Arquivo 3

O horizonte mesclava uma sequência de cores em cadeia que desenhavam um pôr do sol, como cores de uma aquarela lançadas em uma tela em branco. A neve havia cessado, mas por onde F passava se via capôs de carros cobertos pelo branco do gelo e crianças brincando com bolas neve que ainda restavam. De fato, ele não estava conseguindo se concentrar em nada além das várias questões em sua cabeça que o atormentavam em perguntas que ele não poderia responder. F voltou para casa, revirou seu guarda roupa e suas gavetas à procura de qualquer coisa que comprovasse a existência que o garoto tinha tido em sua vida... nada! Procurou em todas as pastas e subpastas de seu computador fotos que tinha com M e nada. Procurou por algum possível presente que poderia ter ganho dele, nada. Seu quarto estava de cabeça para baixo. O menino se sentou sobre os papéis espalhados e roupas jogadas em todos os cantos e, olhando para seu reflexo no espelho, começou a se forçar em manter a calma e a pensar... Se não haviam provas físicas, quem sabe alguém não lembrasse de M? - pensou F entusiasmado ao se levantar e começar a chamar o número de seu amigo de infância. Ele sabia tudo de sua vida, não haveria como se esquecer..
Do outro lado da linha uma voz cansada respondeu.

- F? Está tudo bem?

- Sim está... – mentiu tentando demonstrar uma voz tranquila. - Eu estava pensando em sairmos eu, você,
V e o M amanhã à noite, o que acha?

O rapaz havia jogado com as palavras de forma que não soasse estranho perguntar se em algum momento G havia ouvido falar de M. Suas mãos suavam agora trêmulas enquanto segurava o celular com força. Sua garganta estava seca enquanto ele andava de um lado para o outro esperando que seu amigo confirmasse suas esperanças.

- Tudo bem, mas quem é M? - Perguntou seu amigo com uma voz de desdém.

O maior pesadelo de F havia se confirmado ali. Aparentemente algo havia acontecido e atingiu não só a ele, mas a seu amigo também. Ambos esqueceram a existência que M havia tido em suas vidas... mas por que? O celular caiu de sua mão... E em silêncio F se jogou na cama estático, onde permaneceu parado fitando o teto por um longo tempo.
Ninguém lembrava de nada, o que estava acontecendo? Será que ele estava enlouquecendo ou tudo ao redor estava?
Já era noite. O relógio digital na parede marcava 21:50. Aquela noite em especial ele não conseguiria dormir. Seus olhos vidrados encaravam o relógio como se cada minuto que passava fosse a areia de uma ampulheta que lhe escorria entre as mãos. E ao chegar no fim não haveria mais tempo. F se perguntou - mais tempo para que?
Após se levantar, o rapaz de cabelos desgrenhados viu na mesa de mármore branco, disposta no centro da cozinha, seu celular vibrando. A notificação na tela anunciava que havia acabado de receber uma nova mensagem. Sem titubear, pegou seu celular e deslizou o dedo sobre sua tela de bloqueio para ver a mensagem de sua amiga tímida e gentil, a doce V.

Está tudo bem? 

Era ela! Ele precisava tentar novamente... V precisava lembrar de algo, qualquer informação que o desse esperança. Digitando freneticamente ele respondeu:

Estou, podemos nos encontrar? Queria conversar sobre algo importante...

Por mais que tentasse se manter firme e calmo, aquela situação toda fugia de seu controle mental. Se sentia aflito. Frequentemente tinha a sensação de estar sendo perseguido... observado. Precisava ver a amiga e desabafar. Só precisava de alguém para falar tudo o que o atormentava e talvez assim ficaria mais leve, mais seguro.
Não tardou muito para que a encontrasse. Ela, que vinha de braços cruzados em sua direção, sorriu de forma delicada e aprazível. Aquilo de certa forma o tranquilizou. F queria começar a perguntar sobre o seu dia e ter uma conversa normal antes de começar a falar seu drama, mas jamais conseguiria disfarçar no estado de euforia em que se encontrava. Estava ficando desesperado e tentava explicar para ela tudo o que acontecia... mais nada fazia sentido para ele. V o olhava atentamente e não pareceu se assustar. Sua expressão não havia mudado em nenhum momento durante tudo que ouvia. Enquanto o menino gaguejava entre uma fala e outra, a garota não havia levantado nem uma sobrancelha. Por fim F concluiu.

- O que está acontecendo V? Por que o mundo está fazendo isso comigo? Por favor, me diz que você acredita no que eu estou te dizendo.

A garota, que agora colocava uma mecha de seu curto cabelo castanho escuro por trás de sua orelha, parecia manter um olhar distante. F parecia enxergar naqueles pequenos olhos escuros a mesma força que ele mesmo fazia para tentar parecer calmo... Mas ela não precisava disso, certo? A garota jogou seu cachecol para traz do ombro parecendo inquieta. A rua na qual os dois caminhavam estava completamente vazia. A luz do poste naquele trecho oscilava, fazendo com que aquela conversa parecesse mais desconfortável ainda. Os dois pararam em um ponto de ônibus e se sentaram no banco de metal. Naquele horário não havia ninguém ali, então seria um bom lugar para prosseguir aquela conversa. A jovem, que apertava seus braços contra o grosso casaco de lã na altura da barriga, olhou para os lados antes de responder como se quisesse se certificar de algo.

- Acredito em cada palavra F. Eu nunca vou duvidar de você. - Respondeu ela para o alívio do amigo, que nesse momento lhe parecia uma criança assustada, precisando de um colo. - Até porque... - V abaixou o olhar sob os óculos de grau. Ela parecia triste por vê-lo daquela forma. Suas pequenas mãos apertavam o tecido de sua saia comprida com tanta força que parecia que ela iria começar a chorar a qualquer instante. V sempre se escondeu por trás de seus óculos e de sua personalidade tímida e frágil para nunca ter que tomar alguma decisão. Mas após cortar o seu cabelo bem curto parecia uma pessoa diferente. - Até porque eu me lembro de M.

Um grande sentimento de alívio se cravou em F, como a ponta de uma flecha. Ele levantou, deu um grande abraço em V e sorriu como nunca. Mas V o repreendeu e disse para que não espalhasse o que havia lhe contado. Poderia ser perigoso para ambos e que deveriam conversar aquilo em um lugar mais movimentado. Então sugeriu que fossem para alguma lanchonete próxima.
Apesar do horário tardio, para a sorte dos dois havia uma lanchonete aberta que viria a fechar dentro de 1 hora. Talvez fosse o tempo necessário. Quando chegaram no local e se sentaram, F não sabia como começar o assunto e então falou algo aleatório para quebrar a tensão que havia se instalado entre os dois.

- Você cortou o cabelo...

- Sim!

- Ficou bonito.

- Obrigada. - V abaixou seu olhar com um sorriso triste. Continuou olhando para baixo e então, tomando forças, olhou para ele e disse. - Tenho medo... Tem horas que não sei o que é real F. Sinto que nesses últimos dias tem algo me perseguindo. Em pequenos detalhes, carros, câmeras, pessoas... - Pela primeira vez durante a noite a expressão de sua amiga havia mudado totalmente, como se antes ela fingisse que estava bem. Mas isso não fazia sentido, fazia?

- Acha que tem algum bandido te perseguindo?

- Não, não um ladrão. Algo pior. É horrível estar sendo observada por algo que não sei o que é... - Então V parou. Seus olhos arregalados olharam fixamente para algo distante atrás de F. Em uma expressão de horror ela sussurrou ainda sem olhar para o amigo...

- Está nos ouvindo...

F sentiu seu peso contra a cadeira e seus braços se encherem de tensão no mesmo momento.

- O que? Quem?

- Então era isso...? - V perdeu as forças. Seus olhos arregalados começaram a encher de lágrimas. Parecia que o seu pior medo havia se concretizado. F tinha começado a virar o rosto para ver o que era até ser repreendido.

- Não olhe para trás em momento algum, vamos para casa! Quando estivermos seguros conversamos melhor. Eu te ligo. Não pare no meio do caminho, para ninguém. – disse a amiga saindo rapidamente da lanchonete, sem tempo de F impedi-la ou fazer qualquer pergunta para entender o que se passava.

As últimas palavras de V ainda ecoavam em sua mente. Tinha sido aterrorizador para F ver sua amiga naquele estado e saber que não podia fazer nada para ajudar. Ele agora estava a caminho de casa e nunca olhava para trás, apesar de ver uma sombra que parecia o seguir a cada passo dado... ele só acelerava o passo e logo alcançou sua casa.
Ao cruzar a porta, seu primeiro pensamento foi pegar seu celular e ligar para V. Sentia sua ansiedade crescente, queria saber a verdade. Ele estava pronto para descobrir o que estava acontecendo e o porquê de só ela se lembrar de M. A ligação estava demorando a ser atendida.

...

...

...

três vezes o celular chamava.
Ele permanecia no escuro de sua casa encostado contra a porta que havia acabado de entrar.
...

- F? - A voz da garota soou do outro lado da linha sussurrada.

- Sim V, sou eu! Me diga por favor o que está acontecendo.

- Eu não sei exatamente tudo F, mas sei que tem algo que está fazendo as pessoas esquecerem de algumas coisas, talvez algo familiar, mas parece tão sobrenatural... - Sua voz se calou por alguns segundos - ...Eu estou com medo. Eu estou com medo de que eu esteja sendo observada.

Ele também se sentia assim naquele momento... sentia medo de que naquele exato momento algo estivesse parado do outro lado da porta em que estava encostado... ouvindo aquela conversa... ouvindo cada palavra que era dita...
Um súbito lapso de memória veio à sua mente... Lembrava de algo que M havia dito para ele debaixo daquela árvore. "Um medo bobo, já sentiu como se estivesse sendo... observado? " Um frio gelou a espinha de F. A sala pareceu se fechar à sua volta e seu chão começou a cair. M tinha falado a mesma coisa em seu sonho, que na realidade era a lembrança de uma conversa de ambos. Ele se sentia da mesma forma antes que esquecesse de tudo. Ele não podia perder V também.

- V não saia de onde você está! Estou indo para aí.

- Não! Não saia de casa por nada nesse mundo, me prometa. - O rapaz parou antes que pudesse virar a maçaneta da porta. E por um momento achou ter visto um vulto do lado de fora da casa, pela janela ao lado esquerdo da porta.

- Por favor V! Eu não quero te perder também... - Disse o garoto olhando novamente de soslaio a janela. Não havia nada lá fora.
O que estava acontecendo afinal?
Uma sombra passou pela janela do quarto de V... deixando a garota muda de medo. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto...

...A luz da casa foi cortada...

...E um som crescente de passos parecia se aproximar...

- Eu vou ficar bem - mentiu V pressentindo o que estava por acontecer.

O celular cai de sua mão. F escuta um grunhido, seguido de um sussurro não compreendido de V... a ligação cai.

      
      

       Essa chamada foi encerrada






























Obrigado galera por mais uma semana aqui comigo!!! Estava muito Ansioso para publicar esses capítulos e espero que estejam gostando, curtindo e comentando muito. Estou mega empolgado com o crescimento do livro e com as pessoas que aos poucos vem se juntando à essa família,  pois é assim que considero vocês. Chamem amigos, família, crushs, pets e todos para se integrarem também. Encerramos mais uma semana com 1 ponto de interrogação, espero vocês semana que vem aqui no mesmo lugar 💖✌

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top