Improbabilidades
Naquele início de tarde, lá para as 13h48, eu havia acabado de chegar da escola, depois de três dias internado no hospital e, naquele exato momento, estava no banheiro - não pergunte o que eu estava fazendo lá, isso é deselegante -. No momento em que abri a porta para ir para meu quarto deparei-me com minha mãe, fuzilando-me cruelmente.
- Não vai comer? - Disse ela.
- Não estou com fome. - Respondi na mesma forma fria que ela perguntou-me.
- Novamente?
Eu apenas olhei para ela.
- Já disse que não estou com fome.
- Então vai deixar isso te consumir?
- O que, mãe?
- A solidão, a decepção, se você deixar que isso te vença, você não estará realmente vivendo.
Eu suspirei e fui até a cozinha onde, surpreendentemente, era o lugar que eu mais conversava com a minha mãe.
- É por causa do seu corpo, filho?
Eu revirei os olhos, aquilo além de ser ridículo era estranhamente desconfortável e invasivo na minha privacidade.
- Ah pelo amor mãe. - Exclamei.
- Filho só quero te entender.
"Claro, e achar que não estou feliz com meu corpo só porque não sou definido é a melhor maneira de fazer isso, né?'" Pensei.
- Não tente, mãe, isso eu tenho que resolver sozinho.
Eu me virei, peguei uma banana na fruteira e subi para meu quarto, aquela fruta seria meu almoço. Eu não fazia a mínima ideia do porque de eu não ter fome, a comida simplesmente parecia serragem em minha boca e, se você achar isso apetitoso, meu caro, você tem sérios problemas.
Ao chegar no meu quarto bati a porta, desabei meu corpo sobre a cama e arranquei-me as calças, há muito tempo não fazia isso.
Eu peguei meu celular e entrei no facebook, procurando pelo nome de Emily, porém não tive a chance de achá-la, ela já havia excluído sua conta, ela realmente ansiava por desaparecer completamente.
Eu ouvi o som de algo arranhando, o barulho vinha de minha escrivaninha. Eu levantei preguiçosamente minhas costas e vi a pequena bolinha de pelos, Cookie, mordendo freneticamente os pés da cadeira da minha escrivaninha.
- O que você acha que está fazendo?
O cachorro olhou para mim e tentou pular na cama e, depois de falhar nas duas tentativas, começou a latir para mim, pedindo ajuda.
- Ok, só dessa vez. - Eu peguei Cookie e coloquei-o sob meu peito depois que deitei novamente na cama.
Ele correu sobre minha blusa e começou a morder minha gola e depois a lamber meu rosto.
- Cookie, cook.... - Então ele lambeu minha boca e senti uma das piores sensações. - Toma, vai lá, pega a banana. - Eu joguei um pedaço da mesma na beirada da cama e a pequena bola de pelos saiu correndo para alcança-la.
O meu celular começou a vibrar, alguém me ligava. Eu agarrei o telefone e olhei quem me ligava.
" Número desconhecido?" Pensei.
Eu deslizei a tela com o dedo e atendi a ligação.
- Alô? - Aquela palavra chave que inicia qualquer ligação.
- Fred? Está sozinho?
- Ah, o que foi Heloise?
Ao pronunciar o nome dela todas as lembranças vieram a tona, trazendo consigo uma onda de arrependimento e decepção.
- Preciso falar com você.
- Sabe.... - eu comecei a pensar em qualquer coisa para dizer e acho que acabei dizendo a pior delas - não to com tempo hoje.
- Fred, é extremamente importante! - Eu percebi o tom aflito na voz dela, mas ainda assim preferi ignorar, não estava com cabeça para problemas.
- Tchau, Heloise.
- Fred! É sobre Emily! - Ela berrou do outro lado do celular.
- E por quê isso me importaria? - Disse, talvez eu tenha sido cínico de mais.
- Pelo simples fato de que eu acho que sei onde Ela pode estar.
Eu fechei os olhos e pensei: " Ah merda, por que meu coração tem que insistir nessa história? Ele não pode simplesmente esquece-la?"
- Onde eu te encontro? - Perguntei, talvez eu me arrependesse disso depois.
.......................
- Sabe, não estou aqui para ficar dizendo bobagens. - Heloise disse. Ela estava com lápis de olho e uma blusa azul com uma calça jeans preta, seu cabelo levemente desarrumado e olhos profundos, acompanhados por poucas, porém fortes, olheiras.
- Já que nós dois não temos tempo a perder. - Minha voz soava monótona, parecia que não havia animo na mesma e, de fato, não teria razão para ter.
- Também não estou aqui para ouvir você reclamando e choramingando. - Ela aconchegou-se na poltrona do Starbucks do shopping.
- Obviamente já que não teria chances de contar-lhe nada de minha vida. - Respondi.
- Para com isso, Fred. - Ela ordenou.
- Parar com?
- Não se faça de tolo, pare de agir como se sua vida tivesse acabado, como se não lhe restasse nada, você ainda pode encontra-la.
- E se eu não quiser?- Disse.
- Ambos sabemos que não essa responsabilidade, não sabemos Fred?
Desviei o olhar.
- Evidentemente que sim. Eu nunca vi tamanho amor como o que você tem por ela.
Permaneci no silêncio.
- Saiba que o silêncio diz muito, Fred. - Ela levantou seu rosto e pegou seu muffin de chocolate.
- E o que ele lhe diz, Heloise? Hã? Se você é tão boa como psicóloga por que não me responde? Se você é tão boa pessoa por que destruiu a minha vida logo de início? - As minhas palavras não eram ditas elevadamente, porém machucavam como tiros.
- Você é um cretino, Fred. - Ela começou a embargar a voz. - Sim, você é. - Ela enxugou a primeira lágrima que escorregou de seus olhos. - Pode me machucar o quanto quiser, talvez eu mereça isso, mas saiba que não é o que a pessoa fez no passado que a define, saiba que o que a pessoa está disposta a fazer agora é o que conta.
Eu permaneci quieto, algo que andava fazendo constantemente nestes últimos dias.
- Fred, não existe bem ou mal, certo ou errado, só existem humanos e suas inescrupulosas leis que oprimem uns aos outros para tentarem ser superiores. Mas no final, tanto dinheiro e conquistas não suprem o maior desejo deles, eles precisam de amor, o amor que você tem. Não percebe, Fred? - Ela arrumou sua blusa enquanto com a outra mão pegou o muffin. - Você tem toda a sorte que precisa, você já tem o amor, você já está vivo! Então faça isso, Fred, viva! - Ela gritou e todos ao redor olharam, fazendo-a adquirir um tom avermelhado. - Vá atrás dela, Fred.
Eu olhei para ela, meus olhos lotados de lágrimas que eu recusava deixar cair.
- Sabe, Helô.... - minha voz embriagou-se igual à dela - você é muito boa com as palavras. Eu realmente a amo, a amo com toda a minha alma e vida mas......
Ela olhou para mim, ansiando pelo final da frase.
- Mas.... - continuei, funguei o nariz e disse enquanto as lágrimas rolavam pelos meus olhos. - Emily é um sonho que é melhor esquecer.
Eu desabei, algo muito raro de acontecer, coloquei a mão no rosto e as lágrimas fluíram.
- Fred, me desculpe por tudo. - Ela pegou sua bolsa branca que só agora eu percebera. - Eu acho que sei onde ela pode estar.
Eu funguei o nariz mais uma vez e enxuguei as lágrimas, recompondo-me.
- Onde? - Eu comecei a controlar minhas palavras para que lágrimas não rolassem mais.
- Talvez... - Ela pegou o celular.
-Não me venha com probabilidades, Heloise.
- O amor é uma probabilidade, Fred. - Ela sorriu, provocando-me de certa forma.
Eu respirei fundo e disse:
- Continua.
- Eu fui na casa dela no dia que ela foi embora, eu ia jantar com Hugo e ele estava lá. Marco surtou e começou a bater em todos, ela me disse para me esconder e....
- Marco? Ele agrediu Emily? Ele te agrediu? - Disse com desespero na voz, ninguém sabe do que é capaz de fazer até que seja imposta uma situação que o obrigue a fazer o seu máximo.
- Ele não encosto em mim, mas quando eu cheguei encontrei Emily jogada nos estilhaços de uma mesa de vidro.
Eu abri a boca, literalmente, e cerrei os punhos.
- Não se precipite, Fred, ela está bem, só temos de achá-la. Voltando ao assunto, acho que ela pode estar neste lugar. - Ela virou o celular e mostrou-me a foto da caixa-convite onde estava escrito: Farinazzo's.
- Já descobriu o que é isso?
- Uma pizzaria, uma casa de massas talvez, ainda não descobri ao certo. - Ela disse sacudindo a cabeça.
- Sabe o local? Tipo, a localização?
- Campos.
Eu adquiri uma expressão de dúvida.
- Campos do Jordão, Fred, acho que ela foi para lá.
- Acha que é o bastante para nós a encontrarmos?
- Acho, temos o endereço e o local. Você sabe algo a mais?
- Nada. - Eu olhei para a foto novamente e li mentalmente: Farinnazo's, onde eu já havia ouvido aquela palavra?. - É claro! - Exclamei vitoriosos.
- Oi?
- Farinnazo é o sobrenome do pai dela! é um restaurante da família!
Heloise sorriu e, subitamente, adquiriu uma expressão de desconforto.
- O que foi? - Indaguei, afinal, por que ela ficaria desconfortável com aquela informação?
- Não percebeu, Fred? Farinazzo, como você mesmo disse, é da família dela, será que podemos confiar? E se for Marco que controla esse restaurante?
-Eu não sei Heloise e, sinceramente, estou com medo mas, como dito pela senhorita, o amor é uma improbabilidade. Eu vou pensar, Helô, com todo coração.
- Deixe o sentimento te guiar, ele pode nos levar às piores situações, mas muitas vezes, também nos levam nas quais ficamos felizes em não esquecer.
- Eu só não sei o que fazer. - Disse.
Ela se aproximou de meu corpo e seguro minhas mãos dizendo:
- Nós nunca sabemos.
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