Receoso
- Ela estava grávida! - Eu gritei de impulso.
As enfermeiras olharam para mim e entraram no quarto.
- Nós falamos para fazer silencio! O caso dela é imprevisível, pode alterar a qualquer momento! Você não quer ser a razão dessa alteração, quer?
- Ele matou o meu filho! - Gritei novamente e comecei a chorar, acho que naquele ano eu estava predestinado a sofrer todas as vezes.
- Já chega! - Disse Cláudia novamente. - Saia já daqui! Nunca deveríamos ter-lhe trazido até o quarto dela.
Fernanda abaixou o olhar, sentindo-se culpada por todo aquele transtorno.
- Eu tenho que falar com a Emily! - Meu coração se desesperou e eu olhei para trás, a garota ainda estava tão serena.
- Você tem que ir para o seu quarto! - Cláudia me empurrou com toda a sua força e Fernanda me ajudou a sentar na cadeira. - Já causou muito por aqui.
Eu não insisti mais, a dor pesou muito em meus ombros. Ele matou o meu filho! Isso não tem como perdoar.
....
.........Um dia depois da liberação........
- Você tem certeza, querido? - Minha mãe continuava a perguntar. - A sala podia estar muito escura, você pode ter visto errado.
Eu sacudi a cabeça, discordando dela.
- Eu sei bem o que eu li, mãe. - Meus olhos carregavam um ar pesado, não tinham mais o mesmo brilho. - Marco matou o meu filho.
Nós estávamos tendo esta conversa no nosso quarto de hotel, ainda pelos arredores do bairro de nossa casa. De acordo com meu pai, não havia tempo previsto para retornarmos.
- Ela já poderia ter perdido o bebe antes. - Insistia minha mãe.
- Querida, quanto mais você insistir nisso, mais doloroso será para ele.
Eu agradeci meu pai mentalmente e, curiosamente, ele pareceu ter percebido.
- Você já sabem quando Emily terá alta? - Minhas mãos tremiam compulsivamente, eu parecia um drogado com abstinência.
- Eles ainda não definiram o dia, mas acreditam que daqui uma semana ela já será liberada. - Minha mãe concluiu. - Eles ainda não entenderam direito o que aconteceu.
- Ela sofreu um acidente de carro, é só isso. - Disse secamente.
- A polícia está em cima do hospital, Fred. Querem saber tudo sobre ela e o caso. Você parece não perceber o quão grave isso pode ser.
Virei meu rosto.
- Não quero que você faça nenhuma besteira, filho. Pense direito. - Meu pai me abraçou. - Eu e sua mãe vamos comprar algumas coisas no mercado.
- Algo em especial, querido? - Minha mãe tentava manter seu ar doce mesmo em tempos ruins.
- Não, mãe, obrigado. - Eu abracei-me e deitei na cama. Pensar na crueldade de Marco era algo ensurdecedor, não havia desculpa que pudesse encobrir toda a dor que Marco causava. Não havia justificativa para seus atos.
"Okay, respire, Fred" pensei "ela vai conseguir e tudo ficará bem"
"Como eu sou patético, tentando enganar minha própria consciência. Eu sei que nada ficará bem enquanto Marco nos tiver como alvo."
Qualquer coisa que eu pensava parecia patético, mas, num breve momento de loucura, eu achei a solução.
- Marco... - meus lábios sussurraram.
......
Depois de vinte e cinco minutos eu decidi o que fazer. Corri até o frigobar e procurei uma faca, porém, fui infeliz ao fazê-lo. Olhei por todo o quarto, não havia nada que eu pudesse usar para me defender. Teria de enfrentar Marco sozinho e sem "armas".
Ah, verdade, não lhe falei sobre meu plano. Bom, ele é relativamente simples. Eu iria até a casa de Emily onde eu, por instinto, achei que Marco estaria. Eu entraria lá ( ainda não pensei nessa parte), confrontaria-o e, possivelmente, tentaria não morrer. Simples, não?
Depois de desistir de encontrar algo para me defender, eu simplesmente deixei o quarto do hotel, batendo a porta maciça atrás de mim e, possivelmente, aquela seria a última vez que eu pensaria em Emily.
.......
Bom, durante todo o caminho, eu fiquei pensando na garota que eu mais amei na vida. Lembrei da noite em que nós dormimos juntos, lembro do prazer que ela me deu, da carícia que os seus cabelos dourados faziam no meu rosto..... Eu amo aquela garota, eu amo Emily West!
Saibam que, quando você ama - não aquele amorzinho bobo de adolescentes que acham que só por estarem se beijando e de mãos dadas aquilo é amor - tudo que você faz por aquela pessoa vale a pena, as dores da pessoa amada passam a serem suas também, e tudo isso se torna mais suportável. A vida se torna mais suportável quando você ama.
.......
Eu cheguei na frente do prédio dela.
- Freduardo Chase? - Um homem de terno escuro e de aparência jovem indagou. Seu corpo musculoso e alto me intimidou um pouco, devo admitir.
- Vo....você seria? - Minha voz gaguejou um pouco.
- Devo presumir que sim. - O rapaz concluiu. - Marco lhe espera.
Eu "travei" os pés no chão, meus tênis velhos colando-se ao asfalto. Eu esperava surpreender Marco, confrontá-lo sem que ele esperasse por isso. Só há mais um jeito de surpreende-lo, fingir que já soubesse de tudo.
- Sim, sim. - Eu disse fazendo certo descaso, já começando a me mexer.
- Ele mora na cobertura.
- Eu sei onde é. - Disse. Parecia uma menino metido entrando numa vida falsa cheia de mentiras. Até que, na minha opinião, eu estava indo bem.
Eu entrei pelo saguão, trazendo-me lembranças da noite em que vim jantar com a "doce família" de Emily. Curioso como certos ambientes nos trazem tantas memórias.
Eu cheguei ao elevador.
"Será que eles já perceberam? Já voltaram?"
Por mais que eu estivesse morrendo de medo do que poderia acontecer, de como as coisas podiam acabar, ainda ficava receoso sobre meus pais. Será que já tinham voltado? Percebido que eu fugi? Eu detesto desobedecer meus pais, sempre achei que eles tinha razão sobre a maioria das coisas. Mas aquilo era algo que eu tinha certeza absoluta que eu precisava fazer sozinho. Tinha de colocar um fim nas coisas e, se para proteger Emily eu tivesse que morrer, que assim fosse.
O elevador abriu e eu pude observar o Hall do apartamento de Emily. Uma das paredes era coberta de vidro, logo, eu podia ver o meu medo estampado em minha cara, a blusa marcando levemente a minha barriga. Do outro lado havia uma mesa com um envelope branco, um arranjo de orquídeas e uma arma.
Eu, com receio, estiquei minha mão e peguei o envelope, antes mesmo de bater na porta. Os meus dedos tocaram a finura do envelope, o qual tinha um selo vermelho com o brasão da família Farinazzo. Eu a abri e encontrei uma carta.
Caro e inútil Sr Chase,
Deve estar muito confuso agora, não? Talvez esteja até mesmo tremendo. Bom, eu acho que lhe devo uma explicação de como consegui saber que você estaria vindo para cá. Tenho funcionários no hospital, de quem você acha que é a polícia atualmente? Estou praticamente dominando tudo, Freduardo.
Talvez esteja pensando que está fazendo algo muito nobre pela Emily, mas não está. Aquela vadia terá o que merece, você apenas está tornando as coisas mais fáceis. No decorrer do tempo que você foi liberado ontem, ela acordou. Talvez ela tenha chamado por você, talvez não mas, tive uma surpresa infeliz, extremamente degradante. Ela fugiu!
Nossa, como uma mulher que perdeu o filho num acidente de carro consegue fugir de todos os meus capangas? Como vocês são tão sortudos ou, talvez, tão ingênuos? Parece algo de cinema, não? Mas eu, rapidamente, descobri a resposta. Pietro. Apenas mais um filho bastardo. Falando em filhos, você viu meu filho Enrico? Ah, que se dane ele, não é importante.
Bom, lhe fiz muitas perguntas e você, provavelmente, está se sentindo um idiota. Tem uma arma aí do seu lado, aposto que você já pensou em agarrá-la para se proteger. Surpresa! Ela está sem munição! Bom, acho que agora você ficou sem esperança mesmo.
Mas algo ainda me intriga, você será burro o suficiente para entrar na minha casa e arriscar a vida por uma garota que não vale a pena, ou será estúpido o suficiente para apenas virar as costas e deixar que eu termine as minhas coisas?
Eu fechei a carta e olhei para o lado, o leve ranger da porta começando a se abrir provocou-me um arrepio que percorreu todo o meu corpo.
"Eu te amo, Emily" pensei e, assim, entrei no apartamento dela.
Não havia iluminação alguma, não era possível enxergar um palmo na sua frente. Eu continuei a andar, meus pés tentando ser os mais gentis que podiam, minhas mãos tentavam tocar a primeira coisa que surgisse.
- Merda! - Exclamei quando senti meu pé batendo contra o sofá. Uma luz se acendeu, deixando o clima com uma aparência abafada.
Caminhei lentamente até o local que estava iluminado. Uma parede branco do lado da mesa de jantar.
- Como? - Soltei uma lufada de ar. Meus olhos não queriam aceitar aquilo. Na parede branca estavam inúmeras fotos minhas e de Emily, fotos que eu nunca pensei que existissem. Eu percorri os olhos furiosos e magoados, até que eles se fixaram numa foto específica. Eu estava sentado com Emily na grama do Ceret, nossas mãos se tocando enquanto nós olhávamos profundamente um nos olhos do outro.
Eu me virei, tendo a impressão de ter sentido algo atrás de mim. Vi um vulto passar correndo. Um vulto baixo e, de certa forma, corcunda.
- Marco? - Indaguei. - Por que não resolvemos isso sem mais charadas? Por que não podemos ser..... cavalheiros? - Perguntei receoso, não queria ouvir a voz dele.
A luz que iluminava aquele pequeno local em que estava se apagou e, de repente, outra se acendeu, iluminando o meio do apartamento. Pude sentir minha respiração se alterando.
- Estou cansado deste jogo! - Gritei. - Chega! Vamos resolver isso!
Senti uma mão atrás de minhas costas.
- Você não pode resolver nada. - A voz grave e rouca de Marco sussurrou em meu ouvido. Ao terminar de falar, as mãos pesadas de Marco lançaram-me contra o chão, lançando-me no centro iluminado.
Minhas mãos se apoiaram, recuperando-se do empurrão inesperado. Pelo menos, com o que acabara de acontecer, tive certeza de que era Marco que estava ali.
- Você matou seu irmão. - Disse.
Não houve resposta.
- Você matou o seu irmão! - Reforcei, deixando meu tom de voz bem mais forte.
- Você não sabe de nada! - Marco berrou, sua voz se sobrepondo de um jeito extremamente poderoso à minha.
Minha respiração se acelerou.
- A televisão mostrou o que aconteceu. Eles vão te achar. Eles acham que foi assassinato!
- Eles acham o que eu queria que eles achassem! Eles só sabem o que sabem porque eu deixei! - Marco entrou na minha visão, seu rosto iluminado pela recente luz branca.
Nunca fui muito fã da aparência de Marco, mas, naquele momento, ele parecia bem pior. Sua olheiras pareciam juntar-se às rugas de seu rosto, o cenho franzido, os lábios todos quebradiços e, no final de tudo, um hálito de conhaque.
- Marco, você não está em si. - Meu coração, agora, acompanhava o ritmo violento da minha respiração.
- Foda-se! - Ele berrou, começando a gesticular com o braço, revelando uma dose de conhaque na mão esquerda. Ele levantou a dose a bebeu de uma vez. - Aceita uma? - Então ele lançou o pequeno copo do lado de minha cabeça, estilhaçando vidro por todo lado, preenchendo meus fios de cabelo com eles. A risada de Marco era macabra e soturna.
Eu comecei a olhar para os lados, eu precisava urgentemente de algo para se defender. Foi uma péssima ideia ter ido até ali. Pelo menos eu devia ter ligado pra polícia, ou, sei lá, qualquer outra coisa!
Eu me virei e comecei a me arrastar, tentando desviar dos cacos de vidro.
Marco começou a rir.
- Como é bom te ver rastejando. - Ele correu até ficar ao lado de meu corpo e chutou meu estômago, fazendo uma queimação subir pela minha garganta. - Você é tão fraco. Poderia até sentir pena de você. - Ele continuou a me chutar. Minha visão fico levemente turva, provocando-me uma dor de cabeça infernal.
Eu não conseguia pensar, não sabia se devia fazer algo, eu só pensava na dor que abrangia meu estômago.
Marco, finalmente, parou de me espancar, talvez ele estivesse cansado de me bater naquela hora ou, talvez só quisesse beber mais.
- Vou pegar mais bebida. - Ele se virou , passou pela porta pela qual eu havia entrado e a trancou, acenando para mim enquanto guardava a chave no bolso de sua calça. - Você veio aqui para resolver as coisas, então, vamos resolver as coisas. - Ele se virou, acendeu todas as luzes do apartamento e se dirigiu até a cozinha.
Pois é, eu estava certo, aquele seria realmente o dia de minha morte.
Comecei a me arrastar novamente, a dor em meu abdômen me fazia grunhir e desacelerar qualquer movimento que eu tentasse fazer. Apoiei-me no sofá e pude ouvir o barulho de garrafas quebrando. Marco estava muito bêbado, talvez não tivesse nenhuma noção do que estava fazendo.
Com certo esforço, forcei-me a ficar de pé. Minhas pernas balanceavam conforme eu tentava dar passos silenciosos, eu tinha que chegar em algum quarto, eu tinha que achar um telefone, qualquer coisa com a qual eu pudesse pedir ajuda.
Tentei correr, mas minhas pernas me traíram, fazendo-me cair de joelhos. Eu me levantei novamente e me forcei a andar mais rápido, eu tinha que ir para algum lugar, ligar para alguém, achar algo para me proteger, qualquer coisa.
- Sabe - Marco começou a gritar da cozinha - até que você aguenta bem uns bons tapas. Não esperava tanto de você, na verdade, não esperava nada. - Ele riu e debochou.
Eu arregalei os olhos, sentindo que ele estava voltando.
"Droga!Droga!Droga!"
Eu abri a primeira porta que vi na frente e, de repente, me vi preso dentro de um banheiro apertado.
- Há, Fred - o mafioso começou a falar, à essa altura ele já havia voltado da cozinha - você realmente quer morrer.
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