Capítulo 15 - Eu não odeio ela

Zaphy

Eu não sei o que fazer. Não posso desobedecer a ordem do meu pai pois precisamos dos combustíveis. Mas sinto que eu deva fazer isso.

— Zaphy, o que está esperando? — Zukmi colocou a mão sobre o meu braço.

— Estou pensando.

— Mas não há o que pensar. Estamos quase sem combustível, temos que pousar.

— Eu sei, rahtzy! Eu sei! — gritei, fazendo-a se afastar.

Como a terráquea sabe que aqui possui armadilhas? Talvez ela ainda esteja com muita raiva de mim e resolveu inventar essa mentira. Zukmi está certa, precisamos do combustível. Não podemos ficar sem energia.

A destruição do vírus depende disso.

Tenho que pousar.

Nivelei a nave puxando o manche em minha direção e aumentei a velocidade, iniciando a aterrissagem. Olhei para o painel e constatei que falta pouco para o pouso.

— Segure-se, pois agora vai balançar um pouco. — Empurrei o manche, para inclinar a nave para baixo. — Acha que a terráquea inventou essa história de armadilha?

Por mais que no fundo eu tenha uma ponta de esperança de que ela não é como os outros terráqueos, preciso ouvir uma segunda opinião.

— Acho. Mas presumindo que seja verdade, que motivo ela tem para querer te ajudar? — Ficou em silêncio, não sei se esperando uma resposta. — Ela nos odeia tanto quanto a odiamos.

— Eu não odeio ela — as palavras meio que saíram sozinhas.

Zukmi voltou a ficar em silêncio.

Tornei a olhar para o painel. Notando que estamos bem mais próximos do solo, puxei o acelerador para trás para diminuir a velocidade.

Burro!

Dei um tapa em minha própria testa ao lembrar de como a terráquea poderia ter obtido a informação da armadilha.

— Zaphy, o que você está fazendo?

— Subindo!

Voltei a puxar o manche, e a nave inclinou-se para cima, voltando a subir. Mas de repente alguma coisa, uma força muito forte, começou a puxá-la para baixo.

Só pode ser a armadilha que a terráquea falou!

Empurrei o acelerador para frente, mas a micro-nave continuou sendo puxada para baixo. Imediatamente estiquei o braço para acionar o botão turbo.

Bati uma vez, duas, e na terceira foi um soco mesmo.

— O turbo não está funcionando, rahtzy! — Dei outro soco no botão e me levantei. — Pegue o volante.

Zukmi me olhou nervosa.

— Eu não sei pilotar.

— Só preciso que mantenha a nave nivelada. Segure assim. — Mostrei a forma que ela deve segurar o manche. — Já volto. — Soltei após ela pegar o volante da nave.

— O que você vai fazer? — Sentou-se no meu lugar.

A nave balançou, me desequilibrando atrás dos bancos.

— Zukmi, nivelada! Eu disse nivelada! — berrei, já sem paciência.

Em seguida, caminhei até o centro da micro-nave e arranquei a tampa que leva ao motor. Aproximei meu rosto para poder verificar o que está travando o turbo. A abertura é muito estreita, dificultando um pouco a análise.

Senti a força que está nos puxando para baixo, ficar mais forte, pois o som dos motores diminuiu. Se continuarmos por muito tempo aqui, logo eles irão parar.

Maldição!

Após olhar bem, consegui encontrar a válvula do turbo. Está travada com um pedaço de metal, que provavelmente se soltou da lataria da nave com a pressão emitida do solo.

— Mais rápido, Zaphy. Iremos cair. — Sua voz soou desesperada.

No mesmo instante, coloquei meu braço dentro do motor e senti de imediato, a minha pele rasgar com o movimento da máquina. O espaço entre as engrenagens é muito pequeno, por pouco não caberia o meu braço. Com muito esforço alcancei o metal, mas o balanço da nave me afastou alguns centímetros dele.

— Algum problema? — Zukmi perguntou após ouvir meus xingamentos de dor.

— Se preocupe em manter a nave nivelada, proorz!

Respirei fundo e aproximei meu braço, já ferido, mais uma vez do motor.

— Não estou conseguindo.

Enfiei meu braço de uma só vez, agora mais fundo, alcançando novamente o metal e mesmo com a dor agoniante, o segurei com firmeza. A cor prateada das engrenagens foi substituída pelo vermelho do meu sangue, que jorrava descontroladamente.

— Zaphy, estamos caindo!

Puxei o pedaço de metal em seguida, liberando a válvula do turbo e fazendo-a girar no mesmo segundo.

— Aperte o botão vermelho!

Tirei meu braço do motor devagar e desabei no chão da nave. Respirava pesadamente, enquanto apertava o ferimento para estancar o sangramento.

Logo o som dos motores ficou mais forte.

— Agora puxe o volante para trás! — voltei a gritar. – Suba, suba, suba. Por favor, suba — murmurei para mim mesmo.

Fechei os olhos com força.

— Estamos subindo. — A comemoração da Zukmi me causou um alívio indescritível.

Nem eu sabia que ficaria tão feliz em não morrer.

Estacionei a micro-nave em seu compartimento. Todos estavam nos aguardando do lado de fora.

— Finalmente voltaram — ouvi meu pai dizer enquanto eu fechava a porta da nave. — Perdemos o contato com a micro-nave e imaginei que... 87, o que aconteceu com seu braço? — Correu em minha direção após eu me virar.

Não respondi e passei por ele.

— Você tem que ir para a área de tratamento, agora! — falou demonstrando preocupação.

Ou fingindo.

Parei, permanecendo de costas para ele.

— Se eu estivesse usando a armadura, talvez o estrago teria sido menor. Mas o filho do rei não pode se vestir como um criado, não é? — Voltei a caminhar e segui para a área de de tratamento.

Foi me feito um curativo no braço. Quiseram me examinar mais, mas eu estou com pressa.

Preciso resolver uma coisa.

Me dirigi até o laboratório, coloquei meu olho no painel e abri a porta. Mas ele está vazio. Então saí e fui até o quarto da terráquea. Entrei e a encontrei sentada na cama.

— Você pode me explicar o que foi aquilo? — questionei furioso.

Ela virou-se na cama e encarou o meu curativo.

— Zaphy? O que houve com o seu braço?

Mesmo com os cabelos por cima, reparei que ela tem um belo de um machucado na testa e sangue na sua roupa.

— O que é isso? — Apontei para o sangue no tecido branco que usa.

— Nada. — Desviou o olhar, parece triste.

— Como nada? Foi o meu pai quem fez? — Me aproximei, elevando um pouco o tom.

Dirigiu os olhos até mim.

— Não. — Franziu a testa.

— Quem foi, então?

A terráquea ficou em silêncio. Sentei ao lado dela na cama.

— Se não quer falar, tudo bem. Mas exijo que me conte, como soube da armadilha. Por acaso você pediu para a sua amiga armar tudo isso? Você está tentando nos matar? — quase gritei.

Sua expressão foi ficando cada vez mais irritada, conforme ouvia as minhas palavras.

— Primeiro, pare de me acusar desse jeito!

— Responda! — Dei um tapa na cama, ao lado dela.

— Se eu quisesse matar vocês eu não teria te avisado, ingrato de merda!

Respirei fundo e fechei os olhos com força. Se ela soubesse o quanto me irrita quando grita.

— Se eu não estivesse junto você teria avisado? — Abri os olhos, encontrando os dela apertados.

— Não — falou me encarando, sem nenhuma vergonha em admitir isso.

Balancei a cabeça em negativa.

Ela é igual a todos eles.

— E você ainda reclama quando eu generalizo? — Me levantei. — Não adianta terráquea, o instinto assassino está no sangue da sua raça. Até mesmo no seu! — Apontei para ela.

— Deixa eu ver se entendi. Vocês me tratam igual um monstro, me agridem e além de eu estar tentando salvar a sua espécie da extinção...

— Extinção que você está torcendo para que ocorra. — A interrompi.

Ela suspirou, irritada.

— Além disso que eu falei, eu tenho a obrigação de proteger vocês quando tentam roubar a minha espécie? Isso é tão engraçado. — Riu, sem nenhum humor.

Saí do quarto sem dizer mais nada. Será que ela armou tudo isso com a amiga e só decidiu contar quando descobriu que eu estava na nave? Não sei o que pensar. A única certeza que tenho, é que pelo menos ela se importa comigo.

E eu gostei muito de saber disso.

— Cadê a minha irmã? Só agora soube que vocês voltaram. Ela está bem?

Me virei e vi Dashni correndo em minha direção. Cada dia mais magro. Daqui a pouco ele some.

— Está. Aliás, hoje ela foi melhor piloto que nós dois juntos — respondi, passando por ele.

Fiz a curva para entrar no túnel e seguir para o meu quarto, cortando caminho.

— Zaphy, só mais uma coisa. Adestre melhor o seu animalzinho. Ela não deve se comportar daquele jeito na frente do Rei.

Parei diante da entrada do túnel e fiz o caminho inverso. Cheguei até ele novamente e fiquei analisando-o por alguns segundos.

— Posso dar uma olhada na sua arma? — pedi.

— Claro. — Me entregou.

Pequei a arma e a inspecionei, de ponta a ponta. Até que encontrei sangue na parte traseira dela. Tem a tonalidade semelhante ao sangue da terráquea.

Sem pensar em mais nada, segurei a arma dele pelo cano e o golpeei com força na cabeça. Ele cambaleou para trás e segurou-se na parede para não cair no chão, me olhando confuso. Joguei sua arma no chão, virei e voltei para o caminho até o túnel.

Mas antes de entrar nele, parei outra vez.

— Dashni, só mais uma coisa — usei as palavras dele. — Quando eu encontrar com o meu animalzinho, irei dizer que você está muito grato por ela estar tentando salvar a nossa raça.

Cheguei à porta do meu quarto mas desisti de entrar. Resolvi procurar a Zukmi para lhe pedir um favor.

Fui até a área externa, onde ela costuma ficar enquanto faz suas anotações. Não me surpreendi ao encontrá-la fazendo exatamente isso.

— Está muito ocupada? — falei enquanto me aproximava. — Preciso de um favor.

— Do que precisa, príncipe?

— Que faça um curativo na terráquea — disse tentando demonstrar desinteresse, mas ela me olhou desconfiada, então tentei disfarçar — Os terráqueos são muito frágeis e dramáticos. Temo que ela use o machucado para atrasar a criação da vacina.

— Compreendo. Assim que eu terminar aqui, vou até lá e faço o curativo. — Pegou em minha mão e fez carinho com o polegar.

— Obrigado!

Me virei, seguindo para dentro da nave.

— Zaphy, o que iremos fazer sem combustível? — A ouvi dizer, do lado de fora.

— Não faço ideia.

Caminhei até meu quarto. Os remédios para dor já estão me deixando com sono.

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