Capítulo 49 - Eu que não quero a amizade dele

Mel


Sem ter com o que me distrair, decidi aproveitar a manhã quente e ensolarada. Puxei a minha mala de baixo da cama e peguei um short e um top que vieram sem querer entre as minhas roupas. Provavelmente já estavam na mala quando a fiz de forma apressada.

Coloquei uma toalha no chão, em frente a janela e onde estava batendo um largo raio de sol, me deitando sobre ela em seguida. Tomar sol nunca foi algo que eu fazia, mas trancafiada aqui nesta nave, lugar que raramente o vejo, me fez sentir falta desse calor. É aquela história, só damos valor depois que perdemos.

Nesse meio tempo ouvi alguém entrar, porém eu estava muito confortável para sequer abrir os olhos e muito menos, para levantar a cabeça e olhar.

— O que está fazendo no chão?

Ah, sim, é ele.

— Bom dia, Nepo — falei quase num murmuro, ao reconhecer a voz dele.

Abri minimamente os olhos, que demoraram alguns segundos para eu conseguir os focar no alienígena o qual sentava-se no chão, ao meu lado.

— Bom dia. Tem alguma coisa para fazer no laboratório?

— Não. Mas já que está aqui, me conte tudo. — Coloquei a mão sobre os meus olhos para protegê-los do sol.

Ele suspirou.

— Você já sabe.

— Já — confirmei.

Nepo desfez o contato visual, ficando assim, em silêncio.

— Olha, vou ser bem sincera com você. Pelo jeito que o Zaphy me falou, o que mais o deixou furioso foi o fato de você não ter contado.

Nepo continuou calado, fitando o nada.

— Só espere a raiva dele baixar. Tenho certeza que logo mais vocês retomarão a amizade.

No segundo seguinte, os olhos negros do Nepo me atingiram com agressividade.

— Amizade? Ele nunca foi o meu amigo! Tudo bem que sou um empregado aqui, criado como ele mesmo disse, mas o príncipe só lembra de mim para pedir alguma coisa! Isso é ser amigo?

Respirei fundo antes de me sentar.

Zaphy é realmente complicado, não só comigo, mas com todos à sua volta.

— Eu sinto que de um jeito torto, ele te considerava um amigo. Quero dizer... considera. Só está com raiva.

Ele balançou a cabeça negativamente. Se encontrava emburrado demais para absorver o que eu estava falando.

Magoado acho que é a palavra certa.

— O seu príncipe me chamou de aberração! Disse que tem nojo da minha raça! O soco que ele me deu ainda dói! Isso está muito longe de ser apenas um jeito torto, pily — começou gritando, contudo foi diminuindo o tom gradativamente. Se ele não fosse um alien, poderia jurar que logo desceria uma lágrima.

Ok. Isso parecia mais sério do que eu imaginava.

E eu ainda não sei o que significa "pily".

— Nepo, só acho que...

— Por favor, não tente defendê-lo, — me interrompeu. — vou continuar servindo-o pois é a minha função, porém nada além disso. Eu que não quero a amizade dele.

— Não estou tentando defendê-lo. Ele foi um babaca, mas... — Me aproximei para tocar no braço dele, a fim de iniciar um sutil carinho. — O Zaphy é bem difícil de lidar. Sem contar que ele leva muito a sério essa coisa de segredo. Só tente...

— Terráquea? Já acordou?

A expressão do Nepo se fechou completamente ao ouvir a voz do Zaphy do outro lado da porta.

— Abra a porta pra ele — pedi.

— Por que ele não abre?

— O imbecil do Rei tirou o acesso dele.

— Quem está com você? — bateu na porta.

Sem demora, Nepo levantou-se. Seus punhos estavam cerrados e seu semblante exalava irritação.

— O que foi que eu te disse? Ele só lembra de mim para pedir alguma coisa. Foi por isso que ele foi no meu quarto ontem à noite. Óbvio. — Caminhava até a porta.

Fui logo atrás.

Tem como você abrir essa maldita boca e me responder? — berrou, e pelo barulho, socava a porta.

— Espera, caramba! — gritei também. — Abra antes que ele derrube a nave. — Empurrei o Nepo até o visor da porta.

Enfim o Nepo abriu a porta, e como um jato, passou pelo Zaphy, chocando ombro com ombro de modo violento, resultado da pressa a qual ele saiu. Zaphy acompanhou-o com os olhos, depois olhou para mim.

— Que desgraça de roupa é essa?

Revirei os olhos.

— Entre, alien. — Dei passagem para ele passar.

Zaphy entrou parcialmente, se mantendo segurando a porta.

— Pegue para mim. — Apontou para algo às minhas costas. — A cesta — completou.

Não entendi para o que ele queria, mas levei a cesta a ele assim mesmo. Então, Zaphy a colocou entre a porta e a parede, impedindo-a de se fechar completamente.

Ah, claro! Ele não queria virar um prisioneiro como eu, já que não poderia abrir a porta.

Não tive tempo de dizer nada, pois segundos mais tarde Zaphy já estava colado comigo e atacando a minha boca. Me levantou, e sem perder tempo, o envolvi com as pernas ao mesmo tempo que enfiava os meus dedos em seus cabelos, puxando seu rosto para mais junto do meu. As mãos dele apertavam a minha bunda com certa urgência, quando, lutando com todo o meu auto controle, separei nossas bocas.

— Quero conversar com você — falei quase sem fôlego.

— Depois, agora precisamos fazer outra coisa. — Correu à cama e me jogou nela, caindo por cima de mim imediatamente.

Zaphy desceu sua boca até a minha barriga descoberta, cobrindo-a com a sua língua deliciosamente quente e me deixando toda babada.

— É sobre o Nepo — minha voz saiu mais baixa do que eu gostaria.

— Não quero saber dele. Quero saber é disso aqui. — Começou a puxar meu short com o dente, me olhando da forma mais sexy possível.

Droga! Eu consigo. Eu consigo.

— Zaphy, para!

Não sei como eu consegui, mas gritei. O que o fez parar e se afastar. Sentando-se na cama em minha frente.

— Qual é a frescura da vez, fêmea escandalosa? — gritou também.

Fechei os olhos, respirei fundo e voltei a abri-los. Eu não vou brigar com ele hoje.

Sentei, recolhendo as pernas.

— Pare de agir como se não se importasse. Sei que está tão mal quanto ele.

Após balançar a cabeça, Zaphy riu. Como se eu tivesse falado o maior absurdo do mundo.

— Eu? Mal por causa de um afeminado nojento? Retire o que disse senão irei te bater!

Então foi a minha vez de rir.

— Pois bata se falei alguma mentira! Porém se prepare, porque dessa vez irei revidar! — mantive o mesmo tom alto o qual ele usou.

Alguém precisava colocar esse alien nos eixos, e pelo visto eu fui a escolhida por algum deus para tal trabalho.

— Não me provoque, desgraçada.

Ele aproximou a mão aberta do meu rosto; nem pisquei ou desfiz a expressão de irritação; depois de me olhar por um instante, ele a fechou em punho e a seguir, levantou-se da cama.

— Foi o que eu pensei. — Levantei e fui até ele. — O Nepo está magoado, Zaphy.

— Terráquea, cale essa boca! — Ficou de costas.

Eu já estava perdendo a paciência de verdade!

— Você consegue entender que a vida dele estava em jogo ou isso é demais para o seu cérebro egoísta e mimado processar?

Zaphy simplesmente virou-se para mim de modo brusco.

— Eu já disse que não o entregaria ao meu pai, rahtzy! — Passou por mim, sentando-se na cama. — Só queria que ele tivesse me contado, assim nem chegaria mais perto dele.

Sentei ao lado dele.

— Zaphy, o Nepo é provavelmente o único ser dentro desta nave que tem um bom coração. E por causa...

— Nossa! Obrigado, terráquea, por não me incluir — me interrompeu.

— Eu também estou dentro desta nave e não me inclui, se não percebeu. Enfim, o que estou querendo dizer é que... Por causa de um detalhe sem importância, você está se referindo a ele como se fosse um monstro.

Zaphy balançou a cabeça novamente. Fez menção de dizer algo, porém desistiu. Em seguida, levantou-se e foi até a janela.

— Você não entende. Nem vale a pena perder tempo te explicando. O pior de tudo é o Dashni pensando que estou comendo o Nepo. — Bateu com a palma da mão no vidro. — Que nojo!

Por que eu tinha que ter ensinado essa palavra a ele?

— Porque o que o Dashni pensa ou deixa de pensar é super importante para você.

— Pare de distorcer as minhas palavras! Se for para ficar falando daquela bicha... — suspirou. — Não consigo te bater, mas pare com isso ou saio e faço coisa pior!

"Faço coisa pior", que ridículo!

Não conseguindo mais segurar a revolta que surgia dentro de mim, corri até ele, ignorando totalmente o meu medo da janela.

— Essa "coisa pior" seria me trair? Vá em frente! Aliás, quer saber de uma coisa? O Nepo não precisa da sua amizade e você não merece a amizade dele! Você é vazio, Zaphy. Tão vazio que dá pena!

Calmamente, ele girou o corpo para ficar de frente, e por fim, cruzou os braços. Seu olhar era frio, em conjunto com olhos cerrados.

— Continue terráquea, eu sei que tem mais.

E tem mesmo!

— Quando você se empenha, se torna a criatura mais detestável que já passou pela minha vida! Reparou que sempre está com raiva e brigando com alguém? Nunca está em paz. À propósito, você tem alguma qualidade além de beleza? Pois se tem, eu não conheci!

Me arrependi logo após eu ouvir as minhas últimas palavras, contudo já tinham sido ditas e ele bem que mereceu.

Sendo assim, Zaphy descruzou os braços e ficou bem próximo de mim. Tive que erguer o rosto para vê-lo melhor. Sua expressão não possuía emoção alguma.

Estava com o olhar mais frio do que antes.

— Nesse caso o meu sentimento, o meu amor por você, não é uma qualidade. — Apontou o dedo no momento que eu ia dizer algo. — Não, Melanie, deixe a criatura detestável terminar... Sim, estou sempre brigando. Brigando com o Dashni, com o meu pai, porém tudo por sua causa. Tudo para te proteger... para ficar perto de você. — Ficou em silêncio de repente, apenas me observando. — Talvez amar você seja o meu maior defeito.

Ao terminar de pronunciar cada palavra de forma calma até demais, ele passou por mim, indo em direção à porta.

— Zaphy...

— Seu problema, terráquea, é deixar os momentos ruins ofuscarem os bons. Eu não estou sempre com raiva. Pelo menos não quando estou te beijando... te tocando. Eu ficou sim em paz, mas só enquanto estou com você.

Então, afastou a cesta da porta e saiu, fechando-a devagar, sem sequer olhar para trás.

Ele fechou a porta devagar!

Devagar!

Me atirei na cama ainda pasma com a reação adulta dele.

Por que ele não bateu a porta? Por que não gritou? Por que não me xingou? Por que estava tão frio?

O que eu aprendi com os meus poucos relacionamentos, é que: assim que um deixa de demonstrar emoções nas brigas, é porque não faz mais questão.

É porque cansou.

É porque virou um tanto faz.

De repente, uma sensação ruim me invadiu pois ele iria conhecer a tal princesa hoje.

Merda!

O problema é que por mais que o Zaphy estivesse errado, acabou por inverter a situação e sair como a vítima magoada. Justo agora que ele estava mais romântico do que nunca, me tratando tão bem. No entanto, eu nunca conseguiria ficar quieta o ouvindo falar daquele jeito do Nepo. Logo do Nepo, que sempre foi um amigo para nós dois.

Estou me sentindo culpada em partes. Na verdade só na parte que "ele não é nada além de beleza", contudo, não me arrependo do resto.

Por que esse alien tinha que ser tão complicado, meu Deus? Por quê?

~*~

— Sai daqui, Nepo — falei sonolenta, ao abrir os olhos e encontrá-lo me sacudindo.

— Até que enfim — suspirou. — O Rei me pediu para levá-la à festa. Precisa levantar.

Mas já?

Olhei para a janela e notei que havia anoitecido.

Como assim eu dormi o dia inteiro? Nunca dormi tanto assim! Com exceção das vezes que eu estava de ressaca.

— Merda — resmunguei me levantando da cama.

Fiquei parada, apenas estudando a minha mala. Ela é tão grande, talvez tivesse alguma roupa de festa. Eu nem lembrava das peças que tinham nela.

O desânimo exalava do meu corpo.

— O que está fazendo?

— Decidindo — fechei os olhos, bocejando.

— Decidindo o quê?

— O que vestir.

— De olhos fechados?

— Eu estou com sono, Nepo! — gritei.

— Mas você acabou de acordar! — me acompanhou no grito.

Tem razão.

Só após abrir os olhos, notei como ele estava vestido. Sua roupa era parecida com as roupas que o Zaphy usava, contudo a camisa do Nepo era mais comportada. Ainda assim, dava para ver o quanto ele é musculoso.

— Ui! Ficou gato sem armadura, viado — pisquei.

Ele ficou sério e depois de alguns segundos, deu um sorriso tímido. Às vezes eu me esquecia de como eles são lerdos em traduzir gírias.

Logo, agachei e comecei a vasculhar em minhas roupas. Não havia trazido nenhuma roupa de festa para o meu azar e mesmo se tivesse, com certeza não iria combinar com uma festa alienígena. Como estava quente optei por usar algo leve, no entanto, o único vestido que sobreviveu às mãos do Zaphy estava sujo.

— Só me restaram vocês — falei para a minha saia chiffon preta e uma blusa cinza caída no ombro.

Já usei essa saia aqui, porém só com o jaleco por cima pois a acho um pouco curta.

Não fiquei muito no banho porque o Nepo ficou o tempo todo me apressando. Sem demora, ajeitei meus cabelos em frente ao espelho extraterrestre, deixando-os soltos sobre os meus ombros. Dei uma última conferida na minha roupa antes de seguir para o quarto. Minha cintura estava completamente marcada e meus seios pareciam maiores por conta do tecido leve e largo da minha blusa.

— Vamos? — Nepo perguntou, já ao lado da porta.

— Acha que está curta? — Indiquei a minha saia, que batia no meio das coxas.

— Muito.

— Ótimo. Vamos.

Não era só calor. Eu também queria provocar o Zaphy, pois precisava ter certeza se ele realmente se cansou de mim. Uma crise de ciúme me diria que não.

Sério que eu estava querendo provocar ciúmes nele? Céus, a que ponto cheguei.

Contudo, gelei e parei bruscamente ao me deparar com um tubo de vidro. Não tinha jeito, eu nunca iria me acostumar com aquela coisa.

— Tem outro caminho?

Nepo virou-se, só então notando que eu não estava seguindo-o.

— Tem. — Apontou para o corredor à direita. — Dando a volta pela... Onde está indo?

— Dando a volta.

Nepo correu para me alcançar. Depois de alguns minutos e infinitos olhares negros e invasores pelo caminho, maioria vindo das ETs, chegamos ao local da suposta festa. Eu não tinha boas recordações do pátio. Na primeira vez que estive nele, o Zaphy fez um barraco por causa que deixei meus cabelos soltos e o Dashni tocou numa mecha deles.

Como se a culpa fosse minha.

Assim como na primeira vez, todos me olharam com curiosidade e surpresa, possivelmente não sabiam o motivo da minha presença. Entretanto, dessa vez os pilares estavam iluminados por luzes vermelhas e laranjas, e as mesas possuíam comidas e garrafas estranhas. Tocava uma espécie de zumbido com palavras doidas, acho que era uma música. Os aliens estavam sem armadura, já as ETs tinham roupas longas e cheias de fitas penduradas em tons de verde. Alguns se encontravam sentados, outros espalhados pelo salão.

Parecia que estavam... dançando? É, parecia dança.

No canto, próxima à uma das pequenas janelas, tinha uma estrutura alta, tipo um palco. Igual, ou provavelmente a mesma, onde contei a eles que eu era capaz de criar uma vacina, antes do Rei fazer aquela votação.

Porém eu fiz melhor, criei uma cura!

Fiquei olhando para os lados à procura do Zaphy, enquanto seguia o Nepo.

— Está vendo ele?

— Quem?

— Você sabe quem, Nepo.

Ele não respondeu, em vez disso me puxou pelo cotovelo para que eu caminhasse ao seu lado. Assim que chegamos à estrutura, o Rei surgiu de trás dela, impaciente.

— Finalmente! — Olhou para o Nepo, depois para mim. — Suba, rápido!

Parei diante da escada, respirei fundo e por fim, comecei a subir os degraus com cuidado. Ao chegar em cima, meus olhos voltaram a procurar o Zaphy. Apesar da aparência semelhante daqueles que estavam me encarando lá de baixo, eu podia reconhecer o meu alienígena de olhos fechados.

Mas ele não estava ali.

— Peço a atenção de todos. — começou o Rei.

Nem precisava pedir, porque a partir do momento em que coloquei os meus pés naquela estrutura, a atenção deles estava toda e completamente direcionada a nós.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top