Capítulo 34 - Você deveria fazer o que o Zaphy pediu

Mel


Só esperei ele sair para arremessar um dos vidros na porta.

Não admito que o Zaphy simplesmente me abandone. Ele não pode fazer isso. Não depois de ter me contaminado com seu cheiro, meu enfeitiçado com seus toques, me encantado com o seu sorriso, olhar, calor...

Eu não vou conseguir...

Segui até a minha bancada de costume e desabei sobre o banco. Cobri o rosto com as mãos para abafar o choro que voltou a me dominar. Eu nunca fui o tipo de garota sentimental, apegada e muito menos chorona. Anne sempre diz que sou uma pedra de gelo. Não sei por qual motivo estou agindo assim.

Sinto-me diferente fisicamente e emocionalmente.

Eu deveria estar feliz, aproveitar essa chance e sair logo deste inferno. Voltar para os meus estudos, família, amigos... para a minha vida real, meu mundo! Mas por que eu não quero sair daqui?

Na realidade eu quero, o que eu não quero é ficar longe dele.

Droga! O que custa o Zaphy ficar aqui? O planeta dele está praticamente dizimado. Não faz sentido ele preferir ficar lá.

Vi de canto de olho o Nepo entrar, então me recompus. Não irei chorar na frente de outro alienígena.

— É o quinto?

— Não entendi. — Mantive os olhos fixados na bancada.

— Vidro que quebrou.

— Sexto.

Estou igual o Zaphy e acabando com os vidros do laboratório. Mas danem-se os vidros.

Pausei os meus pensamentos para desenrolar as mangas do meu jaleco e poder secar as lágrimas, que não estou conseguindo conter. Acho que este isolamento me deixou carente e acabei me apegando ao Zaphy mais do que eu deveria.

Talvez no meu habitat natural, eu agiria diferente.

Tive várias desilusões amorosas, mas o que estou sentindo agora, não chega nem perto de nada do que eu já senti. Quando lembro que o conheço, segundo os meus cálculos, há apenas quinze dias, e oficialmente não tínhamos nada sério, me sinto ainda mais ridícula por estar neste estado digno de pena.

Eu só queria voltar no tempo e me impedir de entrar naquele hospital dos infernos!

— Por que você está fazendo esse som?

Que som?

Balancei a cabeça no momento que entendi.

Deve ser o som dos meus soluços. Só falta agora ele me proibir de chorar, aí sim tudo ficará perfeito.

— Não estou fazendo som algum! — respondi um pouco rude.

— Está sim. Inclusive sua voz está estranha também. — Notei que o Nepo se aproximava. — Não me diga que foi contaminada com o vírus!

Por um instante eu havia esquecido que eles não conhecem o choro.

Suspirei, funguei e limpei a garganta.

— Não se preocupe, não estou doente. — olhei para ele enquanto secava o meu rosto com ambas as mãos.

— O que é isso então? Por que está vermelha e vazando? — apontava hesitante para o meu rosto.

Sua expressão de medo e a palavra que usou para descrever o meu choro, me fez cair na gargalhada.

— É contagioso? — Nepo começou a se afastar. — Preciso pôr a máscara?

Ele está apavorado com as minhas lágrimas e eu rindo disso.

Acho que enlouqueci.

— Nepo, já disse que não estou doente. — Caminhei até ele. — Até porque estou usando a cepa do vírus para criar a cura, ela não é infecciosa.

Ele sentou-se, ainda me olhando assustado e também confuso. Complicado explicar essas coisas para quem não é familiarizado.

— Você deveria fazer o que o Zaphy pediu.

E então aquela sensação de derrota voltou ao ouvir tais palavras.

Não devo e não vou!

— Não! — Me aproximei mais dele. — Tente convencê-lo a esquecer essa história de me mandar embora. Vocês precisam de mim, caso os outros me quisessem morta, já teriam me aniquilado da Galáxia, não acha?

— Se você não conseguiu convencê-lo, acha que eu consigo? Além do mais, concordo com ele. Você está correndo riscos aqui. Não quis contar ao Zaphy mas...

— Mas o quê?

Nepo pigarreou.

— Enquanto eu estava na segurança, a minha função... — Destacou o "minha função". Ele deve odiar ser a minha babá. — ouvia muita coisa sobre você. Melhor eu nem te contar também.

Mas isso não muda nada. Eu sempre percebi os olhares, sei que me odeiam e que a minha vida corria risco desde o início. O Zaphy deveria ter pensado nisso antes de me trazer para esta merda de nave e me deixar completamente obcecada por ele! Porém, sinto que o fato dele demonstrar que se importa comigo, intimida os outros aliens a chegarem perto de mim.

Com exceção do Dashni porque aquele ali...

Nem pensei, me ajoelhei na frente do Nepo, que está sentado. Estou desesperada e domada pela insanidade.

Eu não vou deixar o Zaphy se livrar de mim!

— Por favor... só tente conversar com ele. Minta, diga que não há perigo algum. Vocês são amigos, ele... ele vai te ouvir... — Segurei nas mãos dele, suplicante.

As palavras estão praticamente saindo da minha boca sem o meu consentimento. Quando eu voltar a raciocinar, tenho certeza que o suicídio será uma boa opção para fugir dessa humilhação. Mas agora só o que me importa, é aquele imbecil.

No mesmo segundo a porta foi aberta e a minha perdição passou por ela, segurando seu aparelho amarelo.

Ele ficou nos olhando de uma forma desconcertada.

— Terráquea, você ia fazer o que eu estou pensando? — quase gritou.

— Quê?

Ele fechou a porta com força, logo depois, ficou me olhando furioso. Parecia que ia explodir a qualquer momento

Nepo tentava me levantar do chão e só então a ficha caiu.

— Não. — Arregalei os olhos, enfim me levantando. — Não. — falei com mais intensidade. — Definitivamente... não!

— Muito não. — Nepo levantou-se do banco, também demonstrando constrangimento. — Não existe a menor possibilidade de ser sim.

Zaphy ficou nos analisando com os olhos cerrados por infinitos segundos. Em seguida, deu um passo em minha direção.

— Pega. — Me entregou seu aparelho. — Anote as informações sobre a cura para que eu possa mandar aos cientistas. — Se dirigiu ao Nepo. — Ensine ela a usar o laipro. — Voltou a me olhar. — Escreva no seu idioma, depois eu traduzo.

Ele já está me irritando com essa história!

— Eu não vou anotar merda nenhuma, pode levar de volta! — Tentei devolver ao Zaphy, mas ele não pegou.

— Não teste a minha paciência. — me encarou no fundo dos olhos, depois olhou para o Nepo. — E nem você!

— Mas eu não falei nada. — Nepo voltou a sentar-se.

Zaphy deu mais uma analisada em nós antes de sair do laboratório, pisando forte.

Larguei o tal laipro nas mãos do Nepo e fui me sentar no meu banco também. Zaphy só pode estar louco se acha que vou simplesmente dar o meu trabalho a eles.

Como se houvesse brotado do chão, Nepo surgiu ao meu lado.

— Você toca aqui para abrir o painel, depois aqui para escrever e... — começou me explicando como usa-se o aparelhos.

Mas o empurrei antes que terminasse.

— Nem perca seu tempo, eu não vou compartilhar nenhuma informação com o lixo da sua espécie! — gritei, com toda a minha garganta. — Por que em vez de compactuar com ele, você não me ajuda a ficar e criar a cura eu mesma?

Me levantei e comecei a caminhar pelo laboratório para me acalmar.

— Se falasse mais baixo e fosse mais educada talvez eu ajudaria! — gritou também, jogando o laipro sobre a bancada, antes de retornar ao seu banco.

Passei as mãos no rosto, enquanto tentava controlar o meu humor. Estou sentindo uma angústia tão forte que mal consigo respirar.

Não é bem no Nepo que eu deveria estar descontando a minha raiva, e sim no idiota do Zaphy!

Segui, lentamente até o Nepo.

— Eu só não quero ficar longe dele. Por favor... me ajude — murmurei, pois no momento, simplesmente perdi a voz.

Ele rapidamente levantou-se, com um semblante assustado, tocou no meu rosto e ficou analisando os próprios dedos.

— Você está vazando de novo. Tem certeza que isso não é uma doença?

Pronto, agora estou chorando e gargalhando outra vez.

— Você está me assustando, humana. Pare de fazer isso.

Segurei no ombro dele, enquanto que com a outra mão, cobria a minha boca para reprimir essa risada ridícula.

Definitivamente, eu estou enlouquecendo, sim!

E novamente a porta tornou-se a abrir. Mas desta vez entrou outro alien. Aquele cheinho que vi ontem no corredor.

Ele também nos olhou quase que idêntico ao Zaphy.

— Depois eu falo com você. — após olhar para o Nepo, saiu no mesmo segundo.

Nepo não só me empurrou, como também voou atrás do outro.

— Nossa, amiga. Que pressa — falei para as paredes.

Sentei no banco em frente a bancada e peguei o aparelho do Zaphy. Fiquei tentando descobrir como funcionava, à procura de fotos ou qualquer outra coisa pessoal do meu alien. Porém, agora está mais para ex alien.

Mas é muito complicado, nem consegui sair da tela inicial. Bufei desanimada, largando-o ao lado.

Que tecnologia estranha!

Nepo voltou e como um jato, já estava no seu banco.

— Como que eu faço...

— Não fale comigo — me interrompeu, deselegantemente.

Pois é justamente isso que eu... não vou fazer.

Fui até ele.

— O que aconteceu para deixar a madame irritadinha?

Ele me olhou surpreso, talvez até amedrontado.

— Por que se referiu a mim no feminino?

Revirei os olhos.

— Pensa que sou cega? Já saquei tudo. — cruzei os braços, diante dele.

— Não sei do que está falando. — desceu as costas no encosto do banco, quebrando assim o contato visual.

— Nepo, a menos que o teu namorado fofinho esteja tentando te expulsar da nave, arruma essa cara e me ensine a ver fotos nisso aqui. — Entreguei o laipro a ele.

Nepo ficou me estudando por alguns segundos antes de pegar o aparelho amarelo. Me curvei ao lado dele, para ver melhor.

Ele me olhou mais uma vez, ainda com um olhar estranho, depois apertou alguns botões.

— As imagens ficam neste símbolo. — Clicou no ícone e surgiu uma foto linda do Zaphy mais jovem, segurando um bicho estranho com três antenas. — Aqui você passa para a próxima.

Agora a foto é dele e de uma alien. Estão sentados numa rocha e o céu é verde.

Interessante.

— Quem é essa?

— Não conheço.

— Passa.

Nesta outra foto ele está com mais três Zukmis da vida. Duas sentadas no chão, na frente, ele sentado atrás sem camisa em um tipo de mureta, e a terceira ET em pé ao lado, com a mão sobre o ombro dele. Apesar do Zaphy estar lindo em todas, não estou gostando de ver essas fotos.

— E essas?

— Também não conheço nenhuma. Quer ver mais?

— Quero.

Na foto da vez Zaphy está sozinho. Dormindo de bruços e sem camisa, exibindo suas costas maravilhosas.

— Esta é aqui na nave. — reconheci o quarto dele. — Finalmente uma foto sem uma ET para estragar.

— Quem será que capturou a imagem? — disse ele, rindo.

Empurrei o Nepo pelo ombro, quase o deixando derrubar o laipro.

— Você é um babaca, sabia? — me afastei.

— O que eu fiz? — continua rindo.

Caminhei até o canto da sala, me sentando no chão. Encostei as costas na parede e com as pernas flexionadas, cruzei os braços sobre os joelhos.

— Apague todas.

— Ficou maluca? Não vou fazer isso.

— Então me ensine que eu apago.

Nepo seguiu até a bancada, colocando o laipro sobre ela.

— Quantos anos você tem? — me perguntou enquanto voltava para o banco.

— Por quê?

— Parece que tem dez.

Ótimo. Estou sendo chamada de infantil por um alien.

— Tenho vinte e dois, palhaço. E você, tem quantos?

— Vinte e um.

O alien que me chamou de infantil é mais novo do que eu. Ótimo de novo.

Zaphy mais uma vez entra no laboratório. Pega seu aparelho de cima da bancada e começa a verificá-lo.

Só de olhar para ele o meu coração dá um salto e minhas mãos começam a suar. Acho que o Nepo tem razão, talvez eu esteja doente mesmo.

Doente de a...

— Cadê? Você não anotou nada? — Zaphy caminhou devagar até mim, parando à minha frente.

— Eu disse que não iria.

— E ficou fazendo o que, então? — Olhou para as bancadas. — Está tudo do mesmo jeito. — Agora olhou para o Nepo.

Nepo não disse nada e eu também preferi ficar em silêncio. Não vou dizer que fiquei vendo as fotos dele, onde ele estava muito mal acompanhado por sinal.

— Juro que se vocês estiverem...

— Zaphy, nem termine. — o interrompi e olhei para o Nepo. — Você sabe muito bem que o Nepo é... — Mas o olhar negro agressivo e provavelmente assassino do Nepo, me fez parar de falar bruscamente.

— Sei que ele é o quê, terráquea? — Zaphy está irritado, mas controlando o tom de voz.

— Um irmão para mim...? — tornei a olhar para o Nepo, agora o encontrando um pouco mais tranquilo.

Após dividir a atenção com nós dois sem nem ao menos piscar, Zaphy saiu quase correndo.

Mas e se eu quisesse outro? Ele está me largando de qualquer forma. Ou será que ele está achando que vou virar freira?

Voltei meus olhos ao Nepo, que está com os braços cruzados e de cabeça baixa.

— Ele não sabe que você é gay?

Seus olhos voaram até a direção dos meus, arregalados.

— Nem ele e nem ninguém! E trate de manter essa boca fechada! — falou mais alto do que o de costume.

— Mas por quê?

Nepo simplesmente fingiu que não ouviu a minha pergunta. Então levantei-me do chão, me dirigindo assim até ele.

— Por que ninguém pode saber? Por acaso são religiosos?

— O que a religião tem a ver? — levantou as sobrancelhas, sem entender. — Não podem saber porque é crime.

Crime? Não consigo imaginar uma lei que proíba isso.

— Se descobrirem você será preso, então?

— Morto.

Bom, agora a coisa parece bem séria. Conforme vou conhecendo esses alienígenas, mais esquisitos eles me parecem.

— Aqui é assim também? — perguntou ele, após eu não dizer mais nada.

— Já foi parecido. Agora não mais.

— Queria morar aqui. — sorriu, mas continua com a expressão triste.

Um vuxliano dizendo que quer morar na Terra. Vivi para ouvir isso. Enquanto o outro lá, prefere me abandonar em vez de ficar aqui comigo.

— Então more.

— Eu chamaria muita atenção. — maneou a cabeça negativamente. — Não seria bom. Me tratariam como um monstro. No final, seria a mesma coisa de morar em Vux.   

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