto que dói, terráquea.

Ele finalizou carinhosamente me beijando a testa.

— Também te amo demais, alien.

— Então venha comigo para Vux... por favor. Eu não sei mais o que fazer para te convencer. Eu... estou angustiado; eu estou com medo. Eu... estou sofrendo, Mel.

Quando dei por mim, meus braços já contornavam o seu pescoço cinza com toda a força do meu sentimento por aquele extraterrestre cheio de defeitos, o qual abduziu o meu coração de um jeito que nem a NASA acreditaria.

Ficar sem o meu Zaphy me destruiria, sem contar que... eu não poderia deixá-lo longe do seu próprio filho.

— Eu vou com você.


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Notas Finais

Será que agora o Zaphy aprende que não precisa gritar, xingar ou obrigar, mas apenas colocar os sentimentos para fora e pedir com carinho?

No próximo capítulo o Zaphy pegará o microfone :3 falando nisso, vocês gostam mais do ponto de vista da Mel ou do Zaphy? Sempre tive essa dúvida *~*

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