Arquivo 17
A noite ameaçava cair, como um pano estrelado sobre o céu. Ali diante da casa de M, ele estava disposto a contar tudo finalmente, a cumprir com sua promessa e a fazer M amá-lo novamente. Seu dedo incerto e ansioso cortou as brisas que passavam raspando entre o espaço vazio que o separava da campainha. O som da campainha soou três vezes, como um címbalo ressoando. Suas mãos suavam e seus olhos se arregalaram ao ver o garoto que agora abria a porta e se dirigia até ele. F sentiu seu coração palpitar mais forte, a cada passo que M se aproximava, a cada passo dado que os mantinham ali, juntos de novo. Chegava a hora que tanto esperava. E seus pensamentos pareciam não se acalmar, nenhuma linha racional conseguia ser formada, pois era ele ali, era o M!
- Olá, posso ajudar? – Disse M educadamente o olhando curioso, seus cabelos estavam presos em um coque, deixando em destaque os traços de seu rosto que pareciam esculpidos por michelangelo. Apenas um fio liso caía de sua cebeleira sobre seu rosto. Ele deveria estar praticando o violino, pensou F.
- Pode sim... - Sua boca permaneceu aberta ao dizer. M o olhava esperando que ele prosseguisse, mas F estava maravilhado demais para isso. -Acreditaria se dissesse que já nos conhecemos antes?
- Talvez, mas não me lembro.
- Sei disso, e vim aqui justamente por isso. – F estendeu a mão com o pendrive para M, que pegou o objeto confuso. – Muitas coisas andam acontecendo, mas... éramos bem próximos, sinto sua falta. Se após esse vídeo quiser... sei lá, tomar um café... eu, bem, estarei apenas a algumas quadras daqui..
M olhava curioso. Já era algo positivo para F; a última vez que o viu, M estava com medo dele, agora só parecia achar engraçada aquela situação.
- Algumas quadras?
- Sim, moro na rua da lanchonete, na casa amarela. Bem, a única grande casa amarela, eu posso te passar meu número se quiser.
- Sim, claro, isso é bem repentino e inesperado, mas tudo bem! – M ria enquanto pegava seu celular e digitava o número de F, que estava maravilhado em vê-lo sorrir depois de tanto tempo.
Após a troca de números, olhares e sorrisos, os dois se despediram. A caminho da biblioteca, F andava com um sorriso bobo estampado no rosto.
Quando chegou em seu destino, já era noite, mas as duas meninas permaneciam ali no mesmo lugar conversando. O local era grande e claro, o amadeirado da decoração reluzia em seu verniz a iluminação do ambiente barroco. Diversas estantes se estendiam pelo grande salão com suas centenas de páginas armazenadas, alguns funcionários iam e vinham recolocando alguns livros em suas posições, para que pudessem adormecer novamente até que um outro alguém viesse para que eles lhe pudessem contar sua história. F sentia como se pudesse ouvir diversas vozes saírem daquelas páginas, cada um dizendo algo diferente... Talvez só assim suas memórias ficassem gravadas afinal, pensava o rapaz ao continuar caminhando por ali.
No final, talvez, sejamos como os livros, cada um tem seu início, meio e fim.
Cada um de nós tem sua história que é lida e vivida por outras pessoas, não são todos que conseguem acompanhar até o fim.
Alguns capítulos são felizes, outros dolorosos, alguns necessários.
E assim como nunca conseguiremos ler todos os livros do mundo, nunca conseguiremos saber de tudo, nunca conheceremos todas as histórias...
Tem alguns livros que só permanecem ali...
...Intocados, acumulando poeira na prateleira.
Aqueles pensamentos atordoaram F que por um momento se sentiu inquieto em meio aquela selva de folhas em branco, violadas pela tinta do cartucho de uma impressora anônima. Antes que pudesse novamente refletir sobre a analogia de sua situação atual em meio às metáforas que sua própria mente criava ele pôde avistar R, inclinada sobre uma mesa de madeira dizendo algo, enquanto V que lia um livro aparentava ignorar com sucesso o que a loira dizia.
O rapaz se aproximou sobressaltando R que se assustou com sua chegada e apenas despertando um breve levantar de sobrancelhas de V que permanecia bem interessada em um livro velho que lia, F só leu de relance o nome do autor NoaH Tyler. Após se sentar em uma das cadeiras vagas R contou que durante a ausência de F, havia recobrado muitas memórias e, apesar de não entender muito bem, se sentia extremamente observada, como se cada passo seu fosse minimamente vigiado. V, que agora aparentava certo nervosismo contido ao ouvir aqueles comentários, também relatou que se sentia da mesma forma.
- Tem algo... Alguém, não sei, vigiando cada movimento meu, eu sei... Da hora que acordo à hora que ando na rua. E pior... quando estou sozinha. Nesse exato momento ainda me sinto assim...
F ouvia V falar cada frase. Não podia negar que um medo crescente começava a se instalar nele e em R. Era como se aquela presença que também sentia os quisesse fazer mal.
- Tenho medo de me virar para ver o que está atrás de mim às vezes... porque temo que se eu ver o que é, eu acabe sumindo... - disse V.
Então, como em um lapso de memória, F se recordou sobre V ter sumido pouco antes de lhe revelar o que estava acontecendo; de todos terem se esquecido dela e de repente tudo voltar ao início. Enquanto pensava, F notou entre os livros na prateleira um olhar o observando... um olhar negro que não se desviava e continuava a encará-lo como a penumbra da noite. Seu sangue pareceu congelar em suas veias. Assustado, F se levantou alarmado; seus olhos já não enxergavam nada, as luzes da biblioteca haviam se apagado repentinamente.
Somente o som de passos e uma respiração pesada tomou conta do ambiente imerso em trevas.
Subitamente, F agarrou a mão de V e R, seus olhos arregalados tentavam se adaptar a escuridão que agora os afogava em medo e pânico, como um rio negro e lodoso que não o deixava respirar e ver nada. Saindo correndo dali ele tentava encontrar uma saída. Enquanto esbarrava em pessoas e mesas durante seu percurso cego,ele ouvia sons de pessoas caindo e cadeiras derrubadas por onde passavam, um grito foi escutado ao mesmo tempo que F caía de encontro ao chão se desprendendo das meninas. Histéricas, elas começaram a gritar como várias outras pessoas que também se assustaram. F desesperado voltou a agarrar suas mãos pedindo para que não cochichassem nada até o final do percurso.
- Eles estavam nos observando desde o início, se ficarmos quietos conseguiremos sair e estará tudo bem... - disse o garoto às amigas.
Quem eram eles? F não sabia dizer, mas era a melhor forma que tinha para se referir àquilo.
Os três andaram lentamente até alcançar uma saída; parecia uma porta corta fogo, sua memória geográfica ali dentro não o havia levado até a porta de saída. Lá dentro, burburinhos de clientes serviram como uma nuvem para encobrir a saída discreta deles. Os três agora estavam quietos no esconderijo improvisado, apenas suas respirações ofegantes ecoavam ali. F se sentou em um degrau das escadas de incêndio e retirou o celular de seu bolso para poder se guiar naquela escuridão e poder descer a escada até a saída. O garoto ligou a lanterna, sua respiração rápida e ofegante ainda lhe queimava os pulmões, mas finalmente voltava a se tornar regular. F ainda segurava a mão de V enquanto ligava a lanterna de seu celular, a luz iluminou brevemente um trecho daquele local , o suficiente para ver a expressão deformada no rosto de R que tinha os olhos arregalados e a boca que se abria de forma assustadora, a garota veio em sua direção tão rápida que ele não teve tempo de fazer nada, a luz se apagou e um som ensurdecedor ecoou nas escadas.
ARRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRG
Um tapa derrubou seu celular nas escadas. Uma frase foi o suficiente para a compreensão do terror de R.
- Você não está segurando a mão de V!!! – disse a menina aterrorizada.
F não havia reparado, mas a mão que segurava a sua realmente não parecia ser a de V. Ele se recordou dos pequenos olhos negros que o observavam pela prateleira de livros...
F empurrou o ser que o segurava e começou a correr com R na direção contrária, subindo as escadas. Um gigantesco grito inundou os andares do edifício e começou a se aproximar deles dois... "Aquilo" estava subindo as escadas ...
R gritava para F não olhar para trás enquanto corriam. F ia o mais rápido que podia, completamente desnorteado, sentia um terror naquele momento que nunca achou possível existir. Aquilo tudo era surreal. Ao subir um dos degraus, R tropeçou e começou a rolar escada abaixo... caindo em direção ao grito monstruoso que vinha do andar inferior e que se aproximava enfurecido.
O grito bestial se aproximava...
- F! Socorro! – Gritou R.
Antes que ela terminasse, F já descia a escada esticando seu braço que alcançou o da garota que se agarrava a ele...
...o grito se aproximava mais agora...
... O medo crescia em seu peito... o que havia acontecido com V? Quem havia segurado sua mão? O que eram aqueles olhos negros que o observavam?
Agarrando o pulso de R, voltou a subir entrando em uma porta qualquer que dava acesso a algum andar superior; deveria ser um depósito da biblioteca, pois começaram a colidir com várias caixas ao entrar. Apesar do terror, algo o deixou aliviado: uma enorme janela que deixava luz adentrar a ponta daquela sala escura. Os dois correram para trás de algumas caixas e ali taparam a respiração assim que ouviram passos esbarrando nas caixas ao entrar ali... “aquilo” estava indo atrás deles sem sombra de dúvidas. F começou a seguir um caminho contrário ao de seu perseguidor, de forma com que conseguisse voltar às escadas e achar a saída, sempre com a cabeça abaixada.
E então R teve uma brilhante ideia: pegou um livro do chão e jogou-o no canto contrário da sala, o lugar mais escuro, fazendo com que o dono daquela respiração pesada seguisse rápido em direção ao som. Quando F viu que a criatura tinha mordido a isca, os dois correram para as escadas e começaram a descer.
F e R, atônitos, estavam agora do outro lado da rua olhando as luzes da biblioteca voltarem; tudo voltou ao normal, como se ninguém tivesse visto nada, como se só tivesse ocorrido uma breve falta de energia. R, ao seu lado, estava sentada na calçada; a meia calça rosa rasgada exibia um pequeno sangramento no joelho. Mas o que mais preocupava F era o rosto dela, que tinha estampado uma expressão de horror, um horror que arrepiava... O que ela tinha visto afinal?
Diversas ligações perdidas só pareciam comprovar que V realmente havia sido pega... Ele não havia conseguido salvá-la, só havia atrasado seu desaparecimento. Lágrimas riscaram seu rosto enquanto ele e R exaustos fisicamente e mentalmente seguiam até a casa do menino.
A casa estava silenciosa, os dois permaneceram quietos por um bom tempo. R estava sentada na sua cama comendo um último pedaço de pizza, que havia sido a refeição deles aquela noite. A menina ainda parecia perturbada, mas parecia estar mais calma. F, sentado ao lado dela, perguntou o que sua amiga havia visto segurando sua mão. Inquieta, R não parava de olhar para trás do amigo, em direção à janela, e disse que não poderia dizer. Olhando para trás, F viu que não havia nada ali. Mas ainda assim, a garota ainda em choque lançava olhares discretos em direção à janela sempre que F perguntava algo sobre o ocorrido na biblioteca.
Vendo que algo a afligia, ele tenta conversar por código, escrevendo no caderno:
Tem alguém te olhando nesse momento?
Deixando o caderno próximo a garota ele se dirigiu até o computador. R só então responde no caderno o entregando em seguida a folha escrita.
"Não, só sinto medo... tenho medo de que se eu disser para alguém, eu acabe sumindo também. Sempre que sinto a vontade de lhe dizer, tenho a impressão de ver ou sentir algo se aproximando, me desculpe"
E sob esse clima de suspense e medo, os dois dormiram ali mesmo. Ainda estavam perturbados pelo sumiço de V e se sentindo impotentes de fazer algo.
... Só não sabiam que havia um terceiro alguém... que se espreitava entre as árvores da rua... e os observava pela janela.
Me desculpem por essa longa pausa, prometo me esforçar para manter as postagens semanais. Muito obrigado a todooooos que permanecem aqui, vocês são demais. Eu estou muito feliz em estar postando esse capítulo e muito satisfeito no rumo que 5 Days está tomando aqui no wattpad.
Galera não se esqueçam da estrelinha e comentários que sempre ajudam muito!!!
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