Capítulo 6 - Por que você está nervosa, terráquea?

 A terráquea colocou o carro em movimento e enfim seguimos para a sua casa.

— Quem é Anne? — minha vez de fazer perguntas.

— Minha amiga. — falou enquanto fazia a volta e quase bateu em um carro parado. — Ops! — Riu. — Eu estava ontem no hospital pois tinha ido buscá-la. Mas aquela vaca já havia saído.

Vaca? Que forma estranha de chamar a amiga.

— Rick, você está aí?

Quem é Rick? Acho que ela está ficando louca.

— Sim, Melanie.

Entendi quando vi a imagem de um ser surgir na tela do aparelho dela e uma voz robótica responder.

— Que bom que ainda está carregado. — Deu uma olhada rápida para mim. — Ah, o Rick é o meu robô.

— Percebi.

Fiquei admirando aquele silêncio pois finalmente ela havia ficado calada. Virei o rosto para a janela e continue a minha análise. Está um pouco longe, mas consigo avistar um rio embaixo de uma ponte, confesso que esta parte da Terra achei atrativa.

— Todos na nave são imunes?

Por que ela é tão curiosa?

— Você tem algum problema em ficar calada? — Respirei fundo. — Mas respondendo, de certeza somente eu e o meu pai. Os outro não estiveram em contato com os contaminados, viviam em uma área isolada.

— Entendi. — Voltou a atenção para o volante. — Rick, ligue para a casa dos meus pais, por favor.

Abaixei no banco quando notei terráqueos caminhando do lado de fora.

— Está com medo dos humanos, alien? — Riu, de novo.

Ignorei.

— Não há sinal telefônico na casa deles, Melanie.

— Merda! Pior que em plena era tecnológica, aqueles velhos são contra usar celular. E a internet, Rick?

— Ainda não foi restabelecida.

— Droga!

— Só pra avisar, cortamos alguns de seus meios de comunicação — resolvi me intrometer quando entendi sobre o que falavam.

— Zaphy, eu odeio a sua espécie! — apesar das palavras, não senti raiva em seu tom. — Eu preciso me preocupar com o bem estar dos meus pais ou da Anne? Seja sincero, por favor.

— Os assassinos aqui não somos nós. Acho que isso responde a sua pergunta. — Voltei a olhar pela janela. — E por enquanto, a minha potência não irá raptar terráqueos neste país.

— Mas há dezesseis ligações perdidas da Anne. — o robô continuou.

— Então retorne, Rick! Por que só me diz isso agora? E ligue o viva voz! — elevou o tom.

Queria entender o motivo dela ser tão barulhenta.

— Mel?

— Oi, Anne. Está tudo bem?

— Está. Mas por que você não dormiu em casa e nem foi à faculdade? Vi nos noticiários que pessoas em todo o mundo estão desaparecidas. Algumas voltaram, mas estavam desmemoriadas. Achei que você estivesse no meio.

— Não, eu estou bem. Só vim visitar os meus pais aqui em Cambridge.

— Aliás, tentei ligar para a casa deles, mas não consegui.

— Estamos sem sinal no fixo. Eu tentei te ligar antes, mas fiquei sem sinal no celular também. Foi mal.

— Tudo bem, agora estamos quites. Pior que isso tem acontecido muito. Estamos sem internet, inclusive.

— Aqui também não tem.

— Você vai ficar quanto tempo aí?

— Não sei, ainda. — Me olhou com um olhar questionador.

— Mas você não pode ficar faltando na faculdade.

— Eu sei, depois penso nisso.

— Aconteceu alguma coisa?

— Quer olhar para frente? — gritei quando ela quase bateu em outro carro parado.

— Quem está com você, Mel?

— Ninguém importante, vou desligar porque estou dirigindo.

— Ei, senhor ninguém importante, você tem um sotaque lindo.

— Tchau, Anne!

— Mais tarde me liga. Beijos.

Ela apertou um botão no aparelho e a imagem do robô voltou a ser exibida na tela.

— Ninguém importante, só o futuro rei da Primeira Potência. — Cruzei os braços.

— Não precisa ficar magoadinho, alien. — Piscou para mim.

— Por que eu ficaria? Meu sotaque é lindo. — Devolvi a piscada.

Ela riu. Me contive para não rir também.

— Mantenha esse aparelho escondido. — Apontei para o tal celular. — Hipnotizamos os terráqueos para que não falem sobre nós. Se descobrirem que está tendo contato com a sua raça, não sei o que irão fazer.

Ela assentiu.

— Mas então... Quer dizer que você é um príncipe? — Dividia a atenção comigo e com a direção do micro carro.

— Sou.

— Que interessante.

Em seguida ela parou o carro e ficou me olhando.

— O quê?

— Você terá que me esperar aqui.

Imediatamente segurei o pulso dela.

— Mas não vou mesmo!

— Calma. — Puxou seu pulso devagar para que eu soltasse.

Soltei, mas continuei com olhos cravados nela.

Sem demora, começou a procurar algo no fundo do carro. Ficou entre os bancos de costas para mim, respirei fundo quando o seu cabelo esbarrou no meu braço. Virei o rosto para a janela pois esta posição dela está me desconcertando

— Toma, veste isso. — Me entregou uma blusa estranha, de mangas longas. — Meu amigo esqueceu aqui. Vai ficar um pouco apertada, mas irá servir.

— Amigo? — Peguei a roupa.

— É, amigo. — Cruzou os braços. — Colega... — Descruzou e coçou a testa. — Conhecido... Vai, veste logo!

Fingi que não prestei atenção no tom que ela usou e com muita dificuldade, consegui vesti-la.

— Um pouco apertada? — Eu mal consigo me mexer.

— Pare de reclamar. — Seguiu abrindo os compartimentos do carro apressada. — Cadê, cadê, cadê, cad.... Achei! Olhe para mim. — Colocou um negocio estranho sobre os meus olhos.

— O que está fazendo? — Apontei para o objeto estranho que deixou a minha visão escura.

— Só estou tentando te disfarçar. Agora coloque o capuz na cabeça. — Puxou o pedaço de pano pendurado atrás da blusa.

Saímos do carro e caminhamos até a sua casa. Por fora é bem grande e alto, possui uma cerca branca e baixa em volta, uma porta grande vermelha e uma escada na frente. Há também várias janelas espalhadas.

— Isso tudo é a sua casa?

— Claro que não. — Sorriu.

Ela fica bonita sorrindo.

Entramos.

— Coloque as mãos no bolso e abaixe a cabeça se ver alguém — sussurrou. — Sorte que o Senhor Benson não está aqui.

Assenti e fiquei olhando o lugar. Por dentro é mais simples do que por fora. Só há uma escada que leva para cima e um balcão do outro lado.

Subimos pela escada e paramos em frente à uma porta, com o número 026 na frente. Ela pegou algo na bolsa, colocou em um furo na porta e a mesma se abriu.

Que curioso.

Ao entrarmos, ela seguiu correndo na frente, pensei em segui-la, mas desisti.

O local é bem pequeno. Acho que até o meu banheiro no castelo do meu pai, é maior que toda essa área. Mas apesar de pequeno e dos objetos bem esquisitos, esse é o lugar mais perto que cheguei de onde eu moro. Não sei exatamente o porquê.

— Vamos? — falou arrastando uma coisa retangular.

— E isso é... ?

— Uma mala. Não quer me ajudar? — disse levantando as duas sobrancelhas.

Peso para mim não é problema, peguei com uma só mão e me virei, indo para fora.

Já dentro do carro, a primeira coisa que fiz foi tirar aquele objeto dos meus olhos e depois a blusa apertada. Mas acabei tirando junto a minha própria camisa, que estava por baixo.

— Nossa!

— Nossa o quê? — Joguei a blusa nos fundos do carro, após separá-la da minha.

Ao girar meu rosto, a vi me olhando intensamente.

— Nada, não. — Voltou a olhar para frente e ligou o carro, desta vez, sem mandar ele ligar.

— Não vai colocar? — Segurei a faixa preta ao meu lado.

Ela tornou a fitar meu corpo, tirando o olhar logo depois.

— Você não vai colocar a camisa?

— Não. Estou com calor. — E não é mentira, esses olhares estão me deixando animado.

Senti que ela ficou atrapalhada pois estava demorando para dar a partida.

— Algum problema? — Deitei as costas no encosto, com as mãos atrás da cabeça.

De propósito.

— Pelo amor de Deus! — falou após dar mais uma rápida olhada em mim.

Acabei soltando um riso baixo.

— Por que você está nervosa, terráquea?

— Não estou nervosa! — levantou a voz.

— Cuidado com o tom.

Enfim o carro começou a se mover.

— Terráquea.

— O que? — Virou o rosto para me olhar.

Gargalhei quando ela nem sequer levantou olhos para me encarar.

— O que foi?

— Você não consegue. — Levei meu rosto para a janela.

— O que eu não consigo?

— Tirar os olhos do meu corpo. — Fiz um rastro com o dedo no vidro.

A terráquea não disse mais nada. Como eu ainda estou com calor, fiquei procurando como abaixar o vidro da janela ao meu lado. Apertei praticamente todos os botões na porta, e após várias coisas estranhas acontecerem dentro e fora do carro, surgir uma música estranha foi uma delas, o vidro começou a baixar.

— O que você está fazendo? — Me olhou rapidamente. — Por que abaixou o vidro? Eu vou congelar! — quase gritou e apertou um botão ao lado dela, fazendo o vidro subir novamente

Aquilo só me causou raiva. Fiquei a encarando, apenas esperando ela me olhar de volta. E quando fez, simplesmente quebrei o vidro com o cotovelo, sem tirar os olhos dela.

— Por que fez isso, seu animal? — Parou o carro bruscamente, me fazendo quase bater a cabeça.

— Quer morrer, maldita? — Segurei o pulso dela com força.

Os olhos dela foram parar no meu braço.

— Você está sangrando.

Olhei meu cotovelo e constatei que estava mesmo. A soltei e voltei a me recostar no banco.

— Ligue logo esse carro.

— Deixe eu ver se o corte foi profundo. — Se aproximou de mim.

— Ligue logo esse carro! — repeti, mais alto e pausadamente.

Após colocar o carro em movimento mais uma vez, fui obrigado a pôr um braço para fora dele e segurar na parte de cima para me equilibrar. Essa terráquea está dirigindo igual uma louca.

De repente surgiu um carro à nossa frente emitindo um som agudo, e o terráqueo dentro dele gritou algo que não entendi.

O que fez eu me abaixar no banco.

— Vai você! — gritou pela janela, ao desviar dele.

— Qual é o seu problema? — berrei, em seguida ela foi para o outro lado da rua.

— Você! — berrou também.

Me reposicionei no banco e cruzei os braços. Já estou cansado de repreendê-la toda vez que grita. Até que senti ela voltar a ficar me olhando, vez ou outra.

— Preste atenção na rua! — Apontei para o para-brisa.

— Estou prestando. — Olhou ligeiramente para o meu corpo. — Você é viciado em musculação?

Que tipo de pergunta é essa?

— Malhação? Não. Mas faço parte da segurança do castelo do meu pai e pilotagem das naves, como um bom futuro rei, preciso ficar forte! — respondi impaciente.

— Mas essas funções não são dos empregados?

— São! — Estiquei o braço e virei o rosto dela para a frente. — Mas gosto de ser útil. Tive que insistir muito para o meu pai deixar.

Ela assentiu com a cabeça me compreendendo, felizmente continuou olhando para a frente.

— A princesa também veio?

— Que princesa?

Fiquei esperando a resposta mas ela ficou quieta.

Quando entendi onde ela queria chegar, facilmente a minha irritação sumiu.

— Está querendo saber se estou solteiro, terráquea? — falei sorrindo.

— Claro que não. — Riu, visivelmente sem graça. — Mas já que tocou no assunto, tem beijado muito? — continuou falando sem jeito, gostei de vê-la assim.

— Beijado? O que é isso?

— Como assim? Sua espécie não beija? — seu tom transbordava surpresa. — Você nunca beijou? — Só agora me olhou.

— Não sei o que é isso — respondi desviando o olhar pois não estou entendendo e nem gostando dessa conversa.

Riu de forma irritante.

— Por acaso está me caçoando? — A olhei, já com raiva.

— Caçoando? Essa palavra ainda existe? — Riu mais alto ainda.

— Pronuncio as palavras que surgem no meu tradutor, não as escolho. — Deitei a cabeça no encosto do banco e fechei os olhos.

— Interessante.

— Por que vive dizendo isso?

— Chegamos, alien. — Desconversou e desligou o carro ao avistar a micro nave, que está visível apenas para nós.

Logo já estávamos em frente a entrada do compartimento das micro naves. O sensor de proximidade presente nas duas naves foi ativado, e a porta foi aberta em seguida. Pousei ela e esperei a terráquea sair, enquanto eu segurava as coisas dela, já do lado de fora.

Após ela sair, não me segurei. A prensei com meu corpo contra a própria nave, soltando no chão os objetos que eu segurava, para deixar as mãos livres.

Fiquei encarando-a e ela se manteve imóvel, também me olhando, mas logo depois baixou sutilmente o olhar. Inclinei minha cabeça para o lado, na intenção de encontrar aqueles olhos de duas cores. Pude ouvir que a sua respiração estava ficando cada vez mais ofegante. Logo depois, aproximei meu rosto do seu cabelo e cheirei. Eu estou agoniado para fazer isso desde que a vi pela primeira vez.

Inalei o máximo que pude desse cheiro adocicado.

Mas de repente, ela se livrou de mim e afastou-se.

— Preciso começar a criação da vacina logo.

Peguei as coisas da terráquea do chão, me virei e segui até ela, sem nenhuma pressa. Parei ao seu lado, que ainda me olhava sem jeito.

— Então me siga — sussurrei próximo ao seu ouvido.

Continuei caminhando.

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