Capítulo 25 - Venha comigo

 Zaphy

Abri subitamente os olhos ao ouvir um grito feroz e familiar. Olhei para o lado e encontrei a terráquea já acordada, me olhando assustada.

— Então é verdade! — Ele balançou a cabeça em negativa. — Como pude ser tão tolo? É óbvio que trazer esse lixo para cá foi só mais um dos seus caprichos — seu tom soava agressivo e ao meu ver, perigoso. — Você nunca se importou com a nossa raça! Nunca!

Seus berros me fizeram despertar por completo.

— Pai, não... — Sentei na cama e passei a mão no rosto. — Quem te contou?

— Não interessa! — continuou gritando. — Eu estou com nojo de você, 87 — mas então diminuiu o tom. — Você acha isso certo? A única família que me restou, meu próprio filho, se deitando com um ser pertencente a raça que assassinou a sua mãe? — Caminhou até a cama, lentamente. — Como teve coragem? — voltou a berrar enquanto me aplicava um tapa.

Fechei os olhos e mantive o rosto na posição em que sua mão o deixou, por alguns segundos.

— Logo com a raça assassina?

Respirei fundo, abrindo os olhos.

Só quero saber quem contou. Se bem que já desconfio.

— Raça assassina que está tentando salvar a sua! — a terráquea se intrometeu, gritando.

Me virei para ela.

— Fique quieta — sussurrei.

Quando voltei os meus olhos a ele, o meu pai já se encontrava ao lado da porta.

— Levante-se e venha até meu quarto! Não estou podendo nem olhar para essa coisa.

Saí da cama e me vesti com certa pressa. Depois fui até a Mel.

— Já volto.

Ela assentiu e acariciou o meu rosto. Fiz menção de beijá-la, mas recuei. Melhor não irritar ainda mais o meu pai.

Após sair do quarto, ele virou-se para mim, me fitando com raiva, achei até que iria me bater de novo.

— Não, você não volta, 87.

Como assim não volto? Ele pretende me prender em uma jaula, por acaso?

Ignorei e caminhei calado até seu quarto, apenas ouvindo suas palavras violentas e sob os olhares curiosos, daqueles que provavelmente ouviram boa parte da discussão. Após entrarmos, sentei no assento de uma das janelas e fiquei esperando a outra parcela da bronca.

— Hoje a Quarta Potência passará aqui para nos dar um pouco de combustível — falava estranhamente calmo. — Estão voltando para Vux e não usarão boa parte dele, assim não querem peso desnecessário na nave. — Virou-se de costas para mim.

— Eu sei, já me informaram. Coisa que o senhor não faz. — Cruzei os braços. — Mas o que isso tem a ver comigo e com a terráquea?

— Com o humano nada. — Ficou de frente, outra vez. — Mas você vai com eles.

Dei risada e desci da janela da janela num salto.

— Não, eu não vou.

— Sim, você vai! — gritou, despejando toda a raiva que estava tentando disfarçar. — Isso é uma ordem!

Ri de novo.

— Então ela vai comigo.

Ele aproximou-se de mim. Nunca vi meu pai com tanto ódio no olhar.

— Não me provoque! Você irá sozinho!

— Veremos, vossa majestade!

Após passar por ele, chocando nossos ombros, deixei o quarto batendo a porta.

Eu estava voltando ao quarto dela quando encontrei o Dashni no caminho.

Tenho certeza que isso só pode ter sido coisa desse desprezível!

Caminhei até ele e sem dizer uma única palavra, o soquei no rosto, fazendo-o cair no chão. O levantei pela armadura e prensei o miserável na parede com força.

— Por que fez isso, príncipe? — perguntou assustado.

Ou fingindo estar.

— Foi você quem contou para o meu pai, não foi? — rosnava sobre o rosto dele.

— Do que está falando?

Dissimulado!

Arranquei sua armadura, a magreza dele facilitou, e lhe dei outro soco, dessa vez no estômago.

Dashni tossiu seco, sem ar.

— Quer mais um, desgraçado? Eu tenho o dia todo.

— Eu não disse nada, eu juro!

Ri de ódio com a falsidade dele.

— Sempre notei essa sua obsessão em querer tudo o que é meu. Aliás, acha que fui rebaixado para o grupo desarmado dos guardas por incompetência? Não! Eu pedi ao meu pai pois não suportava mais ficar perto de você! — Afastei ele da parede para voltar a prensá-lo com mais força. — Agora pare de ser covarde e assuma o que fez!

— Não sei do que está falando!

Lancei mais alguns socos em seu rosto, enquanto o segurava pela camisa com a outra mão. A cada golpe, uma nova fileira de sangue surgia no rosto dele e descia pelo pescoço.

Parei somente para rodear este pescoço ensanguentado com a mão.

— Agora é hora de morrer, serviçal!

Sim, eu quero matá-lo.

Apertei o fino pescoço dele, fazendo-o debater-se desesperado à procura de ar.

— O que está acontecendo aqui? — a voz de Zukmi soou atrás de mim. — Zaphy, por que está fazendo isso? Exijo que solte o meu irmão, agora — mesmo nervosa, ela manteve o tom baixo.

Soltei Dashni, atirando-o no chão e me virei para ela.

— Você exige? — Uni as sobrancelhas. — E desde quando uma criada exige algo de um príncipe? — me aproximei, prestes a lhe descontar toda a minha raiva.

— Fique longe dela, verme! — Dashni gritou rouco, com dificuldade.

Recebeu um chute no estômago, em troca.

— Zaphy, eu não sei o que aconteceu com você para agir desse jeito, mas precisa se controlar. — Ela colocou a mão no meu ombro.

A afastei com violência.

Talvez saiba sim. Você pode muito bem ter contato ao meu pai junto com o seu irmão. Ou possivelmente, até sozinha.

— Trate de manter o maldito do teu irmão longe de mim. — Apontei para entre os olhos dela. — Se ele aparecer no meu caminho mais uma vez, irei matá-lo. — Me aproximei mais um pouco. — E se você tentar impedir de novo, morre junto!

Ela desviou de mim e correu na direção do irmão.

Chutei a armadura do Dashni que estava na minha frente e segui mais nervoso ainda até o quarto da terráquea. Vários olhos curiosos tornaram a surgir pelos corredores. Se eu não estivesse com tanta pressa, os ensinaria como deve-se olhar para um príncipe.

Abri a porta e avistei ela sentava na cama. Levantou-se rapidamente quando me viu entrar.

— Por que está sangrando? — Pegou a minha mão e ficou analisando-a.

Abracei ela. E ao fazer isso, me acalmei um pouco.

— Não é meu sangue — falei entre os seus cabelos perfeitamente perfumados. — É do Dashni.

Mel envolveu meu pescoço com os braços.

— Então foi ele quem falou para o seu pai?

— Não sei. Pode ter sido a Zukmi também. — suspirei. — Meu pai vai me mandar de volta ao meu planeta — resolvi falar de uma só vez.

Então ela se afastou.

— Diga que não vai. Sei lá. Você é um príncipe, também tem poder — falava apressadamente, sem pausas. — Não tem?

Voltei a abraçá-la.

— Não é bem assim que funciona.

— Você quer ir?

Não respondi.

De certa forma, eu quero. Não gosto deste planeta e sinto muita falta do meu. Mas tem alguém me prendendo aqui.

Novamente ela afastou-se do meu abraço.

— Zaphy, você quer ir? — seu tom elevou um pouco.

Mas não estou com humor para reclamar disso.

— Para ser honesto, eu quero sim.

A terráquea recuou alguns passos e virou-se de costas, ficando em silêncio.

— Venha comigo. — Me aproximei.

— Não é bem assim que funciona — usou as minhas palavras, porém de forma rude.

Sentei na beira da cama, me sentindo impaciente.

— Então como é que funciona, terráquea?

Não respondeu, continuando de costas.

— O que quer que eu faça? — respirei fundo. — Nem para onde fugir, eu tenho.

Imediatamente, ela se virou.

— Claro que tem. A gente foge junto e você fica no meu apartamento.

— Não. Você tem que terminar a criação da cura.

Meu pai acha que para mim, meus interesses vêm primeiro do que a preocupação com a minha raça. Mas isso nunca chegou nem perto de acontecer.

— Mas eu posso terminar em outro laboratório. Só preciso pegar as amostras e as etapas prontas. Apenas falta terminar a última. — Dirigiu-se até mim, parando à minha frente.

Pode ser uma solução. Depois de pronta, eu posso voltar aqui e entregar a cura ao meu pai. Provavelmente ele irá deixar de lado o ódio que sente pelos terráqueos. Porém vem o outro problema. A nave um dia irá partir e terei que ir junto. Não posso, em hipótese alguma viver aqui. Mas e se até lá, ela ainda não quiser seguir comigo?

Depois eu penso nisso.

— Então vamos fazer assim. — Levantei e segurei em suas mãos. — Vou te levar ao laboratório para que pegue o que precisa e depois fugimos.

— Ok. — Ela deitou a cabeça no meu peito e me abraçou. — Por que não me disse que a sua mãe havia morrido por causa do vírus?

— Porque eu não gosto de falar sobre esse assunto. Só quero esquecer que isso um dia aconteceu.

A terráquea levantou o rosto e ficou na ponta dos pés para me beijar. Em seguida saímos do quarto, em direção ao laboratório.

Zukmi surgiu no fim do corredor, carregando seu laipro e vindo em nossa direção claramente irritada.

— Zaphy, precisamos conversar.

— O que você quer, Zukmi? — Parei e segurei a terráquea pelo braço para que ela parasse de andar também.

— Não foi o... — Zukmi parou de falar e dirigiu os olhos para ela. — Pare de me olhar desse jeito.

Mel cruzou os braços e continuou a fitando.

— Estou com pressa, diga logo — tentei apressá-la.

Mas Zukmi agiu como se não tivesse me ouvido. Se aproximando assim, um passo da terráquea.

— Pare de me olhar — permaneceu com o tom calmo, mas sinto que está mais irritada.

— E se eu não parar? — Agora a terráquea quem aproximou-se mais dela.

Entrei no meio das duas. Não tenho tempo para isso.

— Basta! — Peguei a Mel pela mão e continuei caminhando.

— Por que se intrometeu? Eu adoraria bater na ET — falou olhando para trás.

— E eu adoraria assistir, mas estamos sem tempo. — Entrelacei a minha mão na dela. — Porém Zukmi é mais alta, não seria uma boa ideia.

A terráquea soltou a minha mão com certa urgência.

— Acha que eu apanharia por causa da minha altura?

— Acho — fui sincero.

— Definitivamente você não conhece a fama das baixinhas, alien. — Voltou a pegar a minha mão, mas agora também segura o meu braço com a sua outra mão e encostou a cabeça no meu bíceps.

E isso me lembrou algo.

— Lembra da primeira vez que segurou o meu braço?

— Lógico. Foi quando entrei no tubo pela primeira vez e também a primeira vez que reparei neles. — Me apertou, de leve.

— Fiquei pensando na forma que me segurou a noite toda.

Ela riu, deixando uma mordida no meu bíceps. No impulso, prensei ela na parede e iniciei um beijo.

— Achei que estivéssemos com pressa — murmurou sobre a minha boca que se move rapidamente em cima da dela.

— E estamos. — Desci para o seu pescoço. — Mas eu não resisto a você.

— Assume que você ficou a fim de mim desde que me viu naquele dia — ela sussurrava deliciosamente. — Falando nisso, não vai me dizer o porquê não me hipnotizou?

Por que ela não para de me fazer essa pergunta?

Deixei um beijo no queixo dela, me afastei e voltei a caminhar.

Logo já estávamos em frente ao laboratório. Abri a porta e deixei que ela entrasse primeiro, espalmando a base de suas costas.

— Merda!

— O que foi... — Ao me virar, encontrei Dashni sentado no meu banco, meu pai e vários guardas, que eu nunca havia visto.

O resultado da minha surra, agora está mais evidente no rosto do Dashni.

— O que esse maldito está fazendo aqui? — perguntei ao meu pai, apontando para o Dashni.

— Ele ficará encarregado de vigiar o humano — respondeu de braços cruzados.

Reparei que a Mel o olhou com uma mistura de raiva e medo. Puxei ela para trás, assumindo a frente.

— De jeito nenhum! Chame o Nepo!

Meu pai pareceu não dar importância ao que eu disse.

— Já está decidido. Agora por favor, filho, se dirija até a nave da Quarta Potência. — Caminhou até os guardas. — Eles irão te acompanhar.

Fiquei analisando a situação. Eu posso reagir mas são muitos guardas, não conseguirei escapar de todos. Olhei para o Dashni, ele está me trucidando com os olhos. Certamente tentará se vingar de mim, usando a terráquea.

Proorz!

— Antes preciso falar com o Nepo.

— Você não irá falar com ninguém! — gritou.

Meu pai nunca consegue manter a sua falsa calma por muito tempo.

Respirei fundo.

— Depois que a cura estiver pronta, o que o senhor irá fazer com ela?

— Cura? Não é uma vacina? — ele perguntou curioso.

— Responda!

— Não fale comigo nesse tom! — Seguiu até mim. — Não decidi ainda. Agora, por favor. — Estendeu a mão na direção da porta.

Me virei para a terráquea, que estava há esse tempo todo atrás de mim.

— Não termine a cura até eu voltar — soprei em seu ouvido.

Talvez a minha preocupação, que antes estava focada apenas na salvação da minha raça, tenha mudado de foco agora.

Ela me puxou pela camisa.

— Não demore.

Assenti.

No mesmo segundo, fui praticamente arrastado pelos guardas para fora do laboratório, após ouvir o meu pai dizer...

"Podem levá-lo."

~.~

Entramos no corredor que leva até a área externa da nave, onde posteriormente, há uma passagem interligada com a nave da Quarta Potência.

Nem entrei ainda, mas já estou estudando uma forma de fugir dela. Muito possível que a nave seja ultrapassada, assim como todo o seu programa de segurança.

Só preciso saber quem subornar.

— Quarta Potência... — ouvi a voz irritante daquele maldito, às minhas costas. — Preciso conversar com o príncipe.

Me virei imediatamente, para encará-lo com todo o ódio transbordando em meu olhar. Meus braços ainda estão sendo segurados pelos guardas. Outros, que estavam atrás de mim, deram passagem para o Dashni se aproximar.

— Dashni, eu juro que se...

Ele começou a gargalhar, me interrompendo. Depois aproximou-se mais, com os braços para trás. Praticamente pedindo um soco nessa cara que não há mais espaço para bater.

— Eu só quero lhe informar, querido Príncipe da Primeira Potência... — pronuncia as palavras de forma calma e suave — que agora, eu assumirei o seu lugar entre as pernas dela. — Por fim, sorriu.

E eu...

Eu simplesmente lhe dei uma cabeçada, fazendo-o voar até o outro lado.

— Vocês não deram um tranquilizante para esse animal? — berrou ele, enquanto levantava-se com a mão na testa.

Dominado pela fúria, consegui me livrar dos guardas, correndo até ele para terminar o que eu comecei mais cedo.

— Agora sim você morre, serviçal!

Porém perdi todos os movimentos do meu corpo, desabando completamente imóvel no chão. Logo um dos guardas apareceu no meu campo de visão, segurando uma arma laser sedativa. Minha vista está ficando turva, assim como minha audição mais fraca. Vi outro se aproximar, mas a imagem desse está borrada.

Já não posso ver o seu rosto com nitidez.

Agachou-se ao meu lado, me dando um soco. Pela força mediana, deduzo que veio do covarde do Dashni. Não tive força para virar o rosto na direção dele, mantendo-o virado.

Entretanto, nem faria diferença, pois tudo ficou escuro. Não sei se meus olhos estão fechados ou apagaram as luzes.

— Só uma pergunta... ela gosta de apanhar? — tornou a gargalhar. — E quanto a vocês, não viram nada disso, está bem? Se o Rei souber, eu...

Então as vozes à minha volta foram ficando cada vez mais distantes, até eu não ouvir mais nada.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top